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sábado, 8 de dezembro de 2012

A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 04

6. Negro Contra Negro

Em 1921, o Estado do Mato Grosso ofereceu concessões de terras para empresários americanos. Quando souberam do recrutamento de trabalhadores afro-americanos para ocupar tais terras, imediatamente, o presidente do Estado, um bispo católico, cancelou as concessões. O Itamarati, em medida preventiva, deliberou negar vistos diplomáticos para esses potenciais imigrantes.30 Dada a preocupação da elite em evitar o "enegrecimento" do país, dois deputados federais — Andrade Bezerra (PE) e Cincinato Braga (SP) — apresentaram o Projeto de Lei nº 209 no Congresso, após o episódio, em 1921, propondo a proibição da entrada de imigrantes negros. Sem apoio político suficiente, o projeto foi arquivado; todavia, a idéia permaneceu viva. Dois anos depois, um outro deputado federal, Fidélis Reis (MG), apresentou uma nova versão do projeto cuja essência continuava sendo a barreira de cor.31 A repercussão na opinião pública teve desdobramentos na "imprensa negra", que mediante uma série de artigos não escamoteou sua posição sobre a matéria:
A imigração negra norte-americana prejudica a solução do problema negro brasileiro e ameaça a harmonia da raça e a paz da nação.
Estamos alistados no exercito daquelles que combatem em todo e qualquer terreno, a invasão do negro norte-americano no nosso paiz.
Apoiamos francamente attitude patriotica assumida pelo governo ante a grave ameaça da immigração negra, e a combateremos pela pena e pela palavra porque ella representa, indiscutivelmente, o maior prejuiso para a solução do problema negro brasileiro. (Getulino, Campinas, 23/9/1923:1)32

Assim, quando se cogitou a imigração de negros norte-americanos para o Brasil, a "imprensa negra" reagiu com repulsa. Os motivos eram diversos. Um dos argumentos era que tais negros transplantariam o ódio racial para nosso país, representando uma "ameaça à harmonia e à paz da nação". Como a fusão das raças implicaria, necessariamente, o desaparecimento do negro, a entrada de negros americanos iria retardar este processo:
A vinda dos negros norte-americanos será o golpe de morte para aquela obra mathematica, do desapparecimento gradativo da raça negra no Brasil. (Getulino, Campinas, 23/9/1923:1)

Os autores destes artigos avaliavam o negro norte-americano como refratário à miscigenação; logo, sua presença no país colocaria em risco o projeto de branqueamento, embora cientes de que a imigração estava orientada politicamente por uma conotação racista: contra negros, índios e asiáticos, os articulistas defendiam a entrada de imigrantes como necessidade. Portanto, a questão devia ser colocada nos seguintes termos: qual era o imigrante mais conveniente para resolver o problema do negro?33
Não cuidamos de saber se, por exemplo, a imigração russa nos e prejudicial ou util. Ignoramos se nos convem ou não que para aqui afluam correntes de israelitas. Nesse ponto, podemos dizer que apenas somos unanimes quando se trata da immigração de pretos.34

Apesar da dúvida quanto à qualidade étnica dos estrangeiros que entraram no estado de São Paulo, era praticamente consensual a rejeição da "immigração de pretos". Os vários grupos étnicos aceitos pela política imigratória do estado renovavam a esperança de branqueamento. Por isso, a seleção racial passava estritamente pelo critério: ser de "raça branca", independente da origem nacional do imigrante.

Considerações Finais

O fenômeno do branqueamento tinha a "proeza" de ocultar o racismo anti-negro que trazia na sua essência Este fenômeno foi levado a cabo de maneira acentuada pela elite paulista no início do século XX, sendo difundido intensamente pelo discurso científico e previsões estatísticas. Já sua dimensão ideológica, penetrou e foi compactuada ou absorvida por uma fração da comunidade negra, sob a forma de branqueamento: "estético", "biológico" e "social". O paradigma branco de beleza, comportamento, moral, mentalidade, etiqueta e cultura, foram assimilados e reassimilados, total ou parcialmente, por alguns membros daquela comunidade. O embuste racial chegou ao extremo de alguns negros repudiarem a hipótese do Brasil e, em particular, São Paulo, receber imigrantes do mesmo grupo racial, fossem estadunidenses ou africanos, pois temiam o "enegrecimento" do estado.

Como escreve Iray Carone, o branqueamento foi "uma pressão cultural exercida pela hegemonia branca, sobretudo após a Abolição da Escravatura, para que o negro negasse a si mesmo, no seu corpo e na sua mente, como uma espécie de condição para se integrar (ser aceito e ter mobilidade social) na nova ordem social" (Bento & Carone, 2002:14). Em linhas gerais, essa também é a explicação de Florestan Fernandes, para quem só é possível entrar no "mundo dos brancos" passando por um "processo de abrasileiramento que é, inapelavelmente, um processo sistemático de embranquecimento" (Fernandes, 1972:16).35 Contudo, é necessário repensar essa interpretação corrente de conceber branqueamento como sinônimo ou pré-requisito da integração do negro na sociedade de classes. Segundo Maria Aparecida Silva Bento, "isso decorre do fato de que essa sociedade de classes se considera, de fato, como um ‘mundo dos brancos’ no qual o negro não deve penetrar" (Bento & Carone, 2002:52). Já Angela Figueiredo vai mais longe, postulando que "quase todos nós nascemos embranquecidos, visto que há uma predominância dos aspectos da cultura branca — se é que assim podemos denominá-la — em nossa sociedade, e só enegrecem ou se tornam negros ao longo dos anos os que optam por incluir em suas vidas os aspectos identificados com a ‘cultura negra’ e se tornam curiosos em conhecer o seu passado" (Figueiredo, 2002:104).

De toda sorte, foi possível inferir que a ideologia do branqueamento no início do século XX em São Paulo deformou as relações raciais: contribuiu para desenvolver, no branco, um certo complexo de superioridade e, no negro, em contraposição, um complexo de inferioridade. Os brancos, independente da classe social, produziram uma auto-representação positiva e concebiam seus valores como naturalmente superior. Já alguns negros, construíram uma auto-imagem negativa e passaram a se avaliar como inferiores.36 Na verdade, estabeleceu-se um círculo vicioso: quanto mais profundos os traumas do racismo, mais o negro ajustava seu comportamento e atitudes de acordo com a ideologia do branqueamento; quanto maior os ataques racistas, mais profundos eram os traumas. Nesse sentido, a interiorização da ideologia do branqueamento pelo negro deve ser entendida como um mecanismo psicossocial, utilizado para evitar as agruras do racismo à paulista.

Referências Bibliográficas

Neste link do texto original no Scielo.

*Este texto é a versão parcial e reajustada de um dos capítulos da minha dissertação de mestrado, intitulada Uma História Não Contada. Negro, Racismo e Trabalho no Pós-Abolição em São Paulo (1889-1930), FFLCH/USP, 2001. Agradeço às valiosas sugestões dos(as) pareceristas da revista para a melhoria deste artigo.

NOTAS

30. Ao consultar o arquivo do Itamarati, Jeff Lesser constatou que, em 1921, "o ministro das Relações Exteriores, José Manoel de Azevedo Marques, temendo a entrada de afro-americanos no País, instruiu a Embaixada do Brasil em Washington e os consulados a recusar vistos para todos os ‘imigrantes negros destinados ao Brasil’" (Lesser, 1994:85).

31. Uma análise desses projetos encontra-se em Skidmore (1976:212-16) e em Souza Ramos (1996:65-8). Como afirma este autor, para a elite "o risco da imigração de negros norte-americanos, para além de sua suposta inferioridade racial, consistia na possibilidade de que não se fundissem, seja fisicamente ao trabalhador nacional, seja simbolicamente à cultura brasileira" (ibidem:79).

32. "Fomos sempre, intransigentemente, contrarios á entrada dos negros norte-americanos no Brasil, isso porque não era um individuo que buscava agasalho em nossa Patria, mas um bando de homens que prentendia invadir a nossa terra, trazendo além da differença de costumes, de habitos, de tradições e de lingua, o odio indomavel à raça branca existente nos negros ‘yankees’" (Getulino, Campinas, 24/2/1924:1). Ver, também, 30/9/1923.

33. Quando Ford resolveu montar uma unidade exploratória dos recursos minerais e reservas naturais no norte do país em 1929, voltou aos noticiários a polêmica da imigração de negros americanos. Os jornais eram radicalmente contra que se importasse trabalhadores negros. "Os comentários a respeito da propalada emigração de negros americanos para o Pará (concessões do Tapajos) promovida pela empresa Ford parece que foram precipitadas (Progresso, São Paulo, 28/7/1929).

34. "Colonias extrangeiras" (Progresso, São Paulo, 31/1/1930:1).

35. Tal assertiva, igualmente, encontra-se em Cardoso & Ianni (1960:224).

36. Roger Bastide destacou a ambigüidade da ideologia racial construída pelos negros: "há pois uma ambivalência nessas ideologias, um flutuação entre o racismo puro, o orgulho da cor, e um sentimento de inferioridade, que leva à imitação do branco, à adoção dos seus pontos de vista, e à tentativa de apresentar a imagem de um negro branco" (Bastide & Fernandes, 1959:167).

Fonte: Scielo (Estud. afro-asiát. vol.24 no.3 Rio de Janeiro 2002)
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-546X2002000300006&script=sci_arttext
Autor: Petrônio José Domingues

Ver também:
A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 03
A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 02
A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 01

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 03

4. A Ideologia do Branqueamento nos Contos da "Imprensa Negra"

Enquanto representação do real, a literatura tem a capacidade de captar os sentimentos e desejos mais ocultos da alma humana de uma época, que não são codificados racionalmente. Já como mecanismo ideológico, a literatura cumpre o papel de transmitir os valores ideológicos da dominação, seja de classe, de gênero ou de raça.

Tendo em vista um recorte racial, é possível sustentar que alguns escritores da "imprensa negra", no início do século XX, submetiam os textos ficcionais à orientação mais geral da ideologia do branqueamento. Na amostragem qualitativa coletada, explicaremos de que maneira este fenômeno perpassava todo o universo mágico dos contos destes autores.

Em um conto intitulado Episódio da Revolta da Ilha de São Domingos o autor descreve como os negros se insurgem contra a opressão escravista, conquistam a liberdade e resolvem vingar-se de todas as atrocidades cometidas pelos brancos. "Então matam, incendeiam, arrazam (sic) tudo que no seu caminho encontram". Todavia, é na parte central, quando é iminente a morte de uma camponesa "linda, loura, mais loura que uma filha de Albion", que podemos desvelar o imaginário branqueador do texto.

A multidão de negros revoltosos prende a família de camponeses brancos. O líder dos revoltosos lança-se com um punhal sobre a cabeça da camponesa, mas, subitamente, um outro negro intervém:
Mas, oh milagre! Outro preto obsta que seu chefe consumma aquelle acto! Porque! Porque elle ama. Ama com toda a sua alma aquela moça.
Então ella o reconheceu e suas faces que estavam lividas tornaram-se vermelhas como o carmin, teve vergonha, tinha-o insultado e agora ella via claramente aquella scena em que ella lhe dissera, no auge da raiva, — que negro não era gente, elle jurou vingar-se.
Ela agora estava arrependida de o ter dito. Então negro não era gente? Por que? Seriam talvez os brancos melhores que os pretos? E ella, que sem dizer palavra, soffreu naquelle momento como soffreram os virtuosos apostolos de Christo. (O Menelick, São Paulo, 1/1/1916)

Surpreendido com a atitude do companheiro de luta, o líder dos revoltosos lembrou ao destemido apaixonado da lei de justiçamento para todo aquele que desrespeita sua autoridade. Então, este negro, em um ato de coragem, entrega-se no lugar de sua "loura" e, imediatamente, é aprisionado ao pé de uma árvore. Sem cerimônias, o infeliz foi executado, cumprindo:
[...] a terrível lei que era imposta a todos que desejavam a vida de quem quer que fosse — a morte — e elle docemente morreu, morreu como um bravo, morreu por amor de uma branca, cumprindo assim d’um modo sublime o seu juramento.
E agora junto ao cadaver puderam dizer: que os negros são tão gente como os brancos. (idem)

Do ponto de vista do imaginário, o personagem negro é inferiorizado em relação ao branco. Quando discriminado, aquele promete vingar-se, na primeira oportunidade, das ofensas da "loura". Ao libertar-se dos grilhões, entretanto, o negro releva todas as humilhações que sofreu da musa de seus sonhos. Mais: expressa sua paixão avassaladora por ela. Em um gesto de amor, renuncia à sua própria vida para salvá-la.

A estrutura do conto é idílica. Estamos diante do que podemos denominar do amor impossível: um homem negro jamais seria correspondido afetivamente por uma mulher branca. O personagem negro representa a figura do anti-herói. Seu final é infeliz e trágico. Em um sentido amplo, a morte do rejeitado simboliza a extinção da raça negra, ao passo que a preservação da vida da mulher celebra o triunfo da "raça branca". Em outra perspectiva, podemos aventar que apenas na morte o negro se iguala ao branco, ou seja, quando ele deixa de existir, não significando mais nenhum tipo de ameaça no mundo real. Somente assim haveria o reconhecimento de sua humanidade. No final, cumpria-se a profecia do branqueamento.

O conto "Quando o Coração Falla" narra a história de um negro, mais uma vez sem nome, que na adolescência, em 1899, foi convidado por alguns amigos para assistir a uma opereta na casa de espetáculo da comunidade italiana e se apaixona pela atriz principal da companhia, "a bela, garbosa e minuscula Cesira".

Em uma das apresentações, o negro foi convidado para procurá-la no camarim do teatro. Sem delongas, assim o fez:
Não, Cesira, não creio! Vejo que tudo isto é um sonho. É demasiada felicidade para mim!... Faça-me ouvir com tua voz maviosa, o que há pouco me dissestes... Não creio que tambem tu esperavas por este instante supremo. Repita-me que muito me queres... E frenetico, acariciava seus perfumados cabellos fios de ouro, beijava-lhe a face encantadora, os olhos negros, o pescoço torneado e branco, e... tornava a extasiar-me fitando-a demoradamente (O Clarim da Alvorada, São Paulo, 3/2/1924:1)

Ao terminar o espetáculo, o negro acompanhou-a até o hotel, causando admiração entre seus amigos:
Assim, por muitos e interminaveis dias, durou o nosso hydillio, até que por uma fatalidade fomos obrigados a nos separar.
Dessa data são decorridos 24 annos e, guardo ainda indelevel, na memoria e no coração, a lembrança desses dias. (idem)

A estrutura do conto é semelhante à receita do anterior. Um homem negro se apaixona por uma mulher branca e insanamente alimenta o sonho de conquistá-la. Porém, devido a uma fatalidade — não descrita — ele tem que se afastar dela, mas jamais consegue esquecê-la, ou seja, a musa encantadora, de "pescoço torneado e branco", continua a hipnotizá-lo, sobretudo pelo seu padrão de beleza, que, daquele dia em diante, nortearia sua preferência na escolha de novos relacionamentos. Cesira passou a ser o seu ideal de mulher. Estamos diante de um caso de amor inter-racial impossível. Um dos aspectos mais importantes da "ideologia da brancura", detectado implicitamente, consiste no fato de o negro apenas sentir-se plenamente realizado com uma branca. Impossibilitado de realizar seus planos, ele amargura na dor da saudade.

Em outro conto, batizado de "A Quem me Entender", um negro, convidado pelos amigos, vai a uma "simples, mas encantadora reunião familiar". No local da tertúlia, estava conversando despretensiosamente com os convidados, mas, de repente, olhou para uma mulher (branca, provavelmente loira) que, inexplicavelmente, o fascinou. Foi amor à primeira vista. Ascendeu no seu coração um sentimento platônico.

No entanto,
"[...] passada aquella ephemera chimera, em que fiquei totalmente subjugado por seus attrahentes olhos azues, bem poucas vezes a tenho visto. Em compensação, noticias suas jamais deixei de tel-as, portanto quanto mais tempo não a vejo mais impaciente e com saudades permaneço". (O Clarim da Alvorada, São Paulo, 3/3/1924:1)

Verifica-se que, novamente, o personagem negro é um sujeito sem nome; desprovido de identidade. A ausência de identidade, transportada para toda a coletividade, é o requisito básico da invisibilidade do negro. Essas características demonstram de forma cabal o ideal de branqueamento dos autores dos contos escritos para os jornais da "imprensa negra".

O último conto analisado dessa breve seleção é "O Lenço de Maria". Ambientado na época da escravidão, narra a história de um escravo que ama sua sinhá. Depois de sofrer algum tempo em função da paixão reprimida, Halibrach resolve abrir o seu coração, em um passeio pela fazenda, e declara-se para Maria:
[...] atirando-se de joelhos aos seus pés implorou a felicidade que tanto almejava.
A moça commovida pelas apaixonadas phrases que se escapavam dos labios de seu escravo, levou o lenço aos olhos para enxugar duas lágrimas! (Getulino, Campinas, 30/9/1923)

Embora sensibilizada com seu escravo, a Sinhá não oculta o caráter utópico daquele voluntarioso caso de amor. O sentimento que aflora é de piedade pela humilhante atitude daquela infeliz criatura. Frustrado com a reação de seu amor, Halibrach resolve atentar contra sua própria vida.
Maria, exclamou Halibrach louco, minha não serás nunca, porém, eu tambem não mais serei do mundo!
Halibrach que vaes fazer?
Senhora, vou matar-me...
Oh! não, não!
Sim Maria adeus! E que esse lenço humedecido com tuas lagrimas me acompanhe ao silencio da tumba!
E, arrebatando das mãos da moça o perfumoso lenço que ella trazia desapareceu por entre os arvoredos do jardim!
Pela manhã, quando o sol brilhante repraiava os seus raios, doirando a selva das campinas, um corpo gelido repousava sobre um canteiro de saudades! Era Halibrach morto!Porem, elle não foi assim tão infeliz nos seus amores, porque levou para a gelidez do tumulo o lenço ainda humido das lagrimas de Maria! (idem)

Reproduz ficticiamente a fórmula consagrada do amor inter-racial impossível. Para Halibrach, um negro com nome de branco, sem Maria nada mais faz sentido. A "linha de cor" a separá-los é indelével. O seu fim é trágico: morre em prol de sua branca. É curioso observar que o personagem negro recebe um nome justamente no episódio em que seu papel social de sujeição ao branco é nitidamente identificado (ibidem).26

Constatamos que a versão idílica do amor impossível do homem negro pela mulher branca pauta a mensagem simbólica dos textos. Isso revela que os contos eram um artifício de projeção do imaginário do negro no início do século XX, ou seja, o "inconsciente coletivo" negro transferia no outro — mulher branca — desejos, qualidades, virtudes, enfim, valores positivos desprezados ou recusados para si.

5. O Desaparecimento do Negro

Alguns artigos da "imprensa negra" eram explicitamente favoráveis ao desaparecimento do negro. Apesar de reconhecerem a contribuição indígena e africana na formação da nacionalidade, o multirracialismo era concebido como obra do passado. No Brasil, em geral, e em São Paulo, especialmente, estaria forjando-se um sistema unirracial. A construção da unidade racial, sob o eufemismo de "fusão das raças", passaria pela diluição do sangue negro, ou seja, pela sua extinção.27 A vontade destes negros era expressa da seguinte maneira:
O que devemos fazer é [...] o seguinte:
Não pretendemos perpetuar a nossa raça, mas, sim, infiltramo-nos no seio da raça privilegiada — a branca, pois, repetimos, não somos africanos, mas puramente brasileiros. (O Bandeirante, São Paulo, 9/1918:3)28

A nacionalidade nesse novo sistema racial não seria incolor, mas branca. A campanha ideológica da elite negra em prol do branqueamento era requisito necessário para solucionar "A Questão da Raça". Este foi o título de um artigo do jornal Auriverde:
Como esta surge como força negativa e anarchica, como a collaboração negra é considerada deprimente, o negro se isola, se individualiza e cria uma civilização sua, dentro da civilização alheia.
E por isso, o problema negro é considerado o problema mais serio da América do Norte.
O Brasil, abrindo-se para todas as raças e acceitando o negro como acceitou — resolveu com muito mais simplicidade o problema racial.
O negro está desaparecendo, está fundido no caminho dessa fusão, tem elle intensamente collaborado para a grandeza material e moral do Brasil.
Portanto, neste ponto, não invejamos a civilização yankee, por que, nesse ponto, obtivemos vantagens... (Auriverde, São Paulo, 29/4/1928:3)

O sistema racial estadunidense era evocado incessantemente para realçar as vantagens do modelo racial brasileiro, supostamente democrático. Lá, o negro enclausurou-se em guetos, tornando-se impermeável e conflituoso o contato com o branco; aqui, o negro foi aceito de braços abertos, fundindo-se no branco. A eventual "pieguice" do brasileiro facilitava o processo de branqueamento em curso, como assinala o artigo "O Sentimentalismo Brasileiro":
Nós brasileiros costumamos orgulhar-nos da nossa bondade de coração, da nossa piedade e sentimentalismo generosos. Convictamente affirmamos em dose mais elevada que os outros povos.
Pretendendo ser mais humanos que os americanos, nós não lynchamos os negros, mas fizemos a extinguirmos completamente a raça negra, abandonando-a á ignorância, á degradação ao analphabetismo, á promiscuidade, á cachaça, á syphillis, a ociosidade.
Qual é o preferível — é sentimentalismo brasileiro ou a brutalidade americana?
O nosso sentimentalismo não é homicida?
Daqui a trinta ou cincoenta annos a raça negra está extinta no Brasil graças ao nosso sentimentalismo.
Os americanos lyncham cincoenta negros por anno. Nós matamos a raça negra inteira no Brasil. (O Clarim D'Alvorada, São Paulo, 28/9/1929:4)

Desta vez, o sistema racial brasileiro era colocado face ao estadunidense para sinalizar qual seria o destino do negro. Embora fosse sentimentalista, o brasileiro era insensível à morte do povo negro. Mais: ele compartilhava do projeto de extermínio não declarado daquele segmento da população. Daí a pergunta: "o nosso sentimentalismo não é homicida?". Segundo o articulista, a execução do negro brasileiro, cuja extinção estava prevista para trinta ou cinqüenta anos, operaria "por atacado" enquanto a do negro americano aconteceria "a varejo".

A absorção biológica do negro pelo branco, gerada pela mestiçagem, seria acelerada pela imigração branca. Esta é a tônica do artigo "Desaparecerão os Pretos do Brasil?":
Muitos carecemos de renovar o nosso sangue por meio de correntes immigratorias européias. Porque o preto brasileiro, que do contrario de seu collegas norte-americanos, faz questão em se casar com mulher branca. Daqui a três quartos de seculo pertencera ao passado. (Progresso, São Paulo, 13/2.29)

Para o articulista, o branqueamento era causado, também, pela atitude do negro brasileiro que, ao contrário de seus "irmãos" americanos, fazia questão de casar com mulher branca. A estimativa de tempo para extinção do negro, novamente, era apresentada: setenta e cinco anos. A imigração européia era avaliada como fonte de higienização racial do negro. Este fenômeno adquiria maior velocidade em São Paulo, conforme apuramos em "Saneamento Étnico da População Paulista":
Não passaram despercebidos aos paulistas de quarenta anos atrás que, em vez de tentar agravar com o adicionamento de elementos de raças diversas, julgaram ser seu dever sanear e melhorar eugenicamente sua população pela introdução de grandes contigentes de sangue ariano. (Progresso, São Paulo, 24/11/1929)29

O artigo assegura que o projeto racial da elite paulista não foi obra do acaso. Com a entrada de milhares de imigrantes europeus, implementou-se em São Paulo a operação "saneamento étnico", baseada na eliminação de raças diversas, inclusive a negra, pela infusão do sangue ariano.

NOTAS

26. O curioso é que não se observavam enredos centrados em relacionamentos amorosos envolvendo homem brancos e mulheres negras.

27. Sobre essa questão, consultar Seyferth (1996).

28. O artigo "Fusão das Raças" era emblemático: "Como apressar a fusão das raças no nosso país? Sera these utópica e idealista, ou corresponde realmente esse anseio a uma necessidade nacional?! Não há tergiversar que salta a vista, ser problema nacional a fusão das raças, no Brasil. Um povo só se faz ‘nação unida’ quando dispõe de principios homogeneos civis, políticos ou religiosos, mas a nação só se faz forte só se funde em irmandade de sangue, sentido-se — ‘uma’ — em todo e em cada indivíduo. [...] com a diversidade das raças que para elle [Brasil] emigram, um dique e um limite, tendem a accentuar diversamente, os habitos e o futuro dos varios elementos da federação. E a crescer essa diversidade, na razão directa della, virá o enfraquecimento nacional" (Getulino, Campinas, 7/10/1923:1).

29. A denúncia do ideal de branqueamento impetrada pela elite política ou intelectual continuava: "Miguel Pereira e Belisario Penna affirmaram que e o Brasil um vasto hospital. E nos tememos affirmar que esse vasto hospital deriva da doença mais grave, que é o preconceito de raça e de côr, enfim a dor da mentalidade dos nossos dirigentes, deixando que pereça toda uma gente que e precisa ser substituída, porque é mestiça, porque é negra e devera ser branca, custe o que custar, mesmo a custa do esfacelamento do Brasil, pela vasa do aryanismo internacional immigrado" (O Clarim da Alvorada, São Paulo, 9/6/1929:1).

Fonte: Scielo (Estud. afro-asiát. vol.24 no.3 Rio de Janeiro 2002)
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-546X2002000300006&script=sci_arttext
Autor: Petrônio José Domingues

Ver também:
A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 04
A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 02
A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 01

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 02

3. A Ideologia do Branqueamento no Meio Negro

3.1. O branqueamento de ordem moral e/ou social

É plausível assinalar que o ideal de branqueamento entrou na ofensiva em São Paulo no início do século XX, sendo desenvolvido intensamente pelos publicistas e alcançando, entre outras coisas, penetração no meio negro. Como assinalamos anteriormente, neste instante analisaremos a dimensão ideológica do branqueamento.

Para legitimar sua dominação, parafraseando Karl Marx, a "raça branca" precisa que as demais raças e grupos étnicos, inclusive os negros, assimilem seus valores e passem a se comportar, pensar, sentir e agir conforme sua ideologia racial.5 Por isso, a hipótese desenvolvida no curso deste artigo é a seguinte: uma fração da população negra em São Paulo no início do século XX aceitou conceber-se nos moldes impostos pela ideologia racial da elite branca, uma vez que avaliavam, em larga escala, o processo de branqueamento como fenômeno natural e inevitável. A análise de uma das principais lideranças da comunidade negra da época é sintomática:
Até é lícito afirmar se há em São Paulo, muito mais acentuada que no resto do Brasil, uma ideologia no tocante à população escura, preta; [...] a tendência é, por conseguinte, a branquificação, fato não só histórico como biológico, concorde ao comportamento tradicional da sociedade brasileira. Há, portanto, um entendimento tácito, de absorção das pequenas minorias raciais e de, por meio de cruzamentos até estimulados, diluir o sangue negro. Em pouco mais de dois séculos, talvez, esteja concluído o processo assimilador [...]. (Raul Joviano do Amaral, O Negro na População de São Paulo apud Fernandes, 1978: 112)

Investigaremos de que maneira tais negros, em vez de despirem o caráter racista desta ideologia, passaram a propagá-la no interior da própria comunidade.

O branqueamento moral e/ou social estava fundado na aquisição ou assimilação6 pelo negro de atitudes e comportamentos presumivelmente "positivos" do branco. Para conquistar a "Segunda Abolição", por exemplo, um articulista — que se apresentava como antigo militante negro — escreveu um artigo no jornal da "imprensa branca",7 apregoando a necessidade de os negros se espelharem nas ações políticas dos brancos:
Seguir os brancos nas suas conquistas e iniciativas felizes [...] será o marco inicial da segunda redempção dos negros [...].
Salientamos que a sua liberdade não foram elles [negros] que conseguiram. As tentativas que emprehenderam mallograram desastrosamente. E da mão do branco que odiavam receberam a liberdade dos seus sonhos! (Folha da Manhã, São Paulo, 12/1/1930).

Segundo o autor deste artigo, o negro não tinha personalidade própria, era incapaz de forjar um projeto político e ideológico alternativo. Daí a necessidade da adoção do estilo de vida do branco, acompanhado de sua maneira de ser, estar e ver o mundo. Mais: o negro devia seguir todas as normas do código de conduta moral do "branco".

O patrulhamento da comunidade era permanente. Em "Carta Aberta" publicada no jornal da "imprensa negra",8 Alfinete (12/10/1918), este era o tom:
O Salão Lyra — Ah! diariamente realisam-se bailes de maxixe que na maioria dançam mulheres brancas, que não se deixam de compartilhar as nossas patricias a nossa vergonha, e, a nossa raça ficar completamente desmoralisada.
Não se deve frequentar o celebre salão Lyra.
A nossa raça deve procurar outra convivência...

No início do século XX, os "freges" eram bailes públicos que reuniam a "escória" da sociedade: negros e brancos das camadas populares, vadios, gatunos, prostitutas, cáftens. Eram espécies de gafieiras, das quais se destacava o Bando Prêto, onde predominava o maxixe.9 O casal dançava agarrado, rebolando, em movimentos sensuais, ritmados ao som da música. Nos "freges" quebravam-se as normas sociais do "bom tom". A bebida, a licenciosidade, o despudor, a descontração e libertinagem reinavam. Daí a veemência com que estes bailes eram reprovados.

Na ótica dos negros branqueados social e moralmente, o salão Lyra era um desses antros de depravação na cidade, devendo ser evitado pelas mulheres negras: "a nossa raça deve procurar outra convivência...". Elas deviam se recusar a freqüentar espaços cujos bailes executavam músicas de "preto", como o maxixe. Quem não obedecesse, seria severamente punido: "Foram eliminadas deste Centro, as Senhoritas Benedicta Vasconcellos e Bicota, por frequentarem os bailes publicos de maxixe, no Colombo" (O Alfinete, 9/3/1919).

O Centro Recreativo Smart (uma associação recreativa negra) aplicava sanções rigorosas para quem não cumprisse o estatuto do clube. Pelo simples fato de terem freqüentado bailes que executavam músicas de "preto", essas mulheres foram expulsas da entidade. Os bailes públicos de maxixe eram considerados incompatíveis com os ditames do puritanismo da elite negra.10 Os ataques eram impiedosos com:
[...] as negras sem-vergonhas que fazem ponto nos quatro cantos entre as ruas Silva Pinto da Graça e Três Rios, embriagam-se e depois fazem uma algazarra do diabo, tudo por causa de macho. Criam vergonha, suas negras sem cabellos. (A Sentinella, 10/10/1920)

Desta vez, a ira voltava-se para as "damas" que no carnaval vestiam-se de mulheres de apaches:
Echos do carnaval. Moças que se fantasiam de mulheres de apaches.
Apaches é um individuo vagabundo e ladrão, que vive nas tabernas, premeditando assaltos e crimes.
Que serão as mulheres dos apaches? Nada mais nem nada menos do que uma desgraçada rameira e ladra que só serve para vergonha da cidade em que habita.
Estou certo que esse meu appello, ha de ficar gravado no coração dos paes de muitas moças e meninas, jamais permittindo que as suas filhas ou parentes, enverguem essas fantasias, que muito depõem contra nosso meio social. (Horacio da Cunha, O Alfinete, 9/3/1919)

Em Paris, apache era a patuléia, um indivíduo perigoso e cruel, explorador de mulheres; malfeitor, ladrão. E como os negros da elite se espelhavam nos centros culturais da civilização européia, sobretudo a França, compreende-se o preconceito "anti-apacheano". Apesar de ser uma simples fantasia e fazer parte das festividades carnavalescas, não se admitia que mulher negra assumisse um personagem que, no plano simbólico, subvertia a moral branca.

As ofensivas moralistas se dirigiam, da mesma maneira, às manifestações musicais genuinamente negras, como o samba:
O negro ainda conserva a dança característica de rythmos grotescos e barbaros, que nos foram transmitidos pelos africanos ao som dos "batuques", "quigengues" e "pandeiros", instrumentos de sonoridades insípidas, mas bem rythmadas, que os fazem pular, voltear, numa sensualidade selvagem, verdadeiramente africana. E assim atravessam uma noite toda ao clarão de uma fogueira, que ao amanhecer só resta braseiro e cinza. (O Patrocínio, 19/10/1930, Piracicaba)

O artigo emprega definições extremamente pejorativas para caracterizar ritmos e dança de "preto": "grotescos", "bárbaros", "selvagens" etc. Negava-se tudo que tivesse referência ao mundo negro: forma de andar, falar, dançar, gingar, forma de se vestir, cabelo, tradições culturais e religiosas.11 O repúdio a tais valores culturais era, provavelmente, um recurso de diferenciação social da plebe negra.

Ao assimilarem os valores sociais e/ou morais da ideologia do branqueamento, alguns negros avaliavam-se pelas representações negativas construídas pelos brancos. Era necessário ser um "negro da essencia da brancura".12 Por isso, desenvolveram um terrível preconceito em relação às raízes da negritude. Aliás, a recusa da herança cultural africana e o isolamento do convívio social com os negros da "plebe" eram duas marcas distintivas dos negros "branqueados socialmente":
Parece incrível [...] que possa existir pessoas que, não obstante ser de origem Africana, julgam-se Franceza: como acontece com a Senhorita A. C. da Rua dos Gusmões, que apezar de não pertencer a raça Caucasiana julga-se branca, e escurece os pretos. (O Alfinete, 22/9/1918)

Os ataques, agora, eram desferidos contra o consumo de álcool:
Li há dias num jornal de Sorocaba que uma sociedade recreativa d'aquela cidade deliberou, em reunião, abolir o uso de bebidas alcoolicas por occasião de suas festas, permittindo tão somente o uso das bebidas sem alcool, como sejam: Nectar, Sisi, Gazosa e etc.
Abolindo o alcool do seio das nossas sociedades, e mesmo das mezas do nosso lares, muito conseguiremos em favor da nossa classe de côr.
Creio não haver nisto offensa alguma, pois, simplesmente o ideal de quem estas linhas subscreve, é ver os seus irmãos no lado d'aquelles que sabem presar a sua côr, amar a virtude e despresar o vício.13

Para se afirmar nos valores considerados nobres pela sociedade inclusiva, o negro não devia ingerir bebida alcóolica, assim como não devia jogar, drogar-se, freqüentar o ambiente da malandragem. Pelo contrário, devia defender sem tréguas a moral e os bons costumes da classe dominante, ser religiosamente católico, honrado, regrado e cumpridor de seus deveres. Condenava-se a boêmia, a prostituição, as religiões de matriz africana, a prática da capoeira, o samba, enfim, o negro devia possuir um comportamento puritano.

É importante salientar que todas as prédicas moralistas supracitadas neste tópico foram extraídas dos jornais da denominada "imprensa negra". Pelo prisma de Roger Bastide, a imprensa negra vai ser no Brasil o principal instrumento do puritanismo "preto":
Os sociólogos norte-americanos estudaram muito bem esse puritanismo nos Estados Unidos; viram nele o sinal da ascensão racial, a característica da formação de uma classe média, a linha de separação da plebe de cor, preguiçosa, alcoolizada, supersticiosa, imoral e da aristocracia da raça, instruída, trabalhadeira, vivendo na dignidade e na respeitabilidade. Fenômeno análogo produz-se no Brasil. (Bastide, 1951:71)

Continuando amparados nas reflexões de Roger Bastide, constatamos que o puritanismo se apresenta, antes de mais nada, nas manifestações exteriores da etiqueta burguesa. Historicamente, o comportamento puritano está vinculado ao desenvolvimento da burguesia e sua adoção tornou-se um critério de ingresso dos indivíduos na pequeno-burguesia (ibidem:72). O puritanismo, aliás, praticamente passou a definir o estilo de vida da pequeno-burguesia. Por isso, a fração mais elitizada dos negros paulistas o incorporou com tanta veemência ao seu estilo de vida. O puritanismo da elite negra paulista, reiteramos, foi um mecanismo sobretudo de distinção social, que é típico de grupos em ascensão.

Por sinal, o discurso puritano não era uma característica exclusiva da imprensa negra na época.14 Perpassava, outrossim, pela imprensa alternativa dos anarquistas e das "colônias" étnicas radicadas em São Paulo. Tanto nas associações culturais e recreativas negras quantos nas anarco-sindicalistas e dos imigrantes, a moralização dos costumes, a valorização da educação, o combate ao alcoolismo, o controle do comportamento dos indivíduos, estendia-se das páginas dos jornais até os bailes.15

3.2. Branqueamento estético

A carga ideológica do branqueamento se expressava totalmente no terreno estético. O modelo branco de beleza, considerado padrão, pautava o comportamento e a atitude de muitos negros assimilados.16 Coletamos alguns anúncios e depoimentos que mostravam o desejo do negro de eliminar seus traços negróides, a fim de se aproximar, no plano das aparências, ao branco (nariz afilado, cabelos lisos, lábios finos, cútis clara).

Um exemplo do "branqueamento estético" foram as consecutivas inserções publicitárias nos jornais, tanto da "imprensa negra" quanto da "imprensa branca". Voltado para atender às vontades dos consumidores negros, o enfoque era sempre o mesmo:
Uma invenção maravilhosa!...
"O cabelisador". Alisa o cabello o mais crespo sem dôr.
Uma causa que até agora parecia impossível e que constituia o sonho dourado de milhares de pessoas, já é hoje uma realidade irrefutavel.
Quem teria jamais imaginado que seria possivel alisar o cabello, por mais crespo que fosse, tornando-o comprido e sedoso?
Graças á maravilhosa invenção do nosso "CABELISADOR", consegue-se, em conjuncto com duas "Pastas Mágicas", alisar todo e qualquer cabello, por muito crespo que seja.
Com o uso deste maravilhoso instrumento, os cabellos não só ficam infallivelmente lisos, mas tambem mais compridos.
Quem não prefere ter uma cabelleira lisa, sedosa e bonita em vez de cabellos curtos e crespos? Qual a pessoa que não quer ser elegante e moderna?
Pois o nosso "Cabelisador" alisa o cabello o mais crespo sem dôr. (O Clarim D'Alvorada, São Paulo, 9/6/1929:1)

O alisamento significaria a felicidade do negro, a realização de seu sonho mais profundo; seria a porta de entrada ao mundo moderno de pessoas elegantes. Daí a adjetivação contundente da invenção: "maravilhosa!...".

Depois de um ano, este anúncio permanecia sendo veiculado no jornal O Clarim D'Alvorada, ganhando cada vez mais espaço, levando a pensar que o produto tinha uma imensa aceitação e, por conseguinte, a empresa fabricadora do produto conquistara o mercado consumidor negro. O título do anúncio continuava sendo enfático:
Uma Invenção Maravilhosa!
"O cabelisador"
Alisa o cabello o mais crespo sem dor
Uma causa que até agora parecia impossivel e que constituia o sonho dourado de milhares e milhares de pessoas, já é hoje uma realidade irrefutável.
Quem teria jamais imaginado que seria possivel alisar o cabello, por mais crespo que fosse, tornando-o comprido e sedoso?
Graças á maravilhosa invenção do nosso "cabelisador", consegue-se, em conjunto com duas "Pastas Mágicas", alisar todo e qualquer cabello, por muito crespo que seja. (O Clarim D'Alvorada, São Paulo, 13/5/1930).

O sentido mágico da pasta era ter o poder de subverter a lei natural do negro, seu cabelo crespo. Estava em crescente aumento o número de produtos e serviços que prometiam ao negro alcançar o padrão de beleza dominante. Além de pastas e cremes, toda uma rede de salões "afro" alimentavam este sonho:
Salão para alisar cabelos crespos
Systhema rapido, infallivel e barato
Alisamos qualquer cabello, por mais crespo que seja
São Paulo, Praça da Sé, 14 — 2º andar — sala 4. (ibidem, 25/1/1930)

A simulação de um diálogo cotidiano entre duas mulheres negras, que se encontraram fortuitamente, era a base da propaganda de salão situado no centro da cidade:
Oh! D. Maria, que é que a Sra. fez, que ficou com o cabelo liso, diferente do que se vê ai pela rua?
Ora, D. Thomazia, fui ao Instituto Dulce, e de lá sai assim, como o cabelo liso, sem caspas e sedosos.
Oh, que achado! Por obséquio, diga-me, onde fica essa excelente casa de beleza!...
Ali na Praça Marechal Deodoro, 41.
Hoje mesmo irei lá, e recomendá-lo-ei às minhas amiguinhas.
Obrigada. Até loguinho, sim?! (Progresso, São Paulo, 28/7/1929:2)

Um instrumento específico, com efeito, pressagiava a façanha do alisamento capilar:
Zuavos
NICKELADO — é um pente de aço para alisar cabellos e custa apenas 20$000. Vende-se nesta redação. Faz-se demonstrações gratis, as pessoas interessadas.17

Nem mesmo um branco da elite tradicional paulista ficou indiferente ao fenômeno:
Os cânones estéticos, que sempre inspiraram a Nação, são os mesmos que norteiam a todos os povos chamados ocidentais. Daí nos afastarmos, cada vez mais, dos valores africanos. A mais superficial observação demonstra a verdade do que acabamos de afirmar. Não tem mesmo outra origem o esforço desesperado que fazem os mulatos por parecerem, a todo custo, brancos e os pretos para disfarçarem, tanto quanto possível, as características da sua raça. Exemplo: a mania que se apoderou da maioria dos pretos de combater a carapinha, tornando, por meios mecânicos, lisos os seus cabelos. Isto pelo menos em São Paulo, [...] onde tendem a viver em grupo e em oposição aos brancos. (Freyre, 1959, vol. 2: 359)

No entanto, o "branqueamento estético" não se restringia ao alisamento dos cabelos, atingia a principal marca definidora de raça no Brasil: a cor da pele. Alguns produtos prometiam a proeza de transformar negro em branco mediante a despigmentação, ou seja, através do "clareamento" da pele:
Attenção. Milagre!...
Outra grande descoberta deste século, é o creme liquido. Milagre. Dispensa o uso de pó de arroz... Formula Scientifica allemã para tratamento da pelle. Clarea e amacia a cutis. (O Clarim D'Alvorada, São Paulo, 28/9/1930).

A procedência alemã da fórmula já garantia a qualidade do creme. A beleza alemã, ou melhor, ariana, era considerada exemplar, a qual deveria ser importada pela comunidade negra. Outra questão, não menos importante, é observar no texto de anúncio o aviso de que o produto milagroso iria substituir o uso do pó de arroz como método de "clareamento" da cútis. Não foi fortuito este aviso, porque era comum, sobretudo entre as mulheres negras, passar pó de arroz no rosto em festas requintadas, que exigia esmero na beleza plástica, conforme podemos notar no anúncio publicitário:
A's damas da elite
O melhor creme para "esterelizar a cútis", branquear, adherir o pó de arroz, empingens, massagens, evitar panno, espinhas, etc é a pomada "minancora". A mais bella creação dos últimos 50 annos.
Vende-se em todo o Brasil. (Folha da Manhã, São Paulo, 5/1/1929:2).18

Publicado na segunda página de um jornal da "imprensa branca", o creme de poderes miraculosos seria utilizado para "branquear" a pele ou "aderir o pó de arroz" no rosto. Já o periódico A Cigarra, revista de maior circulação no Estado de São Paulo na época, prometia para suas leitoras a "Arte de ser Bella":
Crême de Beauté Oriental. Pelas suas qualidades [...] embranquece, amacia e assetina a cutis, dando-lhe a transparencia da juventude. Preço 3$000. (A Cigarra, São Paulo, nº XIII, 6/7/1915).19

Segundo a mensagem sub-reptícia do anúncio, para ser bela era necessário clarear a pele. E o uso do creme proporcionaria a "transparência" e o rejuvenescimento. A ideologia do "branqueamento estético" foi um fetiche muito eficaz na alienação do negro. Oficializou a brancura como padrão de beleza e a negritude como padrão de fealdade. Representou um entrave para a formação positiva da auto-estima do negro, pois este passou a alimentar um certo autodesprezo. Ora, na ausência de modelos positivos em que pudesse se espelhar, o negro recusava sua própria natureza, desembocando, muitas vezes, em crise de identidade étnica, descaracterizando-se, na busca pela supressão dos traços raciais afro.
Si os nossos antepassados tiveram por berço a terra africana, é preciso que se note, nós temos por berço a Patria este grande Paiz... Não somos africanos, somos brasileiros! (O Bandeirante, São Paulo, 9/1918:2).

O negro não se sentia mais africano e sim "latino" ou "ocidental". A negação da ancestralidade africana deve ser entendida como um mecanismo simbólico de fuga étnica. Combinado à alienação, o recurso do "branqueamento estético" transmitia à subjetividade do negro a sensação de estar cada vez mais parecido com o modelo sancionado como superior. Portanto, foi uma tentativa de superação da inferioridade que sua cor e seus caracteres físicos representavam.

3.3. Branqueamento biológico

A ideologia do branqueamento, em certas circunstâncias, apresentava desdobramento no terreno biológico. A premissa era de que o negro melhoraria biologicamente sua raça casando com alguém mais claro. Este instrumento ideológico incidia nas relações intrafamiliares. Para se desvencilhar dos recalques, os pais incentivavam os filhos a casarem com pessoas não-negras — o ideal seria de cor branca — na esperança de que seus netos, bisnetos, e assim por diante, parecessem cada vez menos com a filiação afro-negra. Se a criança nascesse mais clara que os pais, consideravam uma vitória, porém, caso a criança fosse mais escura, sentiam-se derrotados.

Pelo fato de o discurso em prol do branqueamento ser um fenômeno que emergia na vida cotidiana da família, não conseguiríamos detectá-lo em outras fontes senão pelo resgate da história oral com negro(a)s que viveram em São Paulo no segundo quartel do século XX. Daí o papel insubstituível desencadeado pelos depoimentos de famílias negras sobre um assunto tabu. Mas por que era tabu? Porque a doutrinação desta modalidade de branqueamento apenas se registrava no âmbito da vida privada, ou seja, na sociabilidade do lar, nos ensinamentos dos pais, nos exemplos dos parentes, que jamais tomavam o escopo de discurso público:
[...] meu pai achava que as filhas tinham que casar com branco e esse era mineiro, a família mora longe "Você não casa, você não casa", tá bom, então não casa.
Mas quando ele descobriu i...a esperar a gente na porta da fábrica [...] ele não queria, ele achava que eu tinha que casar com branco: "Você não vai casar com esse negrinho, [...] só fica fazendo batuque".20

Ao incorporarem os mandamentos do "branqueamento biológico", os pais das famílias negras realizavam uma vigilância rigorosa dos filhos. Desde os amigos do bairro até os namorados passavam pelo crivo da aprovação eugênica. "Casei em 1926 com um amigo de infância, ele era bonito e não era preto, preto chega eu" (Bosi, 1994:386).

Outrossim, esse comportamento da mulher negra foi registrado, em 1925, pelo olhar do cronista Sylvio Floreal: "As pretinhas não querem casar a não ser com mulatos". Já as "mulatinhas, [...] só aspiram casar com homem branco" (Floreal, 1925:165).21

O peculiar desta ideologia foi transformar o discriminado em agente reprodutor do discurso discriminatório, colocando o negro a serviço de uma prática racista.22 Pelo enfoque estritamente psicológico, o coroamento do racismo se materializa quando a vítima assume o papel de seu próprio algoz. Em última instância, estamos diante de um quadro favorável ao "raçacídio", que consistiria no suicídio coletivo de uma comunidade étnica,a médio e longo prazos, com armas ideológicas impostas de fora para dentro e aceitas pelos membros desta comunidade.

O branqueamento via casamento, às vezes, estava intimamente vinculado, no imaginário social, à ascensão do negro. Essa foi a relação que Maria Cristina fez:
É, [...] um preto que tá numa situação financeira boa, ele não vai procurar uma preta, pra melhorar a raça, né, vão, então, aquela riqueza vai progredindo, e tudo, ele vai procurar uma branca, porque ele quer melhorar a cor dos filhos [...].23

Para uma sociedade de classe com mentalidade racista, o casamento misto, em particular do negro com alguém do segmento branco, representava tanto o aprimoramento da raça quanto a premiação pela vitória conquistada: a mobilidade social. A esposa ou marido brancos simbolizavam, de forma combinada, uma melhoria dupla: de raça e de classe social. Já o casamento dentro da própria comunidade étnica era concebido como ameaça, como se apreende das lembranças de Ana Pacheco:
Ninguém queria o casamento, nem meu tio né? (Sr. Benedito). Ele não gostava de preto e meu marido era preto e aí eles não gostavam de preto mesmo.
Minha mãe não gostava. Ela era escura, preta.
Eu não sei porque ela não gostava dele, nem meu tio João Domingos que era rico, morava lá, também não gostava não, ele falava: "Preto não presta menina, é uma raça suja! Olha! Preto quando não caga na entrada, caga na saída e quando não caga na entrada e na saída ele deixa um bilhete: ‘eu volto para cagar’", ele falava isso pra mim.
Tio João falava: "Sem-vergonha! Porca! Suja! Cê vai casar com esse negro, sujar a nossa raça né? [...] casar com preto, pretejando a raça cada vez mais".24

Contrariando a vontade familiar, Ana Pacheco casou-se com um negro, contribuindo para "empretecer" ou "enegrecer" ainda mais os descendentes. Na fase de namoro, o relacionamento com um negro não provocou tanta contestação como no momento em que foi anunciado o casamento. Ora, o casamento significava a constituição da família, a qual, mais cedo ou mais tarde, seria complementada pelo nascimento de filhos. Daí a preocupação dos tios João, Benedito e da mãe. As futuras gerações de negros, segundo os parentes, teriam que se distanciar ao máximo de sua origem racial. A saída apontada pelas famílias negras, geralmente, era bem intencionada: imaginavam que os filhos e os netos dos casamentos com pessoa mais clara levariam uma vida com menos dor, sofrimento e com mais chances de vencer na vida.

As frustrações raciais geradas pela ideologia do branqueamento causavam o sentimento de inferioridade no negro. Este chegava ao extremo de pensar que a cor da pele fosse alguma deformação patológica, cuja cura não tinha ainda sido descoberta:
Ele é mais preto, então, qualquer coisinha, ele é negro. Ele falava assim, que se tivesse um remédio para ficar mais claro, ele tomava.25

O "branqueamento biológico" também poderia ser alcançado por métodos artificiais, "quando se descobrir a droga que poderá lavar a pele" (Progresso, São Paulo, 13/1/1929:4).

Havia casos cujos negros atentavam contra seu próprio corpo e empregavam recursos estapafúrdios para clarear a pele. Acreditavam que comendo barro, ingerindo muito leite, passando alvejante no corpo, tomando banhos demorados com muito sabão, não ficando exposto ao sol, diariamente, era suficiente para "desnegrecer", vale dizer, eliminar a alta pigmentação da pele e, por conseguinte, o complexo de inferioridade. Esta vertente do branqueamento legitimava ideologicamente o eventual genocídio biológico do negro.

NOTAS

4. Apesar de o segmento negro (pretos e pardos) na cidade, em 1920, ser aproximadamente 9% da população total, o índice de natimorto (nascidos mortos) era de 12,7% em 1918; 12,4% em 1922; 13,35% em 1924; 15,9% em 1926 e 15,99% em 1928. Portanto, é possível afirmar que a mortalidade infantil, tendo por base os índices de natimortos, entre 1918 e 1928, era maior entre a população negra, exceto para o ano de 1920, cujo índice foi de 5,8%. Ver Ellis Junior (1932:9-10).

5. "Os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas, [...] o poder espiritual dominante. A classe que dispõe dos meios da produção material dispõe também dos meios da produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles aos quais são negados os meios de produção intelectual está submetido também à classe dominante" (Marx e Engels, 1998:48). Originalmente, Marx desenvolveu essa reflexão para explicar o mecanismo ideológico da dominação de classe, ou seja, mostrar como as idéias da classe dominante são hegemônicas sob o conjunto da sociedade. Como entendemos que a dominação não se revela estritamente no terreno classista, realizamos um recorte étnico-racial para operar e compreender este mecanismo de dominação ideológica.

6. Neste artigo, assimilação pode ser definida, em síntese, pelo "tipo de mudança étnica pela qual as pessoas se tornam parecidas". Assimilação é um processo que "pressupõe que a minoria irá se adequar aos modos" de vida da maioria étnica ou racial (Cashmore, 2000: 84-5). Esta definição é apropriada para designar a situação de grupo étnico minoritário, a qual se encontrava o negro na época. Nas estimativas apresentadas por Fernandes (1978:108), os "negros" e "mestiços" representavam na população total da capital, no mínimo 11% em 1910; 9% em 1920; e 8,5% em 1934.

7. A "imprensa branca" é uma referência aos jornais regulares da grande imprensa, de ampla circulação, produzidos majoritariamente por brancos e voltados para o público não-negro.

8. A "imprensa negra" é uma referência aos jornais alternativos que surgiram em São Paulo no pós-abolição, produzidos por negros e dirigidos à comunidade negra. Dentre esses jornais, são citados neste artigo O Alfinete, A Sentinella, O Patrocínio, Progresso, O Clarim D´Alvorada, O Bandeirante, O Menelick, Auriverde e Getulino. Sobre o assunto consultar Ferrara (1986).

9. "Apareceu na segunda metade do século XIX no Rio de Janeiro. Resultou da fusão da tabanera pela rítmica, e da polca pela andadura, com adaptação da síncopa africana. Outros o fazem uma prolação do lundu, mesclado com a toada. Era dança de salão, de par unido, exigindo extrema agilidade pelos passos e figuras rápidas, mobilidade de quadris [...]. Foi por algum tempo expoente da nossa dança urbana, tendo cedido lugar ao samba [...]" (Câmara Cascudo, 1988:486).

10. "O segmento negro em São Paulo no início do século XX não constituía um bloco homogêneo. Em linhas gerais, era possível dividi-lo em duas amplas camadas: de um lado, os negros da ‘elite’; de outro, a massa negra ‘plebléia’. A ‘elite’ negra ou ‘negros evoluídos’ eram provenientes dos estratos intermediários da estrutura de classes: jornalistas, funcionários públicos, técnicos, profissionais liberais ou especializados, em suma, os negros letrados e/ou classificados socialmente. O termo ‘elite negra’ não significa uma minoria detentora dos meios de produção material. O termo tem três sentidos específicos: primeiro; político, porque este grupo se configurou como dirigente políticos da comunidade e eram aceitos como tal pelos brancos; segundo, educacional e cultural, porque este grupo era fundamentalmente alfabetizado e considerado culturalmente ‘evoluído’; terceiro, ideológico, porque este grupo reproduzia muitos dos valores ideológicos da classe dominante. Foi este estrato da população que mantinha os jornais da ‘imprensa negra’. O segundo setor, o plebeu, era constituído por desempregados, malandros, trabalhadores braçais, doméstico(a)s, biscateiros, indigentes, prostitutas, em suma, pelos negros desqualificados socialmente" (Domingues, 2001:163-4).

11. Como observou Carlos Hasenbalg (s/d:5) "a pressão no sentido de branqueamento resulta em que negros e mulatos fazem o melhor possível para parecer mais brancos e procuram com energia dissimular ou desenfatizar suas origens negróides. Naturalmente, a hierarquização das pessoas em termos de sua proximidade a uma aparência branca ajudou a fazer com que indivíduos de pigmentação escura desprezem a sua origem africana".

12. Esta foi a forma como o articulista se referiu a José Carlos do Patrocínio, filho de José do Patrocínio (Progresso, 15/2/1930).

13. Carta enviada para Sr. Redactor por Zelindo (O Alfinete, 28/8/1921).

14. Como assevera Otávio Ianni, puritanismo "trata-se de um modo de ser e comportar-se asceticamente, com relação a algumas solicitações habituais da vida social. Não é exclusivo dos negros. A comunidade, habitualmente, conta com tais indivíduos; são pessoas que personificam alguns ideais considerados elevados pela consciência coletiva" (Cardoso & Ianni, 1960:214).

15. Encontramos o discurso moralizante, de condenação ao álcool, aos jogos, bailes, também na imprensa operária, conforme "O Alcool e sua Acção" (Tribuna Operária, Santos, 7/8/1909:4) e na imprensa anarquista, de acordo com "Crítica ao Carnaval" (Terra Livre, São Paulo, 22/3/1910:3) e "O Flagello do Alcoolismo" (ibidem:4).

16. Nas reflexões de Wilson do Nascimento, "o abandono dos valores éticos e estéticos de sua própria cultura é, pois, o coroamento do processo de assimilação. E, na verdade, as instâncias ética e estética são o que existe de mais elevado em cada cultura. Ao abandonar tais valores, o assimilado está, para sua cultura de origem, desde então, morto". Ver Nascimento (1985:44).

17. O Clarim D'Alvorada, São Paulo, s/d. Este anúncio reiteradamente era veiculado: "20$000 Importancia única para se adquirir um dos famosos pentes de aço, para alisar cabellos sem dor e sem perigo — telephonem, hoje mesmo, para 2-1706 ou nesta redacção: rua Major Diogo, 131" (ibidem, 24/11/1929:2).

18. Apesar de muitos desses produtos terem uma finalidade terapêutica, eram usados com a perspectiva de "desnegrecimento".

19. Em anúncio publicitário, veiculado em outro número da mesma revista, o tom era semelhante: "Angelica. A ‘Angelica’ é a agua que faz a cutis branca em poucos momentos sem prejudical-a, tornando-a suave e fresca. Casa Lebre & Cia. Rua 15 de Novembro" (A Cigarra, São Paulo, nº XI, 7/10/1914).

20. Memória da Escravidão em Famílias Negras no Estado de São Paulo (MEFNESP), entrevista com Geraldinha Maria Patrício da Luz, Caixa 5, Vol. 30, São Paulo, 1987, p. 9.

21. Apesar do desejo da "brancura" de algumas mulheres negras e "mulatas", não podemos superestimar a existência de casamentos inter-raciais em São Paulo, pelo menos na década 20, como foi assinalado pelo próprio Sylvio Floreal, que foi testemunha ocular do processo em curso: "Mas a verdade triste é que o número das mulatinhas que conseguem casar de accôrdo com o seu sonho de brancura é tão resumido, que melhor fôra que elas, castigadas pelas rudes experiencias e levadas como tem sido, pela via de amargura da perdição, abandonassem essa tão desastrada mania! Entretanto, tal mania instalada na ansia e nos caprichos dessas creaturinhas, constitue a razão de ser de suas vidas" (ibidem:167).

22. "Eu sempre fui solteira, por duas razões: não queria ter filho preto, porque sofre muito, e também não gostava de homens da minha cor". Cf. Bernardo (1998:62).

23. MEFNESP, entrevista com Maria Cristina Tejeda, Caixa 5, Vol. 33. São Paulo, 1987, p.56.

24. MEFNESP, entrevista com Ana Pacheco de Oliveira Almeida, Caixa 3, Vol. 24, Jaboticabal (Córrego Rico), 1987, p. 34-37-51-52. Os argumentos usados pelo tio João Domingos para abominar o noivo tinha uma forte conotação preconceituosa. Operava-se o que se classifica como expurgo. Como recurso para sentir-se menos negro, o tio João Domingos projetava e transferia no marido da sobrinha tudo aquilo que ele odiava em si mesmo. Frustado em suas expectativas, o tio João Domingos desloca suas ofensas para a sobrinha, Ana Pacheco, tachando-a, entre outras coisas, de suja. Esta adjetivação negativa para se referir à pessoa negra estava em oposição à estereotipia positiva de limpo, normalmente ligado à "raça branca". Como assevera Wilson do Barbosa, "quando a alienação gerada pela assimilação não produz os frutos desejados, o ódio dos assimilados dirigir-se-á contra a comunidade negra, testemunha indesejável e fonte efetiva de seu êxito apenas parcial. Destrói-se em cada negro aquilo que ainda há de negro em si próprio" (Barbosa, 1985:43).

25. MEFNESP, entrevista com Maria Francisca Bueno, 106 anos, moradora de Rio Claro.

Fonte: Scielo (Estud. afro-asiát. vol.24 no.3 Rio de Janeiro 2002)
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-546X2002000300006&script=sci_arttext
Autor: Petrônio José Domingues

Ver também:
A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 01
A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 03
A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 04

sábado, 1 de dezembro de 2012

A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 01

Negros de almas brancas? A ideologia do branqueamento no interior da comunidade negra em São Paulo, 1915-1930

RESUMO

Este artigo investiga o fenômeno do branqueamento, tanto no seu aspecto populacional quanto ideológico. Analisa de que maneira a denominada "ideologia do branqueamento" penetrou no meio negro em São Paulo no período do pós-abolição. O argumento central é de que esta ideologia — apesar de seu caráter racista — foi legitimada ou assimilada, cotidianamente, por setores da população negra. Com efeito, a assimilação desta ideologia converteu-se num mecanismo de inserção psicossocial dos negros em um mundo dominado pelos brancos.

Palavras-chave: negro, racismo, branqueamento, preconceito.

1. Branqueamento: O Conceito-Chave para a Compreensão das Relações Raciais e/ou do Racismo no Brasil

Embora seja tido como um conceito-chave para a compreensão das "relações raciais" e/ou do racismo no Brasil, há relativamente pouca reflexão teórica sobre aquilo que vem sendo chamado de branqueamento. [...] Nos trabalhos mais recentes, a maioria dos autores usa a expressão "ideologia do branqueamento" para enfatizar o fato de que, com esse termo, querem descrever um discurso ideológico. Mas também é comum pesquisadores que insistem nesse refinamento conceitual recorrerem ao mesmo termo para expressar um "branqueamento concreto" da cor da pele da população. Ou seja, ocorre com freqüência que as reflexões sobre essa temática carecem de uma distinção rigorosa entre análise do discurso ideológico e análise da realidade empírica. (Hofbauer, 1999:10)
Como adverte Andreas Hofbauer, o branqueamento é uma categoria analítica que vem sendo usada com mais de um sentido. O branqueamento ora é visto como a interiorização dos modelos culturais brancos pelo segmento negro, implicando a perda do seu ethos de matriz africana, ora é definido pelos autores como o processo de "clareamento" da população brasileira, registrado pelos censos oficiais e previsões estatísticas do final do século XIX e início do XX. Para evitar confusão no momento de operar com tais conceitos, adotaremos neste artigo a seguinte divisão metodológica: na primeira parte, revelaremos de que maneira o branqueamento era concebido como um fenômeno populacional da "realidade empírica" e, na segunda, exploraremos seus aspectos ideológicos.[01]

2. Branquear São Paulo Já: A Morte Premeditada dos Filhos e Netos de Escravos

O branqueamento é uma das modalidades do racismo à brasileira. No pós-abolição este fenômeno era retratado como um processo irreversível no país. Pelas estimativas mais "confiáveis", o tempo necessário para a extinção do negro em terra brasilis oscilava entre 50 a 200 anos. Essas previsões eram difundidas, inclusive, nos documentos oficiais do governo, como, por exemplo, no censo de 1920, materializado no texto de apresentação de Oliveira Vianna (1922). Este texto é uma prova cabal de que o governo era avalista do projeto de branqueamento.2 Salientamos, todavia, que o objetivo era menos o branqueamento genotípico e mais o "clareamento" fenotípico da população. Em São Paulo, a situação não foi diferente: o ideal de branqueamento da população constituiu-se numa das vertentes ideológicas assumidas pelo pensamento racista da Belle Époque.

Na virada do século XIX para o XX, o ideal de branqueamento da população paulista era correspondido, aparentemente, de forma muito notória pelo censo populacional, marcado justamente pela diminuição assustadora da população negra. Pelo menos esse era o caso da capital, como se vê na tabela a seguir.


Os números são reveladores. Pelo censo de 1872, os negros (pretos e mulatos) correspondiam a 37,2% da população da cidade de São Paulo. Já em 1893, o percentual era de 11,1% e, pelas estimativas de 1934, esse percentual declinava para 8,5%. Portanto, o desaparecimento do negro, ou branqueamento da população, era um dos fenômenos estatístico mais evidentes do quadro racial de São Paulo. Diversos observadores estrangeiros descreveram o fenômeno em suas viagens pelo estado. O inglês Maurício Lamberg foi um desses casos: em seu diário, fez questão de registrar que a mestiçagem desencadeava a supressão progressiva do negro no estado:

Há muito quem affirme que a raça negra aqui está desaparecendo, isto custa a creditar, quando se considera a prolific(l)ação das famílias negras. Pode-se admittir, que com o tempo se extingua; mas não por morte, sim pelo cruzamento com caboclos, mulatos e brancos. (Lamberg, 1896:50)

Pierre Denis, um francês que conheceu São Paulo no início do século XX, também endossava, empiricamente, a tese do branqueamento: "apesar de não haver estatísticas, parece certo que a população está hoje em plena regressão no estado de São Paulo. O fim da escravatura levou á eliminação rapida do operario negro (Denis, 19?? [1909]:158).

Segundo este autor, a classe dirigente paulista "empenhava-se para que a população branca augmentasse" (ibidem:167). Realmente, esta foi a tônica da política racial do estado. Entre 1890 e 1929, entraram em São Paulo 1.817.261 imigrantes brancos. A europeização demográfica da cidade chegou ao ponto de, em 1897, haver dois italianos para cada brasileiro.


Instalou-se um círculo vicioso. A entrada em massa de imigrantes brancos reforçava as teses de branqueamento, que, por sua vez, clamavam por mais imigrantes. Estas teses eram propaladas, intensamente, em diversas obras em São Paulo. Por isso, passamos, neste instante, a avaliar uma amostra desta produção intelectual.

A primeira obra a ser analisada, sucintamente, é o clássico Retrato do Brasil, publicada originalmente em 1928, de Paulo Prado (bacharel em Direito, fazendeiro e empresário). Herdeiro da tradição aristocratizante da elite paulista, este intelectual advogava neste livro a perspectiva de arianização do país:
O que se chama a arianização do habitante do Brasil é um fato de observação diária. Já com 1/8 de sangue negro, a aparência africana se apaga por completo: é o fenômeno do passing, dos Estados Unidos. E assim na cruza continua de nossa vida, desde a época colonial, o negro desaparece aos poucos, dissolvendo-se até a falsa aparência de ariano puro. (Prado, 1944:167)
Em uma conjuntura na qual a classe dominante franqueou uma fé "religiosa" no branqueamento, o mestiço, dependendo do grau de pigmentação da pele, era classificado como quase-branco, semibranco ou sub-branco e tratado de forma diferenciada do negro retinto, porém não era considerado um quase-negro, seminegro ou subnegro. Em outras palavras, podemos afirmar que a mestiçagem era via de mão única. No cruzamento do branco com o negro, necessariamente, contava-se com o "clareamento" gradual e permanente da pessoa, mas jamais se cogitava a hipótese de que a mestiçagem gerava o "enegrecimento" da população.

Em artigo na Revista do Brasil, intitulado "Brancos de toda Cor", de 1923, João Ribeiro, na qualidade de um "arguto observador", também profetizava de forma muito otimista o branqueamento do estado de São Paulo e do país, com sua subjetiva estimativa de tempo: "Dentro de cincoenta annos, a parte uma pequena fracção retro-atavica de typos negróides, teremos uma população plausivelmente mais branca que a da peninsula ibérica" (Ribeiro, 1923:378).

Entusiasta do processo de mestiçagem do país, este intelectual entendia que a originalidade do mestiço branqueado estava em se aproximar do tipo ariano: "Eis, pois, a largos traços a situação e a qualidade do homem branco no Brasil, com a sua coloração progressiva de ariano de boas origens" (idem).

Realizando uma pesquisa sobre as condições de saúde, alimentação e habitação, Alfredo Ellis Júnior, formado em direito, político, professor de sociologia e história da futura Universidade de São Paulo (USP), no livro Populações Paulistas, escrito em 1930, fazia um prognóstico dramático para a comunidade negra do planalto paulista: o negro estava caminhando à extinção, num prazo de 40 ou no máximo 50 anos:
Em 1872, os negros e mulatos constituíam no território paulista 62% da população, em 1923, passaram a ser apenas 16%. De 1919 a 1929, o crescimento vegetativo de São Paulo, foi em percentagem: Brancos — 102,9%; Pardos — 0,24%; Amarelos — 0,21%; Negros — teve um saldo negativo de -2,86%. (Ellis Junior, 1934:100-117)
As causas pontuadas para o crescente "déficit" do negro eram: a diminuição assombrosa da natalidade, o aumento da mortalidade e, em último lugar, sua inadaptalidade ao planalto paulista. Na avaliação de Alfredo Ellis Júnior, as causas do déficit eram de natureza fisiológica, ou seja, eram provenientes das deficiências étnicas do negro: "estou convencido de que o negro, mesmo educado, não pode nivelar-se ao branco". Já no livro Pedras Lascadas, originalmente publicado em 1928, este autor explica de que maneira dois fatores da natureza — clima e altitude — estariam contribuindo para acelerar a morte da coletividade negra:
No referente á questão de clarificação das nossas populações, ou da sua europeisação, não é somente a immigração que tem agido nesse sentido.
Em São Paulo, o negro vae desaparecendo muitissimo mais rapidamente do que nas demais regiões. Não será tanto, pela mestiçagem, e por consequentemente por absorpção que esse phenomeno se dá [...]. A principal causa do rapido desapparecimento do negro de São Paulo, repousa em outros fatores.
A tendencia notoria do negro para o alcoolismo, é sem duvida uma força eliminadora e enfraquecedora potente de individuos dessa raça, mas não é ella a principal.
A meu ver a causa primarcial do desapparecimento do negro, sem deixar vestigios de monta, repousa em duas origens que se conjugam, de clima e de altitude, as quaes no Negro, geram a tendência á turbeculose e á outras affecções do apparelho respiratorio, que os elimina rapidamente, a ponto de não poderem ser absorvidos pela mestiçagem, não ficando delles signaes, portanto. (Ellis Junior, 1933:197)
Além da tuberculose, a sífilis era outra epidemia que, segundo Alfredo Ellis, devastava o meio negro. Mas, apesar do rigor "científico", este intelectual estava sendo tendencioso em seus prognósticos. Segundo os dados da Seção de Estatística Demográfico-Sanitária de São Paulo, entre 1918 e 1928, o crescimento vegetativo do negro era negativo, ou seja, a taxa de mortalidade, nestes 10 anos, superava a taxa de natalidade, como podemos observar:









Embora o déficit afetasse drasticamente o "estoque" negro entre 1918 e 1928 (em proporção que oscilava de 1,93% a 4, 8% por ano), não existiam elementos suficientes para se fazer qualquer previsão segura e irrefutável quanto ao futuro étnico do estado.3 Alfredo Ellis se equivocou em suas análises, porque as razões do saldo vegetativo negativo do negro não era sua pretensa inferioridade biológica, mas uma decorrência dos problemas sociais que assolavam este povo, dos quais os principais eram: as condições desumanas de moradia, as doenças, o desemprego, o alcoolismo, o abandono do menor, dos velhos, a mendicância, subnutrição, criminalidade e a mortalidade infantil.4 Estimava-se que três quintos da população negra da capital nessa época vivia em estado de penúria, "promiscuidade e desamparo social" (Fernandes, 1978:147). Assim, os dados coligidos permitiam apenas termos uma certeza: a desigualdade racial nos indicadores da saúde pública quanto aos índices de natalidade e mortalidade (tanto infantil quanto adulta) era abissal, penalizando terrivelmente a população negra em São Paulo no início do século XX.

*Este texto é a versão parcial e reajustada de um dos capítulos da minha dissertação de mestrado, intitulada Uma História Não Contada. Negro, Racismo e Trabalho no Pós-Abolição em São Paulo (1889-1930), FFLCH/USP, 2001. Agradeço às valiosas sugestões dos(as) pareceristas da revista para a melhoria deste artigo.

NOTAS

1. O debate teórico sobre o branqueamento, no seu aspecto populacional ou "empírico" (do final do século XIX e início do século XX), pode ser encontrado em Skidmore (1976), Seyferth (1986:54; 1991). Já o debate teórico sobre o branqueamento, no seu plano ideológico ou cultural, foi ou vem sendo efetuado por Bastide & Fernandes (1959); Figueiredo (2002), Bento & Carone (2002). No plano analítico, a categoria branqueamento foi explorada rigorosamente por Hofbauer (1999).

2. Segundo Carlos Vainer, "as teses que apontam uma relativa neutralidade-indiferença do Estado brasileiro frente à questão racial necessitam ser revisitadas e revistas. Esse Estado, ao contrário do que geralmente se acredita (ou se quer acreditar), concebeu uma questão racial... o Estado se posicionou claramente por uma estratégia racista que projetava o branqueamento da população. Para tal estratégia deveriam concorrer a imigração européia, de um lado, e a miscigenação, de outro". Cf. Vainer (1990:113-14).

3. No entendimento de Samuel Lowrie, a porcentagem do "elemento de côr se manteve mais ou menos constante até o presente", alcançando "cerca de 1/6 da população total do Estado". Este autor descartava, na década de 30, qualquer possibilidade de previsão segura no sentido do branqueamento de São Paulo, argumentando que "as estatísticas que temos em mão e a relativa estabilidade da porcentagem de mulatos e negros na população através de longos periodos historicos, são provas de que o processo é moroso e não muito extenso. A seleção (racial), unicamente por si, não causaria uma rápida mudança na côr da população". Cf. Lowrie (1938:27 e 54).

Fonte: Scielo (Estud. afro-asiát. vol.24 no.3 Rio de Janeiro 2002)
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-546X2002000300006&script=sci_arttext
Autor: Petrônio José Domingues

Ver também:
A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 02
A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 03
A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 04

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Questão indígena brasileira. Ato público em defesa da comunidade Guarani-kaiowá (vídeo)

Repassando adiante pra quem quiser também repassar o vídeo pra mais gente, vídeo com a fala de uma mulher índia em um ato de defesa da comunidade indígena dos Guarani-Kaiowá, no Rio.

Como eu sei que muita gente é impaciente e pode não querer ouvir a fala por conta do começo em algum idioma tupi-guarani, a parte em português começa a partir de 1:37 segundos. Vídeo abaixo:



Vídeo repassado pela Rox aqui.

Pra quem está por fora do que se passa, pode ler a matéria da Deutsche Welle no mesmo post sobre o problema:
Apelo dos Guarani-Kaiowá ecoa na comunidade internacional

domingo, 28 de outubro de 2012

Apelo dos Guarani-Kaiowá ecoa na comunidade internacional

Brasil
Apelo dos Guarani-Kaiowá ecoa na comunidade internacional

Em cartas públicas, populações indígenas pedem que seja decretada sua "morte coletiva" em vez de emitida ordem de despejo. Problema de demarcação de terras que existe desde os anos 1970 ganhou atenção internacional.

Nas últimas semanas, documentos assinados por integrantes do povo indígena Guarani-Kaiowá que vive no estado de Mato Grosso do Sul, região Centro-Oeste do país, circularam na imprensa e nas mídias sociais. O mais comovente deles foi divulgado no início do mês, em resposta a uma ordem judicial de reintegração de posse de uma fazenda no município de Iguatemi. A carta assinada por indígenas Guarani-Kaiowá da comunidade de Pyelito Kue pede que a justiça decrete a "morte coletiva" dos indígenas em vez da expulsão de seu território tradicional.

Assim como esse grupo, outros também procuram formas de tornar público o longo processo de demarcação de terras. O grupo Guarani-Kaiowá de Passo Piraju, por exemplo, divulgou uma carta na última semana em que detalha a situação do assentamento que existe há 12 anos nas margens do rio Dourados, no Mato Grosso do Sul.

"É para decretar a nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Passo Piraju e para enterrar-nos todos aqui, somente assim, não reivindicaremos os nossos direitos de sobreviver. Esta é a nossa última decisão conjunta diante da decisão da Justiça Federal do Tribunal Regional da 3ª Região (TRF-3) São Paulo-SP", diz trecho da carta.

Nesta quinta-feira (25/10), a organização de defesa dos direitos indígenas Survival International divulgou um comunicado pedindo "que seja permitido aos Guarani permanecer em sua terra, e que todos os territórios Guarani sejam demarcados urgentemente, antes que mais vidas sejam perdidas".

Pixação no Museu do Índio,
em Brasília, marca protesto
A imprensa chegou a falar de um possível suicídio coletivo, mas nota divulgada na noite desta terça-feira pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) alerta para a interpretação equivocada da posição dos indígenas. “Os Kaiowá e Guarani falam em morte coletiva (o que é diferente de suicídio coletivo) no contexto da luta pela terra, ou seja, se a Justiça e os pistoleiros contratados pelos fazendeiros insistirem em tirá-los de suas terras tradicionais, estão dispostos a morrerem todos nelas, sem jamais abandoná-las”, diz o documento, que reflete preocupação da entidade com uma possível onda de alarmismo que pode ser mais prejudicial para os grupos indígenas.

Em entrevista à DW, Cleber Buzatto, secretário-executivo do Cimi, diz que o manifesto reflete o desejo daquela população indígena de defender seu direito à terra. “No nosso entendimento, a carta reafirma a decisão coletiva da comunidade de não sair mais uma vez da terra tradicional pela qual eles vêm lutando nas últimas décadas”, disse.

Segundo dados da Fundação Nacional do Índio (Funai), até 2010, 43 mil Guarani-Kaiowá haviam sido registrados. Eduardo Backer, advogado da ONG de direitos humanos Justiça Global, disse à DW que o caso dos Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue representa a retomada de território e "é um processo de resistência na tentativa de implementar uma política pública de demarcação que não está sendo feita pelo Estado".

Problema histórico

"A demarcação de terras é um problema histórico no Brasil, mas especificamente no Mato Grosso do Sul é um problema muito grande e acaba gerando uma série de outros problemas: confinamento, aumento dos índices de suicídio e violência", explica Eduardo Backer, ao lembrar que alguns processos de demarcação já duram 20 ou 30 anos.

Um artigo do Guarani-Kaiowá Tonico Benites, mestre e doutorando em Antropologia Social do Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), publicado nesta segunda-feira no site da Justiça Global no Brasil, faz um levantamento dos aspectos históricos ligados à demarcação. "Iniciativas de articulação e luta de várias lideranças Guarani e Kaiowá para retornar aos antigos territórios começaram a despontar no final da década de 1970", diz o texto.

Crianças da etnia Guarani-Kaiowá brincam em
torno da escola cuja obra foi interrompida por
falta de verbas
O advogado Eduardo Backer ressalta o poder dos grupos políticos e do agronegócio, predominantes no Estado, e atribui a demora na resolução dos impasses à ação dessas forças. "A proximidade do poder político e de grupos econômicos interessados na preservação de uma determinada estrutura fundiária que favorece a perpetuação de seu poder econômico e político acaba impossibilitando a demarcação desse território sob o argumento falso de que se perderia a capacidade econômica do estado", alerta.

Violência e morte

Para Cleber Buzatto, a demora nos procedimentos de demarcação potencializa situações de violência entre integrantes de um mesmo grupo, suicídio entre jovens e violência por parte de grupos armados comandados, segundo ele, por fazendeiros. "Os Guarani, cansados de aguardar pela ação do Estado, promovem eles próprios ações que chamam de retomada como uma estratégia de tentar fazer com que o Estado se movimente de uma forma um pouco mais ágil", afirmou Buzatto.

Informações repassadas à DW pelo Cimi revelam uma situação tensa no Estado, que já registra centenas de processos de conflitos entre indígenas e latifundiários. Em todo o país, mais da metade dos registros de morte violenta de indígenas ocorre entre o grupo Guarani-Kaiowá. O Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas 2011 registra 503 assassinatos de indígenas entre 2003 e 2011 no país. Desses, 279 são de Guarani-Kaiowá. Dados do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, dão conta de 555 casos de suicídio desse grupo entre 2000 e 2011.

Outro tipo de violência, dessa vez contra lideranças indígenas, também causa preocupação, segundo Eduardo Backer. "Já há vários mortos, principalmente pela atuação de pistoleiros e fazendeiros", disse, ao lembrar que muitas lideranças estão hoje em programas de proteção da Secretaria Nacional de Direitos Humanos.

Preconceito e conservadorismo

Apesar de ser uma garantia constitucional, a preservação de território indígena ainda não recebe apoio amplo da sociedade brasileira. "É importante que a comunidade tenha ciência desses fatos e apoie os Guarani-Kaiowá no sentido de sensibilizar o governo brasileiro para agilizar os procedimentos de demarcação das terras", ressalta Cleber Buzatto.

Para Eduardo Backer, além das forças políticas e econômicas regionais, há o que classificou de conservadorismo e preconceito de parcela da sociedade brasileira que, segundo sua visão, defende um processo de aculturação que "impede que esses povos vivam de acordo com seus modos de vida tradicionais".

Autora: Ericka de Sá
Revisão: Francis França

Fonte: Deutsche Welle/Terra
http://www.dw.de/apelo-dos-guarani-kaiow%C3%A1-ecoa-na-comunidade-internacional/a-16329642
http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI6253564-EI306,00-Apelo+dos+GuaraniKaiowa+ecoa+na+comunidade+internacional.html

sábado, 31 de outubro de 2009

Arqshoah - Arquivo Virtual sobre Holocausto e Antissemitismo

Especiais: História de sobreviventes
30/10/2009

Por Alex Sander Alcântara

Arquivo Virtual sobre Holocausto e Antissemitismo, disponível na internet, reconstitui saga de judeus expulsos da Alemanha nazista e dos países colaboracionistas e reúne documentos que revelam a postura do Brasil diante do genocídio (Interior de Pobres II/Lasar Segall)

Agência FAPESP – Ao analisar documentos emitidos pelas missões diplomáticas sediadas no exterior entre 1933 e 1950 percebe-se a postura do governo brasileiro diante do antissemitismo e da perseguição aos judeus na Alemanha nazista e nos países colaboracionistas. Ofícios e relatórios secretos dão uma dimensão dos bastidores da política brasileira no período, como aponta pesquisa coordenada pela historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, professora do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP).

Milhares desses documentos estão disponíveis na internet desde 17 de outubro, no portal Arquivo Virtual sobre Holocausto e Antissemitismo (Arqshoah), projeto do Laboratório de Estudos de Etnicidade, Racismo e Discriminação (LEER) do Departamento de História da FFLCH.

Na base de dados, documentos oficiais podem ser cruzados com passaportes, fotografias, passagens e relatos de sobreviventes, permitindo reconstituir o cotidiano de algumas cidades europeias, como Berlim, Viena e Varsóvia, em um momento em que os judeus eram expulsos, presos ou exterminados. Todo esse acervo documental pode ser consultado livremente por pesquisadores, professores e pelo público em geral.

O projeto, intitulado “Arquivo virtual sobre Holocausto e antissemitismo: o Brasil diante do Holocausto e dos judeus refugiados do nazifascismo em 1933-1945”, tem apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular. Tucci Carneiro também coordena o Projeto Temático “Arquivos da repressão e da resistência. História e memória. Mapeamento e análise da documentação do Deops/SP e Deip/SP”, apoiado pela Fundação.

De acordo com a coordenadora, cerca de 10 mil cópias dos documentos originais foram reunidas durante sua pesquisa de doutorado sobre o antissemitismo na Era Vargas (1930 a 1945), concluída em 1987 e publicada pela Editora Perspectiva. A coleta dessa documentação teve continuidade na investigação para sua tese de livre-docência, defendida em 2001 – “Cidadão do mundo – O Brasil diante da questão dos judeus refugiados do nazifascismo (1933-1950)”.

“Grande parte são documentos secretos confidenciais produzidos durante a época de Getúlio Vargas e o período do pós-guerra. Tendo em vista o volume e a riqueza dessas fontes, muitas das quais ainda inéditas, resolvi disponibilizá-las da melhor forma possível por meio de um arquivo virtual. Dessa forma, novos projetos de pesquisa podem ser elaborados ,contribuindo para a construção de novos conhecimentos sobre a história do Holocausto e do Brasil contemporâneo”, disse à Agência FAPESP.

Foram necessários dois anos para selecionar, classificar e digitalizar uma parte significativa do acervo da historiadora, que, somente sobre esse tema, reúne 10 mil documentos que estão sendo identificados pela equipe técnica.

“A maioria dos documentos foi reproduzida do Arquivo Histórico do Itamaraty, que nos autorizou a publicar na internet. Importante ressaltar que esses documentos estão disponíveis para consulta pública no Rio de Janeiro desde 1995. Devemos levar mais dois anos para digitalizar o restante, sem contar com novos documentos cedidos por sobreviventes e de outras bases, como o Arquivo Nacional do Rio de Janeiro”, explicou.

Os documentos fornecidos pelo Itamaraty revelam, segundo Tucci Carneiro, as “decisões diplomáticas articuladas nos bastidores, a postura do governo brasileiro diante do genocídio praticado pela Alemanha nazista e os desdobramentos políticos na Europa durante a Segunda Guerra Mundial”.

“O governo brasileiro se tornou, indiretamente, colaboracionista. Fechou as portas, negando vistos de entrada aos judeus que procuravam fugir da Alemanha e dos países invadidos por Adolf Hitler”, apontou. Apesar de a política emigratória no país estar identificada com a postura intolerante da Alemanha, a posição pública do governo brasileiro era ambígua em relação ao Holocausto e à Segunda Guerra Mundial, disse a cientista.

“O governo se posicionava como solidário à política de salvamento aos judeus refugiados articulada pelos países líderes na Liga das Nações, dentre os quais estavam os Estados Unidos e a Grã-Bretanha. Em vários momentos, o Brasil comprometeu-se a fornecer, por mês, 3 mil vistos de entrada para esses refugiados, mas, na prática, o que se via era o oposto”, disse.

Segundo ela, essa postura foi mais sistemática de 1937 a 1945, endossada primeiro pelo Itamaraty e, depois, pelo Ministério da Justiça. “É como uma orquestra em que se somam ações intolerantes por parte de vários ministérios, que apregoavam o cumprimento das regras impostas por circulares secretas. Circulares que obstruíam o salvamento de milhares de judeus, centenas de ciganos e dissidentes políticos do nacional-socialismo. Essa é uma dívida que o Brasil tem para com o povo judeu e outras minorias tratadas como ‘raças indesejáveis’”, afirmou.

Esse é o conteúdo de grande parte dos documentos disponíveis no site, como, por exemplo, ofícios e circulares secretas antissemitas classificados na época como secretos pelo Ministério das Relações Exteriores e pelo Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Nesses registros – muitos dos quais são assinados por importante ministros, como Oswaldo Aranha, Gustavo Capanema, Francisco Campos e Raul Fernandes, e por diplomatas brasileiros em missão na Europa – fica evidente a recomendação de dificultar a entrada de judeus no país.

De acordo com a historiadora, ajudar judeus era visto como “um ato contra a nação”. Mas, durante a guerra, alguns raros nomes se sobressaíram como sinônimo de indignação e coragem.

“Foi o caso do embaixador brasileiro em Paris, Luiz Martins Souza Dantas, e de uma funcionária do consulado em Hamburgo, Aracy Moebius de Carvalho, mais tarde esposa do escritor Guimarães Rosa. Tanto Aracy, conhecida como ‘o anjo de Hamburgo’, como Souza Dantas desobedeceram às ordens do governo Vargas e liberaram centenas de vistos de judeus para o Brasil”, contou.

Ferramenta pedagógica

No portal, além de documentos oficiais, os usuários podem consultar um inventário de judeus refugiados no Brasil com dados e correspondências pessoais, fotografias, passagens de navio e bibliografia sobre o tema. Essas informações encontram-se distribuídas em vários links: “Arquivo”, “Justos & Salvadores”, “Periódicos”, “Artistas & Intelectuais”, “Rotas de fuga”, “Testemunhos” e uma “Biblioteca Virtual” com livros de memórias. O site também será alimentado com novos relatos, a partir do link “Indique um sobrevivente”.

O objetivo é disponibilizar histórias e memórias dos sobreviventes de campos de concentração e refugiados do nazifascismo radicados no Brasil até 1960, considerando o árduo e longo processo daqueles que procuraram naturalizar-se brasileiros.

Segundo Tucci Carneiro, a partir de 1950 o Itamaraty adotou uma postura mais liberal, após a divugação das atrocidades praticadas pelos nazistas e da resolução da Organização das Nações Unidas que definiu genocídio como crime contra a Humanidade.

A diplomacia deixou de, por exemplo, usar o termo “raça semita” e as circulares secretas antissemitas caíram no limbo da história. “Houve um esvaziamento da política antissemita enquanto instrumento do Estado, mas nem por isso o antissemitismo deixou de existir alimentado por grupos da extrema direita e da esquerda. Daí a importância do Arqshoah neste momento em que diferentes vozes negam o Holocausto”, disse.

Além de “arquivo-testemunho”, o Arqshoah pretende também ser uma ferramenta pedagógica importante para professores e alunos do ensino fundamental, médio e universitário. Segundo a professora da USP, tanto o Holocausto como o antissemitismo raramente são analisados nos livros didáticos e, quando aparecem, entram como adendo da Segunda Guerra Mundial.

“Normalmente, quando os professores falam sobre a guerra ou sobre a Alemanha nazista têm poucas informações sobre esse contexto. A ideia é romper o silêncio e promover o debate sobre o Holocausto enquanto genocídio singular e crime contra a humanidade”, disse a pioneira nos estudos sobre o antissemitismo na Era Vargas, título do seu livro publicado em 1988.

Memória oral

Além do acervo digitalizado, o portal Arqshoah terá arquivos de áudio e vídeo. Até o momento foram gravados mais de 30 depoimentos com sobreviventes ou seus filhos.

“Alguns dos entrevistados haviam gravado depoimentos para a Survivors of the Shoah Visual History Foundation (Fundação dos Sobreviventes da História Visual do Shoah), fundada em 1994 pelo cineasta norte-americano Steven Spielberg, cujas cópias procuramos recuperar. Novos registros estão sendo gravados sob um outro olhar, sendo esse mais um segmento coordenado pelo professor Pedro Ortiz e pela historiadora Rachel Mizrahi, ambos pesquisadores do LEER”, disse Tucci Carneiro.

“Vamos também tornar públicos os processos de naturalização dos judeus que entraram no Brasil de 1933 a 1950, documentos sob a guarda do Arquivo Nacional e que vão inaugurar a segunda fase do projeto, em 2010. Segundo a legislação brasileira, somente após dez anos os estrangeiros poderiam se naturalizar brasileiros. A partir do passaporte anexado ao processo é possível identificar o diplomata que emitiu o visto e a estratégia de entrada no Brasil, burlando as circulares antissemitas. Além disso, a naturalização exige atestados de trabalhos e, no caso dos intelectuais, eles anexavam também artigos e livros para mostrar sua produção, como ocorreu com o crítico e historiador de arte Otto Maria Carpeaux”, contou.

A difícil trajetória daqueles que conseguiram entrar no Brasil (com documentos falsos ou como católicos) pode ser conhecida através de alguns links, dentre os quais o do “Inventário de Sobreviventes” e “Artistas & Intelectuais”. “Pode também ser vislumbrado um conjunto de obras do pintor Lasar Segall, que entre 1936 e 1947 denunciou a a brutalidade praticada pelos nazistas contra os judeus”, disse Tucci Carneiro.

Mais informações: http://www.arqshoah.com.br/ ou arqshoah@usp.br.

Fonte: Agência FAPESP
http://www.agencia.fapesp.br/materia/11287/especiais/historia-de-sobreviventes.htm

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