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sexta-feira, 2 de agosto de 2019

"Aqui não houve câmaras de gás, mas se praticou o extermínio e a exploração"

O jornalista Carlos Hernández de Miguel publicou "Los campos de concentración de Franco" (Os campos de concentração de Franco)

Prisioneiros caminham pela estação de Irun. (Foto: Biblioteca Nacional)
"Na Espanha não houve um genocídio judeu ou cigano, mas sim um holocausto ideológico contra os diferentes".

Donostia - Foram três anos de intenso trabalho entre arquivos e testemunhas para reverter 80 anos de silêncio e confusão. O jornalista Carlos Hernández de Miguel crê que o capítulo dos campos de concentração do franquismo foi "esquecido" pela História e pela política. Não só durante a ditadura como também na Transição. E isso que resulta complexo ocultar que na Espanha houve cerca de 300 campos de concentração franquistas que fizeram da Espanha um "gigantesco campo de concentração" na ditadura", indica a EFE.

Carlos Hernández de Miguel
Jornalista e pesquisador
Os campos de concentração, assinala o autor, foram "uma dos pés da enorme mesa que foi a repressão franquista", uma prática da qual hoje pouca documentação deriva "da destruição em massa de arquivos que se realizou durante a ditadura e os primeiros anos da Transição". Depois da segunda guerra mundial, realizou-se um "apagão" geral especialmente da documentação que podia relacionar o regime franquista com o nazismo, de tal forma que há um "lacuna brutal dos arquivos existentes sobre essa etapa". Porque, apesar das diferenças, houve uma analogia e existiram alguns elementos em comum entre esses campos de concentração espanhóis e os implantados pelo sistema nazista, sustenta Carlos Hernández, que explica que inclusive dirigentes da Gestapo participaram do treinamento das forças policiais espanholas. O sistema franquista desses campos foi desenhado de acordo com as necessidades da ditadura, qu eram - recalca o escritor - o "extermínio" dos elementos "mais ativos" do entorno republicano e a consecução da mão de obra através dos "batalhões de trabalho", uma derivada dos mesmos ainda que diferentes. "O sistema de campos buscava um extermínio ligado a uma classificação. Num primeiro bloco estavam os irrecuperáveis (membros de partido, oficiais do exército republicano...): acabam mortos nos campos ou em um conselho de guerra que os devolvia à prisão ou ao paredão. A seguir estavam os desafetos, pessoas classificadas como republicanos ou duvidosos. Muitos não têm informação ao proceder da zona vermelha. Estão nos campos e são os que resultam acabar nos batalhões de trabalho como forma de reeducação. A seguir estavam os "afetos", gente que ao final era liberada para que fosse ao front nas fileiras nacionais", detalha.

"Nos campos de concentração franquistas não houve câmaras de gás, mas se praticou o extermínio e se explorou os cativos como trabalhadores escravos. Na Espanha não houve um genocídio judeu ou cigano, mas sim houve um verdadeiro holocausto ideológico, uma solução final contra quem pensava de forma diferente", ressalta Carlos Hernández de Miguel. Com sua pesquisa, na qual visitou dezenas de arquivos, o autor identificou 296 campos de concentração oficiais, abertos em outras tantas cidades e povoados.

Andaluzia, com 52 campos de concentração, encabeça este "ranking do horror" desenhado por Carlos Hernández, no que seguem a "Comunidade Valenciana" com 41, "Castela-Mancha" com 38, "Castela e Leão" com 24 e Aragão com 18. Extremadura, com 17 desses campos;Madrid com 16, Catalunha com 14, Astúrias com 12, Galícia e Múrcia com 11, Cantábria com 10, a CAV (Comunidad Autónoma Vasca, País Basco) com 9, Baleares (ilhas) com 7, Canárias com 5, Navarra com 4, La Rioja, com 2 e Ceuta, junto às antigas colônias espanholas no norte da África com 5, completam as cifras. - T. Iribarren

Domingo, 31 de março de 2019

Fonte: Noticias de Gipuzkoa (País Basco, Espanha)
https://www.noticiasdegipuzkoa.eus/2019/03/31/politica/aqui-no-hubo-camaras-de-gas-pero-se-practico-el-exterminio-y-la-explotacion
Tradução: Roberto Lucena

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Uma guerra de extermínio

MEMÓRIA
Uma guerra de extermínio

A guerra civil espanhola foi um aperitivo do que iria ser a II Guerra Mundial: republicanos e franquistas sabiam que travavam uma guerra de vida ou de morte, da qual não sairiam sem a vitória total, sem esperança de negociação ou de paz

Santos Juliá (Historiador e ensaísta)

Em seu livro La Velada en Benicarló (O Velório em Benicarló), Manuel Azaña, o último presidente da República espanhola, conta um episódio terrível, recordação pessoal dos primeiros dias da guerra civil: “Certa noite, no final de agosto, estava eu à janela de meu quarto tomando ar fresco, quando ouvi três tiros que vinham do lado do cemitério. Depois, foi um silêncio total... Um pouco depois, de repente, um gemido, ao longe. Prestei atenção. Um novo gemido, mais forte, até se tornar um grito desesperado... Já quase morto, o moribundo gritava de horror... O grito vinha bem na minha direção. Procurei duas ou três pessoas do hospital e trouxe-as à janela. (“Vamos buscá-lo; talvez ainda o consigamos salvar!”) Eles se recusaram; e eu insistia; eles me impediram. Não vamos nos envolver com isso! No máximo, podemos avisar a prefeitura. Avisamos. Passou algum tempo. Pan, pan! Mais dois tiros no cemitério. Os gemidos pararam.”

Esse episódio – dois tiros de misericórdia num fuzilado agonizante – resume a ferocidade da guerra da Espanha: a impotência de alguns, a covardia de outros, a ausência de piedade dos restantes. Nesse sentido, a guerra civil foi um aperitivo, por sua brutalidade, do que iria ser a II Guerra Mundial. Republicanos e franquistas sabiam que travavam uma guerra de vida ou de morte, não podendo vencê-la sem o esmagamento total do adversário, sem esperança de negociação ou de paz. Nessas condições, a distinção entre soldados e civis, entre combatentes e não-combatentes, não passava de mera ilusão. Os espancamentos, a tortura, os estupros, os assassinatos, as execuções, os tiros de misericórdia, a política de terra arrasada e as chacinas de massa tornaram-se rotina: na Espanha, centenas de milhares de civis – num número bastante superior ao de soldados mortos na frente de combate – foram assassinados durante essa guerra.

Uma guerra implacável

Desde o início, em 1936, o conflito também ganhou contornos de uma guerra de liquidação: os ódios de classe, de religião e de nacionalidade (contra bascos, catalães e galegos) desempenharam um papel semelhante ao dos ódios raciais e das “limpezas” étnicas. Os discursos de guerra adotados pela rebelião militar e pela revolução social estigmatizavam o inimigo como um “invasor estrangeiro” (fascista ou bolchevique) que deveria ser massacrado, aniquilado. Jamais se colocou a questão – embora não tenham faltado alguns projetos, do lado republicano – de uma possível perspectiva de mediação ou de paz negociada. Quando a Grã-Bretanha, incentivada pelo presidente da República, tentou uma medição e pediu o apoio do Vaticano, um cardeal espanhol afirmou que ninguém compreendera a natureza daquela guerra, que se tratava de um conflito que só podia terminar com a vitória total de um dos antagonistas.

Os ódios de classe, de religião e de nacionalidade (contra bascos, catalães etc.) tiveram papel semelhante ao dos ódios raciais e das “limpezas” étnicas
E foi justamente o que aconteceu, com as conseqüências que conhecemos: os cadáveres à beira das estradas, as filas de fuzilados ao lado dos cemitérios e os executados jogados em valas comuns (leia, nesta edição, o artigo de José Maldavsky) superaram o número de mortos na frente de combate. Foi uma guerra implacável, na qual o inimigo não era apenas o soldado da trincheira oposta, mas também o civil que tivesse votado no adversário, ou atuado como delegado de um partido ou de um sindicato numa seção eleitoral, ou participado de uma greve, ou mesmo manifestado idéias contrárias àquelas do lado vencedor. Na Espanha, entre 1936 e 1939, na hora de decidir o destino do outro, pertencer ao lado oposto – no caso de ser civil – significava assinar sua sentença de morte.

Anistia e reconciliação

Durante o conflito – e durante a longa noite que, em seguida, se abateu sobre os vencidos – essa brutalidade feroz foi alimentada pelo mito de uma “Espanha verdadeira” (a dos militares e da Igreja católica) que lutava contra uma “anti-Espanha” (a dos “Vermelhos”). O mito de dois princípios eternos, enfrentando-se até a morte, jamais permitiu que fossem ouvidos os argumentos do lado oposto, mas, ao contrário, incentivou uma política de suspeitas, de perseguição e de assassinato. Foi uma repressão sem interrupções. Mais tarde, com o decorrer do tempo, a definição da guerra civil como “guerra contra o invasor” foi substituída, na memória coletiva, pela representação da guerra como uma “guerra fratricida”.

Essa nova memória, que serviu de base moral para a assinatura dos acordos, nas décadas de 60 e de 70, entre as forças políticas de oposição, os dirigentes políticos exilados e os vários grupos dissidentes do franquismo, implicava uma nova visão da história que privilegiasse os princípios do perdão e da reconciliação, ao invés dos da vingança, das represálias e do extermínio. A memória da guerra como guerra fratricida tornou possível uma política de anistia e reconciliação. E impôs um olhar de compaixão e de perdão para com o adversário.

Um ato de liberdade absoluta

Um cardeal espanhol afirmou que ninguém compreendera aquela guerra, que só podia terminar com a vitória total de um dos antagonistas

Apesar dos milhares de livros escritos sobre esse conflito pavoroso, na Espanha como no exterior, faltava ao discurso e à memória da guerra uma concretização literária. E é aí que entra Javier Cercas com seu formidável romance-reportagem Les Soldats de Salamine (leia, nesta edição, o artigo de Albert Bensoussan). Um episódio típico das guerras de extermínio, a execução maciça de prisioneiros sem julgamento, atinge o paroxismo num momento de piedade, fruto do acaso. Quando o soldado que vasculha a área dá de cara com o fugitivo, olha fixamente para ele e grita para seus companheiros: “Por aqui não há ninguém!”, salvando-lhe a vida. O que ele faz é recusar a fatalidade das políticas de extermínio, abrindo uma brecha para a piedade. Esse gesto abre a porta para a reconciliação, pois prova que, durante a guerra, houve momentos de perdão.

O ato desse soldado, membro anônimo de um pelotão de fuzilamento, se deve exclusivamente à sua vontade. Já o grito de agonia em La Velada en Benicarló reflete o que se estaria passando em Madri ou em Barcelona, assim como em Sevilha ou em Pamplona, durante o verão de 1936. É o que deveria ter ocorrido com o fugitivo surpreendido em seu esconderijo: Pan, pan!... e adeus, Rafael Sánchez Mazas.

Mas isso não aconteceu. Num ato de liberdade absoluta, ou talvez de cansaço diante de tantas mortes, dessa vez, o soldado não atirou, não alertou seus companheiros. Olhou-o nos olhos e fez meia-volta. E saiu de cena.

(Trad.: Jô Amado)

Fonte: Le Monde
http://diplo.uol.com.br/2003-01,a538

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