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sábado, 11 de maio de 2013

Os mischlinge e os soldados negros franceses

Segue abaixo um trecho importante do livro "Os Soldados Judeus de Hitler", de B. M. Rigg, livro que fala sobre o problema dos Mischlinge no regime nazi. A passagem fala sobre o tratamento recebido quando alguns oficiais recebiam a informação que determinado soldado era Michlinge, mas a passagem também cita o relato de um Mischling falando do tratamento dado a soldados negros franceses prisioneiros, tema abordado aqui (Resenha do livro "As vítimas africanas de Hitler: os massacres do exército alemão a soldados franceses negros em 1940"). Ler mais sobre o assunto na tag.

Trecho:
A dispensa do meio judeu às vezes era traumática. alguns sofreram séria humilhação. o comandante de Wolfgang Jordan fê-lo sair da formação, com toda a companhia em posição de sentido, e explicou que ele estava sendo dispensado por ser racialmente inferior. O comandante completou a papelada, e Jordan deixou sua unidade poucas horas depois, devastado pela humilhação pública. Richard Riesse foi mandado para casa, em Viena. Ali, primeiro teve de ir a uma repartição da SS, onde mediram sua cabeça e outras partes do corpo. deram-lhe um atestado oficial de meio judeu. Riess ficou assustado. Vira a SS estourar a cabeça de prisioneiros de guerra coloniais franceses e temia o que fariam com ele, outra pessoa "racialmente inferior". A SS simplesmente lhe disse que ele era indigno de servir à Wehrmacht, e o mandou embora dizendo: "Mazel Tov".

Karl Heinz Scheffler viu o tratamento dado aos prisioneiros de guerra negros como um indícidio do que os meio judeus deviam esperar. [42] Muitos tinham visto como os judeus-poloneses haviam sido tratados em 1939 e temiam ser tratados do mesmo jeito. Alguns meio judeus não sobreviveram ao anúncio de seu status racial o suficiente para ser formalmente dispensados. Quando Wilhelm Vielberth comunicou seu status racial, seu oficial sacou a pistola e o matou a tiros. [43]
Fonte: Os Soldados Judeus de Hitler; Bryan Mark Rigg, pág

Observação: sobre as tags (marcadores) dos posts, não são mero "enfeite" pois noto que muita gente quando acessa o blog não clica nas tags pra ver se encontra outro texto sobre determinado assunto. As tags são atalhos pra interligar os posts por temas, não pare no primeiro post que ler e confira também os outros posts clicando nas tags (por assuntos).

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Os "Mischlinge"

Discussão sobre a definição dos Mischlinge - 02/11/1935

A discussão abaixo, de 02/11/1935 sobre o status dos "mestiços" (Mischlinge), ocorreu devido à diferença entre a opiniões do Ministério do Interior do Reich, e do Dr. Wagner, Chefe Médico Oficial do Partido Nazista.

O Dr. Lösener, Perito do em Assuntos Judaicos do ministério, descreveu a discussão no memorando abaixo, e suas propostas foram incorporadas à primeira regulamentação da Lei de Cidadania do Reich, de 14/11/35. É interessante o modo como a burocracia do III Reich debatia sobre o status dos "Mischlinge". Vários aspectos (sociais, econômicos, "raciais", militares, diplomáticos) foram levados em consideração.

Discussão sobre a definição dos Mischlinge [Mestiços]

Memorando dos peritos do Ministério do Interior.

Fonte: Henry Friedlander & Sybil Milton, Archives of the Holocaust, Vol. 20 (New-York 1993) pp. 73-82.

Ministério do Interior do Reich e Prússia

2 de Novembro de 1935

Re: os regulamentos para a Lei da Cidadania do Reich e a Lei para Proteção do Sangue Alemão

1.

Comparação dos pareceres do Dr. Wagner e do Ministério do Interior. O propósito do regulamento é a eliminação da raça mestiça pela criação das exigências mais severas possíveis para a proteção da pureza do sangue alemão, contanto que os interesses políticos do Reich e o povo possam suportar. Ambas as versões estão concordam que os um-quarto-judeus devem ser considerados como pertencentes ao lado alemão. Eles diferem, entretanto, no tratamento dos meios-judeus. Na visão do Dr. Wagner, os meios-judeus deverão pertencer ao lado judeu, enaquanto a versão do Ministério do Interior sugere uma definição de acordo com o estilo de vida. Assim, por exemplo, aqueles que pertençam à religião judaica ou são casados com judeus seriam incluídos entre os judeus, enquanto a maior parte dos meios-judeus seriam tratados como eles realmente são:Eles deveriam em alguns aspectos serem contados como alemães, e em muitos outros aspectos da vida - como diferentes. A versão do Dr. Wagner é baseada principalmente em considerações raciais-biológicas. Ela tem portanto a vantagem de contar como judeus uma proporção maior de meios-judeus que a versão do Ministério do Interior. Entretanto, como a perspectiva do Dr. Wagner não considera muitos outros aspectos, ela leva a certas desvantagens e perigos para o povo alemão, que são prevenidas pela abordagem do Ministério do Interior. Estas desvantagens deveriam ter mais peso que a consideração racial-biológica da versão do Dr. Wagner.

1. Riscos político-raciais. Um meio-judeu será considerado como um como um perigo maior que o judeu puro, porque além dos traços judaicos, ele também tem muitos traços alemães. Esse não é o caso do judeu puro. Os judeus do Reich (cerca de 600.000) ganhariam um reforço de 130.000 pessoas (200.000 são casados com alemães), isto é, mais de um quinto dos números presentes. Isto não só lhes acrescentaria em números, mas também em massa genética alemã...

2. Manter uma legislação de mestiços que conta meios-judeus como judeus afeta somente seu status legal e não muda a situação sociológica ou aquela que é definida pelo sangue. Estes últimos objetivos são de fato os objetivos reais da legislação. Os judeus rejeitarão os meios-judeus em muitos casos, ou o meio-judeu rejeitará sua inclusão nos judeus. Esta definição não pode ser imposta a eles. Isto cria uma situação especialmente perigosa, porque os meios-judeus não estão realmente incluídos no povo judeu, mas estão emperrados entre as duas raças. Os meios-judeus que não tem pátria tornam-se facínoras com todos os perigos que esta identidade implica. Sua inteligência e suas capacidades especialmente desenvolvidas, resultantes principalmente da criação cuidadosa, os transforma inerentemente em inimigos primeiros do estado. Na versão do Dr. Wagner, os alemães de nascimento que são casados com judeus e um-quarto-judeus seriam somados a esse grupo.

3. Mantendo a fonte de agitação. Os meios-judeus definidos como judeus não se deparam com praticamente nenhuma opção. Ao contrário dos judeus, eles dificilmente podem emigrar, porque os países estrangeiros os consideram como alemães e não como judeus. Eles dificilmente podem adquirir uma profissão na Alemanha, porque somente as profissões judaicas estão abertas a eles, e no treinamento vocacional eles seriam superados pelos judeus puros.

4. Considerações políticas e de defesa. Dos 200.000 meios-judeus, cerca de 100.000 são homens. 40-45.000 deles estão presentemente em idade de alistamento militar. Daqueles que sobram, aproximadamente 30.000 jovens em algum momento alcançarão aquela idade. Embora a versão do Dr. Wagner inclua meios-judeus que se casem com alemães no grupo a ser alistado, eles logo serão dispensados pelo exército por causa da sua idade avançada. Sua idade não lhes permite serem alistados para serviço ativo em nenhum caso. Aqueles que são solteiros, isto é, um grande número de jovens, não serão levados pelo exército de acordo com a versão do Dr. Wagner, assim como todos os jovens que um dia alcançarão idade de alistamento. O mesmo aplica-se a alemães puros casados com judias e a um-quarto-judeus.

5. Considerações Econômicas. a) Quanto mais ampla a definição da entidade judaica, mais as limitações dos judeus na economia por tratamento especial torna-se difícil.... b) Enquanto meios-judeus até agora têm sido expelidos somente de cargos na estrutura da Lei de Serviço Civil etc., a versão de Wagner os expeliria de cargos também no processamento da economia. Até agora eles têm mantido seus cargos por causa da falta de reposições apropriadas. Isto acrescentaria uma carga adicional à economia. c) a versão de Wagner implicaria que os meios-judeus, alemães contados como judeus e um-quarto-judeus, estariam incapazes de empregar domésticas alemãs. Isto totalizaria outras dezenas de milhares de domésticas a serem empregadas.

6. Separando famílias. Com ajuda da legislação, a versão de Wagner separa irmãos, de acordo com seu status, como solteiros ou como casados com alemães. A versão do Ministério do Interior evita esta situação indesejável, porque os critérios para definir meios-judeus como judeus são uniformes e aplicam-se para a família inteira. Isto será verdadeiro sem exceção para o critério referente à religião judaica. Mas mesmo a questão mais incomum do casamento de meios-judeus com judeus será somente aplicada quando a família inteira inclinar-se ao judaísmo.

O Problema de Meios-Judeus Veteranos. Será impossível, mesmo com a versão de Wagner, evitar a decisão do Führer e Chanceler do Reich de excluir os meios-judeus veteranos do exército que lutaram no front.De outra forma, nós nos encontraríamos numa situação onde meios-judeus que lutaram pela Alemanha no front seriam tratados pior que os judeus puros estrangeiros que lutaram contra a Alemanha, mas que hoje estão vivendo na Alemanha e são protegidos por tratados internacionais. Isto sem dúvidas daria uma arma importante à propaganda anti-alemã.

Aumento em suicídios. A maioria dos casamentos mistos são entre homens alemães e mulheres judias. As crianças (meio-) judias desses casamentos, entretanto, sentem que pertencem completamente à nação alemã pela sua educação, tradição familiar e fé cristã, e rejeitam o judaísmo. A carga mental de ser declarado judeu seria particularmente difícil e significante. Esperar-se-ia um crescimento agudo de suicídios por esta razão. O impacto de tais desenvolvimentos em países do exterior não seria recebido sem seriedade. .... A versão do Ministério do Interior de forma nenhuma inclui os meio-judeus no povo alemão. Ela os coloca no grupo dos mestiços (Mischlinge), não no grupo dos alemães. Ela trata esses meio-judeus que não serão definidos como judeus, como alemães somente com relação ao casamento, de forma a cumpria o objetivo central, que é o desaparecimento da raça mestiça tão cedo quanto possível. É somente a versão do Ministério que está de acordo com fatos raciais-biológicos: judeus são tratados como judeus, sangue mestiço é tratado como sangue mestiço e aqueles de sangue alemão são tratados como pessoas de sangue alemão. Esta versão fornece uma definição do judeu que não tem brechas. Ela inclui somente os meio-judeus que sem dúvida inclinam-se ao judaísmo como judeus. A criação de uma definição clara dos judeus que não precisaria ser ajustada no futuro é uma necessidade, porque esta definição afetará muitas áreas da vida e do status legal, e muitas agências governamentais diferentes terão que trabalhar com ela.

Fontes:
H-doc site
Lista H-doc
Do livro: Henry Friedlander & Sybil Milton, Archives of the Holocaust, Vol. 20 (New-York 1993) pp. 73-82.
Tradução: Marcelo Oliveira

Fotos de alguns Mischilinge no site do historiador e PhD Bryan Mark Rigg, autor do livro "Os soldados judeus de Hitler" que trata da história da questão dos alemães miscigenados(com "sangue judeu") dentro do regime racista nazista:
http://www.bryanrigg.com/jewish_soldiers_pics.htm

sábado, 5 de abril de 2008

O Holocausto: verdade e preconceito - parte 3

Patologia reatualizada

Negar o Holocausto é impossível, embora os esforços da indústria negacionista que opera há 30 anos, metódica e regularmente, nos principais países do mundo. Mas não é apenas no negacionismo que se percebe o renascimento do anti-semitismo. O investimento simultâneo na humanização de Hitler (e de seu regime) e na satanização dos judeus são os extremos da heterofobia anti-semita. Entre tais extremos, há sentimentos mais ou menos intensos, que podem ir da antipatia à aversão, do embaraçado pré-conceito ao preconceito aberto, que não se restringem a fanáticos. Por isto a indústria da mentira gera frutos e não são poucas as pessoas que continuam acreditando que, de alguma forma, os judeus estão no centro causal dos problemas do mundo.

Também por isto, mais fortalecida fica a idéia anti-semita a ponto de ser integrada em programas políticos radicais, de direita, esquerda ou fundamentalistas religiosos, como de fato tem ocorrido na Europa, EUA, Argentina e Brasil, assim como na maior parte dos países do Leste Europeu e nas nações muçulmanas. Os negacionistas repetem que, na década de 40, a Alemanha foi levada à guerra pelos judeus; os campos de extermínio não existiram e o regime hitlerista jamais cometeu as atrocidades que lhe são atribuídas.

Para alguém razoavelmente esclarecido, tais argumentos não passam de chicana repulsiva, mas convém lembrar do alerta de Hannah Arendt: não é a estupidez da idéia ou a desfaçatez dos argumentos, mas sua existência política e o fato dela ser acreditada por muitos que deve nos preocupar. O anti-semitismo, em si mesmo, é um tipo de reducionismo persecutório e racista, mas isso não impediu que se estabilizasse como modalidade amplamente difundida de preconceito ou se materializasse na política, mesmo antes que qualquer coisa parecida com o Holocausto fosse sequer imaginada.

O anti-semita extrovertido e ideologicamente ativo crê na força persuasiva de uma aparição projetiva de sua ideologia. Aparição que usa para tentar convencer ou persuadir pela repetição. Nos anos 50, Hannah Arendt escreveu que o anti-semitismo era uma ofensa ao bom senso, devido à sua condição paradoxal de motivo mistificador insignificante em meio a tantas questões políticas vitais (Arendt: 1998:23). A constatação, sem dúvida válida também hoje, diz respeito a uma ideologia que depende exclusivamente da aparência que seus propagadores produzem, sejam eles demagogos simplesmente ou demagogos fanatizados, que crêem nas mentiras que divulgam. Os anti-semitas autênticos cristalizam a fraude como verdade e fazem dela um "pensamento estereotipado", que dá início à heterofobia ou antagonismo irracional, a que se referiram Marie Jahoda e Nathan W. Ackerman. (1969:26-7).

Por essas discrepâncias que existem na sociedade, muito se sabe e muito ainda se descobre sobre o Holocausto, ao nível da pesquisa sociológica, historiográfica e da reflexão filosófica. O assunto é muito investigado nas universidades e centros de pesquisa da Europa, EUA e Israel. Entretanto, as pessoas em geral são ignorantes sobre o tema, inclusive no meio universitário.

A indiferença intelectual e acadêmica quanto ao negacionismo e, pior, uma certa complacência desses meios com respeito a formas de anti-semitismo que freqüentam meios políticos mais à esquerda é sintomática. Há exceções, mas a regra é esta. Como conseqüência ainda que indireta desse desprezo e dessa complacência, atualmente não se estranha mais que, dependendo da situação e do lugar, não seja difícil dizer que os judeus desejam se apropriar da condição de vítimas do morticínio ou que o número de judeus assassinados é comparativamente exagerado quando confrontado com o número de vítimas das atrocidades cometidas pelos nazistas. Esse tipo de falsidade não é raro e, atualmente, tem sido requisitado por um cada vez mais aceitável anti-sionismo.
Assim, a singularidade do negacionismo reprisa a singularidade do anti-semitismo e se configura como um dogmatismo sociológico. Em vista da ignorância média das pessoas sobre o Holocausto, esse dogmatismo ocupa as margens da institucionalidade acadêmico-científica, como pretensa versão da História, reveladora de "questionamentos e fatos novos" e, desse modo, chega a ser vista como plausível por muitos, como demonstram o crescimento de uma direita radical na Europa e, obviamente, a sua recepção por setores ideologicamente extremistas de esquerda.

Melanie Philips, colunista do Daily Mail, em artigo publicado em 1988 no The Jewish Quarterly (citado por Zygmunt Bauman)[6], expressou o sentimento que recai sobre indivíduos que afirmam seu judaísmo nos meios políticos da esquerda atual, menos instruídos no que diz respeito à condição judaica e seus traços culturais ou nacionais: "Tenho grande prazer em dizer aos meus amigos e conhecidos socialistas" – afirmou ela – "que 'sou de uma minoria étnica' e vê-los se enrolando, histéricos. Como pode ser? Sou poderosa. E a impressão dos socialistas é de que os judeus estão em posição de poder. Eles estão no governo, não estão? Eles dirigem coisas, comandam a indústria, são proprietários de terras" (Phiilips, apud Bauman, 1998: 256, n. 12).

A impressão a que Melanie Philips se referia não é apenas de certos tipos de socialistas, ou de quem têm a tendência histórica de ver os judeus como estamento econômico. O sentimento possui características de um fenômeno multicausal, é socialmente espalhado e, em certa medida, chega a ser até "aceitável". Aqueles que sustentam a negação do Holocausto inegavelmente contam com a eficácia deste preconceito, ainda que subjacente e de difícil detecção, quando não estimulado por alguma ideologia específica.

Essa multicausalidade é própria da condição judaica na modernidade, que se revestiu de relevância política despropositada e assumiu contornos de estereótipo persistente, de uma nova tipologia de discriminação intelectual, ideológica e racial, ativa tanto à direita como à esquerda do espectro político, desde o século XIX.

Fonte: Revista Espaço Acadêmico, Nº43, Dezembro de 2004, Mensal, ISSN 1519.6186
Autor: Luis Milman(Doutor em Filosofia, professor da UFRGS)

sexta-feira, 4 de abril de 2008

O Holocausto: verdade e preconceito - parte 2

O crime e a barbárie

No Julgamento de Nuremberg, (20 de novembro de 1945 a 01 de outubro de 1946), foi usado pela primeira vez, pela acusação, e consolidado pelas sentenças impostas aos hierarcas nazistas condenados, o termo "genocídio", cunhado pelo jurista polonês Raphael Lemkin, que morreu em 1959. Lemkin, judeu, na faixa dos 30 anos, fugiu da Polônia quando seu país foi ocupado, após combater na resistência polonesa durante seis meses.

Ferido, escapou para a Suécia, onde afirmou uma carreira universitária na área de direito e relações internacionais, iniciada ainda na Polônia. Em 1941, foi convidado a lecionar nos Estados Unidos, onde continuou a trabalhar em estudos sobre a tipificação jurídica e a responsabilização criminal de assassinatos em massa perpetrados por estados contra populações civis. Lemkin decidira, nos anos 30, estudar o assunto devido ao genocídio armênio. Por suas pesquisas, e então um respeitado jurista e professor da Duke University e da Yale University, foi designado conselheiro legal de Robert Jackson, Promotor-Chefe dos Estados Unidos, na Direção Para Persecução Criminal do Tribunal Militar de Nuremberg. Lemkin também teve participação destacada na redação da Convenção sobre Genocídio, aprovada pela Assembléia Geral da ONU, em 8 de dezembro de 1948, dois antes da aprovação da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Lemkin cunhou o termo "genocídio", num estudo realizado em 1943 e publicado como livro em 1944:
Novas concepções solicitam novos termos. Por "genocídio" queremos significar a destruição de uma nação ou de um grupo étnico. Essa nova palavra, cunhada pelo autor para denotar uma antiga prática em seu moderno desenvolvimento, é formada pela antiga palavra grega genos (raça, tribo) e a palavra latina cide (assassinato), assim correspondendo, em sua formação a palavras tais como tiranicídio, homicídio, infanticídio, etc. Falando genericamente, o genocídio não significa necessariamente a destruição imediata de uma nação, exceto quando acompanhada de assassinatos em massa de todos os membros de uma nação. Ela pretende antes significar um plano coordenado, com distintas ações, que possui a intenção de destruir as fundações essenciais da vida de grupos nacionais, com o propósito de aniquilação desses grupos. Os objetivos de um plano desse tipo seria a desintegração das instituições políticas e sociais, da cultura, da linguagem, dos sentimentos nacionais, da religião e da existência econômica de grupos nacionais, e a destruição a segurança pessoal, da liberdade, da saúde, da dignidade e mesmo da vida dos indivíduos que pertencem a tais grupos. O genocídio é direcionado contra o grupo nacional como entidade, e as ações envolvidas são dirigidas contra indivíduos, não em sua capacidade individual, mas enquanto membros de um grupo nacional (Lemkin, 1944:79).
O tribunal determinou que "os acusados conduziram um genocídio sistemático e deliberado – o extermínio de grupos raciais e nacionais - contra poloneses, populações civis de certos territórios ocupados, com o propósito da destruição de raças particulares e classes de pessoas e grupos nacionais, raciais ou religiosos, particularmente judeus, poloneses, ciganos e outros".

O termo cunhado por Lemkin foi, pela primeira vez, usado nessa sentença. Mas o que deve ser compreendido, para além dessa tipificação, são as características singulares do genocídio praticado contra os judeus. Para tanto, é fundamental fazer uma observação: o Holocausto não diz respeito apenas aos judeus. Ele é parte da história humana e seu incidência na história demanda uma capacidade de análise crítica sobre os alicerces da própria civilização moderna e seus valores.

O termo Holocausto traduz, por tradição, embora erroneamente, a palavra hebraica Shoah, (literalmente catástrofe ou hecatombe). Perceber as características singulares da Shoah e de suas conseqüências para a própria existência dos judeus como povo é uma coisa. Afirmar que os judeus foram as únicas vítimas de genocídio cometido pela Alemanha nazista não passa de uma infeliz fabulação e não sei de ninguém que tenha sustentado tamanho disparate. Não esqueçamos: houve genocídios anteriores, no século XX, praticados pelos curdos, persas e turcos contra os assírios (entre 1914 e 1918), pelos turcos contra os armênios (entre 1915 e 1923) e pelos belgas no Congo (entre 1885 e 1920), assim como matanças de ocupação, como a praticada por Mussolini na Etiópia.

Os nazistas tiveram predecessores, sem dúvida. Mas se especializaram nessa atrocidade, porque a tornaram essencial para sua geopolítica racial, fundamentada na agressão militar, numa obstinada determinação de eliminar um povo inteiro e na conquista e "arianização" territorial. Dizimaram massivamente, além de judeus, pessoas de "raças" que consideravam inferiores.

Quanto aos ciganos, a outra raça a ser eliminada da Europa, muito se tem estudado e pesquisado. Em Auschwitz-Birkenau havia três crematórios funcionando diariamente, capazes de incinerar 10 mil seres humanos por dia. Parte das vítimas entre os ciganos foi assassinada nesse campo de morte, outra parte em fuzilamentos, enforcamentos, e atrocidades, como as cometidas contra pessoas (crianças, sobretudo) transformadas em cobaias do staff da ciência médica do 3º Reich, em suas "pesquisas e experiências". Cerca de 250 a 500 mil ciganos foram mortos na Europa ocupada pelos nazistas.

Também os poloneses foram vítimas diferenciadas de extermínio. 4 milhões deles foram dizimados, a imensa maioria de civis. A intelectualidade polonesa foi exterminada, em assassinatos que se seguiram à ocupação do país, em campos de concentração e, depois, nos campos de morte, que começaram a operar na no final de 1941. Centenas de milhares morreram ao serem deslocados, quando seu país foi conquistado e dividido em duas partes - a ocidental, incorporada ao Reich, e a oriental, rebatizada como Governo Geral. A parte ocidental foi despolonizada, e destinada à colonização ariana. Poloneses do território incorporado ao Reich foram progressivamente transferidos para o Governo Geral, onde morreram aos milhares em condições sub-humanas.

Outros grupos humanos foram alvos dessas matanças de proporções inimagináveis. Milhares de Testemunhas de Jeová, por convicção ideológica, homossexuais, prisioneiros políticos e opositores do nazismo, doentes mentais. membros da resistência dos países ocupados; milhões de civis russos e ucranianos – afora os soldados em confrontos militares -, prisioneiros de guerra, em campos de trabalho e de extermínio, além de dezenas de milhares de sérvios, após a invasão da Iugoslávia.
Na Europa Ocidental, onde a ocupação alemã tinha características distintas, a política de extermínio foi praticada apenas contra os judeus e membros da resistência. A hecatombe provocada pelo nazismo - cujo único instrumento de ação política eram o terror e a matança -, sem dúvida, abalou os alicerces da humanidade. Na guerra do Pacífico, o expansionismo japonês foi marcado pela insanidade assassina, causando a morte de 15 milhões de chineses.

Singularidade

O que torna, afinal, o Holocausto, uma catástrofe singular. Responder a essa questão não é tarefa difícil, à primeira vista. No entanto, é preciso fixar limites para a compreensão da categoria da singularidade, quando aplicada a matanças em larga escala, dos quais os judeus, no século XX, não foram as únicas vítimas. Logo, singularidade se distingue de unicidade ou exclusividade. Armênios e assírios foram exterminados no início do século. Bósnios foram alvos de matança coletiva na década de 90. Tutsis de Ruanda e cristãos e animistas do Sudão, da mesma forma, foram exterminados aos milhões pela elite muçulmana sudanesa. O extermínio de chineses na era de Mao e de russos, ucranianos, georgeanos na era de Stalin são hoje suficientemente conhecidos.

É justamente nesse contexto que o genocídio judeu se singulariza. Primeiro, porque contra os judeus foram aplicados os métodos jamais imaginados de extermínio; segundo, porque os judeus foram destinados a desaparecer completamente como povo[4]; terceiro; porque contra os judeus, os nazistas travaram uma guerra racial, sem qualquer outro objetivo que não fosse o de exterminá-los completamente; quarto, porque nunca se configurou uma burocracia e uma indústria voltada para a matança de seres humanos tal como a construída pelos nazistas; quinto: não havia salvação dessa matança, que ocorreu em fases distintas e foi sendo paradoxalmente incrementada na medida em que os alemães percebiam que não tinham mais qualquer chance de vencer a guerra.

Em menos de quatro anos, quase 6 de cerca de 12 milhões de pessoas pertencentes a um grupo étnico-cultural simplesmente foram assassinadas em massa. 4.110 por dia, em média, sem distinção entre homens, mulheres, jovens crianças e velhos. Discute-se, entre historiadores, quando a eliminação total da população judaica foi decidida e tudo indica que Hitler e seus hierarcas tomaram essa decisão logo após a ocupação da Polônia. O genocídio foi iniciado na segunda metade de 1941 e sua implementação foi tema de deliberação específica, como demonstra o documento classificado como Geheime Reichssache (assunto secreto do Reich), descoberto por assistentes da Promotoria dos EUA, em março de 1947, e utilizado como prova nos julgamentos de criminosos de guerra que se seguiram ao Julgamento de Nuremberg, inclusive no julgamento de Adolf Eichmann.

O documento ficou conhecido como o "Protocolo de Wanssee" e integrava um conjunto de 18 atas (as demais 17 jamais foram recuperadas) lavradas durante uma reunião de 15 altos funcionários do Reich - entre eles Adolf Eichmann, que o secretariou - com Reinhard Heydrich, então o segundo em comando no Sicherheitspiolizei (RSHA - Serviço de Segurança Nacional) e também encarregado dos territórios tchecos ocupados. Heydrich só era subordinado a Heinrich Himmler, Chefe das SS (a Schutztaffel), que se reportava apenas a Hitler.

A reunião foi realizada em 20 de janeiro de 1942, num castelo às margens de um lago Wanssee, a sudoeste de Berlim[5]. O assunto: operacionalizar, em todos os níveis administrativos e logísticos, a solução final para a questão judaica, que já havia iniciado com a construção dos campos de extermínio em Chelmno e Belzec. Em Chelmno, em dezembro de 1941 foram mortos por gás os primeiros judeus. O genocídio tomaria as proporções que hoje conhecemos quando os alemães invadiram a União Soviética, com o propósito de varrer do mundo o bolchevismo e o judaísmo, que eles tinham como irmãos políticos.

Fonte: Revista Espaço Acadêmico, Nº43, Dezembro de 2004, Mensal, ISSN 1519.6186
Autor: Luis Milman(Doutor em Filosofia, professor da UFRGS)

quarta-feira, 2 de abril de 2008

O Holocausto: verdade e preconceito - parte 1

Desde 15 de setembro de 1935, quando foram decretadas a Lei de Cidadania do Reich, a Lei de Proteção do Sangue e da Honra Alemãs e o Primeiro Regulamento para a Lei de Cidadania do Reich - este em 14 de novembro de 1935 (o conjunto dos três ficou conhecido como as Leis de Nuremberg)-, a condição judaica foi transformada numa sub-condição humana na Alemanha e os judeus foram desprovidos de qualquer vestígio de direitos civis. A definição de "judeu" consta do Primeiro Regulamento, Artigo V:

1. Um judeu é um indivíduo que descende de pelo menos três avós que eram judeus racialmente puros. O Artigo II, parágrafo, alínea linha 2 será aplicado. (Art. II, alínea 2: um indivíduo de sangue misto judeu é aquele que descende de um ou dois avós que eram judeus racialmente puros, mesmo que não seja um judeu de acordo com a seção 2 do Artigo V. Avós com 100 por cento de sangue judeu são aqueles que pertenciam a comunidade religiosa judaica).

2. Um judeu é também um indivíduo que descende de dois avós puramente judeus:

(a) se era membro de uma comunidade religiosa judaica quando esta lei foi editada, ou se integrou a uma, após a edição desta;

(b) quando a lei foi editada, era casado com uma pessoa judia ou foi subseqüentemente casada com um indivíduo judeu;

(c) é descendente de um casamento no qual um dos cônjuges é judeu, no sentido da seção 1, contraído após a entrada em vigor da Lei para Proteção do Sangue e da Honra Alemã, de 15 de setembro de 1935;

(d) é descendente de uma relação extraconjugal que envolveu um judeu, de acordo com a Seção 1, e nasceu ou é filho ilegítimo nascido depois de 31 de julho de 1936.
Não era possível a qualquer pessoa tipificada pelo regulamento, abdicar da sua condição judaica; por conseqüência, conversos ao cristianismo, que se enquadrassem na categoria regulamentar eram considerados judeus. Assim definidos pelos nazistas, inicialmente banidos da vida social e civil da Alemanha e depois dos territórios que caíram sob seu domínio ou influência, depois confinados e exterminados, não importava, se entre eles, houvesse quem se considerava ateu, agnóstico, protestante, católico, comunista, anarquista ou qualquer outra coisa. No livro Mirrors of destruction. War, Genocide and Modern Identity, o historiador Omer Bartov refere um dos inúmeros casos vividos por pessoas que retornaram, por imposição das Leis de Nuremberg, a uma condição judaica que lhes era estranha e distante antes da chegada de Hitler ao poder:

Bauchwitz, um prisioneiro do campo de trabalho de Stettin, fora batizado quando criança. Quando o comandante do campo decidiu enforcá-lo, ele exigiu ser executado por um pelotão de fuzilamento, em reconhecimento à sua condição de oficial alemão durante a 1ª Guerra, na qual recebeu a Cruz de Ferro de Primeira Classe. O comandante respondeu. "Para mim você é um judeu fedorento e será enforcado como tal". Ao ser colocado no patíbulo, Bauchwitz, pediu aos demais prisioneiros, "Se vou morrer como judeu, peço a vocês judeus que digam o Kadish depois de mim" (Bartov, 2000:144).[1]
Os nazistas enfrentaram problemas técnico-jurídicos com aqueles que tinham o status de "terceira-raça", os mischlinge, muitos dos quais pertenciam a uma '"primeira classe" e estavam integrados a famílias alemãs "puras", logo pretendiam ser quase arianos. Houve doze decretos posteriores editados para tratar desse assunto - objeto de discussão também em Wannsee (ver abaixo), nos quais foram introduzidas as categorias de mischlinge de ordem 1 (descendentes de um avô judeu) e 2 (descendente de dois avós judeus, não pertencente à religião judaica e não casado com um judeu até 15 de setembro de 1935). Para a quase totalidade desta terceira raça, a solução foi o isolamento civil, depois o aprisionamento em asilos e, ao fim a deportação e o extermínio. Houve milhares de mischilinge, por decretos conhecidos como normas de libertação, que foram arianizados e alguns chegaram mesmo a exercer cargos na alta burocracia nazista, além de milhares terem servido no exército e mesmo nas SS.[2]

Agora passemos aos números. Há um certo momento em que a discussão sobre o Holocausto é colocada em escala numérica. A primeira constatação a ser feita sobre esse tipo de parâmetro analítico é que não há um número exato de vítimas, e a razão para tanto é simples: o genocídio foi praticado em escala total. Jamais houve condições para estabelecer um número definitivo porque é impossível identificar individualmente todas as vítimas do Holocausto. A metodologia de escala, pode, por isso, oscilar. O número levado ao tribunal de Nuremberg foi de 6 milhões de judeus. Mas, depois de iniciado com políticas de segregação e isolamento, a matança fez, segundo as menores estimativas, com que entre 5,1 e 5,7 milhões de judeus fossem dizimados na Europa. Destes, foram exterminados em "campos de morte" entre 2,7 e 3 milhões (1 milhão em Auschwitz-Birkenau, entre 750 mil a 800 em Treblinka, 550 mil em Belzec, 200 a 300 mil em Sobibor, 150 mil em Kulmhof e 50 mil em Lublin); 150 a 200 mil em campos de trânsito ou de concentração (trabalho escravo) e 150 mil em campos na Romênia e na Croácia; cerca de 1 milhão e 300 mil, em matanças executadas por "tropas especiais" e aproximadamente 800 mil assassinados por isolamento (fome e doenças) em guetos. Em 1939, por exemplo, havia cerca de 3 milhões de judeus na Polônia. Depois de 1945, restaram alguns milhares de sobreviventes.

Em pouco menos de 4 anos, foi assassinada metade dos judeus europeus e mais de um terço de toda população judaica mundial na época[3]. Jamais houve um genocídio deliberada e calculadamente executado de um povo como o que foi praticado contra os judeus europeus. Obviamente, nessa compreensão em escala da II Guerra, é preciso acautelar-se quanto a comparações entre o número de judeus exterminados e o total das vítimas da guerra. 50 milhões de pessoas, entre civis e combatentes, forma mortos durante o conflito, número por si mesmo suficientemente estonteante. Mas apenas os judeus e os ciganos (em escala comparativamente menor) - cerca de 10 por cento deste total-, foram assassinados por uma política genocida. Por si só é trágico constar que cerca de 20 milhões de russos, bielo-russos e ucranianos foram mortos no enfrentamento e em massacres cometidos pelos nazistas. Somente uma viseira ideológica pode fazer com que alguém desconheça a proporção dessa catástrofe e as marcas que ela deixou nesses povos. Assim, é preciso estar atento para revisionismos inocentes, matizados por motivações distintas, que incidem sobre uma matéria carregada de sofrimento humano, para a qual a precisão e o senso de moralidade são, antes de qualquer coisa, impositivos.

Fonte: Revista Espaço Acadêmico, Nº43, Dezembro de 2004, Mensal, ISSN 1519.6186
Autor: Luis Milman(Doutor em Filosofia, professor da UFRGS)

sábado, 18 de agosto de 2007

Carrascos Voluntários de Hitler - críticas ao livro I

Carrascos Voluntários de Hitler - críticas ao livro (parte I)

Relatório de uma discussão do trabalho de Goldhagen realizado no Instituto de Pesqui-sas do Holocausto do Museu Memorial do Holocausto.

Por Maria Mitchell e Peter Caldwell
Fonte:
http://www.h-net.org/~german/discuss/goldhagen/gold5.html

[...]

É importante notar que nós saímos depois da apresentação de Christopher Browning. Nenhum de nós ficou para ouvir o trabalho de Hans-Heinrich Wilhelm, a resposta de Daniel Goldhagen para Christopher Browning, ou os comentários conclusivos de Leon Wieseltier.

Berenbaum introduziu a conferência com um apelo por "discurso civilizado" e obser-vando que o Instituto de Pesquisas [USHMM, n. do t.] havia sido criticado por sediar um simpósio sobre o livro de Goldhagen. Ele então apresentou as seguintes questões: Quão essencial foi o anti-semitismo para a motivação dos perpetradores? Quão endêmico era o anti-semitismo para a cultura social e política alemã?

Para os propósitos de sua apresentação, Goldhagen organizou sua tese em três grandes pontos: (a) "anti-semitismo exterminacionista" era uma "norma cultural" na Alemanha já no final do século dezenove; (b)todos os perpetradores partilhavam de uma visão hitlerista dos judeus; (c) a maioria dos cidadãos alemães também partilhava dessa visão. Sua conclusão com base nesses três pontos era de que a maioria dos alemães comuns estava preparada para matar judeus. Ao afirmar que o "anti-semitismo exter-minacionista" era uma "norma cultural" pelo final do século dezenove na Alemanha, Goldhagen argumentou que "o anti-semitismo exterminacionista" tornou-se parte da cultura alemã devido a um certo conjunto de circunstâncias históricas as quais, afirmou ele, mudaram fundamentalmente depois da II Guerra Mundial. Os judeus tornaram-se um símbolo de tudo o que era mau na Alemanha do final do século dezenove à medida em que o anti-semitismo misturava-se com o "conceito de raça"; o objetivo deste tipo de anti-semitismo, bastante difundido em todas culturas e classes sociais na Alemanha do final do século dezenove, era exclusivamente eliminar os judeus. Esta versão do anti-semitismo se tornou, de acordo com Goldhagen, a ideologia pública oficial incontestável dentro da sociedade alemã.

Ela afirmava que os judeus eram racialmente diferentes dos alemães, nocivos à Alemanha, e portanto tinham que ser eliminados. Por não haver um ponto de vista alternativo apoiado institucionalmente na Alemanha antes de 1945, os alemães foram criados sobre o anti-semitismo eliminacionista tanto quanto eram sobre seu "leite materno". É por isto que, de acordo com Goldhagen, os perpetradores tiveram tão pouca dificuldade em assassinar os judeus.

Carreirismo, pressão dos colegas, "burocracia mióptica" (tudo o que ele rotulou como "não-histórico") não representaram papel algum; pelo fato de que alguns dos pressionados resistiram à "coerção governamental" para matar, era claro que não havia nenhuma "coerção real". O anti-semitismo exterminacionista era a única motivação e a colaboração dos alemães deve então ser atribuída - e exclusivamente atribuída - a virulento anti-semitismo. Isto explicava, nas palavras de Goldhagen, por que os alemães estavam não apenas entusiasmados em eliminar os judeus mas excepcionalmente cruéis em fazê-lo. Isto era verdadeiro, além disso, não apenas para a colaboração dos perpetradores, mas também para os cidadãos alemães, cuja recusa em intervir refletiu sua adesão ao anti-semitismo exterminacionista. Nos anos 30, concluiu Goldhagen, a grande maioria dos cidadãos alemães apoiava a Solução Final.

Kwiet começou acusando Goldhagen de ter escrito e promovido o livro a fim de ficar famoso, afirmando que - não importando qual o resultado deste debate - Goldhagen tinha-o "feito". Para exibir-se e atrair a atenção da mídia entre as numerosas publicações na Holocaust Studies, disse Kwiet, deve-se advogar uma tese espetacular; isto foi exatamente o que Goldhagen fez. Em particular, Kwiet criticou a embalagem do livro feita por Knopf, especialmente sua alegação de que a tese embasava-se em "material novo". A maioria do material, de acordo com Kwiet, foi emprestada do livro de Christopher Browning "Ordinary Men: Reserve Police Battalion 101" E a Solução Final na Polônia". Muito pouco além disso era realmente novo, de acordo com Kwiet; o grosso do livro baseava-se em fontes secundárias.

Não só era bem conhecido o material de Goldhagen, continuou Kwiet, como também nada sobre a tese de Goldhagen era original. A dependência em generalizações sobre o caráter nacional e a representação dos Alemães como "excepcionais" representava o coração da tese "Sonderweg", de acordo com Kwiet, que foi refutada há mais de uma década. Por esse motivo, Kwiet achou particularmente "irritante" o pedido de Goldhagen para entender completa e finalmente o Holocausto. Nenhum outro estudioso, disse Kwiet, jamais fez tal pedido arrogante. Neste contexto, ele citou Hilberg e Friedlaender, que disseram do livro (parafraseado): É inútil, apesar de toda a publicidade feita por Knopf. No nível mais específico, Kwiet desafiou a representação das mulheres feita por Goldhagen como igualmente envolvidas/anti-semitas e seu desprezo pelas vítimas não-judaicas do regime nazista. Como Goldhagen explica o assassinato de ciganos e outros grupos, perguntou ele, se o assassinato foi motivado exclusivamente pelo anti-semitismo exterminacionista? Kwiet também criticou a interpretação da sociedade alemã do pós-guerra feita por Goldhagen, particularmente sua alegação de que o anti-semitismo desapareceu depois de 1945. Kwiet citou Goldhagen, em resumo, que os alemães de hoje são "como nós". Se é assim, afirmou Kwiet, então nós não podemos esperar que os alemães demonstrem nenhum tipo de sensibilidade ou responsabilidade com relação ao Holocausto; ele poderia muito bem ser esquecido. Kwiet concluiu descrevendo a perspectiva de Goldhagen como "mais do que assustadora". Em contraste a Goldhagen, que havia recebido aplausos ruidosos da audiência, Kwiet recebeu quase o silêncio.

Kwiet foi seguido por Yehuda Bauer, que começou afirmando que a tese de Goldhagen é simplesmente um argumento "Sonderweg" requentado, que foi difundido pelas décadas depois da II Guerra Mundial. Esta interpretação, sustentou Bauer, foi de fato a mesma que ele, Bauer, havia debatido pelos últimos trinta anos, embora numa forma muito mais sofisticada.

Seu próprio trabalho, afirmou Bauer, explorava estruturas políticas e culturais assim como vozes e instituições contestadoras na sociedade alemã. Ele também dependia de trabalhos que estudiosos poloneses e israelenses haviam produzido pelas últimas décadas, trabalho ao qual Goldhagen, de acordo com Bauer, não teve acesso porque ele não lia naqueles idiomas. O fato de que o argumento de Goldhagen assentava-se sobre fontes de língua alemã e inglesa representava um sério problema, continuou Bauer; entre suas poucas fontes não-alemãs/inglesas havia uma em tcheco - "provavelmente copiada de mim", disse Bauer.*

*continua na parte abaixo.
http://holocausto-doc.blogspot.com/2007/08/carrascos-voluntrios-de-hitler-crticas.html

Carrascos Voluntários de Hitler - críticas ao livro II

Carrascos Voluntários de Hitler - críticas ao livro(parte II)
continuação da parte I:
http://holocausto-doc.blogspot.com/2007/08/carrascos-voluntrios-de-hitler-crticas_18.html

A falta de pesquisa comparativa por parte de Goldhagen foi problemática não somente em termos de outro material secundário, de acordo com Bauer, mas também em termos de sua própria tese. E quanto à Romênia, ele perguntou, e sua tradição de anti-semitismo exclusionista datado do século dezenove?

E quanto ao entusiasmo romeno pela captura e matança de homens, mulheres e crianças judias? Por que Goldhagen não lidou com nenhuma outra tradição de anti-semitismo, inclusive a polonesa, a russa, e a francesa? Nesse respeito, Bauer fez referência à afirmação de George Mosse de que, se você tivesse dito às pessoas em 1900 que haveria uma Solução Final, a resposta delas teria sido (parafraseado), "Oh, aqueles franceses maus, muito maus". Bauer então atacou o consultor de Goldhagen em Harvard. Goldhagen, disse ele, não deveria ser responsabilizado por este trabalho de mal feito, em particular por sua falta de foco comparativo.

Em vez disso, é seu consultor que deve ser culpado: Como este trabalho recebeu um PhD em Harvard quando ele não cobre as questões mais básicas? Bauer então criticou Goldhagen por ignorar as forças concorrentes da história alemã e, ao fazê-lo, por não ser capaz de responder às questões: se o anti-semitismo eliminacionista era dominante já no século dezenove, então por que o Holocausto não aconteceu antes do século vinte? Qual foi a diferença? Como foi que Hitler chegou ao poder? Bauer censurou Goldhagen por não lidar adequadamente com o colapso da República de Weimar.

A esse respeito, ele citou o fato de que, na última eleição livre da República de Weimar, 67% dos alemães não votaram em Hitler. Hitler foi votado, perguntou Bauer, somente porque as pessoas apoiavam seu anti-semitismo?

Bauer concluiu dizendo que, enquanto a resposta de Goldhagen estava "errada", sua questão continuava importante. Mas, continuou ele, ela precisa ser tratada com "humildade", e não arrogância. Ao afirmar que, "Eu estou certo e todos aqueles que vieram antes de mim estão errados", Goldhagen, de acordo com Bauer, mostrou uma surpreendente falta de sensibilidade com relação ao assunto. Goldhagen também correu o risco, continou Bauer, de se tornar um outro Arno Mayer depois de "Why Did the Heavens Not Darken?". Seguido por uma grande exposição da mídia e muita discussão, disse Bauer, o livro de Mayer foi completamente e justificadamente esquecido. O trabalho de Mayer se foi, disse ele, e com razão; ninguém mais o cita ou fala sobre ele. Você, disse ele, virando-se para Goldhagen, não quer terminar como Arno Mayer. Você iniciou sua carreira do jeito errado, concluiu ele; você não começa com Relações Públicas, você termina com elas.

Lawrence Langer então falou como moderador. Fazendo referência ao fato de Goldhagen ter excedido o tempo limite para sua apresentação inicial, Langer sugeriu que ele fosse "generoso" e abrisse mão de seu comentário para que a discussão pudesse começar. Goldhagen respondeu, entretanto, - com muito aplauso - começando a afirmar que seu livro era um produto de seu próprio trabalho, então não se deveria respon-sabilizar seu tutor. "Eu sou mais velho do que aparento", disse ele. "Eu posso me responsabilizar por mim mesmo". Sua tese, continuou Goldhagen, era nova, mesmo que sua documentação não o fosse. Kwiet, afirmou ele, compreendeu meu livro de forma totalmente errada, enquanto Bauer e eu concordamos mais do que discordamos. Despois de Goldhagen ter-se sentado, a discussão começou. Dentre as questões/comentários da audiência, perguntaram a Goldhagen sobre o marketing do livro.

Em resposta, ele disse que tudo o que Knopf havia feito para promover o livro havia sido autorizado por ele, e que ele aprovou o pedido do editor, de que ele "reescreveria completamente a história do Holocausto".

Kwiet então afirmou que não havia prova histórica de que os cidadãos alemães haviam aplaudido a Solução Final. Os alemães responderam com indiferença e silêncio, disse Kwiet, não com aplauso. Em sua resposta a Kwiet, Goldhagen contra-argumentou que indiferença era o mesmo que apoio. Pouco depois, numa pergunta, Jerry Muller da Universidade Católica disse que ele agora lamenta ter convidado seus estudantes graduados para o simpósio. Este era um exemplo excepcionalmente pobre de discussão acadêmica, disse ele, porque vocês, acadêmicos mais velhos, têm sido imensamente desrespeitosos para com este jovem. Vocês estão demonstrando desprezo e ciúmes sobre o fato de que ele se tornou importante, e traindo o propósito de nosso projeto. Em resposta ao comentário de Muller, a audiência irrompeu em calorosos aplausos. Lawrence Langer interrompeu em meio à confusão, [dizendo] que discordâncias acadêmicas honestas não tinham que ser caracterizadas como "desprezo". As luzes foram ligadas e o intervalo programado começou.

Aparentemente, toda a audiência retornou no intervalo. Começando a segunda metade do processo, Richard Breitman introduziu Christopher Browning, que começou observando que ele havia escrito em "Ordinary Men" que outra pessoa cm uma perspectiva diferente poderia não ler os mesmos documentos de forma similar. Eu não esperava, continou ele, que isso acontecesse tão rapidamente e tão dramaticamente. Browning então afirmou que a tese de Goldhagen não era de forma alguma nova, "apesar dos apelos da promoção do livro". (Ele recebeu uma sonora desaprovação da platéia). O maior defeito da tese de Goldhagen, continuou ele, foi sua "monocausalidade" e foco sobre o "anti-semitismo demonológico". De acordo com Goldhagen, disse Browning, não houve relutância para os alemães superarem a fim de poderem matar. Eles mataram por prazer e porque eles pensaram estar fazendo a coisa certa; eles gostavam disso.

Browning continuou, dizendo que muito da tese de Goldhagen baseava-se em seu tratamento de fontes, muitas das quais ele mesmo usou em "Ordinary Men". Browning criticou a metodologia de Goldhagen da seguinte forma: Ao desprezar qualquer testemunho de julgamentos do pós-guerra nos quais os perpetradores alemães expressaram reservas ou remorso - com base no argumento de que isto era uma simples tentativa de receber clemência - Goldhagen garantiu que as fontes apoiariam sua conclusão pré-formulada.

O princípío exclusionista foi "determinístico", de acordo com Browning, e não conseguiu explicar exemplos de Schutzpolizei que ajudaram judeus ou outros que sofreram emocionalmente pelo que eles fizeram. A abordagem de Goldhagen também excluía a possibilidade de que alemães pudessem distinguir, como fizeram, entre anti-semitismo socialmente aceitável e planos inaceitáveis de extermínio em massa. O ponto seguinte de Browning relacionava-se à questão dos perpetradores não-alemães no Holocausto e particularmente o desprezo de Goldhagen por fontes que tratavam desta questão. Aqui, Browning confiou num estudo de caso de luxemburgueses que haviam sido integrados nas forças de extermínio alemãs. Esses homens, argumentou ele, presumivelmente não haviam sido imbuído com a "norma cultural" do anti-semitismo exclusionista, e entretanto eles participaram nos crimes no mesmo grau que os homens alemães. Isto mostrou o poder da pressão de grupo e outras forças sociais em ação, afirmou Browning. Tais pressões específicas de tempo e situacionais não encontraram lugar no trabalho de Goldhagen.

Goldhagen, concluiu Browning, escreveu um livro de história "buraco de fechadura", encon-trando na história alemã somente o que ele queria ver e ignorando essas forças poderosas e competidoras, como catolicismo, socialismo, etc. Goldhagen operou fora de um contexto histórico, de acordo com Browning; conseqüentemente, ele ofereceu uma análise unidimen-sional. Goldhagen deprezou, além disso, o grau de controle nazista da sociedade e as reais penalidades que existiam para se falar abertamente. Browning acusou Goldhagen de escrever história simplista, maniqueísta e "popular", e concluiu com uma citação de Primo Levi,em outras palavras, de que as coisas nunca são tão simples quanto as pessoas gostariam que elas fossem. Nada em história é muito fácil.

Nós saímos enquanto Hans-Heinrich Wilhelm da Universidade de Colônia começou a falar."

Maria D. Mitchell, m_mitchell@...
Professora Assistente de História, Franklin & Marshall College
American Institute for Contemporary German Studies, 1995-1996

Peter Caldwell, caldwell@...
Professor Assistente de História, Rice University
Fellow at the Center for German and European Studies,
Georgetown University, 1995-96

Tradução: Marcelo Oliveira
http://br.groups.yahoo.com/group/Holocausto-Doc/message/6332

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