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domingo, 13 de dezembro de 2015

A lista (falsa) de sobrenomes de cristãos-novos de novo, agora na BBC, e a nova lei de Portugal sobre o assunto

A BBC recentemente publicou matéria sobre uma nova lei portuguesa que dá cidadania a brasileiros descendentes de judeus, segue a matéria abaixo:
Saiba como lei portuguesa pode dar cidadania a brasileiros descendentes de judeus

Esta lei copia (ou segue) uma lei semelhante na Espanha, com o mesmo propósito:
A oferta de nacionalidade aos sefarditas satura os consulados espanhóis em Israel

Eu já comentei sobre isso aqui (post "O primo do antissemitismo (filossemitismo) e a mixórdia sobre cristãos-novos e a "concessão" de nacionalidade espanhola" e o jornal El País (Espanha) já comentou sobre a lista falsa com sobrenomes que teriam "direito", listas disseminadas a esmo por grupos evangélicos (alguns se passando por judeus, ou que 'creem' que são):
Seu sobrenome também está na lista (falsa) para obter o passaporte espanhol?

A matéria da BBC Brasil do início do post reproduz a baboseira da lista falsa (ou uma delas). Mas não só ela, basta clicar aqui pra ver outra.

A quem se questionar porque estou fazendo este post, é porque muita gente aparecia em comunidades sobre "revisionismo" vindo encher o saco com esse assunto, com uma obsessão doentia (pleonasmo) com essa questão, na crença de que se se "tornarem" judeus seriam mais "abençoados", "ficarão ricos" etc. Ou seja, o pessoal 'bem-intencionado' repete os estereótipos dos ditos "revis" sobre judeus (sobre riqueza, poder etc).

Geralmente é gente de religião evangélica, ou de algumas denominações no Brasil que criam uma verdadeira mixórdia religiosa misturando idolatria a judeus, judaísmo etc com cristianismo. A quem quiser ler mais, só no verbete em inglês, o verbete em português é entupido de proselitismo religioso.

Essa postura vem importada dos EUA, e essas pessoas ficam circulando em torno desses assuntos apenas por crendice, fanatismo religioso ou mesmo por posturas não muito louváveis (como já citado acima: acham que irão ficar "ricos" ou melhorar status social "virando" judeu). Daí começam a fantasiar sobre "origem judaica" num passado remoto (faz um "pouquinho" de tempo 'meio milênio').

A Record também embarcou na pilha e fez um programa horrível sobre isso.

Sobre o post de um dos links acima (o do filossemitismo), ele foi feito na época que a Espanha fez o mesmo tipo de lei: a de dar cidadania espanhola a quem for descendente de "judeus expulsos" da Espanha na época da Inquisição. Cidadania que torna a pessoa cidadão da União Europeia também.

Seria assunto pra outra post, mas tem a ver com o que se passa. É visível que no Brasil parte da população passa por um problema de crise identitária e fica procurando 'identidades' outras pra se auto-afirmarem ou fazer parte de algum "grupo". Alguma "ascendência nobre" etc. Em vez de se enxergarem como brasileiros ou se proclamarem brasileiros, ficam procurando identidades que julgam ter "mais status" por algum menosprezo ou ódio ao país. Esse tipo de surto não é bom pois descamba pra algum ufanismo qualquer (o extremo oposto do complexo de vira-latas) como aqueles que aconteceram esse ano, com gente urrando com a camisa da CBF (da seleção da CBF) querendo mostrar que são "mais brasileiros" que outros só por ostentarem uma camisa amarela (como se isso tornasse alguém brasileiro ou mais brasileiro que outros), quando parte desse povo sente um menosprezo profundo pelo país.

Mas indo ao ponto.

Primeiramente, um sobrenome genérico numa lista não é prova que alguém seja descendente de algum judeu/judia convertido ao cristianismo (catolicismo) na época das inquisições.

A maioria dos sobrenomes (senão todos) dessas listas eram sobrenomes também de cristãos-velhos (se há o "novo" é porque havia o "velho", dã! rs), que eram os cristãos não convertidos ou cristãos não-judeus.

Pena que perdi os links (do Orkut) que tinham alguns ensaios sobre esse tema, mas também houve muçulmanos convertidos à força ao cristianismo na Península Ibérica e havia os moçárabes. Nunca ouviu falar deles? Clique aqui e aqui. Resumidamente (pois sei que tem gente que não vai clicar nos links), moçárabes eram cidadãos ibéricos, cristãos, que adotavam a cultura da potência invasora/dominante (então árabe e muçulmana), língua etc.

Ou seja: e se você for descendente, não de judeus, mas de algum moçárabe ou muçulmano árabe convertido ao cristianismo na época da Inquisição que veio ao Brasil e Américas? Vai pular do penhasco por isso? rs.

Por que fiz esta pergunta irônica (a do "pular do penhasco" com raiva? Se você tem visto os comentários de ódio irracional, movido por ignorância extrema, desses grupos contra muçulmanos entenderá o porquê da ironia com a pergunta. Veja que no Brasil nem tocam no assunto.

Só pra dar uma ideia da extensão genética da coisa, já que não achei a matéria que saiu sobre isso há algum tempo. Segue esta matéria em espanhol sobre o DNA na Espanha, Portugal segue um padrão semelhante:
Uno de cada tres españoles tiene marcadores genéticos de Oriente Medio o el Magreb (El Mundo, Espanha)

É a parte anedótica dessa "busca" (entre aspas) por antepassados judeus no Brasil. A pessoa pode descobrir que é descendente de algum moçárabe ou muçulmano convertido ao cristianismo à força. Curioso que as matérias não tocam no assunto.

Em resumo: essas listas com sobrenomes não servem pra coisa alguma.

Causa constrangimento e vergonha alheia ver a publicação dessas listas.

Pra você provar que tem algum antepassado judeu/judia convertido de forma remota (pois faz tempo...), vai ter que fazer uma "escavação arqueológica", provar genealogicamente a coisa, até porque não irão dar cidadania por "brinde", a menos que seja um grupo minoritário que conseguiu preservar desde essa época o culto judaico etc. Além de outros problemas com o tema: houve gente que se converteu porque quis também. Não era "status" ser judeu na colonização das Américas, essa coisa de "ser judeu pra ter status" é algo recente, novo, pós-segunda guerra. Até a segunda guerra muita gente mascarava isso com medo de perseguição e preconceito/racismo.

Só lembrando: a maioria absoluta dos convertidos se assimilaram à Espanha, Portugal ou outros países em que se fixaram. Sentiam-se parte dessas sociedades, mas não como "judeus".

Não avaliem o passado com anacronismo (repassando pruma época remota valores de hoje). Não havia internet na época, rastros se apagam com certa facilidade, principalmente num "mundo" onde tudo era precário.

Muita gente na época não queria ser "judeu", a não ser por questão de fé, porque a perseguição cedo ou tarde seria inevitável. A menos que alguém seja masoquista (tirando o que permanecia judeu por convicção religiosa), não era uma boa religião (do ponto de vista de se manter vivo) pra alguém se converter ou permanecer nela.

Muitas famílias adotaram sobrenomes de cristãos-velhos e se assimilaram totalmente a esses países (Portugal e Espanha), não sendo tão fácil rastrear a mudança. Não estamos falando de algo com 50 anos e sim de meio milênio. A maioria se sentia ou português ou espanhol, ou descendentes dos mesmos, professando o cristianismo (tornavam-se católicos).

Querer escavar essas coisas (tirando o pessoal de História, arqueologia etc, o pessoal das ciências, que tem que escavar mesmo) por fanatismo religioso e oportunismo, em minha opinião, não passa de escrotice da grossa, além de uma cretinice sem tamanho.

No vídeo da Record mostra uma pessoa seguindo (imitando) ritual judaico provavelmente por ser evangélico e com base nessa ideia de que sobrenome tal torna essas pessoas judias. É um crime (mentira) o que estão fazendo com essas pessoas, fora a ignorância histórica profunda.

Em suma, eu fico com vergonha do conteúdo dos programas com conteúdo "histórico" que passam no país. Ainda mais a BBC reproduzindo essa papagaiada sem avaliar a informação que repassa. A BBC tem um histórico problemático de conteúdo, tem bons documentários mas a cobertura jornalística é enviesada, tanto como a Globo (essa nem enviesada é mais, é partidarizada mesmo). Saem copiando listas de sites evangélicos ou de "judeus messiânicos" (evangélicos que 'pensam' que são judeus, pra proselitismo religioso) na web que dizem ser de "marranos" e colocam essas coisas sem critério algum, além de atiçarem a neurose de grupos antissemitas que veem judeus na sombra, na esquina, em qualquer canto.

Por isso que disse num dos posts (não só eu) que o 'filossemitismo' anda junto do antissemitismo, são unha e carne.

Chega a ser ridículo que Espanha e Portugal apresentem uma lei dessas (de "reparação", entre aspas) 500 anos depois que mataram gente por fanatismo religioso e racismo. Era melhor só ter admitido que cometeram os crimes e pedir desculpas pelo ocorrido (e põe pedido tardio nisso) e assunto encerrado. Esses países não estão reparando coisa alguma, só sendo hipócritas.

E um adendo, porque a internet infelizmente está infestada de gente fanática: eu não tenho interesse em discutir religião/religiões com A, B ou C, tampouco sou religioso. A quem quiser pregar a "verdade" (religiosa) pra mim, está dando viagem perdida. Digo isso porque no Orkut aparecia muita gente confusa (eu diria que até "perturbada") enchendo o saco com esse tipo de assunto/neurose quando esse pessoal deveria procurar ajuda especializada pra tratar disso, já que nem interpretar um texto direito conseguem ou querem. Estou sendo duro no comentário porque chega uma hora que a coisa extrapola e irrita de verdade, a gente vai "relevando" por educação, mas uma hora estoura.

O texto acima não trata de "crença" e sim de História, trata sobretudo da proliferação do preconceito no país, que se dá também através desse fanatismo religioso sectário e disseminação de mentiras como as citadas acima (listas falsas etc).

No Brasil a mídia (generalizando) serve mais pra dinamitar o país do que ajudar no progresso do mesmo.

terça-feira, 8 de abril de 2014

O primo do antissemitismo (filossemitismo) e a mixórdia sobre cristãos-novos e a "concessão" de nacionalidade espanhola

O que significa o "palavrão" mixórdia (confira no link). O assunto dos cristãos-novos será tratado após o assunto do "primo do antissemitismo", embora haja correlação entre eles no que se refere a essa divulgação de sobrenomes de cristãos-novos em sites da web, por isso coloquei os assuntos juntos. O post fala sobre filossemitismo e divulgação errônea de coisas sobre cristãos-novos e procura da nacionalidade espanhola.
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Eu havia lido sobre isso (filossemitismo) há muito tempo, justamente porque vi postura (criando problemas, pra variar) desse tipo no Orkut, e sempre deixava a ideia pendente pra tentar postar em alguma ocasião porque o tema é delicado já que quem se enquadra no rótulo provavelmente não quererá carregá-lo, mesmo com o problema existindo. Quem nutre idolatria achará que não faz "nada demais"

O filossemitismo seria um primo não muito reconhecido do antissemitismo. Por que chamo os dois de "primos"? Um é o extremo oposto do outro, teoricamente, só que o filossemitismo acaba, conscientemente ou não, provocando reações de antissemitismo pelo ato de idolatria ou exaltação em relação a judeus. As pessoas em geral não veem com bons olhos idolatria a países e grupos sem qualquer motivo relevante aparente. A etimologia (definição do termo) de filossemita literalmente seria: filo (partidário/amigo)+semita (relativo a judeus, embora o termo seja mais amplo a "povos semitas", mas é mais usado em relação a judeus nas Américas e Europa). O "filo" também pode se comportar como sufixo como em americanófilo (em relação a norte-americanos), germanófilo (em relação a alemães), francófilo (a franceses), anglófilo (a ingleses) etc, que são os correlatos do filossemitismo só que em relação a outras nacionalidades.

Os links que coloquei acima não citam o termo como idolatria, mas eu cito o termo filossemitismo neste sentido porque é como vejo o comportamento de quem nutre isso se manifestar, não só referente ao filossemitismo como a outros países. A própria germanofilia é muito semelhante a esse comportamento (uma idolatria pela Alemanha), e muitos "revis" são germanófilos e não afirmam ou "acham" que são, chegando a confundir nazismo (ideologia política) como se fosse sinônimo de "nacionalidade alemã", não conseguindo avaliar de forma fria o papel político-histórico da Alemanha, não só no período nazista. Esse tipo de idolatria lembra aqueles fãs de banda de rock endeusando seus "ídolos", os comportamentos são bastante semelhantes.

Mas feita essas considerações, traduzo abaixo um trecho onde dois autores, totalmente distintos ideologicamente, concordam em relação a este problema que citei acima, e cito os dois pois concordo integralmente com eles neste ponto. A citação deste trecho, se eu não estiver enganado, encontrava-se no verbete da Wikipedia em inglês e foi removido dela, mas como eu lembro do trecho mais ou menos decorado, consegui achá-lo facilmente. Então segue abaixo o comentário do N. Finkelstein concordando com o Daniel Goldhagen sobre o que representa o filossemitismo pra eles:

Tirado daqui: Counterfeit Courage: Reflections on “political correctness” in Germany

Texto original:
Such venomous attacks on a Jew and the son of Holocaust survivors are altogether unique in German public life which is otherwise ever so tactful and discreet on all things Holocaust. One can’t but wonder what accounts for them. In fact, the Holocaust has proven to be a valuable commodity for politically correct Germans. By “defending” Holocaust memory and Jewish elites against any and all criticism, they get to play-act at moral courage. What price do they actually pay, what sacrifice do they actually make, for this “defense”? Given Germany’s prevailing cultural ambience and the overarching power of American Jewry, such courage in fact reaps rich rewards. Pillorying a Jewish dissident costs nothing – and provides a “legitimate” outlet for latent prejudice. It happens that I agree with Daniel Goldhagen’s claim in Hitler’s Willing Executioners that philo-Semites are typically anti-Semites in “sheep’s clothing.” The philo-Semite both assumes that Jews are somehow “different” and almost always secretly harbors a mixture of envy of and loathing for this alleged difference. Philo-Semitism thus presupposes, but also engenders a frustrated version of, its opposite. A public, preferably defenseless, scapegoat is then needed to let all this pent-up ugliness ooze out.
Minha tradução:
Tais ataques venenosos contra um judeu e filho de sobreviventes do Holocausto são absolutamente únicos na vida pública alemã, que é de outra maneira sempre tão delicada e discreta em todas as coisas sobre o Holocausto. Não podemos deixar de pensar o que pesa sobre eles. Na verdade, o Holocausto provou ser uma mercadoria valiosa para os alemães politicamente corretos. Ao "defender" a memória do Holocausto e as elites judaicas contra toda e qualquer crítica, eles conseguiram uma atuação de coragem moral. Qual o preço que eles realmente pagam, que sacrifício eles realmente fazem por esta "defesa"? Dado o prevalecente ambiente cultural da Alemanha e o abrangente poder global dos judeus norte-americanos, tal coragem, de fato, colhe recompensas. Desqualificar um dissidente judeu não custa nada - e fornece uma saída "legítima" para o preconceito latente. Acontece que eu concordo com a afirmação de Daniel Goldhagen no livro "Os carrascos voluntários de Hitler" de que filossemitas são tipicamente antissemitas em "pele de cordeiro." O filossemita assume que os judeus são de alguma forma "diferentes" e quase sempre secretamente abrigam uma mistura de inveja e de ódio para esta alegada diferença. O filossemitismo pressupõe, portanto, mas também forma uma versão frustrada disso, do seu oposto. Um público, de preferência indefeso e bode expiatório, é então necessário para deixar toda essa feiura reprimida escorrer pra fora (extravasar).
Não preciso comentar de novo que não concordo com todo posicionamento do Finkelstein (tem posts sobre ele no blog) mas acho que as acusações que fazem contra ele, por exemplo, de antissemitismo, sendo ele filho de sobreviventes do Holocausto, é politicagem grosseira. O Goldhagen também é atacado porque o livro dele, "Os carrascos voluntários de Hitler", faz uma acusação dizendo, de forma resumida (você pode ler umaa crítica do livro aqui) que qualquer alemão na Alemanha nazi seria um potencial carrasco antissemita.

Pois bem, e onde entra o filossemitismo e os cristãos-novos nisso?

Saiu recentemente uma matéria no El País, edição brasileira, que toca nesse tipo de assunto (filossemitismo) sem citar o termo filossemitismo. Antes de prosseguir, adianto que não acho que tenha havido qualquer má fé na matéria e a matéria foi informativa (cumpriu o que pretendia), mas há alguns erros sobre essas questões e há uma não citação do que ocasiona esse problema do filossemitismo no Brasil no texto e da disseminação dessa ideia em torno de sobrenomes na internet, pois ficou incompleto comentar o fato na matéria (a procura de nacionalidade espanhola por descendência sefardita), sem apontar de onde surgiu esse "interesse" dessas pessoas. Mas isso poderia ser tratado noutra matéria.

A matéria a que me refiro é essa: Seu sobrenome também está na lista (falsa) para obter o passaporte espanhol? .O assunto circulou muito no Facebook, não propriamente esta matéria do El País mas matérias correlatas (com o mesmo assunto).

Por curiosidade, quando a gente procura por genealogia na web ou mesmo o assunto cristãos-novos, logo de cara se depara com sites evangélicos (alguns até se passam por "judeus", são o que chamam ou se autodenominam como "judeus messiânicos", mas são seitas evangélicas) com sobrenomes supostamente de cristãos-novos (sobrenomes portugueses e espanhóis, alguns sobrenomes são comuns aos dois países) relatando erroneamente que quem tem sobrenome tal pode ser ou é descendente de judeus, cristãos-novos etc. Sem nem contextualizar a História. Da primeira vez que vi isso havia muitos sites religiosos (evangélicos) com isso, agora a coisa se proliferou.

A procura em demasia em torno disso se deu por conta dessa divulgação na web de forma equivocada desses sites. Isso não foi mencionado na matéria. Como eu disse acima, não era tema central dizer a origem do problema por isso pode ter sido deixado de lado essa informação que estou citando. Como a gente sabe disso? O que chegava de gente enchendo o saco no Orkut com esse bla bla bla era algo bizarro. É esse o problema da web, não dá pra se ter uma estimativa do alcance de um boato até surgir algo que atice a reação das pessoas em torno disso. Pela quantidade de procura (narrada na matéria) dá pra ver que o percentual de gente que andou lendo isso não é tão pequeno, leem e disseminam.

Há pilhas de erros nestes sites, além de raramente surgir um esclarecimento bom ao alcance de muita gente, daí a perpetuação do boato. Um dos erros desses sites é o de não comentar que muitos cristãos-novos que se converteram, ficaram de vez no cristianismo (a maioria) não retornando ao judaísmo. Sentiam-se portugueses ou espanhóis ou nativos das colônias onde se alojaram e estavam totalmente assimilados culturalmente a esses países não retornando ao judaísmo e nem se denominavam marranos, porque não seguiam o judaísmo escondidos.

Curiosamente este erro é repetido por antissemitas e neofascistas "revis", com a distorção habitual deles vendo "judeus" em tudo. Não preciso repetir que "revis" são obcecados com judeus e com as crendices antissemitas em torno desses mitos cultuados pelos "revis".

Mas voltando ao assunto. Qual a razão pros cristãos-novos ou convertidos não retornarem ao judaísmo? A principal seria: qual o interesse de uma pessoa, numa época de perseguição intensa a judeus, por motivos religiosos predominantemente, de continuar a seguir um credo religioso só por tradição, quando estas pessoas poderiam se integrar a esses países totalmente se tornando um cristão numa sociedade profundamente cristã (carola)? É isto que ocorre em Portugal e Espanha na época da expansão marítima e na colonização das Américas quando eram Impérios mercantis e marítimos (militares).

A mudança de visão de boa parte das pessoas (brasileiros) sobre judeus e judaísmo em relação a essas questões (cristãos-novos) é algo recente, não é algo antigo, por sinal, antes da internet esse tipo de assunto não devia causar qualquer "fascínio" no povo. Passaram-se séculos reprimindo a história por conta da própria assimilação, por isso é errado dizer que esse assunto era algo oculto, apenas não chamava atenção. Boa parte das pessoas não tinha acesso ou interesse nisso porque não via nada de relevante em ser ou não judeu.

Eu só ouvi falar nessa questão desses grupos evangélicos explorando esse assunto na própria internet. Assusta a abordagem dele em torno disso pois há uma mistura de crença religiosa (já citei isso em outro post) com história, o que acaba mitificando as coisas já que essas pessoas não têm interesse histórico nos assuntos e só querem "confirmar" suas crendices através da História. Essa postura deles vem de uma pregação que ocorre nos EUA dessas denominações que misturam apoio político (com destaque a Israel) com credo religioso, alguns rotulam isso nos EUA de sionismo cristão. A meu ver uma mistura bem perigosa pois se este mesmo grupo que apoia ou idolatra judeus hoje, amanhã se enfezar por algum motivo banal qualquer (quem pensa que controla fanatismo religioso quase sempre quebra a cara), tornarão-se os inimigos mais cascas-grossas que poderão se deparar.

Voltando ao assunto, a presença de cristãos-novos nas Américas, não só no Brasil, é um fato. Acabei lendo sobre isso paralelamente, pois quando a gente lê sobre Holocausto acaba checando temas correlatos pra tentar entender a razão do ódio a judeus, sendo que esse assunto tem a ver com a formação do Brasil e acho relevante que o povo entenda a história do país pra não sair propagando abobrinha fascista datada da segunda guerra. A meu ver o ódio religioso (antissemitismo religioso) teve e tem um peso considerável (a maior parte dele) na propagação do antissemitismo e estereótipos racistas até hoje.

Já vi textos de cristãos-novos no México, Peru, Venezuela, Brasil, de memória me lembro disso. O autor antissemita integralista Gustavo Barroso adora fazer firula do assunto em livros dele como "História secreta do Brasil" como se fosse algo "escondido" ou que só ele soubesse disso (mais uma desonestidade intelectual dele) distorcendo pra criar um bode expiatório (judeus) pra "explicar" com coitadismo os insucessos do país. Não é algo original, os próprios nazis faziam isso pra alimentar o ódio, mediante crenças, entre o povo.

Voltando de novo ao assunto cristãos-novos, alguns desses conversos acabavam aderindo de vez à religião nova (catolicismo) e outros mantinham a crença no judaísmo de forma oculta, uma minoria, tanto que o grupo que se denomina como marranos até hoje é muito pequeno (eu pensei que nem existiam). Os que continuavam seguindo o judaísmo ocultamente eram rotulados de cripto-judeus e/ou marranos. Mas marranos eram os que continuavam seguindo o judaísmo (escondido) não os que deixaram de vez o judaísmo, são coisas distintas. Sempre "esquecem" deste "detalhe" quando fazem matérias sobre esses temas, pelo menos das que eu já li e lembro.

Caso alguém tenha preguiça de ver o link do El País: o que acaba ocorrendo e é citado na matéria do jornal espanhol é a procura exacerbada por passaportes espanhóis (nacionalidade espanhola), por brasileiros, por conta dessas abobrinhas (bobagens) espalhadas na internet sobre conversos e sobrenomes.

Esses sites apologéticos evangélicos sobre sobrenomes de cristãos-novos, difundem de forma errônea, como já comentei, esse tipo de assunto e acabam causando mais confusão com essa questão do que esclarecendo as pessoas, que hoje, pelo antissemitismo não ser o mesmo de décadas, séculos atrás, acham que ter alguma origem judaica ao invés da portuguesa causa algum tipo de distinção, o que é uma bobagem. Pelo menos eu considero.

Este comportamento de "vergonha de ter algo com Portugal" não é um fenômeno exclusivo de brasileiros descendentes de portugueses no Brasil, há um comportamento oriundo do complexo de vira-latas onde boa parte do povo parece que tem vergonha de se dizer ou ser descendente de português e eu diria que também em relação à ascendência espanhola, só que esse em menor escala. É um comportamento que beira a idiotice (e é um complexo de inferioridade) mas existe, a matéria do El País não errou quando comentou sobre esse comportamento.

Pra frustração dessas pessoas "adeptas" do complexo de vira-latas, é bom elas entenderem o Brasil como um "Grande Portugal" (culturalmente falando), pro "bem ou pro mal". Podem ralhar e chiar à vontade, essa falta de entendimento sobre o que seja o Brasil gera esse tipo de complexo doentio e auto-depreciativo com os famosos dizeres de "Eu odeio o Brasil" etc, algo que enche o saco, essa auto-piedade não "comove" ninguém. Há mais semelhanças entre o Brasil e Portugal do que muita gente pensa, não é só pelo idioma e pela cultura herdada e pelos milhões de brasileiros descendentes de portugueses, mas isso não é assunto do post, citei a questão pra mostrar o quão é tosco essa mentalidade alienada de parte do país procurando por "raízes nobres" pra ver se levantam a "auto-estima", algo ridículo. O outro extremo desse complexo de vira-latas é o ufanismo exacerbado, dois comportamentos repulsivos e idiotas.

Voltando ao assunto (de novo), nem toda pessoa que possui algum sobrenome nessas listas tem necessariamente um ancestral judeu (converso) pois os conversos adotavam algum sobrenome de "cristãos-velhos" pra esconder a origem judaica. Havia uma distinção de grupos cristãos na época em que ocorreu essas divisões, uma espécie de preconceito que deu origem a ideia de "pureza de sangue" que os nazis séculos depois adotaram, que era a divisão entre cristãos-velhos e cristãos-novos (agora entendem porque o termo surgiu). Os cristãos-novos acabavam sendo assimilados à sociedade como cristão caso adotassem de vez o catolicismo.

Esta "busca" por retorno ao judaísmo só vai interessar a quem de fato sente alguma "necessidade espiritual/cultural" ou "identitária" de procurar raízes judaicas em épocas remotas (na colonização do Brasil etc), não creio que a maioria das pessoas sinta isso. Grupos evangélicos que cultuam o filossemitismo acabam espalhando esse tipo de informação totalmente distorcida como comentei acima.


Como dizia acima, com o tempo as pessoas esqueciam a origem judaica, até porque o biotipo das pessoas (judeus, portugueses, espanhóis), dos ditos "povos do Mediterrâneo" (da região que abrange o Mar Mediterrâneo) é próximo/semelhante e ajuda nessa assimilação étnica (pelo biotipo, aparência física). Não é tão difícil que uma pessoa vinda dessa região se assimile a qualquer país do Mediterrâneo hoje ou numa época mais remota, um italiano não teria dificuldade em "virar" português e vice-versa, um judeu ou libanês idem. Fisicamente esses povos possuem biotipos semelhantes.

Então, resumindo, as pessoas que procuraram de forma tresloucada nacionalidade espanhola por conta desses leituras enviesadas de sobrenomes supostamente de "judeus convertidos", que leram nesse tipo de site evangélico, vão em geral quebrar a cara.

Eu acho essa procura algo repulsivo pois a maioria dessas pessoas só está indo atrás da nacionalidade espanhola, porque adquirindo a nacionalidade daquele país acabam tendo acesso à União Europeia (como é dito na matéria). O interesse é meramente mercantil/material e não de busca de raízes de antepassados sefarditas (judeus ibéricos) e bla bla bla.

Não acho só a demanda/procura por isso algo repulsivo, a própria "oferta" da Espanha não é algo que eu chamaria de 'louvável' ou "nobre", parece que está se prestando um favor ou um "ato nobre" quando não há favor ou ato nobre algum, não há reparo histórico algum com essa atitude (e nem creio nisso, a meu ver estão dando por outras razões) pois as vidas tiradas de pessoas por questões religiosas e de preconceito no passado (e põe passado nisso, mais de 500 anos) não serão recuperadas com um gesto com um "atraso" de mais de meio milênio. Demoraram muito pra "reparar" erros do passado, era melhor que ficasse num discurso de perdão e uma mudança de postura com o preconceito (que há também contra brasileiros), que já estaria de bom tamanho.

Essa questão de dupla-nacionalidade também ocorreu quando a Itália e outros países nos anos oitenta ou antes, atrás de mão-de-obra no Brasil (de gente "etnicamente semelhante"), começaram a fazer esse "resgate" dos descendentes daqueles (imigrantes) que foram "expelidos" desses países por serem o "excedente" da sociedade (ou seja, a sobra, o resto, o estorvo, eram um "peso" pra esses países lá pelos idos do século XIX e até século XX).

Essas questões sempre são curiosas pois acabam discutindo aspectos da nossa própria identidade como povo. Vê-se no Brasil muita gente com "orgulho" de ter origem em "país tal" (geralmente dos que estão em boa condição social e econômica hoje, pois quando não estavam ninguém sentia "orgulho" e queriam só ser "brasileiros"), ignorando o fato de que o vovô ou tataravô (ou avó, ou tataravó) foi "expelido" desses países como "excesso ou sobra". No lugar dessas pessoas eu teria asco ou nojo de um país desses que expulsou um antepassado meu como lixo se viessem "oferecer" esse "pacote de bondades", só por uma questão biológica (de cunho racista) por alguém ser descendente de alguém vindo desses países. Essa oferta de "excesso de carinho e bondade" é no mínimo algo repulsivo (opinião pessoal). É uma questão de orgulho, não vejo com bons olhos isso, até porque o intuito disso é meramente econômico, estão atrás de mão-de-obra "etnicamente" parecida com esses países pra evitarem choques culturais por não terem muita tolerância com imigrantes de outros países.

Há um erro na matéria quando cita um caso sobre procura de nacionalidade da Polônia como se houvesse uma comparação com essa busca pela nacionalidade espanhola (decorrente do caso dos cristãos-novos etc). São coisas distintas.

Não existiu a questão dos cristãos-novos/marranos e cripto-judeus na Polônia ou no leste europeu ou mesmo em outros países europeus, esta questão dos cristãos-novos é uma questão portuguesa e espanhola por conta de suas inquisições, formação de Estado-nação (nacionalismo exacerbado) e formação de Império transnacional quando judeus acabaram sendo expulsos desses países e os que se converteram foram assimilados (a grande maioria) e só uma minoria ínfima manteve ocultamente o credo judaico. Poucos países colonizaram as Américas, o destaque fica por conta de Portugal mas mais ainda a Espanha que tinha terra do Sul até a grande parte territorial do que hoje são os Estados Unidos.

O fenômeno dos marranos/cristãos-novos e cripto-judeus são parte da História de Portugal e Espanha e principalmente de suas respectivas colônias nas Américas. Alguns grupos de conversos também fugiram pra Turquia e Norte da África, caso alguém queira ler sobre isso e algum outro país, mas sem serem algo expressivo numericamente.

O fato é que a cultura judaica na Espanha e em Portugal praticamente se extinguiu. Não houve um extermínio físico em massa, mas houve um "extermínio" cultural. É tanto que se tem a impressão que esses países nunca tiveram judeus.

Outro trecho da matéria que destaco é esse:
"“Há uma crença, de que todos os judeus são gente culta e exitosa. Isto é: ter uma origem sefardita é muito valorizado, mais ainda se a isso se soma a possibilidade de adquirir a nacionalidade europeia [...] Há como que um sentimento de orgulho em se imaginar descendente de cristãos-novos". O professor adverte ainda, que se confunde ser sefardita ou descendente de sefarditas com ser descendente de cristãos-novos que assumiram o cristianismo enquanto professavam o judaísmo em segredo (os cripto-judeus), o que pode ter aumentado o alcance da proposta."
Isto é outro estereótipo reproduzido e perigoso, sendo que não há uma distinção por parte do povo de asquenazis e sefarditas, pro povo em geral (senso comum) são "tudo uma coisa só" (judeus).

Mas vou citar 'causos' que vi no Orkut que põe em cheque totalmente esse tipo de visão. Boa parte dos judeus que vi no Orkut participando de comunidades de discussão não eram "cultos" como diz o trecho acima, pelo contrário, era o extremo oposto disto. Não chega a ser algo que me espanta pois não dou a mínima pra estereótipos, sou cético com estereótipos mesmo, não acredito em mitificações sobre pessoas. Houve uma vez uma discussão entre mim e o ex-dono de uma comuna sobre Oriente Médio (o cara era pró-Israel e chegou a dizer que iria se converter ao judaísmo) em que ele desabafando atordoado porque só via os caras tomarem "toco" dos pró-palestinos na rede (quem puxou a discussão foi ele), isto se dava pelo fato de que essas pessoas não liam praticamente nada sobre Oriente Médio pra discutirem e mesmo assim iam pra discussão, eram "vidradas" nisso mas não liam nada a não ser folhetos e sites com viés político declarado. A maioria só repetia discursos que saem em sites ligados a essas questões e fica por aí, não vão muito além disso.

Essa afirmação dele procede? Infelizmente sim. O pessoal no site do Google (Orkut) meio que se escorava em quem rebatia, no geral ficavam nisso. Não liam nada de relevante sobre o assunto a não ser cartilha ideológica de jornais ou revistas manjadas (de alinhamento à direita) e um ou outro lia algum livro mas pra reforçar pregação política, não pra discutir de fato o assunto pois quem ignora os problemas do conflito não está discutindo e sim tentando criar uma nuvém de fumaça sobre o assunto.

O que se via é que as pessoas em geral não se interessavam em se aprofundar nos assuntos, ficavam em pânico com qualquer crítica a alguma "verdade" estabelecida (na cabeça deles) enquanto o lado pró-palestino geralmente lia boa parte dos livros que saia no Brasil sobre essas questões, sendo em grande maioria composto por alguns descendentes de árabes e outros não (engajados na coisa). Ou seja, a parte intelectualizada da "peleja" era do lado pró-palestino. Por isso que toda vez que leio algo com esse tipo de afirmação de "crença de que todos os judeus são cultos" isso e aquilo, fico perplexo como levam a sério estereótipos.

Esse mito de "judeus são cultos" (de forma genérica), é mito mesmo, o certo seria dizer "alguns judeus são cultos", como existe gente culta em todo tipo de grupo. Essa exacerbação de grupos como "especiais" acaba fatalmente provocando algum preconceito. Esse tratamento como "algo especial" resvala no filossemitismo que é o problema inicial citado no post. Quase toda a discussão e citações do post são atreladas à questão do filossemitismo e os problemas derivados dele no Brasil (principalmente), apesar deu não citar o termo muitas vezes no decorrer do post após a explicação inicial.

Vejam o problema que a disseminação de informações falsas ou distorcidas (com meias verdades) podem causar. Como já disse acima, acho vergonhosa a demanda de gente atrás desses passaportes ou nacionalidade como já comentei acima (não irei repetir o comentário).

E discordo de uma parte da matéria que fala da "vontade do brasileiro em ganhar uma nacionalidade europeia", eu não tenho vontade alguma disso. E já que falaram no assunto, eu não sou muito favorável e simpático à questão da dupla nacionalidade que há no Brasil (posso estar enganado, mas acho que foi a bancada fluminense que fez isso no congresso por conta das ligações de vários deles com Portugal e da mudança que houve quando Portugal passou a ser parte da União Europeia), mas isso só pode ser mudado com outra constituição. Encontrei o ano da modificação disso, 1994, governo Itamar Franco, ler a parte de dupla nacionalidade.

Acho um absurdo haver tratamento diferenciado (discriminatório) favorável a portugueses na Constituição/legislação como se fossem nacionais, brasileiros. Não é nada contra os portugueses ou a qualquer grupo estrangeiro, a culpa não é deles, quem fez essa legislação bizarra e étnica foram brasileiros, mas se trata de uma legislação racista feita por governos de caráter nacionalista de direita (Vargas e mantida após a saída dele do poder) e mantida na constituinte de 86-88 ou acrescentada depois (ler o caso da dupla nacionalidade acima), algo com um forte apego étnico/eugênico pois ao darem privilégios a um povo em detrimento de todos os outros, há uma conotação étnica implicada nisso.

O país costuma vender como imagem no exterior a imagem de "nação multiétnica" etc, tudo balela, basta ver esses "detalhes" pra ver como a História do Brasil, principalmente quando há o deslocamento do eixo econômico do país pro Rio e depois São Paulo (séculos XIX e XX), é muito apegada a essas questões étnicas (racistas), mais do que a população em geral pensa (a maioria no fundo tem noção sobre isso).

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