Mostrando postagens com marcador anti-sionismo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador anti-sionismo. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Resenha do livro "A Indústria do Holocausto"

Por Maria Luiza Tucci Carneiro*, especial para o iG Ler (igler@ig.com)

O livro "A Indústria do Holocausto", do norte-americano Norman Finkelstein, é um verdadeiro convite ao anti-semitismo, além de ser (ele mesmo) uma indústria captadora de recursos: a primeira tiragem é de 50 mil exemplares. Se para o autor o Holocausto "provou ser uma indispensável bomba ideológica", para nós ele continua a ser um fenômeno humanamente inexplicável.

A obra - que vem causando polêmica em todos os países onde foi publicada - abre trincheiras para os grupos revisionistas, representantes do pensamento da extrema-direita e que negam as câmaras de gás.

O texto se apresenta como uma faca de dois gumes, possibilitando uma leitura dúbia: de um lado, por tratar a questão judaica sobre um viés acusatório, anti-sionista e recuperar (sob nova maquiagem) o mito da conspiração judaica. Tais maquinações anti-semitas causam ainda maior estranheza por expressarem o pensamento de alguém cujos pais sobreviveram ao Gueto de Varsóvia e aos campos de concentração nazista.

Segundo o próprio autor, com exceção de seus pais, todos os membros de ambas as famílias foram exterminados pelos nazistas. Este é, por assim dizer, o outro lado da faca: o que atribui aos sobreviventes do Holocausto um "status de vítima". Mas é como vítima (sem status) que o autor faz jus à tradição americana da denúncia moral.

Em alguns momentos, o autor dá um tom de revolta à sua voz protestando contra a elite judaica americana que "explora" economicamente o Holocausto: daí a dubiedade da narrativa. Para Finkelstein existem duas fases distintas:

1) desde a Segunda Guerra Mundial até 1967: fase delineada por atitudes de menosprezo pelo tema. Nesta época, a elite judaica teria se alinhado à política americana priorizando a Guerra Fria, fazendo vistas grossas à entrada de nazistas no país, além de apoiar o rearmamento de uma Alemanha mal desnazificada.

2) após a guerra de 1967: quando o Holocausto tornou-se uma fixação na vida dos judeus americanos. Diante do "isolamento e vulnerabilidade de Israel" (p.28), a elite judaica teria começado a explorar o Holocausto visando lucros.

O raciocínio de Finkelstein baseia-se na existência de dois grupos distintos de judeus norte-americanos: os que foram "apenas" vítimas do Holocausto e aqueles que conquistaram status explorando a idéia de terem sido vítimas.

Estes seriam os responsáveis pela grosseira exploração do martírio judeu e pela transformação do Holocausto em O Holocausto, definido como uma verdadeira indústria da corrupção.

A idéia é de que esta catástrofe teve desdobramentos possibilitando ao Estado de Israel (definido pelo autor como "um dos maiores poderes militares do mundo, com uma horrenda reputação em direitos humanos") projetar-se como um Estado "vítima", além de oferecer facilidades aos judeus bem-sucedidos dos Estados Unidos, anti-comunistas, por excelência (p. 13).

A plataforma de defesa sustentada pelo autor finca-se no tom de "denúncia" atribuído à sua tese: a de que os judeus americanos estariam explorando a memória do Holocausto transformando-a em um "negócio".

Tanto a dedicatória como a epígrafe que abrem o livro - está última assinada pelo Rabino Arnold Jacob Wolf, da Universidade de Yale - reafirmam a identidade judaica do autor, ao mesmo tempo em que sintetizam a sua proposta: "A mim parece que o Holocausto está sendo vendido - não ensinado".

Tal "denúncia" é tendenciosa ao possibilitar uma "outra" leitura, perigosa no momento em que grupos neonazistas negam as câmaras de gás e os noticiários televisivos sobre a paz no Oriente Médio enfatizam uma abordagem anti-Israel.

Se a idéia de Finkelstein foi de retratar o legado de seus pais, certamente ele não foi feliz. Ademais, não é preciso ter sobrevivido a uma catástrofe (Shoah) para alcançar o grau de tirania praticado pelos nazistas.

"A Indústria do Holocausto" é uma obra rica em estereótipos recuperados dos mais exacerbados libelos anti-semitas, muitos dos quais se prestaram para sustentar uma outra indústria: a da "morte em série" nos campos de extermínio. No rol desta literatura panfletária está os "Protocolos dos Sábios de Sião", leitura de cabeceira de Adolf Hitler e dos neonazistas.

Como documento anti-semita, os Protocolos tentam provar que os judeus conspiram, há séculos, com o objetivo de controlar o mundo. Daí o texto (de origem russa, 1905) enfatizar os "interesses ocultos", conceito parafraseado por Finkelstein, noventa e seis anos depois. O autor (re)administra acusações anti-semitas ao afirmar que a memória do Holocausto está sendo modelada por "interesses investidos" e sendo utilizada para "extorquir dinheiro da Europa" (p.18).

Esta imagem estereotipada dos judeus enquanto "exploradores" e "aproveitadores" de situações trágicas pode ser identificada na maioria dos textos anti-semitas, alguns seculares. Aliás, por coincidência, um dos mais virulentos libelos anti-semitas produzidos no Brasil nos anos 30, leva o título "Indústria de Judeus".

Valendo-se de metáforas extraídas do mundo da industrialização, um diplomata brasileiro apela para a tese dos "agentes judeus" (comparados a força-motriz) que - através de sua astúcia, engenhosidade, destreza e criatividade - conjugavam o seu trabalho ao capital, objetivando o lucro ilícito.

Há também um livro anti-semita "Os judeus do cinema", de Oswaldo Gouvêa (Rio de Janeiro, 1935) que acusa empresas americanas de explorar a indústria cinematográfica. Valendo-se dos "capitalistas judeus da Broadway" teriam se tornado poderosas empresas, com domínio universal. Foi aí que "o Leão da Metro alvoroçou sua juba e deu o primeiro rugido de alarme entre os judeus" (p.74).

Mera coincidência ou não, o mito da conspiração foi retomado por Finkelstein e atualizado no espaço e no tempo histórico.

(*) Maria Luiza Tucci Carneiro é historiadora da Universidade de São Paulo, autora de "Holocausto. Crime contra a Humanidade" (Ática, 2000) e "O Anti-semitismo na Era Vargas" (Brasiliense, 1995, 2a. edição), entre outros.

OBS: Este texto, inédito, será ampliado pela autora para publicação em uma revista da comunidade judaica, para a qual foi originalmente concebido.

Fonte: IG
http://www.ig.com.br/paginas/igler/especiais/finkel/tucci.html

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Doha, Goebbels e o "Revisionismo"

A Profa. Ania Cavalcante analisa em seu artigo a total inadequação da citação do chanceler brasileiro, Celso Amorim na Rodada Doha, onde o ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels foi mencionado. Ania ainda analisa como isto pode ser fruto de uma sociedade que talvez esteja tolerando o anti-semitismo e as manifestações revisionistas.

Ania Cavalcante é doutoranda com tese sobre Holocausto em História na USP, pesquisadora e professora do módulo "Holocausto e Anti-Semitismo" do Laboratório de Estudos sobre a Intolerância (LEI) da USP, estagiária do Curso "Holocausto e Literatura" da Literatura Hebraica da USP e professora nativa de Lingua Alemã. Foi bolsista em Seminário e Conferência sobre Holocausto pelo Yad Vashem de Israel.

Foi com indignação que li as notícias a respeito da lastimável declaração do atual ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, feita no dia 19 de julho, ao citar uma frase do chefe da propaganda no governo nazista, Joseph Goebbels. Fez-me pensar que, enquanto a realidade da fome assola partes do mundo, um fantasma ronda as políticas nacional e internacional brasileiras. Enquanto a fome mata 6 milhões de crianças por ano no mundo, outras 6 milhões de vítimas - judias - do Holocausto são reiteradamente desrespeitadas, além das outras vítimas do nazismo.

Durante uma entrevista coletiva à imprensa concedida na sede da OMC (Organização Mundial de Comércio) em Genebra, o ministro brasileiro Celso Amorim afirmou que "Goebbels sempre dizia que quando se repete uma mentira muitas vezes, ela se torna verdade" („wenn man eine Lüge oft genug wiederholt, wird eine Wahrheit daraus”). A infeliz citação ocorreu, em Genebra, às vésperas do começo de uma semana da Rodada Doha de negociações da OMC destinada a alcançar um acordo sobre a liberalização do comércio, e foi feita em resposta ao comissário de Comércio da União Européia, Peter Mandelson, que acusara o Brasil de "estar sempre por trás" das dificuldades de negociação da OMC, de afirmar que o Brasil e outros “países emergentes”, deveriam assumir responsabilidades e não só exigir concessões dos países ricos. Foi então que Celso Amorim buscou em Goebbels um argumento para criticar a atitude dos Estados Unidos e da União Européia, países que afirmam ter feito ofertas generosas no comércio de produtos agrícolas, enquanto os demais países fizeram muito pouco para abrir seus mercados aos produtos manufaturados. Ou seja, de que os EUA e UE estão oferecendo pouco em termos de liberalização agrícola e cobrando muito em concessões no setor industrial.

A declaração do ministro brasileiro, comparando a tática de negociação de UE e EUA na OMC com a do chefe da propaganda nazista, Joseph Goebbels, sugerindo que os EUA e a Europa se portam como os nazistas em termos comerciais é preocupante e inaceitável. A primeira reação à imprudente declaração de Celso Amorim, na qual compara a negociação dos países ricos sobre a Rodada Doha com a propaganda nazista, foi a da representante comercial dos Estados Unidos, Susan Schwab, judia e descendente de sobreviventes do Holocausto, que no dia seguinte (20 de julho), através de porta-voz Sean Spicer, afirmou que, “para alguém que é ministro de Relações Exteriores, ele deveria estar mais atento para alguns pontos sensíveis”. Afirmou também que a fala de Amorim era “inacreditavelmente errada, além de qualquer imaginação, elas {as declarações} são insultuosas". Classificou ainda o ataque de “pessoal e baixo” e afirmou: "Estamos todos aqui para negociar de forma efetiva e esse tipo de comentário maldoso não tem lugar nessas negociações".

Segundo o porta-voz de Celso Amorim, Ricardo Neiva, citado pela Reuters, o ministro lamenta que Schwab ou qualquer outra pessoa tenha se ofendido com os seus comentários. O ministro brasileiro pediu desculpas pela declaração, porém manteve sua postura de citar o nazista. "Se ofendi alguém, eu lamento, não foi minha intenção. Mas mantenho: repetir uma distorção faz com que as pessoas acreditem que ela é a verdade", disse.

O lamentável comentário teve repercussão na imprensa mundial. O The Wall Street Journal disse em um artigo que a declaração de Amorim é “absurda e realmente preocupante, vinda de um diplomata moderado”, enquanto o jornal The New Zealand Herald afirma que a declaração de Amorim é “potencialmente um incidente diplomático”, acrescentando que “o comentário motivou uma pronta resposta dos EUA, cuja representante comercial, Susan Schwab, é filha de sobreviventes do Holocausto”. Mas é claro que a menção irresponsável de um nazista, ainda mais na Europa, além de imprudente, vergonhoso e inaceitável, feriu não só a Susan Schwab, os descentes de judeus do Holocausto, mas toda a comunidade judaica mundial e todos com um mínimo de bom-senso.

Em 21 de julho, Susan Schwab pôs de lado o comentário de Amorim e disse que "esta não é a hora nem a semana para cair de novo em retórica ultrapassada - destinada a perpetuar velhas divisões e criar outras novas”. Durante entrevista no primeiro dia da retomada das negociações da Rodada Doha de liberalização do comércio mundial. "Estamos esperando para ver contribuições de outros, inclusive dos mercados emergentes mais significativos", para que se chegue a uma conclusão bem sucedida da rodada, afirmou. O principal problema da Rodada Doha, ou seja, do comércio mundial, é a preocupação de cada país nos efeitos de uma política liberalizante que supostamente trariam desemprego em países que não estão aptos a concorrer de forma igual. A Rodada Doha durou sete anos e fracassou de novo, a 29 de julho, quando a Índia e a China abandonaram novamente a sala de negociações, e esse reiterado fracasso pode representar o colapso definitivo da Rodada de Doha. Certo é que atualmente a fome assola vidas humanas com a inflação dos produtos agrícolas, enquanto a manipulação histórica ronda o mundo.

"Revisionismo", desrespeito e os veículos de massa

O século XX foi marcado por formas de opressão e violência que custaram a vida de milhões de pessoas, sendo o regime nazista e o Holocausto o paradigma e expressão máxima da barbárie humana, que arrasaram do mapa parte de uma geração, parte de uma História. Por outro lado, também representou máxima expressão de resistência e solidariedade humanas por parte de suas vítimas, representando a fé na humanidade. O século XXI, por sua vez, se inicia com uma tentativa de apagar a memória, com o reiterado desrespeito à memória e à dignidade humanas, e de jogar a História na lata do lixo, manipulando “aquilo que aconteceu” – “was geschehen ist”, como definiria o poeta judeu-alemão Paul Celan, sobrevivente do Holocausto. E o ministro brasileiro se une àqueles que desrespeitam a memória e a História.

Foi justamente em um ministro da Alemanha nazista que o ministro brasileiro se inspirou. A ofensa não foi à Susan Swab somente. Mais do que uma ofensa, uma declaração inadequada, um reflexo do desrespeito às vitimas do Holocausto – os judeus foram as maiores, mas houve outras vítimas, que não devem ser esquecidas. Nem a memória apagada, nem a História desconsiderada ou manipulada. O Holocausto foi o fenômeno histórico da discriminação, exclusão sócio-econômica, expropriação, da perseguição, tortura e extermínio de 6 milhões de judeus entre 1933 e 1945 pelo regime nazista na Alemanha e Europa ocupada, o que representava 66% dos judeus da Europa, 1/3 dos judeus do mundo. O regime nazista também vitimou 1,5 milhão de inimigos políticos, 3 milhões de prisioneiros de guerra, 20 milhões de russos (centenas desses incluídos na categoria de inimigos políticos e prisioneiros de guerra), 600 mil sérvios, 500 mil ciganos, 200 mil poloneses, 200 mil maçons, 15 mil homossexuais, 5 mil testemunhas de jeová, e muitas outras vítimas.

O Ministro brasileiro citou um dos maiores ideólogos nazistas, Joseph Goebbels, que foi Ministro de Propaganda e Informação Pública da Alemanha nazista durante a existência do regime nazista, de 1933 a 1945. Tanto Goebbels, como Adolf Hitler reconheciam o enorme potencial oferecido pela propaganda na veiculação da ideologia nazista e para a conquista das massas. O poder da propaganda nazista tornou-se maior, em decorrência da censura e do monopólio da violência e dos meios de comunicação.
O ministro Goebbel, citado pelo ministro brasileiro, manipulou a rádio e os filmes de propaganda, onde buscou disseminar as idéias anti-semitas e racistas, para angariar o apoio popular ao infame regime nazista, de cunho anti-semita, nacionalista, expansionista, xenófobo, explorador e assassino. E é na idéia central, o pilar desse ministro – a farsa composta de mentiras contadas e recontadas – que o ministro brasileiro se inspirou.

Mais do que um desrespeito às vítimas do Holocausto e do nazismo, aos sobreviventes e, por que não dizer, ao bom-senso. Se fosse ministro em outro país, poderia ser destituído justificadamente, por isso (na Alemanha, o seria com certeza). Basear-se em idéias-chave de um regime como o nazista e repeti-las é vergonhoso. Joseph Goebbels foi um dos defensores do nazismo, um dos maiores propagandistas do nazismo e manipuladores da História, um criminoso. Foi ele quem, a 10 de maio de 1933, ordenou uma “queima pública de textos judeus nocivos” em frente a Universidade Humbolt de Berlim, com o objetivo de “nazificar” a arte e a cultura da Alemanha. Aproximadamente 20 mil livros foram queimados, incluindo livros de autores não-judeus como Heinrich Mann, Betold Brecht, Erich Kastner e muito autores judeus como Albert Einstein, Karl Marx, Sigmund Freud, Franz Kafka, Stefan Zweig, e Heinrich Heine. Este último, tinha escrito um século antes: “Onde se queimam livros, alguém dia também serão queimados seres humanos”. E na Alemanha nazista e Europa por ela ocupada, lamentavelmente, foi o que ocorreu.

O primeiro pogrom do século XX foi uma elaboração de Goebbels, que teve a idéia de utilizar o atentado contra o diplomata alemão Von Rath em Paris cometido pelo jovem judeu Herschel Grynszpan para realizar um violento pogrom contra os judeus da Alemanha na noite de 9 de novembro de 1938 denominado de “A Noite dos Cristais Quebrados” (Kristallnacht). Herschel Grynszpan cometeu o atentado como forma de expressar sua indignação ao saber, no início de novembro de 1938, que sua família e outras centenas de judeus com cidadania polaca haviam sido deportados a 27 de outubro da Alemanha para a Polônia, para uma região na fronteira, uma terra de ninguém, porque nenhum dos dois países queria ficar com eles. Se por um lado essa deportação representou a primeira deportação massiva de judeus pelo regime nazista, efetuada pela SS (SS é a abreviação de Schutzstaffel, Tropas de Proteção, as tropas de choque da polícia política do regime nazista), a Noite dos Cristais Quebrados constituiu um episódio de finalização de um período de exclusão social, expropriação econômica e de incentivo à imigração judaica, representando o início da violência física em massa contra os judeus e a deportação para os campos de concentração.

A extensão e gravidade da Noite dos Cristais Quebrados foi clara: 91 judeus morreram nesta noite e nenhum assassino foi julgado. As 400 sinagogas ainda existentes na Alemanha foram queimadas e destruídas. 7500 lojas de judeus foram quebradas ou saqueadas, com um prejuízo de muitas centenas de milhões de marcos. 26 mil judeus foram presos e levados a campos de concentração. Foi imputada uma multa coletiva de um bilhão de marcos aos judeus para pagarem os seus próprios prejuízos, que posteriormente foi aumentada. E esse episódio foi divulgado em jornais do mundo inteiro. E foi a partir desse momento, que os judeus foram completamente banidos da vida econômica na Alemanha. As propriedades judaicas foram colocadas em contas e confiscadas pelo Estado.

Além disso, relembremos, durante a Segunda guerra Mundial, Goebbels foi o responsável pela campanha de propaganda, espalhando ódio, disseminando mentiras contra os supostos “inimigos dos alemães”, afirmando serem os judeus os maiores desses inimigos e caracterizando-os como sub-humanos. E foram as principais mentiras que ele reiteradas vezes buscou disseminar, para buscar fazer com que acreditassem nelas. E foi a essa prática, desse ministro nazista, que o ministro brasileiro citou. Algo grave, gravíssimo, vergonhoso. Não chega a ser um crime. Mas sem dúvida uma agressão.

O combate ao negacionismo, manipulação atual da História

Vivemos um tempo em que a agressão é reiterada e a História, manipulada. Um grande exemplo disso é o negacionismo do Holocausto. Entre os iranianos e palestinos, e em movimentos pró-palestinos, o negacionismo é, lamentavelmente, comum. Aqui no Brasil, há vários exemplos. Citarei um mais recente. A 26 de janeiro desse ano, foi formado em São Paulo um movimento que pretende abranger os comitês pró-palestinos no Brasil, denominado "Palestina Livre - Movimento Palestina para Tod@s". No site publicado como o primeiro artigo da seção de História, um artigo de Robert Faurisson, um francês negacionista histórico, atuante desde 1960. O artigo era encontrado no site http://www.palestinalivre.org/node/231. Eu enviei uma nota de repúdio ao site do Mopat, a representantes da comunidade judaica e palestina e a várias outras pessoas. Depois dessa campanha de denúncia, passada cerca de uma semana, o artigo foi retirado do site. Mas repudie e esclareci aos mesmos destinatários, de que havia artigos de outros negacionistas no site do movimento, como o caso de Alfredo Braga, que em um dos vários artigos disponibilizados no site, repletos de falsificações históricas, afirmava, por exemplo, que o Diário de Anne Frank era uma farsa histórica. Só recentemente, os artigos de Alfredo Braga foram substituídos por outros.

Na Argentina, em Buenos Aires, entidades pró-palestinas chamaram um ato no dia 28 de janeiro em frente à Embaixada de Israel. O ato era contra o Estado de Israel e em defesa dos palestinos, que preconizava atividades culturais, nas quais estava incluído um programa fartamente negacionista, com destaque para Faurisson (parece que está na moda dentre estes comitês), de uma virulência e manipulação histórica inaceitáveis.

O evento, felizmente, foi um fracasso, sendo cancelado por seus organizadores por falta de palestinos e simpatizantes dispostos a protestar. Mesmo assim, o programa divulgado reflete o conteúdo defendido por esses movimentos. Sem desconsiderar os movimentos de palestinos pela paz e de convivência com o Estado de Israel, há se levar em conta que governos árabes, em especial o Irã, vem investindo uma fortuna nos últimos 26 anos em incitamento ao ódio. Em recente esclarecimento a esse respeito, o jornalista da FIERJ (Federação Israelita do Rio de Janeiro), José Roitberg, explicou, por email, que “o Irã é o único financiador da universidade MAUP na Ucrânia onde fica a gráfica que produz livros revisionistas [negacionistas] em pelo menos 40 línguas. A MAUP espalhou pela Europa vários quiosques de venda desse material e há países da América Latina, como a Argentina, onde podem ser adquiridos estes materiais em qualquer livraria, sebo ou barracas de livros nas ruas. Constando desde “Mein Kampf” aos “Protocolos dos Sábios do Sião”.

O negacionismo não é crime, tampouco aqui no Brasil, como em qualquer outro país da América Latina, ao contrário da Alemanha, por exemplo, o país com a legislação mais severa nesse sentido. Não se brinca em serviço lá. Atualmente, a Alemanha é o país onde mais memoriais e museus do Holocausto há. E negacionismo, assim como reprodução de qualquer livro ou idéia de teor nazista, assim como símbolos e gestos nazistas dão cadeia. E sem atenuantes.

O uso da negação do Holocausto tem um objetivo muito claro, que deve ser combatido: ao definir que Israel é uma compensação aos judeus pelo Holocausto, se não houver Holocausto, essa compensação se torna indevida. O negacionismo causa um risco real para as comunidades judaicas, mas não causa risco para Israel. A Carta do Hamas define que todos os judeus que chegaram à Palestina após 1947 devem ser expulsos de volta aos seus países de origem e os demais, devem ser mortos. E essa retórica se ouve em outros discursos anti-sionistas.

No Brasil, a condenação de dois anos de prisão de Silfried Ellwanger Castan, fundador da Editora Revisão, que nega o Holocausto e publica livros nazistas e negacionistas, foi uma vitória, embora, por sua idade avançada, não tenha cumprido a pena na prisão.

Mas não deixou de ser uma vitória, um avanço na luta contra o negacionismo, anti-semitismo e pela dignidade humana. Dentro da legislação brasileira, o racismo é um crime, a apologia ao anti-semitismo não o é, e o revisionismo é discutível. Há que se defender a liberdade de expressão, mas deve-se combater os perigos concretos de repetições da catástrofe e de regimes como o nazista.

Em um país que ainda não criminalizada a negação do Holocausto, e onde seus ministros citam nazistas, nos faz notar a ainda vigência de anti-semitismo, e a necessidade de lutar para esclarecer sobre a completa inadequação de tais citações. Há ainda muito que se combater o anti-semitismo, o racismo, os preconceitos. Por isso, devemos ficar De Olho Na Mídia, de ouvidos bem atentos, e nunca silenciar.

Para quem considera que o nazismo e o Holocausto são assuntos ultrapassados e superados, os fatos demonstram que ainda há muito a ser debatido a respeito desse capítulo infame da História e muito ainda a combater.

Vivenciamos um período em que revisionistas tentam negar o Holocausto e até mesmo estadistas o fazem. Em que movimentos disseminam o negacionismo como justificativa de suas causas, ministros se baseiam na retórica nazista, período em que a intolerância e discriminação ainda permanecem e são um dos combustíveis, juntamente com interesses econômicos espúrios, da violência generalizada – seja física, seja verbal - a expressão da barbárie atual, que atinge a todos nós.

Nem sequer aos mortos deixam descansar em paz, tampouco descansaremos no combate ao negacionismo, anti-semitismo e anti-sionismo, e as suas diversas manifestações infames e inaceitáveis. Afinal, acreditamos na humanidade.

Fonte: deOlhonaMídia.org.br
http://www.deolhonamidia.org.br/Comentarios/mostraComentario.asp?tID=368

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

O sapatinho branco

por Paulo Casaca

Vinte e sete de Janeiro de 1945. As tropas soviéticas chegam a Auschwitz-Birkenau, o maior campo de concentração e extermínio construído pela Alemanha Nazi e onde terminaram os seus dias milhão e meio de pessoas, na sua maioria judeus, mas também ciganos e resistentes de várias nacionalidades e ideologias.

As imagens ficaram gravadas para a posteridade, montanhas de corpos esqueléticos que não tinha havido tempo para remeter aos fornos crematórios e muitos outros à beira da morte por fome e doença, descomunais montanhas de sapatos, malas, escovas, objectos pessoais dos exterminados.

Começou aqui o desmontar da máquina assassina mais devastadora de toda a humanidade e da imensa cortina de silêncio que o Nazismo e aqueles que com ele contemporizaram fizeram cair sobre o holocausto.

Alguns dias antes, precisamente a dezoito do mesmo mês de 1945, um jovem judeu, Marian Tursky, que tinha sido remetido ao campo depois da limpeza do gueto de Llodz, a Ocidente de Varsóvia, em Agosto de 1944, era transferido com outros seiscentos judeus.

Sessenta e três anos mais tarde, sentado à minha frente e ao lado do meu camarada e amigo João Soares, no Rubinstein, restaurante da antiga Judiaria de Cracóvia, o agora ancião sobrevivente conta como fez uma marcha contínua de 49 quilómetros, durante duas noites e um dia, até ao próximo entroncamento ferroviário. Muitos não o conseguiram e foram sumariamente abatidos com um tiro na nuca, mas ele continuou até entrar no vagão que o conduziu a Buchenwald, aonde dezasseis dos seus companheiros chegaram sem vida.

De Buchenwald, perante o avanço soviético, passou a Terezin, nos Sudetas, anterior campo de concentração modelo Nazi, onde as tropas soviéticas o iriam encontrar para o levar a um hospital.

No domingo, dia 27, já em Auschwitz-Birkenau, Marian Tursky foi o guia da delegação dos Amigos Europeus de Israel que celebrou o 27 de Janeiro, o dia do Holocausto, com uma homenagem às vítimas do nazismo realizada com uma deposição de flores em Auschwitz e um acender simbólico de velas numa breve cerimónia religiosa em Birkenau e que terminou na pequena sinagoga de Oświęcim, a antiga cidade judaica que se encontra na margem contrária do Sola.

Deslocação num dia cinzento que terminou debaixo de neve, retenho dela, mais do que qualquer outra coisa, o pequeno sapato de criança que ladeava uma pilha descomunal de sapatos em exibição no pavilhão número cinco de Auschwitz.

No processo de selecção que era feito à entrada as crianças nunca tinham hipótese e eram sistematicamente conduzidas às câmaras de gás, e aquele sapatinho branco, tão parecido aos que calçam as meninas que entre nós levam a bandeira do Espírito Santo, era certamente de uma menina dos seus cinco anos, de uma família a quem tinham prometido a relocalização para esconder a solução final.

Sessenta e três anos depois, continua a haver quem insista na negação do holocausto, à frente dos quais se encontra o Presidente da República do Irão, que organizou mesmo com esse objectivo conferências internacionais.

A negação do holocausto por parte de quem assassina os seus opositores políticos, invade e aterroriza os países da região e prepara uma arma nuclear, não é uma atitude académica, é um instrumento indispensável à prossecução de uma estratégia que aposta na destruição de Israel mas que não tenciona ficar por aí.

Ontem como hoje, recordar o holocausto, recusar cair na teia argumentativa do anti-sionismo, homenagear os mortos e trabalhar com os vivos para impedir a repetição do holocausto, são imperativos políticos de primeira importância.

Fonte: Azoresdigital (Açores, Portugal, 08.02.2008)
http://www.azoresdigital.com/ler.php?id=1683&tipo=col

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...