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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Diário britânico Guardian exibe o racismo no Brasil

O título original do texto é esse, eu encurtei (resumi) porque título muito grande pode ficar disperso:
Diário britânico Guardian exibe denúncia de atriz Nayara Justino, que perdeu papel de Globeleza “por ser muito negra”



Sugerido pelo TC

Da Redação

O vídeo acima foi produzido pelo diário britânico Guardian.

Para complementá-lo é preciso acrescentar que a elite brasileira importou da Europa a pseudociência que atestava a superioridade dos brancos em relação aos negros. Ela tinha sido formulada para justificar o massacre colonial cometido pelos europeus na partilha da África. Por isso, os negros não tinham alma, eram bárbaros, não tinham História.

A elite brasileira, de forma tragicômica, importou as teorias e derivou delas a tese do branqueamento da população brasileira. Foi a política oficial que trouxe imigrantes de várias partes do mundo, para livrar o Brasil do sangue negro.

Os descendentes de escravos, abandonados pelo Estado depois da abolição, mergulharam definitivamente numa segunda escravidão. Os resquícios do “quanto mais negro, pior” e da mulata como objeto do desejo sexual dos europeus foram incorporados à brasilidade machista, racista e colonizada.

Fonte: The Guardian/Viomundo
http://www.viomundo.com.br/denuncias/guardian-exibe-denuncia-de-atriz-nayara-justino-que-acredita-ter-perdido-o-papel-de-globeleza-por-ser-muito-negra.html

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Evolução humana e sua dispersão. O Homem veio do macaco? (aquela famosa "questão")

Vou deixar aqui três vídeos que devem (merecem) ser assistidos pra colocar abaixo as crendices racistas que são disseminadas no país pela dificuldade do brasileiro ler algo que preste sobre a questão sem ser sites enviesados que defendem essas idiotices sem base científica.

Na verdade o vídeo que trata mais da evolução humana e sua dispersão (surgimento das diferentes cor de pele, cabelo outros hominídeos etc) é o primeiro vídeo, mas o segundo vídeo responde à pergunta se o "homem é um macaco" (e também toca no mesmo assunto), pois muita gente recheada de ignorância ou crendices partem pra negação com comentários ridículos sobre (em vez de procurar saber do assunto) em boa parte pra tentar ridicularizar a teoria da evolução ("eu não descendo de macacos") ou o que for relacionada a mesma (evolucionismo, evolução etc). Há um terceiro vídeo de outro canal que também aborda a questão do "Nós, humanos, somo macacos?" que reforça o segundo vídeo. Vou colocar os três abaixo.

O segundo vídeo também comenta a questão do racismo no uso do termo "macaco", comentário pertinente pois, à parte a questão científica de "raças humanas" não existirem, o racismo (crença na existência de "raças" e hierarquia entre elas) persiste, pois muitos racistas (quem é adepto dessas crenças racistas é racista) querendo negar o peso do racismo no Brasil sempre fazem essa "confusão" retórica com a questão "se raça não existe como existe racismo?".

O primeiro vídeo é longo, 39 minutos e 13 segundos, mas vale a pena assistir até o fim, principalmente sobre quando começa a surgir as diferenças de cor de pele, cabelo etc (pela adaptação) e as "etnias", do canal EuCiência:
Evolução Aula 04 - Evolução Humana


O segundo vídeo, mais curto (21 minutos mais ou menos), é do canal do Pirula, vale a pena assistir até o fim:
Sim, somos todos macacos


O terceiro vídeo é do canal "Papo de Primata", tem 15 minutos e 53 segundos, também vale a pena assistir até o final:
Afinal, o homem descende do macaco?


Quando a gente publica isso vem sempre a pergunta infame e até tola (ou silêncio, silêncio também é uma forma de manifestação embora abra espaço pra qualquer interpretação do motivo do silêncio uma vez que se o blog é acessado e lido, é porque muita gente lê e não comenta): o que isso tem a ver com Holocausto, segunda guerra etc?

Tudo. A doutrina nazi, o racismo em vários países (ou quase todos) foi "fundamentado" em torno dessas interpretações equivocadas e ideológicas da ciência. Como a educação no Brasil é um "primor" na abordagem desses assuntos, não dá pra crer que as pessoas irão aprender esses assuntos de forma decente nas escolas, vide a quantidade de idiotice que se lê quando se toca no assunto racismo, nazismo e afins. Quem quer ler sobre nazismo e fascismo ignorando a questão racial/étnica, a origem disso etc, na verdade está fazendo uma leitura incompleta, precária do assunto inteiro. Por essa razão acho pertinente os vídeos e a abordagem deste assunto, pois está totalmente ligado à questão da eugenia também e/ou à ideologia do branqueamento (a eugenia à brasileira, post que não sai do topo de visitas do blog e isso é bom) que é outro assunto tabu nas escolas do Brasil (podem me corrigir se eu estiver errado mas eu não creio que comentem sobre isso nos colégios).

Aí o que ocorre? (Refiro-me aqui ao caso brasileiro mesmo, embora haja tabus sobre isso em vários países que tiveram programas de eugenia) As pessoas passam a vida inteira seguindo uma "mitologia" sobre o Brasil de "democracia racial, paraíso tropical etc" (mitologia essa lançada ainda no Varguismo pra forjar uma identidade nacional ou reforçar, a interpretação aí varia), "meu Brasil brasileiro" e quando se deparam com o assunto na internet, ficam em "choque", como se aquela identidade cultuada (ou que a pessoa acreditava que era a real sobre o país) fosse uma completa farsa e por aí vai. O que em parte é verdade pois o país até hoje lida MUITO MAL com essas questões. O brasileiro (generalizando) tem uma postura autoritária de silenciar os outros na marra quando as pessoas tentam (eu falei "tentam") abordar esses assuntos, com uma postura que por vezes beira à infantilidade e autoritarismo pueril.

Assistam os vídeos que não irão se arrepender. E obviamente que os vídeos não segue qualquer abordagem religiosa, ciência não é religião. Já deixei claro que não trato questões científicas por viés religioso (os vídeos seguem a mesma linha), quem achar que os vídeos ou assunto entram em conflito com suas crenças, não assista. Mas ciência é ciência, religião é religião.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Conheça o drama das crianças arrancadas das famílias em experimento social na Dinamarca

Helene Thiesen tinha acabado de perder o pai
quando foi levada de sua família para ir à Dinamarca
Ellen Otzen Da BBC News

Em 1950, um grupo de crianças da etnia inuit (anteriormente chamadas de esquimós) foi retirado de suas famílias na Groenlândia e levado à Dinamarca para que fossem educados como "cidadãos dinamarqueses".

O programa "Witness", da BBC, conversou com uma das vítimas deste polêmico experimento social.

"Era um dia lindo de verão quando dois distintos senhores dinamarqueses apareceram na nossa casa", lembra Helene Thiesen. Era 1951, ela vivia com sua família em Nuuk, a capital da Groenlândia.

"Estavam com um intérprete e com a minha irmã mais velha. 'O que eles estão fazendo aqui?', pensei. Estávamos bastante curiosos. Pediram que a gente saísse de casa enquanto minha mãe conversava com eles".

"Perguntaram à minha mãe se ela estava disposta a me mandar para a Dinamarca. Aprenderia a falar dinamarquês e teria uma boa educação. Disseram que seria uma grande oportunidade para mim", prosseguiu.

Helene conta que a mãe negou o 'convite' duas vezes. Mas os dinamarqueses seguiram pressionando. "Diziam que era só por seis meses e que eu teria a oportunidade de um futuro promissor."

Helene Thiesen (abaixo, à esquerda), com seus pais e irmãos na Groenlândia
'Novo groenlandês'

A Dinamarca estava decidida a melhorar as condições de vida da sua colônia ártica. Muitos deles, porém, viviam da caça às focas, poucos falavam dinamarquês e a tuberculose estava disseminada pela região.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Os tais "nichos étnicos" no Brasil. Sobre o racismo e preconceito regional contemporâneo no Brasil e sua origem (mais sobre a ideologia de branqueamento do Brasil)

Como disse aqui neste post, e fiquei devendo, segue abaixo o trecho do texto que eu citei no outro post do link que descreve a preocupação das autoridades brasileiras com a vinda de imigrantes pro Brasil e a formação de "nichos étnicos", termo que usei por associação ao que havia lido (o termo está correto) e eu estava crente de que o termo constava do texto original (às vezes acontece da gente cismar com um termo achando que o mesmo estava no texto, sem estar), embora o termo signifique a mesma coisa descrita no texto.

Segue o trecho abaixo em destaque sobre o branqueamento no Brasil e o medo das autoridades de que se criassem "nichos étnicos" que viessem a discriminar a população nativa ou se comportarem como não-nacionais. Embora eu deva ainda continuar procurando os outros PDFs pra ver se bate com esse, o conteúdo se não for o mesmo é muito próximo ao que li (eu diria que o texto é este mesmo) e explica o problema. O texto fala das políticas de branqueamento do Brasil e da "engenharia social" pra remodelar o Brasil em uma "nação branca", ou seja: eugenia. O governo do Império e outros governos brasileiros praticaram eugenia pra "modelar etnicamente o país". Este problema que veio ou surge com a imigração europeia do século XIX e do começo do século XX é a origem (ou uma das) do preconceito regional proferido hoje no Brasil, por gente com posições retrógradas oriunda desses nichos étnicos.

O problema tem nome, por isso precisa ser tratado como tal e não mascarado como boa parte da mídia faz no país. Não é um fenômeno isolado embora pouco explorado pelos pesquisadores (historiadores) do país (taí uma sugestão pra pesquisas: analisar a mutação ou mascaramento do preconceito racial no Brasil em preconceito regional, até o atual ou a formação disso, desde o Brasil monárquico com a política de branqueamento, passando pelo Estado Novo até os dias atuais).

Leiam o trecho:
A política imigratória brasileira pode ser abordada por inúmeros ângulos, a quantidade considerável de trabalhos que a possui por tema denotam isso. Todavia, à época da sua implementação, destacavam-se três maneiras de problematizá-la. Uma defendia a entrada de colonos europeus como uma estratégia para inserir na visão de mundo dos brasileiros a mentalidade do trabalho livre, da pequena propriedade rural, assim como um meio de plantar cá a semente da indústria. A imagem tinha do trabalhador europeu era a de naturalmente melhor que o nacional de mais apto ao trabalho livre. Esta corrente, enfim, acreditava no efeito pedagógico da imigração, na sua capacidade de melhorar o Brasil e seu povo, mas não descartava o investimento nos nacionais. Assim, questões básicas como educação, redistribuição de terras e políticas de amparo para os ex-escravos caminhavam em conjunto com a defesa da vinda de europeus. O nome mais conhecido desta vertente, possivelmente é o de Joaquim Nabuco. Outro argumento proposto defendia a vinda dos imigrantes para aumentar o contingente populacional branco, o que também aparece na corrente anterior, e isso, “naturalmente”, ampliaria as possibilidades de desenvolvimento do país. Há, portanto, uma pronta responsabilização das populações não-brancas pelas mazelas do Brasil.

E mais, seguindo as postulações do darwinismo social no processo de concorrência natural entre as espécies, os mais aptos prevaleceriam - neste caso, as populações brancas permaneceriam e as demais desapareceriam. Em algumas regiões esta proposição de fato se realizou, mas de modo artificial, com populações sendo expulsas à força ou mesmo exterminadas. Por fim, a terceira maneira dava conta de trazer um contingente populacional branco para, como nos dois casos anteriores, “desafricanizar” o Brasil e melhorar a “raça brasileira”. Pois, aplicando as máximas da sobrevivência do mais apto à miscigenação, acreditava-se que após cruzamentos sucessivos da população brasileira com os colonos europeus, os caracteres brancos prevaleceriam, transformando o Brasil num país de população branca. Esta era, em certa medida, a crença de Silvio Romero, apesar da sua desconfiança no formato dado à política imigratória brasileira. As duas últimas argumentações em prol da imigração diferem de maneira marcante, justamente, naquilo que diz respeito à miscigenação. A segunda a condena
enquanto a terceira localiza nela uma solução.

É evidente o pressuposto comum de todas estas vertente: a superioridade do elemento branco/europeu sobre os demais. As diferenças entre elas estão em como tal superioridade seria útil ao Brasil. Pois, ao mesmo tempo em que a imigração era vista como uma possibilidade de redenção do país, ela também poderia ser sua perdição, sua aniquilação através da fragmentação. Nesse sentido, concordavam alguns letrados importantes do contexto, como Nina Rodrigues, Silvio Romero e Euclides da Cunha. Todos eles estavam preocupados com a constituição da nação, de uma nação forte e imponente segundo os parâmetros (europeus) da época. Logo, eles viam o assentamento de um contingente significativo de indivíduos da mesma “raça” em localidades próximas, com um clima considerável favorável por ser semelhante ao que imigrantes estavam acostumados na Europa, como um perigo iminente à nação

Ocorre, então, uma situação interessante na qual é possível encontrar favoráveis à imigração européia, mas contrárias à sua concentração em áreas próximas. O temor era o da constituição de nichos estrangeiros dentro da nação, de modo que o desejo era por colonos que se incorporassem à vida nacional. O “Brasil diferente” almejado afinal não deveria ser tão diferente, por isso a assimilação à vida nacional dos colonos europeus era ponto pacifico.17

A política de imigração brasileira é parte da política do branqueamento e sem dúvida uma expressão nítida da influência do racismo científico na composição da visão de mundo dos brasileiros, uma vez que expressa a descrença no brasileiro como tipo apto ao
desenvolvimento, por um lado, e a crença nos tipos brancos/europeus como superiores, por outro. E uma das formas de materialização disto pode ser observada no senso comum. Como foi dito o Brasil melhor, o Brasil ideal, o Brasil que deu certo na visão de mundo vigente no país é aquele, supostamente, mais perto da Europa, mais branco. O Brasil do sul. Essas medidas todas nos fazem retomar o argumento de Mariza Corrêa, quando a autora afirma que as diferenças sociais existentes entre brancos e negros no Brasil não são reflexo do acaso, do desenvolvimento “natural” das forças produtivas, nem da existência (um dia) da escravidão, a exclusão dos negros e descendentes de vários setores da vida pública brasileira igualmente não advém de uma legislação específica. “(...) Essa exclusão parece ter sido também o resultado de uma atuação coerente, apoiada por um racismo ‘científico’, que legitimou iniciativas políticas (...) como no caso dos privilégios concedidos à imigração que tiveram como consequência uma entrada maciça de brancos no país(...)”.18

Com efeito, o período pós-abolição é marcado pelo fim da desigualdade jurídica entre os membros da sociedade brasileira com a extinção da escravidão. Ao mesmo tempo pela busca em se manter o mesmo padrão de relações sociais altamente hierarquizadas através de um discurso e de uma atuação intelectual coerente, ativa e responsável, em grande medida, pela internalização de atributos de superioridade por uns e de inferioridade por outros. Desta feita, as hierarquias brasileiras, elementos importantes à constituição da visão de mundo vigente no país tanto no período do pós-abolição quanto ainda hoje são devedoras, em muito, dos pressupostos do racismo científico.
Trecho extraído de: Hierarquias brasileiras: A abolição da escravatura e as teorias do racismo científico.
Autor: Hilton Costa1
Site: A experiência dos africanos e seus descendentes no Brasil (escravidaoeliberdade)
http://www.escravidaoeliberdade.com.br/site/images/Textos3/hilton%20costa.pdf

Com o término do primeiro turno das eleições ontem, houve novamente um surto de preconceito regional no Twitter com "tinturas racistas", confiram os textos:

Aqui o indivíduo com sobrenome italiano: Link1
Aqui o indivíduo com sobrenome espanhol: Link2
Aqui está mesclado (a coisa se dissemina e se torna "senso comum" entre grupos que se consideram "brancos"): Link3

A questão do preconceito regional é uma questão é étnica (eu geralmente uso mais este termo ao invés de "racial"), então ao invés de citar regiões é melhor citar o sobrenome do agressor e a origem do país do sobrenome pois a origem do preconceito se explica melhor por aí (questões étnicas, nichos).

Eu não concordo com a colocação da imagem do semiárido numa das matérias pois estereotipa o problema ao invés de explicar, mas isso é o de menos diante da denúncia.

Se você pensa que o tal preconceito regional, como vocês podem ver acima (por exemplo, em São Paulo), é algo "aleatório", "confuso" e sem origem e "briga de regiões", está totalmente errado. O problema dos links das matérias acima é que nunca abordam a questão da forma que está sendo mostrada aqui no blog (citando que é um preconceito racial e social e não regional propriamente), daí pra quem lê a questão pode achar que é algo "difuso", sem "origem" etc e não é. E como sempre começa o choro (vitimismo) dos agressores dizendo que são "perseguidos". Agridem pra depois ficarem chorando como um bando de crianças na TV dizendo que estão "arrependidos" do gesto e bla bla bla.

Na hora de atacar são valentes, quando são confrontados viram um bando de chorões.

Eu sempre tive noção do que era e da origem desse problema, e não é fácil de abordar pois mexe com uma coletividade (descendentes de imigrantes, que são variados, há os desse tipo e os que são assimilados ao país e não manifestam esse tipo de mentalidade), embora antes fosse só uma ideia e não algo convicto como é hoje. Principalmente depois de ver este documentário "A Cultura do Ódio" (de 1992, o vídeo é antigo e que eu saiba o único do gênero do país, em todo esse tempo não fizeram outro abordando a questão da extrema-direita no Brasil), onde o documentário apresenta um vereador paulista com sobrenome italiano, sugerindo leis de discriminação a "nordestinos" em São Paulo. Acho que está na parte 2.

Traduzindo: ele queria atacar caboclos, mestiços que ele considerava inferiores e os rotula de "nordestinos", mesmo se forem paulistas legítimos com ancestrais naquele Estado. O "nordestino" acaba virando sinônimo de negro, caboclo ou mestiço pro racista de alguns estados. Por isso que o problema deve ser tratado como racismo e não "preconceito regional". Eu já afirmei antes que nunca verei um Collor (branco, sobrenome alemão e de família alagoana, e se identifica com Alagoas) ser tratado desta forma por este tipo de pessoa.

O tal vereador do documentário e muita gente que pensa como ele são racistas mesmo. Engraçado que no Brasil os italianos quando chegaram eram chamados pejorativamente de carcamanos, o indivíduo ignora totalmente que os tataravós ou bisavós dele um dia foram tratado como "escória" ou algo parecido, por serem estrangeiros ou virem de um lugar tido como atrasado (pra época). Parece que a ilustre figura do vídeo e os dos links esqueceram ou ignoram essas coisas.

Na cabeça do indivíduo do vídeo (o vereador), parece que São Paulo seria a "Nuova Italia" ou "la nostra Italia" (mesmo com nomes indígenas em todo canto de São Paulo como Morumbi, Anhangabaú, Araraquara, Pacaembu e por aí vai, são inúmeros os locais com nomes indígenas, rsrsrsrs) e que ele quer tratar os nacionais radicados há séculos no Brasil como "estrangeiros". Só rindo.

Ele não usa o termo alusivo à Itália, isto é uma associação que faço por ser algo óbvio, mas esse ranço (racismo) dele é oriundo de nichos étnicos com racistas no meio. Por que a mídia e a academia no Brasil abafam esta questão (salvo raros casos)? Pra resolver um problema é preciso ir à raiz do mesmo, à origem.

Com tanto tempo no Brasil gente como este vereador do vídeo ainda está nesse ufanismo ridículo com o país de origem dos bisavós, tataravós etc, pra impor aos demais membros da comunidade (país) que este indivíduo é "diferente" pela "origem" europeia de tal país. Não é só ele que pensa desta forma, esse é que é o problema maior. É algo arraigado, que pra combater é preciso entender o que eles manifestam, mesmo de forma confusa (sem dar nomes aos bois pra evitar rechaço da opinião pública).

Era e é um negócio tão ridículo que só o vídeo desmoraliza a figura. O que não entendo é como ele não sofreu agressão depois do vídeo. Eu queria ver se ele teria coragem de dizer aquilo olhando a cara de um pernambucano, daqueles bem "cordiais" (se ele tivesse ideia do perigo, nem abriria a boca pra dizer isso).

Se alguém pensa que isto é algo novo (podem ler o texto acima em destaque sobre as políticas racistas e equivocadas do Império), não é, apenas está sendo desfraldado e escancarado de forma mais aberta agora. Só que isso deve ter um combate efetivo, duro e firme, já que fica mais claro qual é a origem do preconceito (uma certa crença de que fazem parte de um grupo "europeu branco" superior a outros) e não com as choradeiras que li como resposta, segregando (reforçando a ideia de segregação com essa identidade regional forjada, pois ignora o próprio contexto étnico da coisa), sem esclarecer a origem disso e se mostrando ofendido ao extremo com ataques de gente preconceituosa que são racistas (a ideia de discriminação dos posts é étnica mesmo, racista). Deve-se tratar o caso como racismo de fato (preconceito racial) e não preconceito regional, como tem sido abordado por conta da questão regional camuflar o racismo (racismo é a ideia de "hierarquia de grupos étnicos sobre outros" e "nordestinos" são são um grupo étnico e sim quem nasce em uma região.

Por que este assunto é relevante? A quem quiser compreender o que se passa hoje no Brasil e a origem desses preconceitos mais recentes no país, incluindo o regional, precisa ler algo sobre o branqueamento do Brasil nos séc. XIX e começo do séc. XX. A origem está lá e como foi dispersa esses contingentes de imigrantes pelo país (a formação de nichos étnicos, as desigualdades regionais provocadas pela concentração de indústrias em alguns estados por políticas equivocadas de governos federais passados etc). Os governos antigos do Brasil (principalmente os autoritários, Monarquia inclusa) criaram um Frankenstein, que agora se apresenta difícil de viver em harmonia com o país, incitando e fomentando pela mídia partidária de alguns Estados da Federação que deveria ser punida judicialmente por isso.

Já citei aqui e repetirei quantas vezes forem necessárias: sou a favor da regulamentação da mídia no Brasil, nos moldes da Alemanha, Inglaterra e algum outro modelo não citado (falam do da Dinamarca). Oligopolização de meios de comunicação (concentração na mão de poucos e em alguns estados) provoca este tipo de discurso de ódio e discurso com tinturas separatistas.

Atualização: dia 07.10.2014

Como já disse antes aqui: Sobre preconceito regional. Mais sobre História do Brasil (é o que penso do problema), eu não apoiarei manifestações de combate a este tipo de preconceito com imagens que reforcem esta ideia estereotipada regional. Essa ideia de "Nordeste homogêneo", sem divisões, estados, bandeiras, além de estúpida (manifestação de ignorância e preconceito), fomenta a ideia de um "subnacionalismo", como tantos outros que podem surgir em outras partes do país.

Acho louvável que as pessoas se manifestem e se manifestem contra o problema mas sem reforçar estereótipos regionais e generalizar grupos de outros estados. Pra combater o problema só batendo na raiz do mesmo, sem fazer isso, podem esquecer, jamais resolverão (quando não, ampliarão o problema).

Qual a finalidade de usar um chapéu de vaqueiro se a pessoa não usa isto no dia a dia? Ou se a maioria das pessoas na região e nos Estados não usam isto? É só pra fazer figura? Por que a TV impôs que todos usam isto?

É isso que eu chamo de reprodução de estereótipos. Por mais bem intencionado que seja a manifestação, é algo que reforça o preconceito e não combate, além de ser algo forçado.

domingo, 29 de setembro de 2013

A extrema-direita brasileira. Mapeamento do fascismo no Brasil - Parte 01

A razão desse post é que não gosto das matérias que saem sobre o assunto (extrema-direita brasileira) no país. Quando não são genéricas e superficiais, a maioria delas distorcem totalmente o assunto direcionando o problema pruma região do país (geralmente a região Sul) deixando sempre de mencionar que o "epicentro" desses grupos se situa em outros estados, bem como mencionar as ligações históricas dos grupos fascistas ou sempre usar um tom de "espanto" pra retratar o problema (fazem isso intencionalmente ou não, uma vez que a maior parte da população só ouviu falar disso de forma generalizada ou caricatural, tendo uma ideia imprecisa do problema). Quem lê esse tipo de assunto de forma superficial pode achar que o Brasil não passou por duas ditaduras (de extrema-direita) e vários governos restritivos no século XX.

A crítica a essa questão do direcionamento pra uma região é abordada aqui nessa matéria do historiador gaúcho René Gertz (Neonazismo no RS: “que há de verdade ou mentira em tudo isso?”), muito boa a entrevista dele. Embora eu discorde de alguns apontamentos dele sobre a definição do que são grupos neonazis, eu concordo integralmente com a ideia geral do que ele escreveu. O termo mais correto pra esses grupos seria o termo "fascista" (aí caberia a definição do que historicamente é fascismo link1 link2 link3 e neo-fascismo link1 link2 link3 link4, o que fica prum futuro post embora o resumo dos links sempre "quebra um galho"), mas como a simbologia que uma parte dos bandos usa é a nazi (o que não deixa de ser ridículo pois o partido nazista é só pra alemães, no sentido literal mesmo, embora o racismo nazi seja compartilhado por vários grupos fascistas), por essa razão fica difícil desassociar o termo "nazi" desses grupos, apesar de que nazismo é um tipo de fascismo (não a toa que existe o termo nazifascismo).

Pra comentar sobre isso, vou colocar por escrito um resumo do que vi no Orkut sobre a presença desses grupos (só citarei o que vi naquele site, não na web em geral apesar deu usar o termo web muito comumente), e estados de origem, pra deixar claro a área de atuação dos mesmos. O relato pode não ser cem por cento preciso porque são citações de memória, mas acho que consigo detalhar razoavelmente (ou de forma considerável) as áreas desses bandos na rede e alguns discursos dos mesmos.

O primeiro grupo articulado que vi na rede disseminando a negação do Holocausto no Brasil, no Orkut, era composto por integralistas. Há uma comunidade grande de Segunda Guerra no site e no começo da rede esses caras emporcalhavam a comunidade com textos negacionistas pra fazer panfletagem ao ponto de serem banidos por tumultuarem e por não se ater ao tema da comunidade. Um dos motivos pra má fama do Orkut foi a presença e proliferação desses grupos. Esse grupo ou pessoas também circulavam na desativada lista Holocausto-Doc que pertencia ao Marcelo Oliveira que era voltada pra discussão do tema (rebater as baboseiras dos "revis", com direito a vários chiliques deles). Outro ponto interessante no discurso deles é que sempre negam que sejam fascistas ou que são de "extrema-direita" com a mesma retórica negacionista, meio que "ignorando" (ou distorcendo) o que significa o termo pra gerar confusão e desinformação (com o pessoal que não distingue essas coisas).

Há outra vertente que se espalhava por lá (Orkut) que aparentemente era parte de grupos que se denominam White Power (Orgulho Branco), vulgo "supremacistas brancos", ideologia estrangeira (difundida principalmente nos EUA e Europa) importada por esses bandos. Os grupos mais ativos, numerosos e violentos se concentram no Estado de São Paulo ao contrrário do que matérias como esta (Mapa da intolerância: região sul concentra maioria dos grupos neonazistas no Brasil) apontam, direcionando o problema pra região Sul e "deixando de lado" o 'centro' desses grupos, o que acaba gerando uma distorção do problema. Há outros "furos" em vários pontos da matéria, por essa razão fiz questão de publicar o texto do René Gertz antes no blog que cito no começo do tópico com uma crítica a isso (só descobri o texto dele esse ano), que reclama/contesta com razão esse tipo de direcionamento. O fato de alguém baixar conteúdo sobre segunda guerra ou mesmo o tema (Holocausto, "revisionismo" e afins) não transforma alguém em simpatizante do nazismo e do fascismo, é um "diagnóstico" tão tosco que não mereceria nem comentário. Além de outro fato bem grave nesse tipo de afirmação/levantamento: como alguém tem acesso a downloads de usuários por estados? Há um mandado pra se ter acesso a esse tipo de informação que só diz respeito a provedores? Como se chegou a esses números sendo que isso é restrito dos provedores de internet e só são liberados quando há alguma ação da justiça? Que eu lembre esse é o procedimento pois foi algo cobrado bastante do Google (pelo MP) em relação ao Orkut. Foi a primeira coisa (a da questão dos dados do Google/Orkut) que me veio à mente quando li a matéria.

Ainda sobre os White Power, ou mais precisamente White Power-SP, esses bandos (ou bando) são compostos geralmente por descendentes de imigrantes (em parte dos que chegaram no século XIX ou mesmo século XX), provavelmente em sua quarta geração ou mais, com um problema sério de identidade com o país (odeiam ser "brasileiros" embora não se desgrudem do país) com a "choradeira" racista de "sou descendente de europeu de tal canto", com um ódio repulsivo ao país embora vários proclamem que são "nacionalistas" (de que pátria, já que odeiam a que nasceram? rs. São os famosos "fascistas sem pátria", apelido que dei a eles), buscando se autoafirmar com essa ideia de "supremacia branca" ou tentando legitimar um tipo de racismo aqui no Brasil que é mais comum nos Estados Unidos, e nisso acabam vinculado um regionalismo (ou criando um regionalismo) mitológico "racial" de que estados A, B ou C são "brancos" e que isso os "diferencia" do resto do país. É um festival de ignorância tão generalizada que a pessoa não sabe nem por onde começar ao ler tanta cretinice desses grupos.

O pior de tudo é que esse tipo de "ideia" racista não faz "sucesso" apenas com esses grupelhos (se o problema se restringisse a eles seria uma "maravilha"), eles são apenas a parte mais escancarada do problema (a fratura exposta) desse tipo de pensamento. Por trás disso rola o que já abordei aqui nesse post: História do Brasil e "revisionismo" (negacionismo) do Holocausto. O desconhecimento da História do país (não só a do séc. XIX pra cá mas principalmente do período colonial que é fundamental pra entender o país atual e sua formação, sem isso o que existe é um recorte mal contado e distorcido do Brasil) ajuda a fomentar esse tipo de recalque e de importação (e adaptação) desse tipo de mentalidade racista/preconceituosa atrofiada. A maioria dos brasileiros saem da escola sem saber o básico de História do Brasil e da formação histórica do país, o assunto História do Brasil é tratado como "coisa qualquer" ou cheio de recortes e informações enviesadas, e abrem espaço pra esse tipo de "ignorância coletiva" (mitologia) se proliferar e formar um "senso comum" calcado em preconceito e demais cretinices propagadas por esses grupos.

Há grupos ativos sim na região Sul do país, mas não são grandes ou organizados como os de São Paulo, pelo menos no que vi naquela rede social do Google. Há uma particularidade com o RS que é o fato de que há um combate efetivo das autoridades daquele Estado com o problema, coisa que se não se verifica em São Paulo onde os grupos aparentemente circulam livremente e só são desarticulados (muito remotamente) quando há uma agressão física por parte de alguns deles nas ruas.

Eu às vezes evitava fazer comentários sobre isso porque havia nas comunidades do Orkut (mesmo as contrárias a esses "revis") algumas pessoas "ultrassensíveis" (entre aspas, pois só são "sensíveis" de forma seletiva, nunca por princípio, fora alguns serem tão problemáticos quanto os neos) que ao menor sinal de crítica ou mesmo constatação de que um problema ocorre em determinado estado, mesmo se comprovando o que é dito (não se está fazendo afirmações vazias, vários fatos são de conhecimento público bastando "ligar os pontos" e mapear), começavam a dizer que isto era postura "anti-São Paulo", de quem possa ter de "ódio de tal estado" e toda aquela choradeira ridícula e intelectualmente desonesta que fazem pra não se discutir o assunto ou abafar/travar totalmente qualquer discussão. Eu costumo dizer que esse tipo de pessoa também é parte do problema do que "solução", embora aparentemente se "oponham" a esses grupos, mas não ao preconceito que os gera, porque esses grupos de extremistas são frutos do meio em que vivem e se criaram, repetem o que assimilaram em casa ou nas ruas. Por sinal, é um alívio sem tamanho não ter que dividir mais o mesmo espaço com esse tipo de pessoa "ultrassensível" (de forma seletiva) já que numa rede social não é tão fácil cortar este tipo de presença inconveniente e bastante desagradável.

A maior parte dos "revis" que vi circular no Orkut eram de São Paulo, uma parte do Rio (comento sobre essa vertente logo abaixo) e vários dispersos dos três estados do Sul do país e outros estados do país. Eu costumo não dar relevância a estes últimos pois não conseguem formar grupos espalhados país afora, e dependendo do Estado em que vivem é meio que "dar uma de kamikaze" abraçar esse tipo de asneira pois pode haver repressão severa, não só da polícia como da própria população que não tolera certos comportamentos como esse.

Os grupos do Rio em geral não se identificam com essas denominações de São Paulo, adotam mais uma linha de "nacionalismo" brasileiro mas também seguem a cartilha antissemita do integralista Gustavo Barroso, com as "teorias" de que "judeus dominam tudo" e aquele bla bla bla enfadonho e paranoide típico desses grupos de extrema-direita de cunho fascista. Isso quando não enveredam pelo assunto Oriente Médio, Israel etc.

Em geral os extremistas virtuais catarinenses costumam não ser tão agressivos como os demais "revis" e vi muito poucos. O fenômeno no Sul (região) também pode se explicar em parte por se tratar de um caldo cultural em virtude da confusão criada pelo nazismo com a identidade alemã e o período histórico da segunda guerra (que aprofundou essa confusão identitária), mas o fenômeno da extrema-direita fascista não fica restrito a descendentes de alemães, pelo contrário, pra meu espanto a maioria do que vi nesses bandos são descendentes de outros grupos de imigrantes que seguem a linha do fascismo/autoritarismo de direita e xenofobismo, usam esse tipo de ideologia pra "autoafirmação étnica" seja lá qual for, o que é (mais uma vez) engraçado pois no Brasil o grupo europeu predominante (em números e culturalmente) é o português (grupo ao qual eu e boa parte do país fazemos parte), e é "curioso" ver como esses caras querem "instituir" um Reich "ariano" nos trópicos, com chavões em "alemão" da época do nazismo, sem saber falar alemão, falando português ou ignorando "esse fato" da influência cultural majoritária de Portugal na formação do país, um pequeno "detalhe" que por exemplo faz com o que o idioma oficial do país seja o português e não o italiano ou outros idiomas (algo óbvio pra qualquer pessoa, mas não pra neofascistas "revis"). É um negócio tão sem noção (ridículo) que deixaria um neonazi alemão ou extremista de direita europeu desorientado.

E como citei acima, vários desses "revis" ou neos (que se apresentam dessa forma) têm sobrenomes não-alemães, eu tinha o costume de sempre ver o sobrenome e fazer um levantamento "de cabeça" de qual grupo pertence. Uma parte tem sobrenome italiano, em segundo lugar (ou primeiro) aparecem os sobrenomes portugueses, e segue a "mistureba" de grupos "étnicos" dentro do próprio bando "étnico ariano puro" (rsrsrs). Um dado curioso pra esse pessoal pensar sobre a cretinice que professam é que o italiano original está bem distante do que um nazi alemão idealizava como "ideal ariano" na Europa (com influência pesada do nordicismo), fora serem latinos, e a maior parte dessa concentração de pessoas com este perfil ideológico fascista atrelado a "colônias" se situa também em São Paulo (mas não só lá, apenas destaco por ser o principal e sempre quando se fala no assunto direcionam pra uma região meio que transformando o assunto em fumaça).

Por que a ênfase em determinado Estado? Primeiro, por motivos óbvios, é pelo fato da maior parte desses bandos ser de lá (então não dá pra "florear" e "colocá-los" em outro estado só pra não "chatear" A, B ou C), em segundo lugar é que chama a atenção principalmente a não-ação do poder público em São Paulo pra combater o problema, só agindo quando há ataques físicos mas nunca na prevenção ou educação (combate a esse tipo de "ideia" desmontando o discurso deles mostrando que é algo furado, falso) como da não remoção de sites e afins (desarticulação) e desmanche dos bandos. E como disse mais acima, entra a questão regional no problema de parte dessa extrema-direita fascista bizarra, problema esse que vem aflorando e se acirrando desde a redemocratização do país (1985) e que ficou mais evidente a partir de 1994. Eu considero aquele caso de 2010 logo após o término das eleições parte do mesmo problema (neofascismo e essa ideia de "supremacia branca"), e isso é tratado com "tabu" no país, ou por ignorância ou com a famosa postura do brasileiro (generalizando) de "não quero saber disso porque é chato" ou porque toca em alguma "ferida" (só pra empurrar o problema com a barriga por pura covardia).

Só pra deixar claro, não me sinto atingido por esse tipo de "ataque" (chilique ou agressão extremada, já que rixa regional sempre vai existir em algum nível, mas há uma conotação "racial" nesse caso mencionado) estúpido regional porque considero isso coisa de gente burra e outros adjetivos que não dão pra colocar aqui. O fato é que alguém pode sair "machucado" de fato por conta da irracionalidade de quem demonstra essa postura (não só o alvo do ataque como a própria pessoa que ataca tomando um revide mais violento, o que não é improvável de vir a ocorrer), então se faz necessário combater a coisa pra que não se prolifere e crie uma cultura de ódio que descambará fatalmente em um conflito maior, em suma, deve-se combater isso pra que não se chegue a um extremo de ruptura e conflito generalizado, no Brasil não levam isso a sério mas o que já rolou de sangue na Europa e no resto do mundo por conta dessas "ideias" deixaria esse post pintado de vermelho (cor de sangue). Mas o assunto tem que ser tratado sem o vitimismo ou recalque que a mídia adota quando cita o nome de determinada região de forma genérica evitando mencionar os estados pelo nome (por menosprezo, recalque ou estupidez). Por sinal a própria mídia brasileira é uma das principais responsáveis por cultivar esse tipo de atrito regional ou de reproduzir o problema sem nunca ir a raiz do mesmo.

Pois bem, dito isso, eu não postarei aqui jamais novamente matérias que falam no assunto omitindo o epicentro desses bandos, omitindo o nome do principal bando que dissemina negacionismo do Holocausto e afins (o do integralismo como citei no começo) e direcionando o problema pra outros estados pela associação de presença de descendentes de alemães com a questão do nazismo, sendo que a maior parte dos perfis que vi no Orkut que se autodenominavam neonazis/fascistas ou "revis", como citei acima, era de gente com sobrenome italiano, português e sobrenome de outras nacionalidades e obviamente que há descendentes de alemães que se identificam com a extrema-direita e se encaixam no mesmo grupo-problema. Esse relato põe abaixo a associação de que neonazismo no Brasil está diretamente relacionado a descendentes de alemães no país, ideia esta que acaba distorcendo totalmente a compreensão do problema do extremismo de direita (de cunho fascista) e da negação do Holocausto no Brasil. Há várias contradições entre esses bandos, principalmente dos que se dizem nacionalistas brasileiros e dos "importadores" de "supremacismo branco" embora andem juntinhos pra difundir a intolerância e o ódio à democracia (a maioria absoluta deles é simpatizante de regimes ditatoriais de direita). Neonazismo é como se chama em geral o próprio neofascismo, por ser um nome mais popular e de maior impacto, embora etimologicamente não seja correto.

Outra observação sobre algo que me irrita é sobre o senso comum e clichês como este a seguir: "Mas é absurdo haver isto no Brasil, um país miscigenado, como pode!". Não é absurdo ocorrer isso no Brasil, até gostaria que fosse, mas seria estranho não haver este problema num país com passado de mais de 3 séculos de escravidão por racismo e políticas de eugenia (branqueamento da população brasileira no século XIX). E há que fazer outro destaque no problema pois em geral há uma mistura terrível de termos: nem todo racista é neonazista/neofascista. O racismo nem sempre está atrelado a grupos políticos, só que o atrelamento do racismo a grupos políticos potencializa consideravelmente o problema.

O Brasil é um país com passado escravagista, eugenista (A eugenia no Brasil), onde o governo monárquico de D. Pedro II por racismo quis "branquear" a população brasileira por considerá-la como algo "inferior" (por ser "não-branca" pros "padrões europeus"), esse foi um dos motivos pelo qual trouxeram imigrantes europeus em massa no século XIX pro país, não só pra substituir a mão-de-obra escrava negra que seria liberta naquele século, como para "branquear" a população do país (país que se consolidou de fato no século XIX pois poderia ter sido desmembrado com os movimentos de independência daquele século-chave da história do país) pois achavam que um país só poderia ser desenvolvido se fosse "branco". Muita gente com um ideário racista comunga dessa ideia até hoje (se alguém pensar que isso se resume a grupos "neonazis"), só que sempre esquecem dos países pobres e em crise com população branca (Grécia, Espanha, Portugal, a própria Itália), daí começam a criar "sub-racismos" pra "explicar" a crise nesses países também ("ah, mas é porque o Sul da Europa não é loirinho, é católico etc").

A escravidão no Brasil foi até pior que a escravidão no Reich nazista, só não chegou as raias do extermínio (o Reich nazista não se resumiu ao trabalho escravo). A exclusão de cidadãos negros e mestiços (negro com branco, ou várias misturas) foi total e brutal e tem marcas até hoje, a maioria dos escravos libertos foram viver em favelas com esta exclusão 'racial' imposta pelo Estado, não a toa que as favelas costumam ter "cor" e muitos brasileiros que acham ou tentam passar a imagem de que não são preconceituosos tentam negar esta realidade quando tentam combater a ação de reduzir ou eliminar esta exclusão ("racial") no Brasil, que não deixa de ser um acerto de contas com o passado escravagista do país, algo que a Alemanha fez com sucesso com o passado nazista por lá.

O meu relato acima, bem resumido (embora grande, até porque é impossível resumir muita informação em três linhas) e genérico (pois serve pra informar e criar um distanciamento de ideias erradas que são passadas na mídia quando abordam a questão, criando mais desinformação do que informação), foi feito em cima do que presenciei em várias comunidades pela web (refiro-me ao Orkut). Não quero dizer que é o raio-x mais exato da questão, e tampouco tem a pretensão de ser o mais aprofundado, mas... sem qualquer exagero, se alguém quiser estudar o fenômeno, pode se guiar pelo que foi descrito acima pois poderá constatar facilmente o que foi citado. O assunto não é combatido como deveria e tratado como caricatura (esse extremismo vai muito além de meros bandos de carecas com suástica, como eu disse, há até atritos regionais no meio com conotações racistas). Combater o problema ignorando esses detalhes é o mesmo que ficar combatendo às cegas aquilo que não se compreende, ou seja: não resolver coisa alguma e camuflar o preconceito existente e suas origens e construções.

Em virtude do que foi dito, acho lamentável ver matérias narrando o problema do "neonazismo" no Brasil, que eu chamaria de extrema-direita (pois não se resume a um bando com "suástica"), direcionando e resumindo a questão ao Rio Grande do Sul e demais estados do Sul do país, e até sobre "cangaceiros nazis" da "terra de Lampião". Quando li isso achei que era gozação, mas escreveram a sério. Eu já comentei o assunto neste post sem citar a matéria (o que faço agora), pois foi a primeira coisa que me veio à mente quando li a matéria do link, é surreal ler um troço desses, mesmo porque dá pra interpretar de várias formas, uma delas como bairrismo porque a "terra de Lampião" é o Estado de Pernambuco (eufemismo é uma forma de não citar diretamente o nome mas dando referências de que se trata), mais precisamente a cidade de Serra Talhada, que fica na parte oeste do interior do Estado (Mesorregião do Sertão), e há uma certa rixa histórica entre Bahia-Pernambuco que não vou me ater a detalhar aqui, como também não quero crer que a razão da citação se deu por conta desse tipo de babaquice, embora não me surpreenderia se fosse pois já li comentários mais hostis a pernambucanos e Pernambuco vindo de estados vizinhos. Fico imaginando a cena do "cangaceiro nazi", só rindo disso. Esse tipo de "detalhe" passa batido da maioria que lê o texto, mas foi uma das coisas que reparei de cara, e lembrei do Sr. René Gertz comentando e reclamando do mesmo problema (primeiro link do post) em relação ao estado dele (e a região Sul em geral) e a questão dos descendentes de alemães no Brasil.

Essas matérias, intencionalmente (ou não), acabam deixando de lado a questão de São Paulo no problema e a proliferação desses bandos no mesmo Estado. É bom se dar "nome aos bois" (como se diz nas ruas, "chamar a criança pelo nome"), pois assim param com essa 'idiotia' de propagar que isso (neonazismo) é um "problema nacional" quando na verdade o problema está mais pra algo regional ou mesmo setorizado em uma região, mais restrito a alguns estados ou Unidade da Federação.

Eu posso tentar depois, caso haja discussões sobre o texto, detalhar mais o texto, porque quando há discussão a gente acaba lembrando de mais detalhes e amarrando melhor as memórias dispersas. E como o texto foi sendo escrito enquanto se resgatava coisas da memória, pode passar a impressão de repetição mas reli e está bem dividido embora não seja de fato um assunto agradável. Irei revisar o texto se, ao reler, quiser reparar certas partes.

Aproveitando o post, sugiro a quem tiver interesse a leitura desta tese (em PDF) sobre o (neo)integralismo no Brasil:
Integralismo e ideologia autocrática chauvinista regressiva: crítica aos herdeiros do sigma (de Jefferson R. Barbosa).

O PDF tem 717 páginas, a tese e detalha com precisão o fenômeno do "neointegralismo", ou seja, fala sobre a organização e o "ressurgimento" da turma do Sigma (integralistas ou "galinhas verdes"). A minha ênfase nesse grupo se dá porque, além de ser o grupo mais organizado desses da extrema-direita de cunho fascista, e com histórico forte no período pré-segunda guerra no país e após (através de seus ex-membros históricos), uma das figuras centrais na difusão da negação do Holocausto na web, vide a lista que citei no começo do post, era um integralista. A tese do PDF sobre neointegralismo detalha e mapeia bem o fenômeno (ou parte dele, da extrema-direita fascista) no país, e incrivelmente acho que não saiu como livro. Quem quiser entender a proliferação da negação do Holocausto precisa entender o que pensam esses grupos.

Espero que ao "mapear" o problema, que isso não transforme o post em local pra denuncismo (eu já disse antes o que penso disso, a função do blog é informar, trazer conhecimento e não fazer "justiçamento"), há órgãos apropriados pra se fazer isso (denúncias). Eu sei quais grupos disseminam essa lixarada na web e não se combate isso com atrito em virtude das restrições de discussão que há no país (principalmente depois da judicialização que criaram com o Orkut, fruto desse comportamento de "justiceiros"). Os "revis" no Brasil se perpetuam através do "atrito" e de bate-bocas idiotas, e boa parte deles ("revis") evita discussão a sério (chegam logo com intimidações ou panfletagem de quinta). O blog não é fórum de "debates", pra esse fim existe o RODOH (que todos eles fogem).

Voltando ao assunto anterior do neointegralismo, há outros textos muitos bons sobre esta questão que quando conseguir localizar (muitos textos ficam perdidos pelo blog) e organizar um a um, gostaria de colocar aqui (sobre a questão nacional e regional), mas fica pruma outra ocasião. Em todo caso, achei alguns, seguem os links abaixo:

Neointegralismo e as direitas brasileiras: entre aproximações e distanciamentos (Odilon Caldeira Neto)
Galinhas Verdes ou Galos de Briga? Neointegralistas, memória militante e o uso da charge como estratégia política (Odilon Caldeira Neto)
A ideologia do Sigma hoje. Neointegralismo, intolerância e memória (Natália Reis)
Eles querem ‘endireitar’ o Brasil (Pablo Nogueira, PDF)
Proletários e nacionalistas: Skinheads e integralistas no Brasil contemporâneo (Jefferson R Barbosa)
Pensamento da direita e chauvinismo na América Latina (Márcia Regina Carneiro)
O Neointegralismo e a questão da organização partidária (Odilon Caldeira Neto)

Observação1: caso o autor do PDF (do texto sobre o neo-integralismo) leia o post e não queira o link aqui, posso remover.

Observação2: colocarei os links depois que publicar o post, a medida que for relendo o texto.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Mais uma do país da "democracia racial" - Manequim negro com pés acorrentados em supermercado

A matéria segue abaixo, tive que procurar uma matéria escrita minimamente sem cinismo pois me recuso a achar que isso é "polêmica" (o uso dessa palavra muitas vezes é um eufemismo pra não dizer abertamente o que se trata), pois a explicação dada pro uso da estátua não foi nem um pouco convincente. Muitas matérias são escritas com o título de "polêmica" vide este link: Estátua de menino negro em mercado cria polêmica na internet

Supermercado Pão de Açúcar causa revolta após instalar manequim negro com os pés acorrentados

Imagem do manequim utilizado pelo Pão de Açucar
Estátua de um manequim negro com os pés acorrentados, instalada na unidade do supermercado Pão de Açúcar, no bairro da Vila Romana, em São Paulo, está causando revolta nas redes sociais desde o dia 19 de agosto.

A comunidade negra se sentiu ofendida e considerou de extremo mau gosto a imagem de uma criança negra sendo utilizada para "decorar" a área destinada a produtos de panificação do supermercado. Após a foto ser postada no perfil Mundo Negro, uma enxurrada de comentários indignados se espalhou pelo Facebook. Entre as razões apra a revolta, a imagem da criança negra carregando um pesado cesto de pães faz apologia ao trabalho infantil, já que o cesto é de proporções incompatíveis à estatura da criança e seria um sacrifício seja pelo tamanho ou pelo peso para ser carregado.

Além disso, revotou a inclusão de grilhões no pé da criança, rementendo à escravidão, além da infeliz escolha, por usar, mais uma vez, uma criança negra nestas condições ser utilizado para "decorar" uma área de grande circulação do supermercado.

Apesar de o perfil da empresa no Facebook já ter se desculpado pela gafe infeliz e informado que o objeto já havia sido retirado da loja, os protestos - e críticas - na rede social continuam.

Comunicado

Diante da repercussão do caso, o Grupo Pão de Açúcar emitiu nota oficial, afirmando que "a estátua em questão foi adquirida como parte de uma coleção de peças decorativas de loja, sem intenção ou apologia a qualquer tipo de discriminação. A rede agradece os contatos recebidos dos clientes e lamenta o fato ocorrido, uma vez que pauta suas ações na ética, promoção e respeito à diversidade. Assim que tomou ciência do caso, o Pão de Açúcar providenciou a retirada da estátua das lojas e está revendo o processo de seleção de peças decorativas."

Fonte: Yahoo!
http://br.noticias.yahoo.com/supermercado-p%C3%A3o-a%C3%A7%C3%BAcar-causa-revolta-instalar-manequim-negro-133711519.html
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Comentário: como se coloca uma estátua dessas como "decoração" sem qualquer explicação ou propósito com pães sendo vendidos? Se fosse feito um local especial ou uma homenagem prévia explicando que a estátua serviria pra fins de educação etc, vá lá, embora continue sendo sem propósito isso no meio de uma loja sem qualquer crítica ao que estátua representa.

Parece que o racismo no Brasil é tão natural que as justificativas que as pessoas que compartilham desse "tanto faz" (racismo velado, ou às vezes nem tão "velado" assim) em relação a esse assunto são piores até que a exposição dessa estátua nesse local. Pessoas que justificam isso e não se sentem constrangidas é sintoma de que acham normal o que é retratado, não veem problemas éticos na escravidão e na imagem associada à estátua no contexto de uma loja, acham escravidão normal e no fundo devem achar que negros são inferiores reproduzindo o racismo do período de escravidão racial do Brasil.

Pra quem ainda acha estranho que neonazis (ou fascistas, como queiram chamar) surjam no país, eu acharia estranho que não surgissem pois um país com um histórico de racismo desses não elimina esse pensamento do dia pra noite (ideologia do branqueamento no Brasil), ainda mais com a construção ideológica montada no século XX (o luso-tropicalismo) pra vender a imagem do Brasil como um "paraíso tropical da democracia racial" onde não havia/há conflitos raciais como há nos Estados Unidos ou outros países, visão essa defendida até hoje pela mídia/imprensa brasileira que raramente questiona (sem sensacionalismo) essa questão indo até a origem dela (nos séculos passados).

Pra quem quiser ler algo sobre lusotropicalismo, ideologia essa que foi usada pelo regime fascista português de Salazar pra mascarar o racismo português nas colônias portuguesas na África, confiram o link:
Gilberto Freyre contestado: o lusotropicalismo criticado nas colónias portuguesas como alibi colonial do salazarismo

O lusotropicalismo não foi usado apenas por Salazar e Portugal, ele é parte central ou base dessa mitificação ideológica da imagem do Brasil pro mundo como "democracia racial".

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Entre a suástica e a palmatória - Fazenda nazi

Nos anos 1930, órfãos eram escravizados em fazenda no interior de São Paulo por simpatizantes do nazismo

Alice Melo
1/1/2012

Boi premiado e ficha de documentação de gado da Fazenda Cruzeiro do Sul na década de 1930.Uma briga de porcos derrubou a primeira barreira que encobria uma história existente apenas nas lembranças de velhos personagens. O obstáculo rompido nos idos da década de 1990 era a parede gasta de um chiqueiro imundo que outrora fora habitado por empregados de uma fazenda localizada no município de Paranapanema, interior de São Paulo. A Cruzeiro do Sul, que hoje beira os 72 hectares de terra. Na ocasião, quem tentava conter os suínos em sua disparada era Tatão, então proprietário das terras, e seu empregado, Aparecido. A dupla falhou ao apartar a rixa; os bichos abriram um buraco na parede e escaparam rumo ao capinzal numa corrida ensurdecedora. Aparecido seguiu os porcos para evitar prejuízo, mas Tatão permaneceu atônito no chiqueiro destruído. Os tijolos maciços caídos no chão, antes encobertos pela argamassa, revelaram ao homem a marca inconfundível, cravada no centro de um losango: a suástica nazista.

“Eu chamei: hômi, volta aqui, hômi, vem ver isso”, lembra Tatão – apelido de José Ricardo Rosa – fixando os olhos verdes no horizonte, entre uma e outra baforada no seu tradicional cigarro de palha. “Quando ele chegou, eu mostrei a marca pra ele. Ele me disse que era a marca do tijolo. Eu falei: como assim? É a marca da Alemanha! E ele disse que não, era a marca do tijolo. Por anos, eu fui ridicularizado na cidade. Ninguém desconfiava que aquele tijolo, com aquela marca, era a prova de que existiu, naquela fazenda, uma filosofia nazista no passado.”

A descoberta do tropeiro permaneceu como peça solta de um quebra-cabeça complexo até 1998, quando a enteada de Tatão, Suzane, durante uma aula sobre a Segunda Guerra Mundial, reconheceu, nas imagens do livro didático, a marca encontrada nos tijolos de sua fazenda, e avisou ao professor. O historiador Sidney Aguilar Filho, que trabalhava na cidade de São Roque, a 160 quilômetros da fazenda, não acreditou na história da menina. Foi preciso que ela levasse o material na aula seguinte para que ele iniciasse uma investigação. Esta durou dez anos e culminou na tese de doutorado “Educação, autoritarismo e eugenia: exploração do trabalho e violência à infância desamparada no Brasil (1930-1945)”, defendida na Unicamp em 2011. Com aquele objeto em mãos, o pesquisador rumou à região e se instalou no município vizinho, Campina do Monte Alegre, ou Campininha – cidade hoje com 5 mil habitantes. Lá, teceu os primeiros fios de uma teia tortuosa de significados. Em meio a polêmicas, a teia liga a simbologia nazista presente na propriedade rural a um contexto de simpatia a ideais de racismo e autoritarismo no Brasil das décadas de 1930 e 1940.

Entrevistando moradores antigos da cidade e revirando arquivos Brasil adentro, Aguilar Filho se deparou com um caso tão curioso quanto o dos tijolos marcados com a suástica: a escravização de 50 garotos órfãos, na maioria negros, numa propriedade rural vizinha. A Fazenda Santa Albertina, com extensão estimada em quase 4 mil hectares de terra. Para sua surpresa, descobriu que tanto a Santa Albertina quanto a Cruzeiro do Sul pertenciam à mesma família no passado: Rocha Miranda. Família tradicional, cujos membros viviam no Rio de Janeiro há gerações, mas mantinham quatro propriedades rurais no interior de São Paulo. Osvaldo, Otávio, Sérgio e Renato Rocha Miranda repartiram as terras do pai, Luís, depois que ele faleceu, em 1915. O caso ilustra, na prática, o ideário eugênico relacionado principalmente à educação por meio do trabalho que permeava o país naquele momento [ver artigo...página XX]. 59 alqueires

Ao que tudo indica, Osvaldo Rocha Miranda, ex-proprietário da Santa Albertina, um dos “benfeitores” do orfanato masculino carioca Romão de Mattos Duarte, que pertence até hoje à Irmandade de Misericórdia, no Rio de Janeiro, escolhia as crianças pessoalmente e as retirava para trabalhar em suas terras sob um contrato de tutelato. O documento tinha o aval tanto do juiz de menores da época quanto da madre superiora da instituição. Os meninos que não fugiram ou morreram permaneceram na localidade entre 1933 e 1945. Nunca receberam salário e, por vezes, eram submetidos a castigos corporais. Trabalhavam na lavoura junto aos adultos. Não tinham nomes, eram chamados por números, e permaneciam sob vigilância constante de um capataz. Este levava consigo instrumentos para castigar fisicamente os meninos e andava sempre acompanhado de dois cães pastores-alemães adestrados: Fiança e Veneno.

A ligação entre as fazendas Cruzeiro do Sul e Santa Albertina, além de familiar, é ideológica. Por mais que as histórias sejam distintas, elas se cruzam em determinados pontos. Os irmãos eram simpáticos à ideologia autoritária: Sérgio Rocha Miranda marcava com a suástica tijolos da estrutura de todas as construções da fazenda, o lombo do gado de exposição, a bandeira da propriedade, que era erguida no mastro, ao lado das bandeiras do Estado de São Paulo e do Brasil. Já o irmão Osvaldo era membro da Câmara dos Quarenta da Ação Integralista Brasileira, com outros dois irmãos, também proprietários de terras na mesma região. Em sua fazenda, os órfãos, mesmo sem ter sapatos, recebiam uniforme de cor verde, engomado, contendo o sigma integralista na braçadeira e no chapéu, para ir a festas nos fins de semana na cocheira da fazenda Cruzeiro do Sul. Os moradores da Santa Albertina, segundo relatos de pessoas que viveram ali, se cumprimentavam gritando “Anauê”, com a mão erguida acima da cabeça.

A história, além de aparecer em vestígios deixados em documentação da época, como o livro de entrada e saída de órfãos no educandário, está ativa na memória de seu Aloísio Silva. Durante décadas, ele foi chamado de “Vinte e Três”. Seu Aloísio tem 89 anos, mora em Campininha. Nesta cidade, morou a maior parte dos órfãos que, de um dia para o outro, foram “liberados”, de acordo com o termo usado por seu Aloísio. Com a doença e posterior morte de Osvaldo Rocha Miranda, em 1945 – período que coincide com a derrocada dos ideários autoritários no Brasil e, principalmente, na Alemanha nazista, país com o qual os Rocha Miranda mantinham relações comerciais estreitas –, o jovem herdeiro, Renato Rocha Miranda Filho (sobrinho de Osvaldo e Sérgio, que morreram solteiros, sem deixar filhos) liberou o grupo, agora já adulto. Sem rumo ou qualquer dinheiro, alguns ficaram pela região e voltaram a trabalhar para a família, como Aloísio e os falecidos José Alves de Almeida, o “Dois”, e Roque. Outros tentaram a sorte longe dali, muitos morreram no caminho.

Em um primeiro encontro, seu Aloísio pode parecer um homem de poucas palavras. As rugas profundas na face e as mãos ainda calejadas mostram o passado de muito trabalho debaixo de sol quente. Na fazenda, quando pequeno, cuidava dos animais, penteava a crina dos cavalos, capinava. Hoje em dia, seu Aloísio vai ao baile da terceira idade todo domingo. Não bebe, tampouco fuma. Nem sempre foi assim, era homem brabo, chegado à pinga – as pessoas da região o chamavam, à época, de “Nego Bêbo". Com o tempo e a curiosidade do povo, ele ganhou amigos para conversar. A memória antes soterrada pelos anos passou a ser pulsante, e hoje ele já consegue falar da infância com tranquilidade. Se no passado era “Nego Bêbo”, agora Aloísio Silva é respeitado na cidade. Ele se diz revoltado, injustiçado. Reclama que, ao ter sido tirado do Rio de Janeiro, naquele 16 de novembro de 1933, todas as chances de conhecer sua mãe foram por água abaixo. Só soube o nome dela, Maria Augusta, depois que o professor Sidney lhe mostrou a documentação encontrada no arquivo do educandário. Certidão de nascimento mesmo, os meninos não tinham. Seu Aloísio acha que foram queimadas quando eles chegaram à fazenda, já que, ao serem levados do Rio de Janeiro, cada um tinha o próprio registro de identidade.

A história contada por ele é rica em detalhes: a primeira leva de dez meninos do orfanato Romão Duarte foi escolhida a dedo por Osvaldo Rocha Miranda, com auxílio de seu motorista, André: “Ele recuou nós tudo num canto, no quintal de brincar. Aí colocou nós empilhado ali e ficou no passadiço em cima, com um saco de bala. Aí, de lá de cima, o major Osvaldo Rocha Miranda jogava um punhado de bala. E nós ia catar que nem galinha catando milho”, lembra com amargura. “Nós não sabia de nada... Então ele ia olhando e apontava com uma vara: André, põe esse pra lá, põe esse pra cá. Ele apartou dez da nossa turma. Na segunda vez que ele jogou as balas, nós já foi catar tudo com medo, assombrado, olhando pra cima. Nós não sabia o que ia fazer com nós. Depois que ele fez a escolha dele, falou: André, solta os outros”, conta. Os mais rápidos, espertos e fortes eram selecionados para o grupo da fazenda – critério muito semelhante ao utilizado para separar os prisioneiros que trabalhariam dos que morreriam nos campos de concentração nazistas, mantidos pelos alemães justamente no mesmo período.

Vestindo seu habitual chapéu de feltro preto e calçando botinas de couro branco, Aloísio Silva revela, com momentos de silêncio profundo, que, depois de serem escolhidos, os meninos com idade entre 9 e 11 anos ficaram oito dias em estado de isolamento até serem levados por carros da polícia à estação de trem D. Pedro II, a Central do Brasil. A promessa era de uma vida boa no campo. Após pegar a maria-fumaça, os meninos foram até a estação Engenheiro Hermillo, em Campininha. “Quando chegamo na fazenda, já tinha um tutor lá – um paraibano ruim, ruim mermo – para tomar conta de nós. Andava com uma vara de marmelo e uma palmatória com cinco furos na ponta, pra caso de nós desobedecesse. Era uma vida muito difícil aqui naquele tempo. A mão da gente chegava a sangra que a gente nem conseguia escreve na escola no dia seguinte”. Em dia de sol quente, ficavam com os pés escaldados, mas não eram poupados da labuta.

Os 50 meninos foram em três levas para a Santa Albertina – entre 1933 e 1934. No primeiro ano, cursaram a quarta série na escola. Tinham aula com a professora Olívia, uma senhora muito boa que, “coitada, não podia fazer nada”, segundo seu Aloísio. Documentos redigidos por funcionários da delegacia de Itapetininga, na época, mostram que as fazendas do entorno também utilizavam o trabalho no campo como aliado à educação dos filhos de empregados. Mas, no caso dos órfãos do Romão Duarte, o esquema era diferente: eles permaneciam isolados dos demais moradores e só podiam deixar a propriedade acompanhados pelo capataz. Alguns meninos jogavam bola contra times da região, mas sempre vigiados.

Seu Carmo Gomes, morador de Campininha, hoje tem 78 anos. Ele era pequeno quando tudo aconteceu. Relata que assistia às partidas de futebol dos times das fazendas, gostava de ganhar doces comprados pelo vigia das crianças, que sempre pagava tudo em boró. “Dizem que eles não tinham salário, mas eu gosto até de esclarecer isso, porque tinha esse homão, o Icho, que ia na venda, e comprava pra nós gasosa (refrigerante), bala, rosca, doce. Comprava e pagava, mas pagava com um vale que tinha nome de boró. Naquele tempo, era o dinheiro da fazenda. Era o dinheiro que valia. Só tinha uma venda na cidade. Aí eles aceitavam o boró e depois trocavam por dinheiro no escritório”. Uma forma de disfarçar a escravidão: os vales, fora da região, não valiam nada.

Considerado o historiador de Campininha, seu Carmo conta a história das fazendas de maneira muito nostálgica. Ressalta, a todo o momento, o passado de alegria e felicidade, e como tudo era bonito e movimentado. “Nossa vida era muito alegre aqui, mesmo a dos meninos que vieram lá do Rio de Janeiro... Eu não sei a vida interna deles, porque eles não saíam muito, mas eles tinham o time de futebol, a escolinha, a banda...”. E conta que as crianças da Santa Albertina, nos fins de semana, iam às festas na Cruzeiro do Sul. Tocavam, faziam barulho para que os bois de raça – com nomes e devidamente registrados com documentos e certidões de nascimento, ao contrário das crianças – se acostumassem com multidões e não dessem trabalho nas competições, em feiras agropecuárias. “A gente via aqueles animais de raça, touro, cavalo, que iam para as exposições também, tudo com a marca da suástica no lombo, que nem o tijolo... A gente achava bonito, diferente”, relata.

Seu Carmo chegou a ser amigo de Renatinho, o Renato Rocha Miranda Filho, sobrinho de Osvaldo e Sérgio, herdeiro de suas fazendas, que também não se casou. Morreu solteiro e deixou as terras para dois sobrinhos e também para os filhos de um empregado que morava com ele, Manezinho, o primeiro marido de d. Senhorinha, a atual esposa de Tatão – o homem que encontrou os tijolos com o símbolo nazista. Os sobrinhos Rocha Miranda, vivos, moradores do Rio de Janeiro, não aceitaram dar entrevista até o fechamento desta reportagem. Eles estão consultando os advogados sobre o caso, porque discordam da história pesquisada por Aguilar Filho.

Uma descoberta recente, no entanto, só reforça a tese sobre a violência vivida pelos órfãos da Santa Albertina. No interior do Paraná, à beira do Rio Iguaçu, vive Marujo, um senhor de quase 90 anos que já passou por altos e baixos na sua trajetória surpreendente. De escravo na fazenda, Argemiro dos Santos virou herói nacional: serviu à Marinha durante a Segunda Guerra Mundial, venceu o inimigo trabalhando nas caldeiras de um navio e sobreviveu para contar a história – sua história. Foi também engraxate, mendigo, jogador de futebol, boxeador. Já adulto, acompanhava o carnaval nas ruas da “saudosa” Lapa, bebia, “corria atrás de um rabo de saia”. Toca trompete, ou pistom, como costuma dizer. Já fez parte de uma banda com integrantes da terceira idade embalando boleros, valsas e marchinhas de carnaval, tocando em aniversários e outras festas. Hoje, passa as tardes “tomando uma gelada” e contemplando o jardim na varanda de sua casa, ao lado da esposa, d. Guilhermina, com quem está casado há 61 anos.

Marujo deixou o tempo soterrar as lembranças de sua estada na Santa Albertina. Usou o trauma como força motriz de uma vida sofrida, sempre se superando, sem medo do que vinha pela frente. Nunca contou a história da infância para ninguém da família, que só soube do assunto há poucos meses, após a visita de Aguilar Filho e, recentemente, da Revista de História. Seu Argemiro fugiu da fazenda quando tinha 13 anos: um belo dia, esperou a noite cair e deu no pé. Ninguém mais soube dele. “Eu falei pra mim: vou cair é fora desse negócio! Fui andando, peguei um caminhão até a estação Engenheiro Hermillo e fiquei lá escondido. Quando apareceu o trem, eu fui lá e, pum! Entrei e fui parar em Sorocaba. Aí fiquei ali engraxando. Era jornaleiro, dormia num banco na praça. Mas logo caí fora, pensando em jogar futebol. Eu era bom de bola. Fui pra São Paulo”. Na capital, ouvindo o programa de rádio “Repórter Esso”, soube que a Marinha precisava de voluntários para a guerra. “Aí eu falei: opa! Se é pra morrer, vou morrer na guerra! Morrer sendo engraxate?”. E foi assim que Argemiro Santos virou Marujo. Fixou-se pela primeira vez na vida em Foz do Iguaçu. Chegou lá como voluntário numa expedição da Marinha. Um olheiro de futebol o chamou para jogar no time local, ABC. Logo se apaixonou, casou escondido, constituiu família e teve três filhos.

Na fazenda Santa Albertina, ele cuidava dos bichos e capinava. Lembra-se dos castigos com palmatória, do uniforme com marcas do integralismo que usava nos fins de semana e das festas na Cruzeiro do Sul, sempre regadas à cachaça. Confirma boa parte das lembranças narradas por Aloísio Silva. Conta com vivacidade sobre o cumprimento comum do dia a dia: “Anauê!”, grita ele esticando o braço. E explica: “Ah, isso era como bom dia. Bom dia! Anauê! Era assim que nós falava.” Apesar dos detalhes que vêm e vão à cabeça, seu Argemiro não se lembra de ser chamado por números, tampouco sabe o nome de qualquer funcionário da fazenda, criança ou adulto. Também nunca soube o nome da mãe. Tomou conhecimento disso só recentemente, quando descobriu que é mais velho do que pensava, pois foi deixado na roda dos enjeitados com 2 anos. Pelo menos é o que consta no registro das freiras do orfanato no dia 7 de abril de 1926, data em que comemora o nascimento.

“Quando ouço gente dizendo que sofreu, é porque não sabe pelo que eu passei. Tive uma vida muito dura antes de chegar aqui em Foz (do Iguaçu)”, lembra. Mas Marujo não se sente injustiçado e muito menos denomina o período na Santa Albertina como escravidão, assim como os moradores de Campininha.

“Nunca precisamos de nada.” Essa é a forma como d. Diva, nascida e criada em Campininha, que foi governanta na fazenda Santa Albertina, descreve sua situação trabalhista no passado. Mas dinheiro, ela não recebeu por muito tempo. Só foi receber salário no fim dos anos 1970, quando a administração mudou.

D. Diva é viúva de José Alves de Almeida, o Dois, o órfão que, depois de liberado, continuou trabalhando na Santa Albertina para o herdeiro, Renatinho: “Ele tinha tudo o que precisava, mandava e desmandava na fazenda. Seu Renato era muito bom, sempre dava roupa. Dinheiro que sobrava das compras.”O Dois vivia para cima e para baixo com o patrão. Seu Aloísio conta que José Alves chegou a estudar culinária no Rio de Janeiro depois de adulto, a mando da mãe de Renatinho, que “pegou ele pra criar”. “Ela levou o Dois pro Rio, ensinou a falar direito, escrever direito. Nós chamava ele de Zé Pretinho, porque ele era bem pretinho mesmo. O apelido pegou.”

Segundo o filho de José Alves de Almeida, Reginaldo, o apelido de Zé Pretinho é mais antigo. A madre superiora do orfanato foi quem começou a chamá-lo assim. Ele o criou desde pequeno até quando o menino foi mandado para a fazenda. Dois, ao que tudo indica, não fazia parte da criteriosa escolha de Osvaldo Rocha Miranda. Foi enviado junto com os outros porque “fez malcriação” para as freiras. Era para ele “aprender a se comportar”. Ao partir, deixou no Rio a irmã Judith, que chorou dias a fio, na parte feminina do educandário, de saudade do irmão. Eles voltaram a se encontrar depois de décadas, quando Dois já se chamava José Alves de Almeida, o cozinheiro da família Rocha Miranda.

Muito simpática, d. Diva é uma senhora de quase 80 anos, irmã da falecida d. Alice, cujo endereço profissional era a fazenda Retiro Feliz, propriedade de veraneio dos alemães Arndt von Bohlen Krupp e Annelise von Bohlen Krupp, mais conhecida como Madame. Antes da década de 1950, as terras pertenciam a Otávio Rocha Miranda, também membro da Ação Integralista Brasileira e irmão de Osvaldo e Sérgio. Arndt era um jovem da alta sociedade europeia, filho renegado de Alfried Krupp, um dos donos do conglomerado de empresas Krupp – conhecidas por produzirem armas de fogo utilizadas na Segunda Guerra. Coincidentemente, os Rocha Miranda tinham relações comerciais com essas empresas. Alfried, em 1948, foi condenado por exploração de mão de obra escrava na Alemanha.

Nas idas e vindas da memória, percebe-se que Campininha até hoje é marcada por vincos de silêncio sobre um passado incômodo. A opressão e a violência ainda se escondem dentro da parede maciça do esquecimento. Uma história suja, que começou a ser revelada por porcos. Quem saiu de lá, como Marujo, consegue revisitar o passado com menos rancor. Quem ficou, como seu Aloísio, tenta esconder as lembranças. Quando perguntado a respeito do momento mais marcante na fazenda, ele pensa, repensa e solta: “Sabe que... Nem triste, nem feliz. Para mim, aquele lugar nunca existiu.”

Saiba mais - Bibliografia

AGUILAR FILHO, Sidney. “Educação, autoritarismo e eugenia: exploração do trabalho e violência à infância desamparada no Brasil (1930-1945)”. Tese de doutorado. Campinas, SP: [s.n.], 2011.

www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000807532&opt=4

AGRADECIMENTOS:

Seu Aloísio Santos, Ditinho, d. Diva, Tatão, d. Senhorinha, d. Gibinha, Sidney Aguilar Filho, seu Carmo Gomes, seu Argemiro Santos, Darley Santos, d. Guilhermina, Alexandre Palmar, Philippe Noguchi.

Fonte: Revista de História
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/entre-a-suastica-e-a-palmatoria-1

sábado, 8 de dezembro de 2012

A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 04

6. Negro Contra Negro

Em 1921, o Estado do Mato Grosso ofereceu concessões de terras para empresários americanos. Quando souberam do recrutamento de trabalhadores afro-americanos para ocupar tais terras, imediatamente, o presidente do Estado, um bispo católico, cancelou as concessões. O Itamarati, em medida preventiva, deliberou negar vistos diplomáticos para esses potenciais imigrantes.30 Dada a preocupação da elite em evitar o "enegrecimento" do país, dois deputados federais — Andrade Bezerra (PE) e Cincinato Braga (SP) — apresentaram o Projeto de Lei nº 209 no Congresso, após o episódio, em 1921, propondo a proibição da entrada de imigrantes negros. Sem apoio político suficiente, o projeto foi arquivado; todavia, a idéia permaneceu viva. Dois anos depois, um outro deputado federal, Fidélis Reis (MG), apresentou uma nova versão do projeto cuja essência continuava sendo a barreira de cor.31 A repercussão na opinião pública teve desdobramentos na "imprensa negra", que mediante uma série de artigos não escamoteou sua posição sobre a matéria:
A imigração negra norte-americana prejudica a solução do problema negro brasileiro e ameaça a harmonia da raça e a paz da nação.
Estamos alistados no exercito daquelles que combatem em todo e qualquer terreno, a invasão do negro norte-americano no nosso paiz.
Apoiamos francamente attitude patriotica assumida pelo governo ante a grave ameaça da immigração negra, e a combateremos pela pena e pela palavra porque ella representa, indiscutivelmente, o maior prejuiso para a solução do problema negro brasileiro. (Getulino, Campinas, 23/9/1923:1)32

Assim, quando se cogitou a imigração de negros norte-americanos para o Brasil, a "imprensa negra" reagiu com repulsa. Os motivos eram diversos. Um dos argumentos era que tais negros transplantariam o ódio racial para nosso país, representando uma "ameaça à harmonia e à paz da nação". Como a fusão das raças implicaria, necessariamente, o desaparecimento do negro, a entrada de negros americanos iria retardar este processo:
A vinda dos negros norte-americanos será o golpe de morte para aquela obra mathematica, do desapparecimento gradativo da raça negra no Brasil. (Getulino, Campinas, 23/9/1923:1)

Os autores destes artigos avaliavam o negro norte-americano como refratário à miscigenação; logo, sua presença no país colocaria em risco o projeto de branqueamento, embora cientes de que a imigração estava orientada politicamente por uma conotação racista: contra negros, índios e asiáticos, os articulistas defendiam a entrada de imigrantes como necessidade. Portanto, a questão devia ser colocada nos seguintes termos: qual era o imigrante mais conveniente para resolver o problema do negro?33
Não cuidamos de saber se, por exemplo, a imigração russa nos e prejudicial ou util. Ignoramos se nos convem ou não que para aqui afluam correntes de israelitas. Nesse ponto, podemos dizer que apenas somos unanimes quando se trata da immigração de pretos.34

Apesar da dúvida quanto à qualidade étnica dos estrangeiros que entraram no estado de São Paulo, era praticamente consensual a rejeição da "immigração de pretos". Os vários grupos étnicos aceitos pela política imigratória do estado renovavam a esperança de branqueamento. Por isso, a seleção racial passava estritamente pelo critério: ser de "raça branca", independente da origem nacional do imigrante.

Considerações Finais

O fenômeno do branqueamento tinha a "proeza" de ocultar o racismo anti-negro que trazia na sua essência Este fenômeno foi levado a cabo de maneira acentuada pela elite paulista no início do século XX, sendo difundido intensamente pelo discurso científico e previsões estatísticas. Já sua dimensão ideológica, penetrou e foi compactuada ou absorvida por uma fração da comunidade negra, sob a forma de branqueamento: "estético", "biológico" e "social". O paradigma branco de beleza, comportamento, moral, mentalidade, etiqueta e cultura, foram assimilados e reassimilados, total ou parcialmente, por alguns membros daquela comunidade. O embuste racial chegou ao extremo de alguns negros repudiarem a hipótese do Brasil e, em particular, São Paulo, receber imigrantes do mesmo grupo racial, fossem estadunidenses ou africanos, pois temiam o "enegrecimento" do estado.

Como escreve Iray Carone, o branqueamento foi "uma pressão cultural exercida pela hegemonia branca, sobretudo após a Abolição da Escravatura, para que o negro negasse a si mesmo, no seu corpo e na sua mente, como uma espécie de condição para se integrar (ser aceito e ter mobilidade social) na nova ordem social" (Bento & Carone, 2002:14). Em linhas gerais, essa também é a explicação de Florestan Fernandes, para quem só é possível entrar no "mundo dos brancos" passando por um "processo de abrasileiramento que é, inapelavelmente, um processo sistemático de embranquecimento" (Fernandes, 1972:16).35 Contudo, é necessário repensar essa interpretação corrente de conceber branqueamento como sinônimo ou pré-requisito da integração do negro na sociedade de classes. Segundo Maria Aparecida Silva Bento, "isso decorre do fato de que essa sociedade de classes se considera, de fato, como um ‘mundo dos brancos’ no qual o negro não deve penetrar" (Bento & Carone, 2002:52). Já Angela Figueiredo vai mais longe, postulando que "quase todos nós nascemos embranquecidos, visto que há uma predominância dos aspectos da cultura branca — se é que assim podemos denominá-la — em nossa sociedade, e só enegrecem ou se tornam negros ao longo dos anos os que optam por incluir em suas vidas os aspectos identificados com a ‘cultura negra’ e se tornam curiosos em conhecer o seu passado" (Figueiredo, 2002:104).

De toda sorte, foi possível inferir que a ideologia do branqueamento no início do século XX em São Paulo deformou as relações raciais: contribuiu para desenvolver, no branco, um certo complexo de superioridade e, no negro, em contraposição, um complexo de inferioridade. Os brancos, independente da classe social, produziram uma auto-representação positiva e concebiam seus valores como naturalmente superior. Já alguns negros, construíram uma auto-imagem negativa e passaram a se avaliar como inferiores.36 Na verdade, estabeleceu-se um círculo vicioso: quanto mais profundos os traumas do racismo, mais o negro ajustava seu comportamento e atitudes de acordo com a ideologia do branqueamento; quanto maior os ataques racistas, mais profundos eram os traumas. Nesse sentido, a interiorização da ideologia do branqueamento pelo negro deve ser entendida como um mecanismo psicossocial, utilizado para evitar as agruras do racismo à paulista.

Referências Bibliográficas

Neste link do texto original no Scielo.

*Este texto é a versão parcial e reajustada de um dos capítulos da minha dissertação de mestrado, intitulada Uma História Não Contada. Negro, Racismo e Trabalho no Pós-Abolição em São Paulo (1889-1930), FFLCH/USP, 2001. Agradeço às valiosas sugestões dos(as) pareceristas da revista para a melhoria deste artigo.

NOTAS

30. Ao consultar o arquivo do Itamarati, Jeff Lesser constatou que, em 1921, "o ministro das Relações Exteriores, José Manoel de Azevedo Marques, temendo a entrada de afro-americanos no País, instruiu a Embaixada do Brasil em Washington e os consulados a recusar vistos para todos os ‘imigrantes negros destinados ao Brasil’" (Lesser, 1994:85).

31. Uma análise desses projetos encontra-se em Skidmore (1976:212-16) e em Souza Ramos (1996:65-8). Como afirma este autor, para a elite "o risco da imigração de negros norte-americanos, para além de sua suposta inferioridade racial, consistia na possibilidade de que não se fundissem, seja fisicamente ao trabalhador nacional, seja simbolicamente à cultura brasileira" (ibidem:79).

32. "Fomos sempre, intransigentemente, contrarios á entrada dos negros norte-americanos no Brasil, isso porque não era um individuo que buscava agasalho em nossa Patria, mas um bando de homens que prentendia invadir a nossa terra, trazendo além da differença de costumes, de habitos, de tradições e de lingua, o odio indomavel à raça branca existente nos negros ‘yankees’" (Getulino, Campinas, 24/2/1924:1). Ver, também, 30/9/1923.

33. Quando Ford resolveu montar uma unidade exploratória dos recursos minerais e reservas naturais no norte do país em 1929, voltou aos noticiários a polêmica da imigração de negros americanos. Os jornais eram radicalmente contra que se importasse trabalhadores negros. "Os comentários a respeito da propalada emigração de negros americanos para o Pará (concessões do Tapajos) promovida pela empresa Ford parece que foram precipitadas (Progresso, São Paulo, 28/7/1929).

34. "Colonias extrangeiras" (Progresso, São Paulo, 31/1/1930:1).

35. Tal assertiva, igualmente, encontra-se em Cardoso & Ianni (1960:224).

36. Roger Bastide destacou a ambigüidade da ideologia racial construída pelos negros: "há pois uma ambivalência nessas ideologias, um flutuação entre o racismo puro, o orgulho da cor, e um sentimento de inferioridade, que leva à imitação do branco, à adoção dos seus pontos de vista, e à tentativa de apresentar a imagem de um negro branco" (Bastide & Fernandes, 1959:167).

Fonte: Scielo (Estud. afro-asiát. vol.24 no.3 Rio de Janeiro 2002)
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-546X2002000300006&script=sci_arttext
Autor: Petrônio José Domingues

Ver também:
A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 03
A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 02
A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 01

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 03

4. A Ideologia do Branqueamento nos Contos da "Imprensa Negra"

Enquanto representação do real, a literatura tem a capacidade de captar os sentimentos e desejos mais ocultos da alma humana de uma época, que não são codificados racionalmente. Já como mecanismo ideológico, a literatura cumpre o papel de transmitir os valores ideológicos da dominação, seja de classe, de gênero ou de raça.

Tendo em vista um recorte racial, é possível sustentar que alguns escritores da "imprensa negra", no início do século XX, submetiam os textos ficcionais à orientação mais geral da ideologia do branqueamento. Na amostragem qualitativa coletada, explicaremos de que maneira este fenômeno perpassava todo o universo mágico dos contos destes autores.

Em um conto intitulado Episódio da Revolta da Ilha de São Domingos o autor descreve como os negros se insurgem contra a opressão escravista, conquistam a liberdade e resolvem vingar-se de todas as atrocidades cometidas pelos brancos. "Então matam, incendeiam, arrazam (sic) tudo que no seu caminho encontram". Todavia, é na parte central, quando é iminente a morte de uma camponesa "linda, loura, mais loura que uma filha de Albion", que podemos desvelar o imaginário branqueador do texto.

A multidão de negros revoltosos prende a família de camponeses brancos. O líder dos revoltosos lança-se com um punhal sobre a cabeça da camponesa, mas, subitamente, um outro negro intervém:
Mas, oh milagre! Outro preto obsta que seu chefe consumma aquelle acto! Porque! Porque elle ama. Ama com toda a sua alma aquela moça.
Então ella o reconheceu e suas faces que estavam lividas tornaram-se vermelhas como o carmin, teve vergonha, tinha-o insultado e agora ella via claramente aquella scena em que ella lhe dissera, no auge da raiva, — que negro não era gente, elle jurou vingar-se.
Ela agora estava arrependida de o ter dito. Então negro não era gente? Por que? Seriam talvez os brancos melhores que os pretos? E ella, que sem dizer palavra, soffreu naquelle momento como soffreram os virtuosos apostolos de Christo. (O Menelick, São Paulo, 1/1/1916)

Surpreendido com a atitude do companheiro de luta, o líder dos revoltosos lembrou ao destemido apaixonado da lei de justiçamento para todo aquele que desrespeita sua autoridade. Então, este negro, em um ato de coragem, entrega-se no lugar de sua "loura" e, imediatamente, é aprisionado ao pé de uma árvore. Sem cerimônias, o infeliz foi executado, cumprindo:
[...] a terrível lei que era imposta a todos que desejavam a vida de quem quer que fosse — a morte — e elle docemente morreu, morreu como um bravo, morreu por amor de uma branca, cumprindo assim d’um modo sublime o seu juramento.
E agora junto ao cadaver puderam dizer: que os negros são tão gente como os brancos. (idem)

Do ponto de vista do imaginário, o personagem negro é inferiorizado em relação ao branco. Quando discriminado, aquele promete vingar-se, na primeira oportunidade, das ofensas da "loura". Ao libertar-se dos grilhões, entretanto, o negro releva todas as humilhações que sofreu da musa de seus sonhos. Mais: expressa sua paixão avassaladora por ela. Em um gesto de amor, renuncia à sua própria vida para salvá-la.

A estrutura do conto é idílica. Estamos diante do que podemos denominar do amor impossível: um homem negro jamais seria correspondido afetivamente por uma mulher branca. O personagem negro representa a figura do anti-herói. Seu final é infeliz e trágico. Em um sentido amplo, a morte do rejeitado simboliza a extinção da raça negra, ao passo que a preservação da vida da mulher celebra o triunfo da "raça branca". Em outra perspectiva, podemos aventar que apenas na morte o negro se iguala ao branco, ou seja, quando ele deixa de existir, não significando mais nenhum tipo de ameaça no mundo real. Somente assim haveria o reconhecimento de sua humanidade. No final, cumpria-se a profecia do branqueamento.

O conto "Quando o Coração Falla" narra a história de um negro, mais uma vez sem nome, que na adolescência, em 1899, foi convidado por alguns amigos para assistir a uma opereta na casa de espetáculo da comunidade italiana e se apaixona pela atriz principal da companhia, "a bela, garbosa e minuscula Cesira".

Em uma das apresentações, o negro foi convidado para procurá-la no camarim do teatro. Sem delongas, assim o fez:
Não, Cesira, não creio! Vejo que tudo isto é um sonho. É demasiada felicidade para mim!... Faça-me ouvir com tua voz maviosa, o que há pouco me dissestes... Não creio que tambem tu esperavas por este instante supremo. Repita-me que muito me queres... E frenetico, acariciava seus perfumados cabellos fios de ouro, beijava-lhe a face encantadora, os olhos negros, o pescoço torneado e branco, e... tornava a extasiar-me fitando-a demoradamente (O Clarim da Alvorada, São Paulo, 3/2/1924:1)

Ao terminar o espetáculo, o negro acompanhou-a até o hotel, causando admiração entre seus amigos:
Assim, por muitos e interminaveis dias, durou o nosso hydillio, até que por uma fatalidade fomos obrigados a nos separar.
Dessa data são decorridos 24 annos e, guardo ainda indelevel, na memoria e no coração, a lembrança desses dias. (idem)

A estrutura do conto é semelhante à receita do anterior. Um homem negro se apaixona por uma mulher branca e insanamente alimenta o sonho de conquistá-la. Porém, devido a uma fatalidade — não descrita — ele tem que se afastar dela, mas jamais consegue esquecê-la, ou seja, a musa encantadora, de "pescoço torneado e branco", continua a hipnotizá-lo, sobretudo pelo seu padrão de beleza, que, daquele dia em diante, nortearia sua preferência na escolha de novos relacionamentos. Cesira passou a ser o seu ideal de mulher. Estamos diante de um caso de amor inter-racial impossível. Um dos aspectos mais importantes da "ideologia da brancura", detectado implicitamente, consiste no fato de o negro apenas sentir-se plenamente realizado com uma branca. Impossibilitado de realizar seus planos, ele amargura na dor da saudade.

Em outro conto, batizado de "A Quem me Entender", um negro, convidado pelos amigos, vai a uma "simples, mas encantadora reunião familiar". No local da tertúlia, estava conversando despretensiosamente com os convidados, mas, de repente, olhou para uma mulher (branca, provavelmente loira) que, inexplicavelmente, o fascinou. Foi amor à primeira vista. Ascendeu no seu coração um sentimento platônico.

No entanto,
"[...] passada aquella ephemera chimera, em que fiquei totalmente subjugado por seus attrahentes olhos azues, bem poucas vezes a tenho visto. Em compensação, noticias suas jamais deixei de tel-as, portanto quanto mais tempo não a vejo mais impaciente e com saudades permaneço". (O Clarim da Alvorada, São Paulo, 3/3/1924:1)

Verifica-se que, novamente, o personagem negro é um sujeito sem nome; desprovido de identidade. A ausência de identidade, transportada para toda a coletividade, é o requisito básico da invisibilidade do negro. Essas características demonstram de forma cabal o ideal de branqueamento dos autores dos contos escritos para os jornais da "imprensa negra".

O último conto analisado dessa breve seleção é "O Lenço de Maria". Ambientado na época da escravidão, narra a história de um escravo que ama sua sinhá. Depois de sofrer algum tempo em função da paixão reprimida, Halibrach resolve abrir o seu coração, em um passeio pela fazenda, e declara-se para Maria:
[...] atirando-se de joelhos aos seus pés implorou a felicidade que tanto almejava.
A moça commovida pelas apaixonadas phrases que se escapavam dos labios de seu escravo, levou o lenço aos olhos para enxugar duas lágrimas! (Getulino, Campinas, 30/9/1923)

Embora sensibilizada com seu escravo, a Sinhá não oculta o caráter utópico daquele voluntarioso caso de amor. O sentimento que aflora é de piedade pela humilhante atitude daquela infeliz criatura. Frustrado com a reação de seu amor, Halibrach resolve atentar contra sua própria vida.
Maria, exclamou Halibrach louco, minha não serás nunca, porém, eu tambem não mais serei do mundo!
Halibrach que vaes fazer?
Senhora, vou matar-me...
Oh! não, não!
Sim Maria adeus! E que esse lenço humedecido com tuas lagrimas me acompanhe ao silencio da tumba!
E, arrebatando das mãos da moça o perfumoso lenço que ella trazia desapareceu por entre os arvoredos do jardim!
Pela manhã, quando o sol brilhante repraiava os seus raios, doirando a selva das campinas, um corpo gelido repousava sobre um canteiro de saudades! Era Halibrach morto!Porem, elle não foi assim tão infeliz nos seus amores, porque levou para a gelidez do tumulo o lenço ainda humido das lagrimas de Maria! (idem)

Reproduz ficticiamente a fórmula consagrada do amor inter-racial impossível. Para Halibrach, um negro com nome de branco, sem Maria nada mais faz sentido. A "linha de cor" a separá-los é indelével. O seu fim é trágico: morre em prol de sua branca. É curioso observar que o personagem negro recebe um nome justamente no episódio em que seu papel social de sujeição ao branco é nitidamente identificado (ibidem).26

Constatamos que a versão idílica do amor impossível do homem negro pela mulher branca pauta a mensagem simbólica dos textos. Isso revela que os contos eram um artifício de projeção do imaginário do negro no início do século XX, ou seja, o "inconsciente coletivo" negro transferia no outro — mulher branca — desejos, qualidades, virtudes, enfim, valores positivos desprezados ou recusados para si.

5. O Desaparecimento do Negro

Alguns artigos da "imprensa negra" eram explicitamente favoráveis ao desaparecimento do negro. Apesar de reconhecerem a contribuição indígena e africana na formação da nacionalidade, o multirracialismo era concebido como obra do passado. No Brasil, em geral, e em São Paulo, especialmente, estaria forjando-se um sistema unirracial. A construção da unidade racial, sob o eufemismo de "fusão das raças", passaria pela diluição do sangue negro, ou seja, pela sua extinção.27 A vontade destes negros era expressa da seguinte maneira:
O que devemos fazer é [...] o seguinte:
Não pretendemos perpetuar a nossa raça, mas, sim, infiltramo-nos no seio da raça privilegiada — a branca, pois, repetimos, não somos africanos, mas puramente brasileiros. (O Bandeirante, São Paulo, 9/1918:3)28

A nacionalidade nesse novo sistema racial não seria incolor, mas branca. A campanha ideológica da elite negra em prol do branqueamento era requisito necessário para solucionar "A Questão da Raça". Este foi o título de um artigo do jornal Auriverde:
Como esta surge como força negativa e anarchica, como a collaboração negra é considerada deprimente, o negro se isola, se individualiza e cria uma civilização sua, dentro da civilização alheia.
E por isso, o problema negro é considerado o problema mais serio da América do Norte.
O Brasil, abrindo-se para todas as raças e acceitando o negro como acceitou — resolveu com muito mais simplicidade o problema racial.
O negro está desaparecendo, está fundido no caminho dessa fusão, tem elle intensamente collaborado para a grandeza material e moral do Brasil.
Portanto, neste ponto, não invejamos a civilização yankee, por que, nesse ponto, obtivemos vantagens... (Auriverde, São Paulo, 29/4/1928:3)

O sistema racial estadunidense era evocado incessantemente para realçar as vantagens do modelo racial brasileiro, supostamente democrático. Lá, o negro enclausurou-se em guetos, tornando-se impermeável e conflituoso o contato com o branco; aqui, o negro foi aceito de braços abertos, fundindo-se no branco. A eventual "pieguice" do brasileiro facilitava o processo de branqueamento em curso, como assinala o artigo "O Sentimentalismo Brasileiro":
Nós brasileiros costumamos orgulhar-nos da nossa bondade de coração, da nossa piedade e sentimentalismo generosos. Convictamente affirmamos em dose mais elevada que os outros povos.
Pretendendo ser mais humanos que os americanos, nós não lynchamos os negros, mas fizemos a extinguirmos completamente a raça negra, abandonando-a á ignorância, á degradação ao analphabetismo, á promiscuidade, á cachaça, á syphillis, a ociosidade.
Qual é o preferível — é sentimentalismo brasileiro ou a brutalidade americana?
O nosso sentimentalismo não é homicida?
Daqui a trinta ou cincoenta annos a raça negra está extinta no Brasil graças ao nosso sentimentalismo.
Os americanos lyncham cincoenta negros por anno. Nós matamos a raça negra inteira no Brasil. (O Clarim D'Alvorada, São Paulo, 28/9/1929:4)

Desta vez, o sistema racial brasileiro era colocado face ao estadunidense para sinalizar qual seria o destino do negro. Embora fosse sentimentalista, o brasileiro era insensível à morte do povo negro. Mais: ele compartilhava do projeto de extermínio não declarado daquele segmento da população. Daí a pergunta: "o nosso sentimentalismo não é homicida?". Segundo o articulista, a execução do negro brasileiro, cuja extinção estava prevista para trinta ou cinqüenta anos, operaria "por atacado" enquanto a do negro americano aconteceria "a varejo".

A absorção biológica do negro pelo branco, gerada pela mestiçagem, seria acelerada pela imigração branca. Esta é a tônica do artigo "Desaparecerão os Pretos do Brasil?":
Muitos carecemos de renovar o nosso sangue por meio de correntes immigratorias européias. Porque o preto brasileiro, que do contrario de seu collegas norte-americanos, faz questão em se casar com mulher branca. Daqui a três quartos de seculo pertencera ao passado. (Progresso, São Paulo, 13/2.29)

Para o articulista, o branqueamento era causado, também, pela atitude do negro brasileiro que, ao contrário de seus "irmãos" americanos, fazia questão de casar com mulher branca. A estimativa de tempo para extinção do negro, novamente, era apresentada: setenta e cinco anos. A imigração européia era avaliada como fonte de higienização racial do negro. Este fenômeno adquiria maior velocidade em São Paulo, conforme apuramos em "Saneamento Étnico da População Paulista":
Não passaram despercebidos aos paulistas de quarenta anos atrás que, em vez de tentar agravar com o adicionamento de elementos de raças diversas, julgaram ser seu dever sanear e melhorar eugenicamente sua população pela introdução de grandes contigentes de sangue ariano. (Progresso, São Paulo, 24/11/1929)29

O artigo assegura que o projeto racial da elite paulista não foi obra do acaso. Com a entrada de milhares de imigrantes europeus, implementou-se em São Paulo a operação "saneamento étnico", baseada na eliminação de raças diversas, inclusive a negra, pela infusão do sangue ariano.

NOTAS

26. O curioso é que não se observavam enredos centrados em relacionamentos amorosos envolvendo homem brancos e mulheres negras.

27. Sobre essa questão, consultar Seyferth (1996).

28. O artigo "Fusão das Raças" era emblemático: "Como apressar a fusão das raças no nosso país? Sera these utópica e idealista, ou corresponde realmente esse anseio a uma necessidade nacional?! Não há tergiversar que salta a vista, ser problema nacional a fusão das raças, no Brasil. Um povo só se faz ‘nação unida’ quando dispõe de principios homogeneos civis, políticos ou religiosos, mas a nação só se faz forte só se funde em irmandade de sangue, sentido-se — ‘uma’ — em todo e em cada indivíduo. [...] com a diversidade das raças que para elle [Brasil] emigram, um dique e um limite, tendem a accentuar diversamente, os habitos e o futuro dos varios elementos da federação. E a crescer essa diversidade, na razão directa della, virá o enfraquecimento nacional" (Getulino, Campinas, 7/10/1923:1).

29. A denúncia do ideal de branqueamento impetrada pela elite política ou intelectual continuava: "Miguel Pereira e Belisario Penna affirmaram que e o Brasil um vasto hospital. E nos tememos affirmar que esse vasto hospital deriva da doença mais grave, que é o preconceito de raça e de côr, enfim a dor da mentalidade dos nossos dirigentes, deixando que pereça toda uma gente que e precisa ser substituída, porque é mestiça, porque é negra e devera ser branca, custe o que custar, mesmo a custa do esfacelamento do Brasil, pela vasa do aryanismo internacional immigrado" (O Clarim da Alvorada, São Paulo, 9/6/1929:1).

Fonte: Scielo (Estud. afro-asiát. vol.24 no.3 Rio de Janeiro 2002)
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-546X2002000300006&script=sci_arttext
Autor: Petrônio José Domingues

Ver também:
A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 04
A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 02
A ideologia do branqueamento no Brasil, o racismo brasileiro - parte 01

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