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quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Portugal e a Guerra Civil Espanhola

O envolvimento direto de Salazar (e da ditadura de que foi o máximo expoente) ‬no golpe militar de‭ ‬17‭ ‬de Julho de‭ ‬1936‭ ‬contra a IIª República espanhola tem sido minimizado pela historiografia oficial,‭ ‬alegadamente por falta de provas documentais.‭ ‬Contudo,‭ ‬uma análise dos fatos conhecidos,‭ ‬refrescados pela divulgação recente das reuniões mantidas pelo ditador,‭ ‬no próprio dia do golpe,‭ ‬às‭ ‬22:45,‭ ‬com Ricardo Espírito Santo,‭ ‬presidente do BES,‭ ‬o banco que desempenharia um papel fundamental no financiamento da sublevação fascista,‭ ‬e,‭ ‬no dia seguinte,‭ ‬18‭ ‬de Julho,‭ ‬com o chefe dos conspiradores,‭ ‬exilado em Portugal,‭ ‬General Sanjurjo,‭ ‬tornam evidente esta implicação.

A proclamação da IIª República espanhola em Abril de‭ ‬1931,‭ ‬que pôs fim à monarquia depois da ditadura de Primo de Rivera,‭ ‬surpreende a Ditadura Nacional nas tarefas de controlo da‭ “‬Revolta da Madeira‭”‬.‭ ‬Os republicanos portugueses exilados das revoltas que se tinham sucedido no nosso país depois do golpe militar de‭ ‬28‭ ‬de Maio de‭ ‬1926,‭ ‬até ali refugiados em Espanha e França,‭ ‬passaram a contar com o apoio dos novos governantes espanhóis na luta contra o regime ditatorial português.‭ ‬Conscientes do perigo que representava a nova situação para o seu futuro,‭ ‬os responsáveis pela ditadura portuguesa puseram em marcha uma campanha avivando o anti-espanholismo na opinião pública portuguesa‭ 1.

Esta campanha essencialmente propagandística,‭ ‬levada a cabo pela generalidade dos jornais e rádios portugueses,‭ ‬viria a conhecer um interregno,‭ ‬depois da vitória da coligação de direita de Gil Robles e Alejandro Lerroux nas eleições espanholas de‭ ‬1933,‭ ‬de que resultaria,‭ ‬inclusive,‭ ‬o reconhecimento oficial da IIª República por parte de Portugal,‭ ‬mas viria a ser retomada com mais afinco quando,‭ ‬em Fevereiro de‭ ‬1936,‭ ‬a Frente Popular,‭ ‬coligação de forças de esquerda e independentistas,‭ ‬ganhou as eleições legislativas no Estado espanhol.‭ ‬Desta vez,‭ ‬ao contrário das eleições de‭ ‬1933,‭ ‬os anarquistas e anarco-sindicalistas organizados na FAI,‭ ‬Federação Anarquista Ibérica,‭ ‬e na CNT,‭ ‬Confederação Nacional do Trabalho,‭ ‬não deram indicação abstencionista.‭

sábado, 27 de junho de 2015

Os incompatíveis. À luz do passado fascista de Mircea Eliade através de Mihail Sebastian

Mihail Sebastian // Mircea Eliade
A amizade entre o estudioso das religiões Mircea Eliade e o novelista Mihail Sebastian era tão prometedora como o mundo na qual ela nasceu: a esperança palpável de um futuro melhor para Romênia, de um esperado debut literário para ambos e o amor compartilhado de uma mulher excepcional. Contudo, o surgimento do nazismo obscureceu tudo e os arrastou a um desencontro inimaginável pouco anos antes. Agora, a publicação malograda de uma série de livros permite reconstruir a história dessa amizade desde todos seus pontos de vista - assinados, todos, por uma extraordinária peculiaridade romena: a compatibilidade de incompatibilidades.

Por Juan Forn

Como Heidegger, Mircea Eliade também tinha um esqueleto no armário. Como Heidegger, os pecados políticos de Eliade implicaram numa traição a um ser querido. No caso de Heidegger, sua amante, a jovem Hannah Arendt. No caso de Eliade, seu melhor amigo de juventude, o escritor Mihail Sebastian. Diferentemente de Heidegger, Eliade nunca voltou a ver sua vítima: Mihail Sebastian morreu um ano depois do término da Segunda Guerra. Mas tal como Heidegger foi (para muitos incompreensivelmente) perdoado por Arendt, Mihail Sebastian terminou condenado sem resolver a questão com Eliade na tumba, e quando seu cadáver estava há mais de quatro décadas enterrado, Eliade passou este mesmo tempo desfrutando sua glória acadêmica nos Estados Unidos.

Talvez seja imprescindível ser judeu e romeno para entender em sua justa proporção a trágica história de Eliade e Sebastian. Ou talvez o alcance em ler a formidável novela autobiográfica "El regreso del húligan" (O regresso do hooligan), de Norman Manea (e seu livro de contos "Felicidad obligatoria" e seus ensaios como "Payasos. El dictador y el artista"), para entender que uma história não termina até que alguém a conte, alguém para quem essa história contém cifrada sua identidade como escritor.

Vamos por partes. Norman Manea é judeu e romeno ("um judeu do Danúbio" como prefere dizer ele), nascido trinta anos mais tarde de Eliade e Sebastian na Bucovina, no confim do Império Austro-Húngaro, que depois da Primeira Guerra se converteu em território romeno. Ao contrário de seus vizinhos, a Romênia (o mais latino dos países mitteleuropeus, ou Europa Central) pelejou aquela guerra no grupo oposto ao Kaiser e, no reparto posterior à vitória, o Tratado de Versalhes a premiou com os territórios da Bucovina e da Bessarábia. Nunca foi tão grande e próspero o território romeno (Bucovina, por exemplo, hoje pertence à Ucrânia); nunca foi mais mentiroso o comportamento dos romenos: na encruzilhada, a que vai do ano '30 até a entrada na Segunda Guerra ao lado dos nazis, Norman Manea situa o começo da quebra moral de seu país, com a escalada nacionalista antissemita, que não só havia de arrasar com a amizade entre Eliade e Sebastian, como que, décadas depois, terminaria convertendo a Romênia de Ceaucescu no único regime totalitário do mundo que praticava o comunismo e o fascismo ao mesmo tempo.

Eliade e Sebastian se conheceram em meados dos anos '20 ao ingressar na Universidade de Bucareste. Os dois queriam ser escritores, os dois mostravam um talento igualmente promissor, os dois eram (como os também jovens Emil Cioran e Eugene Ionesco) discípulos do famoso professor de lógica e metafísica Nae Ionesco. Eliade era, como seu mestre, cristão ortodoxo. Sebastian, cujo verdadeiro nome era Iosef Hechter (já veremos porque adotou em seus documentos esse pseudônimo em 1935), havia nascido no mesmo povoado do seu mestre, Braila, mas era judeu. A amizade entre ambos os jovens se desenvolveu sob a tutela de Ionescu e de uma jovem chamada Nina Mares, que seria primeiro namorada platônica de Sebastian e depois se casaria com Eliade. Nina passava à máquina os primeiros textos de Eliade e Sebastian enquanto eles percorriam o país dando conferências como membros da Associação Cultural Criterion, pregando o advento de uma nova literatura romena (eram anos de fervente curiosidade intelectual naquele país: para entendê-lo cabalmente, pode-se mencionar o fato de que os editores franceses, italianos e alemães vendiam quase uma décima parte de sua produção a livrarias romenas).

Sebastian adquiriu logo renome como jornalista ao se graduar, Eliade preferiu ensinar na universidade (uma viagem pela Índia que fez em fins dos anos '20 definiu a orientação intelectual de sua carreira), mas os dois jovens seguiam apostando em segredo pelas novelas que estavam escrevendo e que o professor Ionescu havia prometido prefaciar. Assim chegamos ao ano de 1934. Sebastian termina sua novela e a entrega a Ionescu para que ele escreva o prólogo. Entretanto, chamuscado pelos novos ares que sopravam da Itália e Alemanha, Nae Ionescu começou a se distanciar do cosmopolitismo pan-europeu e a predicar as bondades do fascismo mussoliniano e do programa de depuração nacionalista que pregava Adolf Hitler direto das páginas de Mein Kampf. Ionescu não havia se juntado ao movimento ultranacionalista Guarda de Ferro (fato que produziria a falência da Criterion), mas o texto que escreve para a novela de Sebastian (uma saga sobre os judeus do Danúbio intitulada "Desde hace dos mil años") é de uma virulência estremecedora. Em todo o prólogo se refere a Sebastian não pelo pseudônimo escolhido mas por seu sobrenome judeu, sustenta que a identidade romena se baseia de forma "inalienável" no cristianismo ortodoxo e diz coisas tão incendiárias como: "Iosef Hechter, tu estás enfermo porque só podes sofrer. Iosef Hechter, não sentes como se apoderam de ti o frio e as trevas?"

Ainda que Sebastian comentara perturbado a Eliade quando lhe mostrou o prólogo: "É uma autêntica condenação à morte", não se atreveu a retirá-lo antes da publicação. O livro produziu o previsível escândalo. Acusado pela esquerda e pela direita (de "inimigo" pelos judeus e de "pária" pelos nacionalistas), Sebastian não só adotou em seus documentos seu pseudônimo literário senão que escreveu uma resposta a todos aqueles ataques, um livro tão breve como potente que intitulou: "Cómo me hice húligan" ["Como me tornaram um vândalo"] (nesse mesmo ano Eliade havia publicado finalmente sua novela, chamada "Los jóvenes bárbaros"- título em romeno Huliganii -; é sugestivo assinalar que, nos anos comunistas na Romênia, aquele termo se usaria para assinalar a todo o inimigo do regime). O certo é que Eliade foi um dos poucos integrantes da Criterion que saiu em defesa de Sebastian, mas lentamente ele também adotou o rumo ideológico de seu mentor Ionescu, para então alcunhar "o Sócrates legionário". Em 1936 Eliade escreveu: "Sem delongas, sim, Mussolini é um tirano. Mas me interessa uma só coisa: que ele transformou um Estado de terceira ordem em uma das potências do mundo" (este sugestivo olhar internacional não se limitava à Itália; também disse o seguinte sobre a Hungria e Bulgária em 1937: "Dos chefes políticos da Transilvânia heroica, castigados e humilhados durante séculos pelos húngaros, o povo mais imbecil que existe na História depois dos búlgaros, esperamos nós uma Romênia nacionalista, armada, vigorosa, implacável e vingadora").

Muito já discutiram os intelectuais romenos que ficaram e os que se exilaram se Eliade pertenceu ou não à Guarda de Ferro. O certo é que, quando em 1938 a cúpula legionária (incluindo Ionescu) foi presa, Eliade se trasladou de apuro a Londres, onde logo se somou à delegação diplomática do governo militar de Antonescu na Inglaterra, até que a entrada da Romênia na guerra do lado nazi o obrigou a se trasladar para a embaixada de seu país em Lisboa (em Portugal Eliade passou toda a guerra; ali escreveu fervorosos elogios ao tirano Salazar e aos "mártires" franquistas da Guerra Civil espanhola). Sebastian permaneceu na Romênia, sobreviveu por milagre às purgas antissemitas e, em determinado momento de 1942, quando Eliade voltou à Bucareste incógnito (levando uma mensagem de Salazar para Antonescu), tentou contatá-lo para lhe pedir ajuda, mas Eliade evitou vê-lo. Até então, Sebastian outorgava o benefício da dúvida a seu amigo, mas esse episódio decretou o fim da amizade.

Em agosto de 1944, caiu o regime pró-nazi de Antonescu, os russos entraram em Bucareste e a Romênia se juntou aos Aliados na arremetida final contra a Alemanha. Em dezembro de 1944, Sebastian se inteirou da morte de Nina Eliade e escreveu em seu diário: "Uma onda de recordações se levanta do passado. Seu quartinho na pensão: a máquina de escrever na qual copiou as novelas de Mircea e minha, seu inesperado amor, sua boda civil em segredo, nossos anos de amizade fraternal e depois os anos de confusão e desintegração até a ruptura, a inimizade e o esquecimento. Tudo está morto, desaparecido, perdido para sempre". Menos de três meses depois, reabilitado pelo novo governo com uma cátedra na recém fundada Universidade Livre e Democrática, Mihail Sebastian esperava o bonde para dar sua primeira aula quando um caminhão o atropelou e o matou na hora. Eliade escreve a respeito em seu Diário português: "Tenho me inteirado pela Rádio Romênia de que Mihail Sebastian morreu ontem. A notícia me transtorna. Em meus sonhos era uma das poucas pessoas que me haviam feito Bucareste ser suportável. Inclusive durante meu clímax legionário o senti perto de mim. Contava com essa amizade para voltar à vida e à cultura romenas. E agora se foi atropelado por um caminhão! Com ele se vai também minha juventude. A maioria da gente que quis está mais além. Sinto-me mais só que nunca. Adeus, Mihail".

Terminada a guerra, Eliade se trasladou para Paris, onde foi professor da Ecole des Hautes-Etudes. Nos anos '50 emigrou para os Estados Unidos, onde alcançou a celebridade mundial como estudioso das religiões e onde morreu, em Chicago, em 1986. Diferentemente de Cioran, que na velhice confessou com escárnio suas simpatias legionárias da juventude (em seus diários evoca várias conversas com Ionescu nas quais, corado, pergunta-se: "Como pode ser tão insensato?"), Eliade deixou escritos quatro tomos de memórias mas nunca fez a menor luz sobre seu passado legionário (o médico de cabeceira que assinou seu atestado de óbito era outro romeno exilado de nome Alexandru Ronett, fervoroso legionário que havia dado asilo em seu hogar norte-americano à sobrinha do sanguinário chefe da Guarda de Ferro, Corneliu Codreanu).

Pouco depois, Beno Sebastian, o irmão mais novo de Mihail, morreu em Paris em 1990, sua filha entregou para sua publicação o diário que escreveu Mihail entre 1935 e 1944, um texto que havia sido tirado clandestinamente da Romênia e que Beno se negou a dar a conhecer em vida. Eliade já havia morrido há dez anos quando o texto por fim foi publicado, em 1996, e desatou a polêmica. Sob a pressão da adversidade e do horror, Mihail Sebastian conserva nas páginas de seu Diário a graça da inteligência. O tom intimista, a mistura de afeto e horror com a qual retrata a evolução de suas amizades (em particular as de Eliade, Cioran e Nae Ionescu) e os infortúnios que lhe tocam viver é demolidora. Sebastian nunca acreditou que sobreviveria à guerra. Mas escrevia essas páginas não para a posteridade senão unicamente para si, para manter secretamente sua relação com a escritura (como judeu, era proibido de publicar e ser jornalista).

O texto mais explosivo que se escreveu sobre a relação de Eliade e Sebastian o fez Norman Manea. Exilado ele mesmo do regime de Ceaucescu, e antes sobrevivente do campo de concentração durante a Segunda Guerra, Manea sofreu na própria carne o antissemitismo romeno e essa bizarra combinação de stalinismo e fascismo que asfixiou durante décadas seu país. O texto no qual compara o Diário de Sebastian com as Memórias e o Diário português de Eliade foi publicado na prestigiosa revista The New Republic (com o título "Felix culpa") e lhe valeu ameaças de morte provenientes tanto da Romênia pós-comunista como dos grupos de exilados romenos nos Estados Unidos. Manea se converteu para os romenos no que Orhan Pamuk representa para os turcos. Isso não evitou que Manea duplicasse a aposta alguns anos depois com sua novela "El regreso del húligan", um tipo de summa autobiográfica que funciona por sua vez como novela picaresca, ensaio político e afresco histórico do século XX romeno, e que lhe valeu desde sua aparição a candidatura ao Nobel.

Celebrado por autores como Claudio Magris, Philip Roth, Milan Kundera, Saul Bellow, Imre Kertesz e Antonio Tabucchi, o formidável livro de Manea propõe um contraponto entre a primeira viagem a sua terra natal depois de exilado (comparável ao que Tzvetan Todorov fez à Bulgária no "El hombre desplazado", em português "O homem desenraizado") e a história de sua vida na Romênia desde o momento em que seus pais o engendraram em Bucovina, no mesmo ano em que Eliade publicou sua novela hooligan e Sebastian seu manifesto anti-hooligan (a referência não é gratuita: os pais de Manea o conceberam nos altos de uma livraria onde ambos os livros, recém publicados, são o centro de um prolongado e febril debate sobre o futuro entre os mais jovens membros do clã Manea e seus amigos, que ignoram que pouco depois seriam arreados em conjunto para campos de concentração da Transnístria).

Manea relata com o mesmo desembaraço a episódios completamente incompatíveis. Vale a pena mencionar dois deles, arrepiantes: num conta como a polícia secreta romena convenceu a seu melhor amigo para que o espiasse, em troca de uma cama de hospital para seu pai moribundo (o amigo confessa isso a Manea e entre ambos redigem os relatórios de delação, assim creem haver burlado à Segurança até que o amigo consegue escapar da Romênia, e Manea passa anos observando paranoico a cada um de seus amigos, perguntando-lhes quem será o novo delator); o outro episódio é o misterioso assassinato do catedrático Ioan Culianu, em pleno dia, nos banhos da Universidade de Chicago. Culianu havia sido um colaborador de Eliade (graças a este havia chegado ao Estados Unidos) que, depois da morte de seu mentor, estava escrevendo um livro sobre o passado político de Eliade. Quando o FBI investigou o caso, apresentou a Manea para que os ajudassem a determinar se o assassino foi enviado pelo ex-rei romeno no exílio, ou uma seita parapsicológica inimiga das investigações religiosas de Culianu, ou pela "máfia acadêmica" (sic) ou os legionários sobreviventes no exílio, ou o novo governo romeno pós-comunista, ou por um/ou mero amante despeitado/a.

A assombrosa naturalidade com que Manea vem e vai ao longo do tempo por situações e registros inconcebíveis tem sua explicação numa frase de Mihail Sebastian que o autor de "El regreso del húligan" cita e completa. "Não há nada mais sério, nada mais grave, nada mais certo e nada mais falso nesta cultura de panfletários sorridentes. Sobretudo, nada é incompatível. Há aí uma noção que lhe falta completamente a nossa vida pública em todos seus planos: o incompatível", escreveu Sebastian em seu Diário em 1943. Manea vê nesta frase uma explicação antecipada tanto do inverossímil sistema político da Romênia de Ceaucescu, assim como do culto a um estudioso das religiões como Eliade que praticou uma ditadura supostamente ateu-materialista: "Em nenhuma parte se dá tão estranha, incompreensível compatibilidade entre incompatibilidades, entre os que poderíamos chamar convencionalmente de bons e maus. As evasivas e desconcertantes certezas morais, e não só morais, de nosso país. Muitas vezes ofereceram surpresas terríveis mas, é justo dizê-lo, houve também alguma surpresa benéfica de vez em quando. Só assim pode se explicar que um país onde se cometeram tais atrocidades contra a população judaica, tenha se conseguido sobreviver boa parte dela".

Correndo o risco de que a Manea arrepie os cabelos, para a exígua lista de surpresas benéficas produzidas por essa característica romena, deve-se agregar ao pequeno milagre de diversidade tonal que é "El regreso del húligan" ("O regresso do hooligan"). E outra mais: que a tradução de três livros de Manea ao castelhano, como a do Diário de Sebastian, como as do Diário português e a novela "Los jóvenes bárbaros" de Eliade, tenham sido lançadas ao longo dos últimos cinco anos, pela mesma pessoa: o espanhol residente em Bucareste Joaquín Garrigós. Só a Romênia pode fazer com que se sucedam coisas assim.

"El regreso del húligan" ("O regresso do hooligan"), "Felicidad obligatoria" e "Payasos", de Norman Manea, foram publicados pela Tusquets (Editora). "Diario 1935-1944", de Mihail Sebastian, e "Los jóvenes bárbaros" de Mircea Eliade, foram publicados pela Destino. O "Diário português", de Eliade, foi publicado pela Kairós.

Fonte: Página 12 (Argentina)
http://www.pagina12.com.ar/diario/suplementos/libros/10-2661-2007-08-12.html
Título original: Los incompatibles
Tradução: Roberto Lucena
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Notas:

1. O termo "húligan" no texto se refere a "hooligan" (em português se mantém a grafia inglesa, pro espanhol eles "espanholizaram" a palavra). Caso alguém ache estranho a palavra, significa isso mesmo, que num sentido amplo, ou no aplicado ao texto, "hooligan" é referente a vandalismo ou gangue de rua. Provavelmente é uma referência à Guarda de Ferro romena que também recebia a alcunha de Legião de São Miguel Arcanjo, por isso o termo "legionários" aparece com certa frequência no texto.

2. Eu não fiz uma observação no texto anterior sobre o Eliade que era a de comentar a origem da difusão desse tipo de autor fascista no país. Pensei em colocar num post à parte (é uma possibilidade), mas se for o caso vai ficar nesse post ou no anterior mesmo.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

O fascista romeno "cultuado" no Brasil - Mircea Eliade e o cavalo de Troia no mundo acadêmico

Mircea Eliade e o cavalo de Troia no mundo acadêmico, por Wolfgang Karrer

A orientação fascista de Mircea Eliade (1907-1986) está bem documentada pelo menos desde a publicação de Cioran, Eliade, Ionesco: l’oubli du fascisme [Cioran, Eliade, Ionesco: o esquecimento do fascismo], um livro de Alexandra Laignel-Lavastine do ano de 2002. Foi traduzido pro italiano, e na Argentina foi resenhado em 6 de outubro do mesmo ano no Página 12. Também na Wikipedia atual concede lentamente esta orientação ideológica a Mircea Eliade, ainda que trate de diminui-la como se tratasse de um "pecadinho juvenil".

Nesse ensaio quero demonstrar (usando o livro de Laignel-Lavastine) que esta orientação sobreviveu à Segunda Guerra Mundial e que de certo modo Eliade se manteve fiel a suas convicções de ultradireita até sua morte. Vou apoiar esta tese com citações de Eliade, traduzidas pro espanhol por mim. Já é tempo de enfrentar suas ideias do eterno retorno, da ordem cósmica, do sacrifício e do xamanismo com mais crítica.

O terror na história de Mircea Eliade

Um breve resumo da vida de Mircea Eliade (1907-1986) até 1945 aclarará suas posições fascistas (Laignel-Lavastine 2002, 33-328). Como estudante en Bucareste, Eliade se destaca com um manifesto "O itinerário espiritual" (1927), no qual ele ataca "o mito do progresso sem fim" da ciência e da tecnologia e proclama valores novos para sua geração. Claramente se afilia com o movimento irracionalista de Chamberlein, Spengler, Papini etc. A circulação do manifesto o converte no líder estudantil de Bucareste, onde se encontram em 1927 jovens como Tristan Tzara, Victor Brauner, Constantin Brancusi e Emil Cioran. (A afiliação de Cioran ao nazismo forma outra parte do livro de Laignel-Lavastine). No mesmo ano se constitui uma organização militante de ultradireita na Romênia, a Guarda de Ferro. Imitava as quadras fascistas da Itália, introduzindo camisas verdes e a saudação romana (108-20). Militava contra os judeus como a origem da maçonaria, o freudismo, o marxismo e o ateísmo, e lutava por uma revolução espiritual nacionalista no país. Eliade se fez assistente acadêmico de Nae Ionescu, professor e ideólogo principal da direita em Bucareste (57-63).

O círculo intelectual de Eliade compartilhava muitas posições da Guarda de Ferro, ainda que inicialmente se absteve da atividade política. Começou com uma atividade jornalística febril: 250 artigos entre 1925 e 1928, e outros 250 mais entre 1932-33 (40), em todos propagando um nacionalismo autóctone. Com a conversão de seu professor Nae Ionesco em 1933 à Guarda de Ferro, o tono de Eliade também se faz mais militante, e mais fascista (85-120). Assim como Ionescu se converte num propagandista aberto do fascismo italiano e de sua variante cristã-antissemita na Romênia. Os artigos de Eliade o mostram claramente antissemita, pró-fascista e também militante no sentido da ação direta. Entre os líderes da Guarda de Ferro tem alguns amigos íntimos, com os quais mantém um contínuo contato. Quando a Guarda de Ferro começa a assassinar políticos e a formar oficialmente "esquadrões da morte" (echipele mortii), Eliade não se distancia, pelo contrário, segue publicando propaganda e participa da campanha eleitoral da Guarda de Ferro em 1937.

Ao mesmo tempo, Eliade ensina a história das religiões na Universidade de Bucareste. Nessas ensinanças, que vão formar a base de suas obras sobre ideias religiosas, publicadas a partir de 1949, o historiador de religiões põe suas aulas a serviço da "revolução espiritual" pela qual lutavam ele e seus amigos da Guarda de Ferro (165-234). Em 1936, por exemplo, recomenda o uso de um mito central e símbolos míticos de uma nova "ordem cósmica" para fortalecer a ideologia da Guarda (177). Propõe seguir o modelo de Mussolini e sacralizar a política (179), especialmente com ritos de sacrifício e de cultos aos fascistas mortos para "um renascimento espiritual" da Romênia (202-05). Busca analogias em textos históricos para propor um totalitarismo "cristão" (205-08). Numa pré-história romena encontra traços de um cristianismo arcaico para fundar uma nova Romênia, unida como "povo eleito" numa religião cósmica (209) e lamenta os ataques dos profetas israelitas contra a religião cósmica de Canaã (213). Também afirma em 1937:
"Romênia cometeu a loucura de mostrar ao Ocidente que uma vida civil perfeita só se pode conseguir com uma vida autenticamente cristã e que o destino mais sublime de um povo é fazer história a medias de valores supra-históricos." (211)
Ou seja, ele utiliza a mitologia religiosa e a pré-história para apoiar o movimento fascista e erigir um estado totalitário cristão na Romênia. "Religião cósmica", "espiritual" e "revolução" são as palavras-chaves para disfarçar tanto o fascismo antissemita e xenófobo. Tanto Eliade como seu professor Ionescu fazem o trabalho na Romênia de Julius Évola, com o qual se encontram amistosamente em 1938, que leva isto adiante na Itália.

A simpatia de Eliade por Hitler também deixa rastros em seus textos, em suas cartas e conversações, ainda que, sem dúvida, prefira um fascismo mais cristão:
"O povo romeno pode resignar-se à mais triste decomposição que sua história jamais conheceu, admitir que tenha sido abatido pela miséria e a sífilis, invadida pelos judeus, e destroçado pedaços por estrangeiros, desmoralizado, traído, vendido por alguns milhões de lei? "Porque eu não creio no Movimento Legionário", Dezembro 1937" (226)
Elogia outro movimento cristão-fascista com as palavras: "Inclusive é melhor que Hitler". (184) Defende, ainda que de maneira ambígua, a noite contra as sinagogas na Alemanha; compara-a favoravelmente com as barbaridades anticristãs na Rússia e na Espanha (224). Nos textos de 1937 a 1945 já não restam dúvidas: Eliade é pró-Mussolini e é pró-Hitler. Fascista no mais completo sentido, mas à moda "romena". E não é tão jovem, completa 30 anos em 1937 e 38 em 1945.

As repressões e o golpes de estado que seguem às eleições de 1937 levam os membros dirigentes da Guarda de Ferro e Eliade à prisão, onde os legionários cantam "Gott mit uns!", protestando com a canção da SS (196). Eliade escapa do fuzilamento de seus amigos, mas é proibido de ensinar. Pensa em emigrar, mas em 1940 um governo (que já não crê mais na vitória dos aliados) libera os legionários e oferece a Eliade um posto na embaixada romena em Londres, como agregado cultural através do novo ministro de propaganda de Bucareste (200-01).

Na Inglaterra, o Foreign Office (Ministério de Relações Exteriores) o mantém sob vigilância, caracterizando-lhe como a pessoa mais nazificada na embaixada. Eliade se sente com as mãos atadas, impedido de propagar sua causa romena. Quando o governo inglês rompe com o governo de Bucareste (agora abertamente pró-nazi) em 1941, o traslado de Eliado para Lisboa foi a única alternativa para sair da Inglaterra (275-282).

À diferença do sucedido em Londres, na embaixada de Lisboa, Eliade encontra oportunidades para desenvolver sua propaganda fascista para o governo de Antonescu (286-324). A homenagem que realiza ao ditador Salazar mostra claramente qual era a nova ordem cósmica ou a revolução espiritual que propagava entre 1937 e 1945. O livro sobre Salazar não foi realizado por encargo, ainda que se tratasse de uma contribuição voluntária de Eliade a "uma forma cristã de totalitarismo", algo que ele definia também com a "reintegração do homem nos ritos cósmicos" (297). Como a derrota do fascismo na Segunda Guerra se fazia cada vez mais e mais evidente, Mussolini e o governo pró-nazi de Anotnescu foram substituídos, e Eliade, depois de escrever sobre o grande "sacrifício" dos soldados de Stalingrado (320), do horror do pacto "anglo-bolchevique" (275) e da iminente invasão norte-americana com a "degradação da Europa" (322), perdeu seu posto na embaixada (como um dos três mais expostos na propaganda fascista). Antes de renunciar, não deixou de lamentar a queda de Mussolini (322); ou seja, até o último momento manteve sua propaganda antissemita.

Em meio à enorme crise de 1944, Eliade retoma seu trabalho sobre história das religiões, ou seja, volta aos manuscritos de suas conferências em Bucareste. Em Portugal começa a escrever Le Mythe de l’éternel retour, o livro com o qual deve seu regresso ao mundo acadêmico depois de 49. Também seu primeiro livro pós-guerra, Traité d’histoire des religions (1949), tem suas raízes na derrota fascista de 44 e em 45.

O cavalo de Troia entre acadêmicos

A vida de Mircea Eliade depois da guerra se divide em duas fases: a de Paris (1945 até 1957) e a de Chicago (1957-1986). As duas estão estreitamente vinculadas. Aterrorizado de que se revelasse seu passado, começa a apagar sistematicamente seu rancor. Como quase ninguém lia romeno em Paris ou Chicago, encontrava bastante terreno para suas pretensões. Inclusive lhe ocultava seu passado a seus amigos mais próximos (383-416). Até sua morte nos Estados Unidos, guardou silêncio sobre os velhos tempos, ainda que não deixasse de manter relações com Julius Évola e os legionários exilados em Chicago. (O assassinato de seu aluno brilhante, Ioan Culiano, tem implicações legionárias não esclarecidas, como demonstra Laignel-Lavastine (485-89). Nos anos oitenta Eliade trabalhava com a NOVA DIREITA na França (461-62).

Do outro lado, Eliade se rodeava de um círculo de amigos, alunos deles judeus, que o protegem, às vezes ignorando seu passado: Georges Dumezil, Paul Ricoeur, Gershom Scholem e Saul Bellow, entre outros. E há gente com influência e muito dinheiro que o ajudam na recuperação de seus postos acadêmicos. Consegue acesso ao grupo Eranos de Carl Gustav Jung, a quem havia mostrado certas simpatias com Hitler nos anos 30, e através dele obtém apoio da Fundação Bollingen. O dinheiro provinha da família multimilionária dos Mellon nos EUA, e Jung tinha certa influência na fundação. Em todo caso, a beca da Fundação Bollingen lhe abriu o caminho à cátedra em Chicago. Uma quarta estratégia para acobertar seu passado foi uma extensa publicação de memórias, diários e reminiscências, tão parciais como em certos casos desonestas. A única exceção foi o diário de Portugal, que não foi redigido por Eliade, e que mostra suas ideias antes da derrota do fascismo.

Também há um vínculo forte entre as duas fases de Paris e Chicago com o passado de Bucareste e Lisboa. Não somente os dois primeiros livros de 1949, senão muito do que escreveu Eliade depois desse ano retém as posições centrais do seu passado. Laignel-Lavastine mostra em detalhe como cinco temas preferidos de Eliade repetem posições do fascismo cristão de sua época anterior:

A religião como oculta hierofania (que esconde e revela)
O culto do herói no labirinto (como modelo arquetípico)
O sacrifício sagrado como purga (o Holocausto)
O terror para história (consolado pela repetição)
O eterno retorno do pré-histórico (420-33)

Esses temas, em parte, evidenciam a posição intelectual que sustenta Eliade, de seu desejo de escapar de sua própria história - algo parecido com o caso de Paul de Man -, mas também mantém os fundamentos do fascismo espiritual de 37 a 45. Por exemplo, Eliade retém a ideia de que os judeus (depois del 45 Eliade usa a palavra "hebreus") substituíram a velha ordem cíclica do cosmos por uma concepção linear do tempo. O que diz sub-repticiamente, é que isso significa o desenvolvimento do mito do progresso, do racionalismo, da iluminação, das ciências, da tecnologia, da maçonaria, do freudianismo, do marxismo e da época moderna (212, 234, 429-51). O núcleo fascista de sua filosofia de religiões ficou intacto. É "O mito da reintegração" (um livro de 1942), "A necessidade de crer" (299), e o rechaço das ciências.

Por que então Eliade busca as universidade, os centros de ciências, da maçonaria judia, do racionalismo? Porque não se contentou com o rol de um Xamã da New Age nos EUA? Desde 1944, planificava em seu diário penetrar na Europa como um "cavalo de Troia no campo científico" (324). Já não confiava numa legião paramilitar para estabelecer seu totalitarismo espiritual. Queria destruir a cidadela das universidades desde dentro. Ou seja, continuar sua propaganda totalitária sob a camuflagem de uma história das religiões, que propagava o retorno de uma "ontologia arcaica" para deter a dissolução da "ordem cósmica" da sociedade.

Considerando essas luzes do passado, lê-se de outro modo o projeto de 1945, O mito do eterno retorno (há tradução espanhola na rede), esse livro que fez famoso entre leitores que não conheciam suas convicções subjacentes. Não contamos com o espaço para uma análise extensa, mas uma menção a umas linhas do prólogo mostra que Eliade não aceitou a derrota de suas ideias fascistas:
"O mito do eterno retorno é uma original introdução à Filosofia da História, cujo objeto de estudo são os mitos e crenças das sociedades tradicionais, movidas pela nostalgia do regresso às origens e rebeldes contra o tempo concreto. As categorias em que se expressa essa negação da história são os arquétipos e a repetição, instrumentos necessários para rechaçar as sequências lineares e a ideia de progresso. Um rechaço no que subyace, contudo, uma valorização metafísica da existência humana, uma ontologia arcaica que a antropologia filosófica deve incluir em suas reflexões em pé de igualdade com as concepções da cultural ocidental".
Eliade pretende escrever um ensaio sobre a filosofia da história (7), contudo o que oferece é um ataque ao "historicismo" racional de Hegel e Marx. Busca trocar a história pelo mito. O mito do eterno retorno é o perfeito cavalo de Troia para reintroduzis as bases ideológicas da Guarda de Ferro: a sacralização da política.

Em vez de comentá-las, convido a ler as seguintes citações tendo em conta que o livro foi começado em 1945, quando era derrotado o fascismo que propagava Eliade antes de sua demissão:
"Viver de conformidade com os arquétipos equivalia a respeitar a "lei", a lei não era senão uma hierofania primordial, a revelação in illo tempore das normas da existência, feita por uma divindade ou um ser místico". (58).

"Devemos agregar que esta concepção tradicional de uma defesa contra a história, essa matéria de suportar os acontecimentos históricos, seguiu dominando o mundo até uma época muita próxima a nós (1945); e que ainda hoje segue consolando sociedades agrícolas (tradicionais) europeias que se mantém com obstinação numa posição anti-histórica e por esse fato que se encontram expostas aos ataques violentos de todas as ideologias revolucionárias". (89)

"E, num momento (1945) no qual a história podia aniquilar a espécie humana em sua totalidade - coisa que nem o Cosmos, nem o homem, nem a causalidade conseguiram fazer até agora - não seria estranho que nos fosse dado assistir a uma tentativa desesperada para proibir 'os acontecimentos da história' mediante a reintegração das sociedades humanas no horizonte (artificial, por ser imposto) dos arquétipos e de sua repetição. Em outros termos, não está vedado conceber uma época, não muito distante, na qual a humanidade, para assegurar a sobrevivência, veja-se obrigada a deixar de 'seguir' fazendo a 'história' no sentido em ... que se conforme com repetir os feitos arquétipos pré-escritos ... " (96)
É o fascismo do eterno retorno. É deplorável que Eliade tenha escapado de uma crítica mais rigorosa de seus textos depois de 45. Em vez de considerá-lo como fundador de uma "história de religiões objetiva", seria necessário valorizá-lo numa línea com outros fascistas, como Julius Évola na Itália (Revolta contra o mundo moderno/Rivolta contro il mondo moderno, 1934) ou Alfred Rosenberg (Der Mythos des 20. Jahrhunderts, 1930) na Alemanha. O neo-paganismo de Évola e de Rosenberg ilumina obliquamente muitos aspectos do "espiritualismo" de Eliade. Os três trataram de ressacralizar a política, mas concretamente sacralizaram uma ditadura fascista no sentido de Emilio Gentile.

Wolfgang Karrer
Berlim, Alemanha, EdM, dezembro de 2012

Notas:

1. Laignel, Alexandra. Cioran, Eliade, Ionesco. L’oubli du fascisme. PARIS. Presses Universitaires de France, 2002 (Perspectives critiques).

2. Emilio Gentile. El culto del litoral. La sacralización de la política en la Italia fascista. Trad. L. Padilla López. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2007.

Fonte: Site Escritores del Mundo (Argentina)
http://www.escritoresdelmundo.com/2013/01/mircea-eliade-y-el-caballo-de-troya-en.html
Título original: Mircea Eliade y el caballo de Troya en el mundo académico, por Wolfgang Karrer
Tradução: Roberto Lucena

domingo, 14 de dezembro de 2014

Foi o Holocausto um fenômeno marginal nos países neutros?

O Holocausto não foi, de forma alguma, um mero capítulo da II Guerra Mundial. Foi, na verdade, um acontecimento determinante na história europeia.

Entre os dias 24 e 26 de Novembro teve lugar, em Madrid, o Colóquio Internacional “Bystanders, Recuers or Perpetrators. The Neutral Countries and the Shoah”. Organizado pelo Centro Sefarad, pelo Centro de Estudos do Holocausto e Genocídio (Universidade do Minnesota), pelo Memorial da Shoah (Paris), pelo Departamento Federal dos Negócios Estrangeiros da Suíça, pela Fundação da Topografia do Terror (Berlim), foi o primeiro encontro em que se debateu o papel dos países neutros relativamente ao tema, numa perspectiva comparada. A par de investigadores da Suécia, Suíça, Turquia e Espanha, estiveram presentes três historiadores que se têm debruçado sobre a problemática dos refugiados judeus em Portugal e do relacionamento do Estado Novo com o III Reich.

Portugal esteve representado, pela primeira vez, num fórum acadêmico internacional que debateu um dos episódios mais trágicos da história contemporânea – a atitude dos países europeus neutros face ao massacre dos judeus pelos nazis. Este encontro refletiu, na verdade, uma mudança ocorrida nas últimas décadas na própria historiografia, cujo paradigma se estendeu do “epicentro” do Holocausto para a “periferia”, isto é, para aqueles países que durante muito tempo foram vistos como meros “espectadores”. Um dos oradores questionou mesmo se foi possível ser-se neutro perante um genocídio (Paul Levine).

As palavras “similaridade”, apesar das diferenças, e “ambiguidade” foram, talvez, as mais utilizadas ao longo dos três dias. Uma das principais conclusões a que se chegou foi o facto de a resposta à perseguição movida pelo regime Nacional-Socialista ter sido similar em todos estes países. Todos optaram por adotar medidas restritivas, fechando as fronteiras aos que tentavam salvar-se, sob o pretexto de que os refugiados poderiam perturbar o mercado de trabalho interno ou, até, pôr em perigo a homogeneidade nacional. E até os documentos oficiais refletem esta semelhança ao utilizarem termos como “indesejáveis” para classificar os judeus. Análoga foi, ainda, a resposta ao ultimato alemão de repatriamento dos judeus, em 1943/1944, e o ajustamento da política fronteiriça de acordo com a evolução da guerra.

Terá sido o grau de conhecimento e de compreensão dos fatos fatores que condicionaram a resposta e posição dos países neutros? De fato, não era possível prever o que iria acontecer depois da invasão da União Soviética, em Junho de 1941, dado que o chamado Holocausto – ou Shoah – se tratou, como o historiador Yehuda Bauer demonstrou, de um genocídio não planeado, que evoluiu por etapas e teve a sua expressão máxima, no Leste europeu, a partir de final de 1941. Se até então a discriminação, emigração/expulsão dos judeus (e “arianização” da sua propriedade) eram centrais na política nazi, e era uma solução possível, embora cada vez mais difícil devido aos entraves colocados pelos nazis e à própria guerra, a partir de final de 1942 e ao longo de 1943, tornou-se cada vez mais claro o que estava a acontecer no Leste da Europa. No entanto, o mesmo Yehuda Bauer chamou a atenção para o facto de o genocídio nazi dos judeus não ter tido precedente e de que, apesar de os países aliados e neutros terem obtido algumas informações sobre o que se passava na Europa de Leste ocupada, se tem de fazer uma distinção entre informação e conhecimento, sendo este último fundamental para a tomada de uma ação.

Outros fatores equacionados pelo investigadores presentes foram o regime político (democracia/ditadura) dos países neutros, a proximidade/distanciamento ideológico face ao Nacional-Socialismo, o peso da opinião pública, a existência de antissemitismo individual e/ou estatal, a questão da soberania nacional ou, entre outros, o desfecho da guerra.

Ficou claro que o Holocausto não foi, de forma alguma, um mero capítulo da II Guerra Mundial. Foi, na verdade, um acontecimento determinante na história europeia. Para alguns países, como a Suécia, tornou-se numa memória essencial para a própria integração na Europa. Mas, além de ser um facto da história europeia, foi ainda um facto da história da Humanidade e uma questão ética da humanidade. Isto explica a necessidade de apostar no seu ensino, que é tanto mais premente quando se assiste na Europa à ascensão de uma nova extrema-direita, ao recrudescimento da xenofobia e do antissemitismo, bem como à banalização do Holocausto devido ao conflito israelo-palestiniano. A abordagem do tema no ensino básico e secundário ajudará – como foi sublinhado num dos últimos painéis sobre a sua memória e educação nos países neutros – a uma reflexão mais ampla sobre racismo, democracia – tão frágil –, direitos humanos ou sobre o papel da história e da memória na construção de uma educação para a cidadania.

Que obstáculos enfrentam os professores nos países neutros? Um dos desafios consiste no fato de se estar a ensinar sobre algo que não teve lugar no interior das suas fronteiras, não existindo mesmo “lugares de memória”, como os campos. Outros países, onde a transição pacífica para a democracia – como foi o caso de Espanha – não conduziu a uma confrontação com a memória, é ainda necessário lidar com o legado da ditadura e enfrentar, com honestidade, o passado (Marta Simó). Este é o caso da Espanha, onde o regime Franquista apostou na construção da sua própria memória histórica em torno do envolvimento do país na II Guerra Mundial.

No final da conferência houve ainda oportunidade para refletir sobre o futuro da investigação sobre o Holocausto, realçando-se a necessidade de incorporar na agenda historiográfica destes países uma abordagem comparativa, promovendo-se projetos conjuntos, bilaterais, especialmente entre Portugal e Espanha. Esta necessidade traduz-se, no caso português, num continuado esforço por parte da historiografia nacional em trilhar o seu caminho, contando com o apoio das instituições científicas nacionais e da própria sociedade civil. Finalmente, observou-se que, se a Historiografia sobre o tema em Portugal já é assinalável, o País ainda só tem um estatuto de observador, a par da Bulgária, Macedônia e Turquia, na Aliança Internacional de Memória do Holocausto (International Holocaust Remembrance Alliance- IHRA), que teve o seu segundo plenário semi-anual, entre 1 e 4 de Dezembro de 2014, em Manchester.

Cláudia Ninhos e Irene Flunser Pimentel
Historiadoras e autoras de Portugal, Salazar e o Holocausto, 2013

Fonte: Público (Portugal)
http://www.publico.pt/mundo/noticia/foi-o-holocausto-um-fenomeno-marginal-nos-paises-neutros-1678689?page=-1

terça-feira, 1 de julho de 2014

Portugueses nos campos de concentração nazis (Especial)

Saiu um especial no jornal Público (de Portugal) sobre a presença de portugueses nos campos de concentração nazistas. Como tem muita coisa vou deixar o link da página (sugestão de Tiago Aires) especial do site do Público com as matérias, e abaixo no post um resumo da reportagem. Eu havia salvo um link sobre isso pra postar aqui e citando de memória acho que iria passar um especial na TV mas não afirmo, se eu encontrar link depois (ou alguém tiver, pode deixar nos comentários) depois faço uma atualização do post.

Eis o link principal: Investigação. Portugueses nos campos de concentração
http://publico.pt/revista2/portugueses-nos-campos-de-concentracao

Patrícia Carvalho (textos) e Nelson Garrido (fotografias e vídeo)
A pergunta surgiu depois de uma visita a Auschwitz: seria possível que, de todos os prisioneiros que por ali passaram, de tantos países, nenhum fosse português? Em 2013, fomos à procura da resposta. Durante nove meses, vasculhámos arquivos, analisámos listas de transporte e registos de baptismo, percorremos Portugal e visitámos campos de concentração, bases de dados e familiares de vítimas em França, Alemanha e Polónia. A resposta está dada: houve muitos portugueses enviados para os campos de concentração nazis.

Segundo link: A história nunca contada dos portugueses nos campos de concentração
http://www.publico.pt/portugal/noticia/a-historia-nunca-contada-dos-portugueses-nos-campos-de-concentracao-1659681

Segue abaixo um resumo que é uma matéria do próprio jornal Público.

Investigação inédita detecta 70 portugueses nos campos de concentração nazis
Lusa

27/03/2014 - 22:31

Depois de não ter conseguido apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia, historiador Fernando Rosas vai candidatar-se a financiamento de fundação alemã para desenvolver projecto

Pelo menos 70 portugueses estiveram nos campos de concentração e 300 foram sujeitos a trabalhos forçados durante a Segunda Guerra Mundial, revelou o historiador Fernando Rosas, que lidera a investigação sobre este aspecto desconhecido do passado.

"Há portugueses que se encontram nos campos de concentração nazis, mas que estão nos campos por razões que se desconhecem. Pode ser por serem associais. Há certas categorias cuja punição era o campo de concentração", referiu, acrescentando que foram detectados pelo menos 70 portugueses nos campos de extermínio de Auschwitz e Birkenau."Detectámos, por exemplo, um português de Cascais que é preso em Marselha e enviado para Auschwitz. Porque é que está em Auschwitz? Não é por ser emigrante, porque, quando muito, era obrigado ao trabalho forçado, mas não estaria num campo de concentração. Ou era resistente ou fazia parte daquelas categorias de associais que eram mandados para os campos", explicou Fernando Rosas.

O historiador e ex-dirigente do Bloco de Esquerda lidera um projecto de investigação realizado no âmbito do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa que envolve vários investigadores especializados nas relações luso-alemãs durante este período histórico. "Obtivemos a primeira notícia através das informações que existem nos campos de concentração de que há vários portugueses mortos e o nosso projecto começou por aqui. Depois surgiu-nos a possibilidade de concorrer a um financiamento de uma instituição alemã que está interessada em financiar as investigações sobre o trabalho forçado na Alemanha", acrescentou.

O trabalho forçado no III Reich era feito por diferentes tipos de pessoas: além dos prisioneiros havia pessoal contratado e ainda gente enviada para a Alemanha pelos países ocupados. Fernando Rosas fala nos escravos que trabalhavam para empresas como a IG Faber, por exemplo, em Auschwitz e Birkenau. “Temos a presunção de que havia portugueses nesta situação (…) e vamos à procura deles", afirma. O investigador foi convidado para concorrer ao financiamento de uma fundação alemã, visto não ter conseguido apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Para o estudo do trabalho forçado, os historiadores investigam pelo menos duas vias, a primeira através da emigração, porque, segundo Fernando Rosas, "há muita gente emigrada [portugueses] já nessa altura, e muito mais do que se pensa, em França e na Bélgica".

O governo de Vichy (governo colaboracionista francês durante a ocupação nazi, entre 1940 e 1944) é obrigado, a partir de 1942, a trocar prisioneiros de guerra franceses por trabalhadores usando sobretudo emigrantes como moeda de troca. Segundo Fernando Rosas, há várias dezenas de trabalhadores portugueses emigrados que são enviados pelas autoridades colaboracionistas para solo alemão.

Para o historiador, é preciso também estudar o eventual envolvimento do Estado português em todo o processo e tentar saber até que medida houve ou não recrutamento de trabalho forçado em Portugal, tal como aconteceu em Espanha." Uns foram parar aos campos de concentração porque já eram refugiados da Guerra Civil de Espanha e há também os emigrantes que são arrebanhados pelos nazis - quer por contratação directa, quer por troca [de prisioneiros] efectuada pelo Governo francês ", explicou Fernando Rosas.

Uma parte dos portugueses são republicanos que combateram na Guerra Civil de Espanha (1936-1939). Encontravam-se internados nos campos de refugiados no sul de França após a vitória das forças nacionalistas de Francisco Franco e foram levados para os campos de concentração nazis já durante a II Guerra Mundial (1939-1945). Alguns escaparam dos campos de refugiados franceses e quando a França foi ocupada pelos nazis juntam-se à Resistência francesa. Mais tarde foram "presos como resistentes vão para Auschwitz e Birkenau", relata Fernando Rosas.

A existência de portugueses nos campos de extermínio nazis é um assunto até ao momento inédito e nunca estudado, assim como a presença de trabalhadores portugueses como escravos em fábricas na Alemanha, tendo sido referido esta quinta-feira pela primeira vez pela revista Visão.

Fonte: Público (Portugal)/Lusa
http://www.publico.pt/sociedade/noticia/investigacao-inedita-detecta-70-portugueses-nos-campos-de-concentracao-nazis-1630044

Ver mais:
Há 70 portugueses que estiveram nos campos de concentração nazis (Jornal de Notícias, Portugal)

sexta-feira, 25 de abril de 2014

1974: Revolução dos Cravos em Portugal - 40 anos da Revolução que pôs fim ao salazarismo em Portugal

Na celebração dos 40 anos da Revolução dos Cravos, que pôs fim a mais longa ditadura de tintura fascista ou nacionalista de direita da Europa, segue o texto abaixo com um resumo dos acontecimentos da época.

E abaixo do texto segue uma música que o Chico Buarque fez (Tanto Mar) celebrando a Revolução dos Cravos e tecendo críticas ao período obscuro que o Brasil vivia com sua ditadura (1964-1985) torcendo ainda pela redemocratização do país que só viria a ocorrer anos mais tarde em 1985, sem eleição livre (direta) pra presidente da República (ocorrida apenas em 1989). A música tem ligação com os dois eventos, de Portugal e do Brasil, e é a segunda versão dela, a primeira versão da música fora censurada pela ditadura na época por ser "subversiva" (crítica ao regime militar).

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Portugueses festejam em Lisboa em 25 de abril de 1975
Pouco após a meia-noite de 25 de abril de 1974 começou a soar na emissora católica de Lisboa a música até então proibida "Grândola, Vila Morena". Era o sinal combinado para o início do levante militar em Portugal.

Antes da revolução, era rara em Portugal a família que não tivesse alguém combatendo nas guerras das colônias na África, o serviço militar durava quatro anos, opiniões contra o regime e contra a guerra eram severamente reprimidas pela censura e pela polícia.

Antes de abril de 1974, os partidos e movimentos políticos estavam proibidos, as prisões políticas estavam cheias, os líderes oposicionistas estavam exilados, os sindicatos eram fortemente controlados, a greve era proibida, as demissões fáceis e a vida cultural estritamente vigiada.

A liberdade em Portugal começou com a transmissão, pelo rádio, de uma música até então proibida. Os cravos enfiados pela população nas espingardas dos soldados acabaram virando o símbolo da revolução, que encerrou, ao mesmo tempo, 48 anos de ditadura fascista e 13 anos de guerra nas colônias africanas.

Em apenas algumas horas, as Forças Armadas ocuparam locais estratégicos em todo o país. Ao clarear, multidões já cercavam as emissoras de rádio à espera de notícias. A operação, calculada minuciosamente, havia pego o regime de surpresa. Acuado pelo povo e pelos militares, o sucessor de Salazar, Caetano Marcelo, transmitiu sua renúncia por telefone ao líder dos golpistas, general António de Spínola.

Transportado de tanque ao aeroporto de Lisboa, Marcelo embarcou para o exílio no Brasil. Em quase 18 horas, havia sido derrubada a mais antiga ditadura fascista no mundo.

Não houve acerto de contas

Artistas, políticos e desertores começaram a retornar do exílio. As colônias receberam a independência. A caça às bruxas aos responsáveis pela ditadura acabou não acontecendo, e as dívidas do governo anterior foram todas pagas. Os únicos a oferecer resistência foram os agentes da polícia política. Três pessoas morreram no conflito pela tomada de seu quartel-general.

Ao voltar do exílio em Paris, Mário Soares, o dissidente mais popular do governo Salazar, foi recebido por milhares de pessoas na estação ferroviária de Lisboa. Cravos vermelhos foram jogados de helicóptero sobre a cidade e só se ouvia a famosa canção Grândola, vila morena, que já havia se tornado o hino da revolução.

Em 1974, Portugal era um país atrasado, isolado na comunidade internacional, embora fizesse parte da ONU e da Otan. Era o último país europeu a manter colônias e vinha travando uma longa guerra contra a independência de Angola, Moçambique e Guiné. O regime de Salazar, iniciado em 1926, havia conseguido manter-se através da repressão e fora tolerado pelos países vencedores da Segunda Guerra Mundial.

Golpe militar vira festa revolucionária

Em 1º de maio, a esquerda, fortemente engajada, mostrou sua força em Lisboa, enquanto trabalhadores rurais do Alentejo expulsavam latifundiários e banqueiros eram desapropriados.

A esquerda europeia viu em Lisboa um palco ideal para os movimentos frustrados de 68. A pacata e católica população portuguesa, por seu lado, sentiu-se ignorada e, a partir do norte conservador, iniciou um movimento contra os extremistas.

Em 1975, aconteceu a dupla tentativa de golpe, da esquerda e da direita, contra o governo socialista, levando Portugal à beira da guerra civil. A ala militar extremista de esquerda obteve o domínio da situação em novembro de 1975. Após as eleições do ano seguinte, o general António Ramalho Eanes foi eleito presidente.

O Partido Socialista, com Mário Soares, assumiu um governo minoritário. A crise econômica o levou à renúncia em 1978. Entre 1979 e 1980, o país teve cinco primeiros-ministros. Em 1985, o governo foi assumido por Aníbal Cavaco Silva e Mário Soares tornou-se presidente no ano seguinte. Em 1986, Portugal ingressou na então Comunidade Econômica Europeia, hoje União Europeia.

Autoria: Barbara Fischer (rw)
Link permanente: http://dw.de/p/27VK

"Foi bonita a festa, pá..."
"Manda algum cheirinho de alecrim"

Essa música também vai dedicada aos "idiotas úteis" com surtos autoritários que não sabem de fato o que significa uma manifestação popular e democrática de um povo e que degeneram uma manifestação popular, por oportunismo político de quinta categoria e alienação de parte do povo. Refiro-me as "marchas" ocorridas ano passado no Brasil que degringolaram e viraram passarela pra fascistas, trotskistas e mercenários oportunistas arrotarem todo seu sectarismo político e falta de civismo tentando destruir a democracia no país.

Tanto Mar - Chico Buarque de Holanda (com imagens da Revolução dos Cravos)



Ver mais:
Revolução dos Cravos, o golpe que começou com um pneu furado (Yahoo!)
Jogadores sem liberdade num profissionalismo de miséria (MaisFutebol, Portugal)
Grândola: le peuple retrouve la voix (Courrier International, França)
1974 – Les espoirs déçus de la "révolution des œillets" (Courrier International, França)

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Cordão humano no domingo para "salvar da ruína" casa de Aristides de Sousa Mendes

O objetivo é sensibilizar para o restauro do patrimônio edificado que se encontra perto da ruína total. 03/04/2014 - 11:16

A casa de Aristides de Sousa Mendes está muito degradada Nuno Alexandre Mendes
Um movimento de cidadãos está a preparar para domingo um cordão humano para "salvar da ruína" a Casa do Passal, em Cabanas de Viriato, que pertenceu ao antigo cônsul português Aristides de Sousa Mendes.

Em declarações à agência Lusa, António Gallobar, um dos impulsionadores do movimento de cidadãos que se uniu e formou nas redes sociais, explicou que esta iniciativa surge para "acordar consciências", recordando que "a Casa do Passal continua a desmoronar-se com o tempo".

"Trata-se de um grito dos cidadãos, que pretende dizer que isto não pode continuar a acontecer. A casa de Aristides de Sousa Mendes foi classificada como edifício de interesse público. No entanto, vai caindo aos pedaços", alegou.

Para António Gallobar, concretizar a recuperação da Casa do Passal é a melhor homenagem que pode ser prestada ao antigo cônsul português em Bordéus, durante a Segunda Guerra Mundial, e que resgatou 30 mil pessoas do Holocausto.

"O objetivo é sensibilizar para o restauro do patrimônio edificado que se encontra perto da ruína total, transformando a casa num museu, aproveitando a data em que se comemora a passagem do 60.º aniversário sobre a morte de Aristides de Sousa Mendes", evidenciou.

Para além do cordão humano, para a tarde de domingo, entre as 13h30 e às 17h00, está a ser preparado um conjunto de discursos alusivos à vida e obra do antigo diplomata e ainda uma homenagem com colocação de coroas de flores junto ao seu túmulo, no cemitério de Cabanas de Viriato, no concelho de Carregal do Sal, distrito de Viseu.

"Estimamos que estejam presentes cerca de duas mil pessoas, vindas de vários pontos do país e até do estrangeiro. Contamos ter no evento familiares descendentes directos do cônsul, bem como algumas figuras públicas e órgãos administrativos e de Estado", informou.

António Moncada, neto de Aristides de Sousa Mendes, confirmou que vai marcar presença na iniciativa da sociedade civil, que considera ser "uma prova espontânea de vários cidadãos que têm memória".

O familiar do antigo cônsul de Bordéus realçou que é urgente avançar com as obras na Casa do Passal, lamentando que "a dívida que o Estado tem" com o seu avô esteja a arrastar-se por tanto tempo.

"Mais do que fazer da Casa do Passal um museu, gostaríamos que fosse muito mais do que um lugar para ver fotografias. A ideia é ser também um espaço onde se debatam os direitos humanos", concluiu.

Em Setembro de 2013, foi anunciado que a Casa do Passal iria ser alvo, em breve, de obras de recuperação orçadas em 360 mil euros, para evitar a sua ruína.

Este foi um dos projetos de recuperação de patrimônio apresentados pela Direção Regional de Cultura ao Programa Mais Centro, da Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional do Centro, no âmbito do Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN).

Fonte: Público (Portugal)
http://www.publico.pt/local/noticia/cordao-humano-no-domingo-para-salvar-da-ruina-casa-de-aristides-de-sousa-mendes-1630821

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O plano de Franco para invadir Portugal (Operação Isabella)

A Espanha teve um plano para conquistar Portugal no início da Segunda Guerra. A invasão, por terra, ar e mar, contaria com um exército de 250 mil homens e destinava-se a ocupar Lisboa e toda a costa.

José Pedro Castanheira. 19:00 Sexta feira, 7 de novembro de 2008

A partir do plano original, o historiador
Manuel Ros Agudo publicou no seu livro
‘La Gran Tentación’ o mapa da operação
de invasão de Portugal por forças do
Exército de Espanha
O historiador espanhol Manuel Ros Agudo revelou recentemente um plano de invasão militar de Portugal pela Espanha de Franco, no início da Segunda Guerra Mundial. O plano foi elaborado no contexto de uma quase certa guerra com a Inglaterra.

Para tanto, Madrid tratou de preparar um ataque surpresa a Gibraltar, a que - segundo os estrategos espanhóis - Londres responderia pela ocupação das Canárias e por um desembarque em Portugal, visto como 'testa de ponte' da invasão da Península. O Estado-Maior militar de Franco preparou então uma vasta manobra de antecipação, que passaria pelo ataque a Gibraltar e por uma "invasão preventiva" de Portugal.

A invasão seria precedida de um ultimato, com um prazo praticamente impossível de cumprir e que o historiador calcula que seria de 24 a 48 horas. Os termos da invasão fazem parte do 'Plano de Campanha nº 1(34)', um estudo de 120 páginas, elaborado pela Primeira Secção, de Operações, do Alto Estado-Maior (AEM) durante a segunda metade de 1940.

O plano foi apresentado a Franco a 18 de Dezembro. O objectivo final da invasão, por terra, mar e ar, era "ocupar Lisboa e o resto da costa portuguesa". Em termos de efectivos do Exército, seriam mobilizadas dez divisões de infantaria e uma de cavalaria, quatro regimentos de carros de combate, oito grupos de reconhecimento e oito regimentos mistos de infantaria - num total de 250 mil homens. Ou seja: o dobro dos meios humanos de que Portugal poderia dispor.

O desequilíbrio era tal que, ao máximo de cinco divisões que Portugal poderia organizar, a Espanha responderia, logo à partida, com 25 divisões. A Força Aérea, por seu turno, participaria com cinco grupos de bombardeamento e dois de caça, duas esquadrilhas de reconhecimento, quatro esquadrilhas de caças Fiat CR-32 e dois grupos de assalto. Para tanto, as autoridades de Madrid contavam com o apoio quer da Alemanha quer da Itália. À Marinha estaria reservada uma missão de menor relevo, já que se temia uma forte reacção da poderosíssima armada britânica, que não deixaria de apoiar Lisboa.

As forças espanholas seriam organizadas em dois exércitos, que actuariam a norte e a sul do Tejo. O primeiro avançaria ao longo da linha Guarda, Celorico da Beira, Coimbra e Lisboa; o segundo, pela linha Elvas, Évora e Setúbal. O objectivo fixado pelo plano de operações era "ocupar rapidamente Lisboa e dividir o país em três partes, por forma a facilitar a conquista de todo o território". Sabe-se como a Segunda Guerra Mundial não confirmou os receios de Espanha, que, tal como Portugal, acabou por não entrar directamente no conflito.

Assim, o referido plano foi arquivado, permanecendo em segredo durante 68 anos, até que o historiador Manuel Ros Agudo o revelou no livro 'La Gran Tentación' (ed. Styria). O autor explicou ao Expresso que "o plano da invasão é uma novidade absoluta, já que ficou guardado em segredo até hoje". Ros Agudo adiantou que há um exemplar do plano no arquivo do Estado-Maior da Defesa e outro no arquivo pessoal de Franco. O autor diz não possuir dados que lhe permitam saber quais os planos políticos posteriores à invasão. Um episódio temporário ou uma absorção? Agudo transcreve uma conversa de Setembro de 1940, em Berlim, na qual o ministro dos Assuntos Exteriores de Espanha, Serrano Súñer, disse ao homólogo alemão, Ribbentrop, que, "ao olhar para o mapa da Europa, geograficamente falando Portugal não tinha direito a existir". Agudo admite que "Madrid não via com maus olhos uma integração ibérica de Portugal em Espanha".

Fonte: Expresso (Portugal)
http://expresso.sapo.pt/o-plano-de-franco-para-invadir-portugal=f446991

Ver mais:
II Guerra Mundial: Franco planeou invadir Portugal (TVI24, Portugal)

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Sinagoga do Porto partilha informação sobre refugiados do Holocausto

foto Catarina Vieira / Global Imagens
Sinagoga do Porto partilha informação
sobre refugiados do Holocausto
Estiveram guardados na Sinagoga do Porto, durante 70 anos, milhares de documentos que incluem fichas individuais de centenas de refugiados que chegaram ao Porto em 1940, fugindo do terror nazi. O Museu do Holocausto dos Estados Unidos da América terá agora acesso a essa informação, por força de um memorando assinado este mês entre a vice-presidente da Comunidade Judaica do Porto, Isabel Ferreira Lopes, e o diretor de coleções daquele Museu, Michael Grunberger.

No memorando, a que o JN teve acesso, e que vem na sequência de um protocolo anterior, estabelece-se que a Sinagoga do Porto fornecerá ao Museu do Holocausto toda a documentação que possui relativa ao período da Segunda Guerra Mundial, cabendo ao museu realizar duas cópias do material em questão, para investigação e divulgação.

O Museu do Holocausto, com sede em Washington, foi criado para mostrar a história da perseguição e extermínio de seis milhões de judeus e de outras vítimas da tirania nazi, entre 1933 e 1945

Entre os documentos cedidos agora pela Sinagoga do Porto ao museu, salientam-se as fichas individuais de 416 refugiados judeus que beneficiaram do amparo que lhes foi concedido no período em questão pelos membros da comunidade judaica do Porto, presidida então pelo capitão Barros Basto.

Isabel Ferreira Lopes declarou ao JN que, "tão importante como guardar, preservar e estudar toda a documentação sobre esse período trágico, é tentar saber como é que os refugiados que estiveram nesta sinagoga em 1940 reconstruíram depois as suas vidas."

Sinagoga comemorou 75 anos

A Sinagoga do Porto celebrou este ano o seu 75.º aniversário. A cerimônia foi marcada pela presença do embaixador de Israel em Portugal e de altos dignitários judeus vindos expressamente de Londres, Israel, Argentina e EUA.

Publicado em 2013-10-01
Óscar Queirós

Fonte: Jornal de Notícias (Portugal)
http://www.jn.pt/PaginaInicial/Cultura/Interior.aspx?content_id=3452751

sábado, 2 de março de 2013

Livro: Salazar, Portugal e o Holocausto (editado em Março)

"Salazar, Portugal e o Holocausto", de Irene Flunser Pimentel (Prêmio Pessoa 2007 e Prémio Máxima Ensaio 2012) e Cláudia Ninhos, é um dos livros do mês de Março em Portugal (e talvez do ano). A edição é da Temas & Debates/Círculo de Leitores.

"…um livro de duas historiadoras portuguesas de gerações diferentes, com experiências e até opiniões diversas, que se têm dedicado ao estudo do relacionamento entre o Portugal de Salazar e a Alemanha de Hitler, que se juntaram em torno de uma curiosidade comum…"

"A amplitude dos massacres cometidos pelos nazis, responsáveis por um devastador número de mortes, tornou impossível mantê-los no desconhecimento da opinião pública. É, por isso, importante compreender o que se sabia entre os Aliados, no Vaticano e nos países neutros, incluindo em Portugal.

... quando tiveram conhecimento do genocídio que estava a ocorrer no leste europeu e que fizeram para salvar as vítimas?

…se quisessem, poderiam os Aliados e os países neutros ter feito algo mais para salvar estas vítimas, perante as ameaças de que foram alvo?

… a chegada das informações sobre o Holocausto passou por várias fases, desde a sua receção até à tomada, ou não, de posição.

O fato de os governos ocidentais terem recebido inúmeras informações sobre o que estava a ocorrer na Polônia e, depois, na União Soviética não implicou, contudo, que os relatos fossem aceites e compreendidos. Ou seja, havia informação disponível, mas existiria o conhecimento necessário para que fosse compreendida?

Este livro procura, afinal, dar resposta a estas, e a outras questões, em torno do envolvimento de Portugal no Holocausto"

Fonte: Diário Digital (Portugal)
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=618451

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Fantasia lusitana (documentário sobre o fascismo em Portugal)

Fantasia Lusitana é um filme português realizado por João Canijo, no ano de 2010.

Documentário que explora a relação do povo português com os estrangeiros refugiados da segunda guerra mundial, a forma como a sua estadia no nosso país influenciou (ou não) o nosso olhar sobre a guerra, e uma procura pela herança cultural deixada (ou não) pela sua passagem. Uma leitura interpelante da história portuguesa do século XX construída inteiramente a partir de imagens de arquivo e da leitura de testemunhos desses refugiados nas vozes de Hanna Schygulla, Rudiger Vogler e Christian Patey.

O resto do texto (resumo) se encontra aqui.



quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Império, Nação, Revolução – As Direitas Radicais Portuguesas no Fim do Estado Novo (1959-1974)

Relações Internacionais (R:I). Versão impressa ISSN 1645-9199
Relações Internacionais n.31 Lisboa set. 2011

As direitas radicais na fase terminal do Estado Novo

Riccardo Marchi
Império, Nação, Revolução – As Direitas Radicais Portuguesas no Fim do Estado Novo (1959-1974)

Lisboa, Texto, 2009, 439 páginas

O livro tem por objetivo o estudo dos movimentos da direita radical na fase terminal do Estado Novo – a década de 1960 e os quatro primeiros anos da seguinte –, procurando enquadrá-los no quadro geral da história política e ideológica do regime. Por isso, o autor vai mais longe e procura definir as linhas de continuidade/descontinuidade entre este período e os antecedentes.

MOVIMENTOS DE INTELECTUAIS

Os movimentos da direita radical em Portugal são essencialmente de extracção intelectual e têm como pólos os principais centros universitários do país: Lisboa e Coimbra. Aliás, era essa a tradição, como acontecera já com o Integralismo Lusitano, na década de 1920, que acabou por se desagregar no imediato pós-28 de Maio de 1926, a partir do qual as suas facções mais radicais ou desaparecem ou se aproximam gradualmente da nova situação, acabando por se integrar no regime autoritário implantado por Salazar a partir da Constituição de 1933 (vide a Ordem Nova, em que pontificavam Marcello Caetano e Teotónio Pereira). A excepção poderia ter sido o nacional-sindicalismo de Rolão Preto – o único movimento da direita radical concebido para as massas –, prontamente proibido e banido por Salazar que, como acentua o autor, «não era um fascista, não era um chefe de massas, não era um líder carismático à maneira dos anos 30» (p. 390).

Aproveitando a conjuntura política ditada pela II Guerra Mundial e a «lógica bipolar da Guerra Fria» na qual Portugal assume um papel estratégico significativo, Salazar pôde, sem grandes dificuldades, «apagar as tensões políticas que tinham emergido no imediato pós-guerra, reprimir o activismo da oposição, afastar o derrube revolucionário da situação e relegar o tema da abertura do regime a um morno debate interno entre ortodoxos e liberais» (p. 15). O que acaba por afectar a capacidade de acção das facções mais radicais da direita portuguesa que, na década de 1940 e no contexto da guerra, se assumiam como defensoras do fascismo italiano e no nacional-socialismo alemão. Daí que na década seguinte se assista a uma letargia profunda da direita radical, ficando os seus membros limitados «a encontros ocasionais e a manter relações epistolares, de troca intelectual» (p. 17).

Como acentua António Costa Pinto no «Prefácio», o reacender da centelha emerge essencialmente de três catalisadores: «o motor intelectual do neofascismo europeu, a derradeira batalha pela sobrevivência do império colonial português e a chegada ao poder de Marcello Caetano, com o seu ímpeto inicial de reforma do regime» (p. 13).

Ao longo das 400 páginas do seu livro, Riccardo Marchi descreve pormenorizadamente o percurso, por vezes labiríntico e sinuoso, dos movimentos da direita radical em Portugal, cuja periodização essencial pode ser feita em torno de três publicações.

A revista Tempo Presente (1959-1961), que tem como director Fernando Guedes e como membros do Conselho de Redacção Caetano de Melo Beirão, António José de Brito, Goulart Nogueira e António Manuel Couto Viana, cujo ideário assenta na defesa de um corporativismo totalitário neofascista.

O semanário Agora (1961-1969), em que reaparecem antigos militantes nacionalistas da década de 1940, como Raul Carvalho Branco (director e editor), Manuel Saldida e José O’Neill, que, como chefe de redacção, é quem controla de facto a publicação, assumindo-se como porta-voz da «direita "caceteira"». Como sumaria Marchi, o tema principal é a guerra em África, em cujo contexto defendem a construção de «uma frente nacional contra os inimigos da Pátria», a luta contra a «Frente Leste interna» (os traidores instalados no regime, os cépticos, os incapazes, os prudentes), que «integra a panóplia dos inimigos que o nacionalismo radical combate já desde os anos de Alfredo Pimenta: o catolicismo progressista longa manus do comunismo, os liberais-democratas, cuja oposição ao Estado Novo enfraquece o Império em proveito do imperialismo russo-americano, o sionismo internacional» (p. 191). Por não se reverem na linha editorial definida por O’Neill, os homens da Tempo Presente não participam até 1967, ano em que este é substituído por Goulart Nogueira que traz para a redacção «toda a componente neofascista do nacionalismo radical» (p. 197).

Quando Marcello Caetano substitui Salazar, em Setembro de 1968, o Agora salienta sobretudo a continuidade do Estado Novo para além de Salazar, de cuja obra o primeiro não deixaria de ser o prossecutor. Mas, dois meses depois, perante as perspectivas de «abertura», passa ao ataque:
«As páginas do Agora tornam-se um apelo semanal à área nacional-revolucionária para que se estreite em torno dos valores originários da Revolução Nacional dos anos 30 e se oponha a todos os dirigentes do Estado Novo [...] que hoje, iluminados pelos valores liberais-democratas, "se entretêm, por mundos e fundos, a dar-nos conta das excelências dos papelinhos pelos quais se decide tudo [...]"» (pp. 202-203).
A resposta marcelista foi inexorável e feita da maneira tradicional: através da Censura. O semanário vê-se obrigado a fechar definitivamente com o número de 29 de Março de 1969.

MARCELLO CAETANO, A LIBERALIZAÇÃO E O IMPÉRIO

A publicação da revista Política (1969-1974), propriedade da sociedade Edições Polémica, constituída com esse único fim, inicia-se a 22 de Novembro de 1969. Tem como director Jaime Nogueira Pinto e entre os sócios fundadores da editora conta-se Francisco Lucas Pires, ambos integrados na corrente nacional-revolucionária. No entanto, acentua Riccardo Marchi, «não é uma revista nacional-revolucionária» na medida em que nela participam «representantes das diversas almas do nacionalismo português, monárquico, republicano, católico, salazarista, todas convergentes em torno das teses integracionistas» (p. 298), «reunidos à volta da aversão ao Governo de Marcello Caetano e, sobretudo, à ala tecnocrática liberal cada vez mais influente no interior do regime e perigosamente activa nos assuntos vitais para o nacionalismo radical, nomeadamente a política ultramarina» (p. 293). É aliás a «Ala Liberal», ou melhor, o seu espírito (p. 304) presente na Assembleia Nacional depois das eleições de 1969, um dos inimigos principais para os redactores da revista, que julgam as suas posições «à luz do princípio de que as guerras subversivas vencem-se nas frentes de batalha e perdem-se nas retaguardas, com a abertura de fendas demo-liberais no tecido do Estado autoritário, disfarçadas de reformismo modernista» (Ibidem). A campanha contra os liberais da Assembleia Nacional é uma constante em todos os números da revista e intensifica-se desde o Verão de 1972, após a publicação do manifesto da SEDES «Portugal: o País que somos e o País que queremos ser». E «o crescente peso que os liberais assumem no interior das instituições do Estado torna-se uma das culpas mais graves imputadas pelos nacionalistas radicais ao Presidente do Conselho» (p. 306).

A última grande batalha da Política foi o I Congresso dos Combatentes, em grande plano na revista em Junho de 1973. A questão é candente e cara aos nacionalistas, porque, para além da deriva liberal do marcelismo dos primeiros anos, agora estava em causa a própria pessoa do presidente do Conselho que fizera aprovar uma revisão constitucional que apontava para a autonomia progressiva das colónias, que podiam, inclusivamente, adquirir a designação honorífica de «estado».
«Quando, no Inverno de 1972/73 se materializa a ideia de um grande encontro que dê voz aos antigos combatentes, os representantes mais activos da área nacional-revolucionária estão prontos a agarrar a ocasião, para dar um impulso à batalha nacionalista, desta vez não só contra os inimigos declarados de Portugal, mas também contra o poder político incerto» (p. 373).
No entanto, o poder político movimenta-se activamente e acabam por ser afastados do Congresso cujo objectivo de politização dos antigos combatentes também falha rotundamente. «Tratou-se – conclui Riccardo Marchi –, de facto, da última ofensiva da área nacional-revolucionária, na tentativa de dar forma a uma revolução há anos sonhada e que outros, dez meses depois, realizarão numa trajectória diametralmente oposta» (p. 382).

O autor descreve também pormenorizadamente os movimentos do nacionalismo revolucionário no seio da Universidade de Coimbra, cuja acção é despoletada pela crise académica de 1969, com destaque para o Orfeão Académico de Coimbra, a Oficina de Teatro da Universidade de Coimbra e a Sociedade Cooperativa Livreira Cidadela. Esta última, constituída em Novembro de 1970, apesar de ter recebido a aprovação do então presidente do Conselho – que fora previamente consultado sobre a sua constituição – e, consequentemente, o apoio do regime, acaba por se inserir «na rede heterogénea da oposição de direita ao governo de Marcello Caetano» (p. 265).

Este livro, a todos os títulos pioneiro na historiografia contemporânea portuguesa, constitui um excelente estudo sobre os movimentos da direita radical no Estado Novo desde o pós-guerra, salientando-se nas conclusões que nunca existiu uma «idade de ouro» da direita radical portuguesa e que «a geração do nacionalismo radical dos anos 60 não entra na militância política colhendo o testemunho da geração precedente» (p. 383). Não estão já em causa «nem o restauracionismo monárquico, nem a doutrina contra-revolucionária, nem o debate monarquia/república», nem se trata do «despertar do salazarismo extremo, nem tão-pouco do neofascismo lusitano». O cimento que une os numerosos movimentos que se reclamam do nacionalismo radical «é a reacção contra a agressão dos movimentos independentistas» (p. 384). Numa palavra, não é o regime que está em causa, mas o «Império», que «deve ser entendido como uma ideia-valor não gerada pelo Estado Novo, pelo autoritarismo, pelo fascismo, mas pela História, material e espiritual de Portugal», ou seja, trata-se de «defender Portugal e a maneira lusitana de estar no Mundo» (p. 389).

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José Manuel Tavares Castilho

Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1986), mestre em Sociologia pelo ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa (1997) e doutor em História Social Contemporânea pela mesma instituição (2008). Actualmente, é investigador do CESNOVA – Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa. De entre as publicações mais recentes destacam-se os livros Os Deputados da Assembleia Nacional, 1935-1974 (2009) e Os Procuradores da Câmara Corporativa, 1935-1974 (2010).

Fonte: Scielo
http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?pid=S1645-91992011000300018&script=sci_arttext
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quinta-feira, 20 de setembro de 2012

"O Cônsul de Bordéus" - Um filme faz justiça ao "Schindler português"

Um filme faz justiça ao "Schindler português"

O Cônsul de Bordéus* Sousa Mendes
Foto: Divulgação

O filme hispano-português "O Cônsul de Bordéus" (em francês "Bordeaux") busca fazer justiça à figura do diplomata luso Aristides de Sousa Mendes, um herói convertido em pária em seu país e pouco conhecido no resto do mundo que salvou 34.000 pessoas do nazismo concedendo-lhes vistos para fugir da França ocupada.

A história de Sousa Mendes (Carregal do Sal, 1885 - Lisboa, 1954) é muito menos popular que a de Oskar Schindler, em que pese que o diplomata - também conhecido como o "Schindler português"- resgatou a um número de pessoas 30 vezes maior a do empresário alemão levado ao cinema por Steven Spielberg.

Este "esquecimento histórico" se deveu à vontade dos próprios fugitivos do Holocausto de deixar para trás um traumático passado, mas também ao desprestígio e a defenestração que sofreu Sousa Mendes por parte do regime de Antônio de Oliveira Salazar, explicou hoje à EFE o diretor do filme, João Correa.

Enquanto que Schindler contratou em sua fábrica cerca de 1.100 judeus para ocultá-los das autoridades nazis, Sousa Mendes aproveitou seu cargo como cônsul português em Bordéus (França) para conceder 34.000 vistos - entre eles 10.000 judeus - a pessoas que fugiam das forças ocupantes.

Os sobreviventes que escaparam da França e seus descendentes "não queriam reviver o passado, senão olhar para o futuro", assinalou Correa, a quem contatou alguns deles para preparar o filme que hoje será projetado em Bruxelas.

Grande parte dos judeus que Sousa Mendes concedeu o visto emigraram para os Estados Unidos, entre eles uma parte importante terminou se instalando em Israel. Em 1966, este país lhe concedeu o título de "Justo entre as Nações" em reconhecimento do seu trabalho.

A heroica história de Sousa Mendes, contudo, não teve um final feliz. O diplomata foi privado de seu cargo e de sua pensão, caiu na miséria e morreu em um hospital franciscano de Lisboa, viúvo e com vários de seus filhos tendo emigrado para os EUA.

"É o preço que teve que pagar por desobedecer ao regime de Salazar", disse a EFE o realizador do filme, que acrescentou que "todavia há gente em Portugal hoje em dia que o critica por não ter sido fiel a seu país".

Entre seus críticos também há aqueles que o acusam de se "aproveitar" dos judeus e "lucrar" com a venda de vistos, algo que Correa qualifica de "absurdo", já que nesse caso Sousa Mendes "devia ter ficado milionário, quando na realidade morreu na pobreza".

O diplomata, cristão praticante e de formação humanista, descumpriu a norma portuguesa que impedia a entrada no país de "pessoas indesejáveis" ao conceder cerca de 34 mil vistos a judeus, refugiados apátridas e opositores do nazismo, todos eles em um prazo de somente dez dias em pleno avanço do III Reich.

Mas "O Cônsul de Bordéus" "não é um filme sobre os anos quarenta, senão sobre a memória e sobre o agora", afirmou Correa.

A narrativa começa em 2008 num povoado do norte de Portugal muito próximo à Galícia, quando uma jovem jornalista portuguesa entrevista um ancião diretor de orquestra chamado Francisco de Almeida.

A jornalista descobre que o músico de sobrenome português nasceu na realidade na Polônia e trocou de nome para escapar da invasão nazi em 1940 indo para a Venezuela, via Bordéus e com ajuda do cônsul português.

O espectador é então trasladado à época da II Guerra Mundial e entra na história de Sousa Mendes "através dos olhos de um jovem judeu de 14 anos" (a quem se converteria mais tarde em Francisco de Almeida), relatou o diretor.

O filme, financiado pelo Ministério espanhol de Educação e Cultura no marco do programa Ibermedia, já pode ser visto nos festivais franceses de Cannes e de Biarritz e fora projetado também em todos os museus do Holocausto do mundo, segundo anunciou Correa.

O diretor apresentará amanhã o filme em Bruxelas em uma projeção organizada pelas embaixadas de Espanha e Portugal na capital belga.

"O Cônsul de Bordéus" estreará no próximo dia 8 de novembro em Portugal, e os produtores estão negociando atualmente sua distribuição na Espanha, França e Brasil, entre outros países.

20 de setembro de 2012 • 09:35 • atualizado a las 11:11

Fonte: EFE/Terra
http://entretenimiento.terra.com.co/cine/una-pelicula-hace-justicia-al-schindler-portugues,34250fad4c3e9310VgnVCM10000098cceb0aRCRD.html
Tradução: Roberto Lucena

Ver mais:
Un filme hace justicia al «Schindler portugués», que salvó a 34.000 personas (ABC)

*Observação: em português o nome da cidade Bordeaux (em francês) na França é Bordéus, o uso da palavra em francês como se fosse a grafia certa em português não é correto. Depois de publicar esta matéria no dia 20.09.2012 traduzida de uma matéria em espanhol apareceu uma matéria traduzida em português muito parecida com o nome da cidade com a grafia em francês e não em português.

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