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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Grupo católico ultraconservador expulsa bispo que negou Holocausto

O bispo britânico Richard Williamson, que há três anos causou grande constrangimento ao Vaticano ao negar a existência do Holocausto, foi expulso da Irmandade de Pio 10, comunidade católica ultraconservadora e que não é reconhecida oficialmente pelo papa.

A irmandade considerou que Williamson não tratou sua direção com o devido respeito e com obediência. O anúncio foi feito nesta quarta-feira por um porta-voz da ordem, em Stuttgart, na Alemanha.
Fabrice Coffrini/AFP

Em 2011, o bispo Richard Williamson participa de uma missa da Irmandade de Pio 10 na Suíça. Ele foi expulso da ordem nesta quarta-feira

Anteriormente, Williamson, 72, já havia sido afastado pela direção da ordem, presidida pelo bispo Bernard Fellay. A irmandade permitia apenas que ele pregasse, mas impedia que fizesse outro tipo de aparição pública.

Williamson escreveu em seu site pessoal que Fellay e Niklaus Pfluger, outro dirigente do alto escalão da ordem, eram fanáticos. Para ele, Pfluger tinha um "espírito maligno".

Fellay pediu que ele retirasse os comentários, sob pena de expulsão. Como Williamson se recusou a fazê-lo, Fellay cumpriu a ameaça.

Fontes da irmandade dizem que a expulsão do bispo pode acelerar o processo de reconciliação entre a ordem e o Vaticano.

NEGAÇÃO DO HOLOCAUSTO

Em 2010, Williamson foi multado por um tribunal alemão no valor de € 10 mil (R$ 26,2 mil), que considerava que ele havia incitado o ódio racial ao declarar que o Holocausto nunca aconteceu. A sentença foi anulada por erros judiciais, mas, em 2013, o processo deverá ser reaberto.

As declarações de Williamson foram dadas pouco antes de o Vaticano retirar sua excomunhão, assim como a de outros três bispos, todos da Irmandade de Pio 10. A Santa Sé tentava, então, uma reaproximação com a irmandade.

As afirmações do bispo britânico fizeram com que até mesmo a chanceler alemã Angela Merkel pedisse à Igreja Católica que se distanciasse dele.

Fonte: AFP/Jornal Floripa
http://www.jornalfloripa.com.br/mundo/index1.php?pg=verjornalfloripa&id=24733

domingo, 21 de outubro de 2012

Jean Meyer analisa o antijudaísmo (livro: A Fábula do Crime Ritual)

Meyer apresentou na noite desta sexta-feira esta obra que, disse, documenta as origens do antijudaísmo na Europa

OBRA. O historiador apresentou seu
livro “A fábula do crime ritual”.
(Foto: ARQUIVO DE EL UNIVERSAL )
Um dos mitos que perseguiu o povo judeu desde os primeiros anos do Cristianismo, é a necessidade de usar sangue de uma criança varoa cristã para o pão ázimo da Páscoa, assinalou o investigador Jean Meyer, ao falar sobre sua mais recente publicação denominada de A Fábula do crime ritual.

Acompanhado pelo historiador Enrique Krauze e de um nutrido público na livraria “Rosario Castellanos”, no bairro Condesa da capital do país, Meyer apresentou na noite desta sexta-feira esta obra que, disse, documenta as origens do antijudaismo na Europa.

“Esta mentira desatou a difícil e sangrenta relação entre judeus e cristãos desde as Cruzadas e preparado o caminho para o Holocausto nazi da Segunda Guerra Mundial", manifestou depois de retomar este mito que perseguiu o povo judeu desde os primeiros anos do Cristianismo.

“É a história de sempre: uma criança desaparece na Semana Santa, dias depois seu corpo aparece dilacerado, culpam os judeus e corre o boato do 'crime ritual' e se generaliza uma condenação religiosa a todo um povo" que, de acordo com Meyer, não tem "nenhum texto sagrado judeu que assim o prescrevesse".

No livro, o historiador de origem francesa documenta o "crime ritual", que admitiu que desconhecia até suas investagações que o levaram a descobrir a revista Civilitá Católica, que já desde a cúria romana se manifestava antissemita.

O historiador assinalou que o que levou a escrever A fábula do crime ritual obdeceu uma "motivação pessoal de sensibilização para compreender o texto e contexto do antijudaísmo", mas também de sua relação pessoal com Jules Issac, historiador judeu apreciado por Meyer e; pelo seio da família cristã na qual cresceu.

“Eu me senti com a obrigação de contar essa história", declarou o também investigador do Centro de Inevstigação e Docência Econômicas (CIDE).

Acrescentou que não pretendia "desculpar ou passar a limpo à Igreja Católica senão compreender o contexto e sensibilizar sobre as injustiças que custaram a vida de milhões de judeus”. E se bem, segundo Meyer, o antissemitismo continua presente, confiou na boa relação judaico-cristã.

Domingo 14 de outubro de 2012 Sara Zamora | El Universal
cultura@eluniversal.com.mx

Fonte: El Universal (México)
http://www.eluniversal.com.mx/cultura/70073.html
Tradução: Roberto Lucena

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Richard Steigmann-Gall - O Santo Reich: as concepções nazistas do cristianismo, 1919-1945

Resenha crítica de John S. Conway (Departmento de História, Universidade da Colúmbia Britânica)
Publicado em H-German (Junho de 2003)

Richard Steigmann-Gall. The Holy Reich: Nazi Conceptions of Christianity, 1919-1945 (O Santo Reich: as concepções nazistas do cristianismo, 1919-1945); Cambridge: Cambridge University Press, 2003. 294 páginas, ISBN 978-0-521-82371-5.

O estudo animado e às vezes provocador de Richard Steigmann-Gall sobre a relação entre o nazismo e o cristianismo faz uma inovação. Ele critica aqueles que, como este resenhista, argumentam que o nazismo e o cristianismo eram incompatíveis, tanto na teoria e prática. Em vez disso, ele examina mais de perto as áreas de sobreposição e as ambiguidades decorrentes nas mentes de muitos líderes nazistas. Ele rejeita a ideia de que, quando oradores nazistas fizeram uso frequente do vocabulário cristão antes de 1933, foi puramente um dispositivo tático para ganhar votos. Mais tarde, tal religiosidade enganosa seria descartada por não ser mais necessária. Em vez disso, ele mostra a valorização ampla e consistente do cristianismo como um sistema religioso nas fileiras nazis, mesmo entre os vários membros de sua hierarquia. Da mesma forma, ele contesta a afirmação de que aqueles cristãos que se reuniram à causa nazista eram superficiais e oportunistas, saltando em uma onda política popular. Ele argumenta que as condições estressantes de uma Alemanha derrotada levou muitos cristãos sinceros, principalmente protestantes, a considerar a causa nazista como teologicamente justificada, bem como politicamente apropriada.

O nazismo idealizou, e mesmo idolatrou, a nação alemã e o Volk. Steigmann-Gall mostra como essa tendência já estava presente no recém-criado Reich bismarckiano, e foi muito incentivada pelo clero protestante. Sua teologia de guerra, em 1914, afirmou a aprovação divina da causa da Alemanha e fez cair a condenação sobre seus inimigos. Depois da derrota em 1918, o clero proporcionou o clima espiritual de uma visão apocalíptica do destino da Alemanha, valentemente se guardando contra as investidas dos males do marxismo, do judaísmo, do bolchevismo e materialismo. Tal pensamento dualista percorreram ambos em paralelo e alimentou o extremismo dos grupos políticos radicais da década de 1920, dos quais o nazismo emergiu como o mais bem sucedido.

A mais notória característica do nazismo era seu antissemitismo. Muitos observadores afirmam que o Holocausto foi o culminar de séculos de intolerância e perseguição cristã. Por sua parte, os clérigos têm procurado traçar uma linha entre antes da teologia cristã anti-judaica e o antissemitismo mais virulento racial nazista. Mas Steigmann-Gall, seguindo Uriel Tal, mostra quão facilmente os alemães católicos e protestantes podiam fundir suas antipatias religiosas com a campanha política dos nazistas. Por outro lado, ele mostra quantos nazistas acreditavam na base religiosa de seu ódio aos judeus, que formavam um ponto negativo de referência para uma ideologia de integração nacional-religiosa. A postura de Lutero contra os judeus poderiam ser apoiadas, por razões mais do que meramente táticas. E o apoio de Hitler ao "cristianismo positivo" foi uma tentativa de superar as diferenças confessionais, a fim de concentrar forças cristãs contra o seu arqui-inimigo, o judeu. E com total certeza muitos líderes nazistas eram anticlericais. Mas este veneno era principalmente direcionado contra os padres e pastores que colocavam suas lealdades institucionais à frente dos seus nacionais. Isso não impediu esses nazistas de acreditar que o movimento foi, em certo sentido cristão. Foi nesta base que os nazistas como Gauleiter Wilhelm Kube, o ministro da Educação da Baviera, Hans Schemm, e Hanns Kerrl, o ministro prussiano de Justiça, que mais tarde se tornou o Ministro de Assuntos Eclesiásticos do Reich, puderam buscar uma aliança com esses elementos nas igrejas, especialmente os protestantes, que apoiaram as políticas "autoritárias, anti-marxistas e antissemitas" do nazismo. Esta não foi, Steigmann-Gall acredita, uma relação simples e oportunista de ambos os lados. Ambos acreditavam que estavam seguindo uma postura genuinamente cristã, "seguindo um chamado à fé de Deus, que ouvimos em nosso movimento Volk" (p. 73).

Seguindo esta interpretação, Steigmann-Gall acha que mesmo aqueles nazistas mais hostis às igrejas poderiam ainda continuar a ter uma relação ambivalente com o cristianismo. Por exemplo, Alfred Rosenberg. Em seu livro, "O Mito do Século XX", ele fez várias referências positivas a Cristo como um lutador e antissemita, e era ainda mais entusiasta no louvor do mais notável místico medieval, Meister Eckhart. Se a Igreja poderia ser purgada de seus acréscimos judaicos e romanos, Rosenberg poderia observar mais adiante para uma fé de alma nórdico-ocidental que iria reencarnar um cristianismo mais puro. Nisso, ele apenas adotou as idéias de pelo menos uma fação extremista do protestantismo "cristão alemão".

Certamente, esses "paganistas"(pagãos), como Steigmann-Gall os chama, exerceu pouco controle sobre a política nazista. Hitler corajosamente e de forma consistente rejeitou qualquer discussão sobre uma religião ersatz baseada em mitos alemães ou culminando no Valhalla. O "cristianismo positivo" de líderes como Goering continuou a enfatizar as vantagens de um cristianismo não-denominacional nacional em áreas como educação ou assistência social. E até mesmo estridente anticlericais, como Goebbels ou Streicher, apoiaram a ideia de um cristianismo ariano como um sistema moral admirável. O fato das igrejas serem as únicas grandes instituições que não sofreram mostras de Gleichschaltung, tendo em vista, na visão de Steigmann-Gall, "a atitude fundamentalmente positiva do estado nazista pelo menos na Igreja Protestante como um todo". Por esta razão, em 1934, Hitler se recusou a apoiar os radicais e em 1935 nomeou um protestante antigo e velho camarada, Hanns Kerrl, para ser ministro de Assuntos Eclesiásticos. Este tipo de cristianismo que Kerrl afirmava foi proclamado em seus discursos: "Adolf Hitler tem martelado a fé e a verdade de Jesus nos corações do Volk alemão .... o verdadeiro cristianismo e o nacional-socialismo são idênticos." Mas Kerrl, que foi nomeado para coordenar as facções rivais protestantes, falhou. Então, Steigmann-Gall assinala que Hitler voltou-se contra as igrejas e abandonou o protestantismo institucional de uma vez por todas. Mas, mesmo assim, de acordo com uma fonte, ele ainda seguia suas idéias originais e era da opinião de que "a Igreja e o cristianismo não são idênticos" (p. 188).

As diferenças entre essa interpretação e as apresentadas anteriormente são realmente únicas em grau e tempo. Steigmann-Gall concorda que a partir de 1937 em diante a política nazista em relação às igrejas tornou-se muito mais hostil. A influência de notáveis ​​anticlericais como Bormann e Heydrich cresceu exponencialmente e foi contida somente pela necessidade de compromissos durante a guerra. Por outro lado, Steigmann-Gall argumenta persuasivamente que o programa do Partido Nazista de 1924 e as escolhas políticas de Hitler nos discursos dos primeiros anos não foram apenas motivações políticas ou enganosas na intenção. Concordando com a posição assumida pelo conterrâneo de Hitler, o teólogo austríaco Friedrich Heer, Steigmann-Gall considera esses discursos como sendo um sincero reconhecimento do cristianismo como um sistema de valores a ser adotado. No entanto, ele não está de total acordo em admitir que este cristianismo nazista foi eviscerado de todos os dogmas essenciais ortodoxos. O que restou foi uma vaga impressão combinada com preconceitos anti-judaicos. Apenas poucos radicais na extrema-direita do protestantismo liberal reconheceram essa miscelânea como o verdadeiro cristianismo.

Steigmann-Gall está perfeitamente certo ao salientar que nunca houve um consenso entre os líderes nazistas sobre a relação entre o Partido e o cristianismo. Como Baldur von Schirach comentou mais tarde: "De todos os homens de liderança no Partido que conheci, todos interpretaram o programa do partido de forma diferente [...] Rosenberg misticamente, Goering e alguns outros em um certo senso cristão" (p. 232). As ambigüidades e contradições eram inúmeras. [1] Ao longo dos anos a hostilidade cresceu, apesar de um desejo persistente de querer manter permanentemente um elemento cristão, combinando o antissemitismo e nacionalismo em algum tipo de avaliação positiva.

A façanha de Steigmann-Gall é ter explorado bastante os extensos registros da era nazista, a fim de ilustrar essas concepções muitas vezes conflitantes do cristianismo e demonstrar a prova em uma avaliação cuidadosamente ponderada. Ao fazê-lo, ele quase elabora um caso convincente. Mas sua visão final de que, à luz dos imperativos ideológicos pós-1945, o nazismo tinha de ser retratado como um império do mal e anticristão, parece exagerada. No entanto, é inegável que ele está certo em apontar o quanto o nazismo foi adotado pelos cristãos alemães, especialmente protestantes, dos conceitos e quanto apoio ele ganhou da maioria dos cristãos na Alemanha. Esta é certamente uma lição séria a ser desenhado a partir deste relato interessante e bem fundamentado.

Notas:

[1]. Como um exemplo das diferenças entre líderes nazistas, a seguinte anedota é registrada. Num encontro com Kerrl logo após sua nomeação como ministro da Igreja, Heinrich Himmler disse a ele, "Eu pensei apenas que você estivesse tentando agir piedosamente até o momento, mas agora vejo que você é realmente piedoso. Por isso devo tratá-lo mal no futuro." E então Kerrl espantado perguntou porque e o Reichsfuehrer SS respondeu, "Bem, na sua visão, quanto pior você for tratado aqui embaixo, melhores recompensas receberão depois."

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Fonte: H-Net
http://www.h-net.org/reviews/showrev.php?id=7658
Tradução: Roberto Lucena

sexta-feira, 27 de março de 2009

Antissemitismo e o Arcebispo de Porto Alegre

Não bastasse as recentes declarações de cunho antissemita negando o Holocausto do bispo lefebvriano Richard Williamson na Argentina, a extrema-direita católica volta à cena. O Arcebispo de Porto Alegre resolveu enveredar por esse caminho alegando que morreram mais católicos no Holocausto(qual a fonte?) que judeus e dizendo que isto não aparece porque os judeus "têm a propaganda do mundo". Não bastasse isso que por si só já seria um ato deplorável e uma alegação estúpida, ele ainda fez um "revisionismo" da ditadura militar brasileira negando o apoio do clero de direita católico à mesma além de condenar pesquisas com células-tronco, o que só reforça a imagem negativa do quão obscuro(e arcaico) é o fundamentalismo religioso em relação à pesquisa científica. Espetáculo deprimente.

Arcebispo de Porto Alegre faz declaração polêmica sobre Holocausto

Dom Dadeus Grings condenou as pesquisas de células-tronco embrionárias em entrevista
Foto:Fernando Gomes, Banco de Dados ZH

Líder religioso também defendeu o celibato e condenou as pesquisas de células-tronco embrionárias

O arcebispo de Porto Alegre, Dom Dadeus Grings, fez uma afirmação polêmica em entrevista à revista Press. Segundo ele, "morreram mais católicos do que judeus no Holocausto, mas isso não aparece porque os judeus têm a propaganda do mundo".

Na entrevista, o arcebispo também defende o celibato, condena as pesquisas de células-tronco embrionárias e a distribuição de camisinhas pelo governo e defende a neutralidade da Igreja durante o período militar no Brasil e durante a II Guerra Mundial.

Fonte: Zero Hora
http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1§ion=Geral&newsID=a2454061.xml

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Umberto Eco: O novo anti-semitismo

Sábado, 28 de fevereiro de 2009, 09h44
O novo anti-semitismo

Umberto Eco
Do The New York Times

(Foto)O pianista Daniel Barenboim convoca mediação para conflito

No mês passado, em resposta à guerra em Gaza entre Israel e o Hamas, o pianista Daniel Barenboim pediu que intelectuais ao redor do mundo assinassem um manifesto divulgando uma nova iniciativa para resolver o conflito (publicado recentemente pelo The New York Review of Books). A princípio, a intenção é quase ridiculamente óbvia: O objetivo principal é juntar todos os recursos possíveis para propor uma mediação vigorosa. Mas o mais significativo é que um grande artista israelense é o responsável pela iniciativa.

É um sinal de que as mentes mais lúcidas e os pensadores mais profundos de Israel estão pedindo que as pessoas parem de se perguntar que lado é o certo ou o errado e trabalhem para a coexistência dos dois povos. Sendo assim, os protestos contra o governo israelense são compreensíveis, não fosse pelo fato de que estes protestos possuem normalmente um tom anti-semita.

Se os protestantes não demonstram uma postura anti-semita explícita, a imprensa o está fazendo nos dias de hoje. Já vi artigos que mencionam - como se fosse a coisa mais óbvia do mundo - "protestos anti-semitas em Amsterdam" e coisas do gênero. É algo que já ficou tão banalizado que o anormal agora é pensar que seja algo anormal. Mas vamos refletir se seria correto definir um protesto contra a administração Markel na Alemanha como antiariano, ou um protesto contra Berlusconi na Itália como antilatino.

Neste curto espaço é impossível resumir os problemas centenários do anti-semitismo, suas ressurgências ocasionais, suas várias raízes. Quando uma postura sobrevive por 2.000 anos, já está impregnada de fé religiosa - de crenças fundamentalistas. O anti-semitismo pode ser definido como uma das muitas formas de fanatismo que envenenaram o mundo através dos tempos. Se muitas pessoas acreditam na existência de um diabo que conspira para nos levar à ruína, por que não poderiam acreditar também numa conspiração judaica para dominar o mundo?

O anti-semitismo, como qualquer atitude irracional orientada pela fé cega, é cheio de contradições; seus adeptos não as percebem, mas as repetem sem qualquer constrangimento. Por exemplo, nas ocorrências clássicas do anti-semitismo no século XIX, dois lugares comuns eram utilizados sempre que a ocasião assim pedisse. Um era que os judeus, que viviam em lugares apertados e escuros, eram mais suscetíveis do que os cristãos a infecções e doenças (e, portanto, eram perigosos). Por razões misteriosas, o segundo argumento era justamente que os judeus eram mais resistentes a pragas e epidemias, além de serem sensuais e assustadoramente fecundos, o que fazia deles invasores em potencial do mundo cristão.

Outro lugar comum foi amplamente utilizado tanto pela esquerda quando pela direita, e para exemplificar, eu cito um clássico do anti-semitismo socialista (Alphonse Toussenel, "Les Juifs, Rois de l'Epoque," 1847) e um clássico do anti-semitismo católico legitimista (Henri Gougenot des Mousseaux, "Le Juif, le Judaisme et la Judaisation des Peoples Chretiens," 1869). As duas obras sustentam o argumento de que os judeus não praticavam a agricultura e, portanto, eram distantes da vida produtiva dos países em que residiam. Por outro lado, eles eram também completamente dedicados às finanças, ou seja, a posse do ouro. Portanto, sendo nômades por natureza, e impulsionados por suas esperanças messiânicas, eles poderiam prontamente abandonar os estados que os acolheram e facilmente levar toda a riqueza com eles. Não vou comentar o fato de que outra ocorrência anti-semita daquele período, incluindo o notório "Os Protocolos dos Sábios de Sião", acusava os judeus de tentar se apoderar de propriedades para tomar seus campos. Como já foi dito, o anti-semitismo é cheio de contradições.

Uma característica proeminente dos israelenses é que eles utilizaram métodos ultramodernos para cultivar a terra, criando fazendas modelo e afins. Então, se eles lutassem, seria precisamente para defender o território em que eles se estabeleceram de forma estável. Este, acima de todos os argumentos, é o que os árabes anti-semitas usam contra eles, sendo que na realidade o objetivo principal deste tipo de árabe é destruir o Estado de Israel.

Em suma, os anti-semitas não gostam quando os judeus vivem em um país que não seja Israel. Mas, se um judeu decide morar em Israel, os anti-semitas também não gostam. Claro, eu sei muito bem da objeção de que o território onde hoje é Israel foi um dia palestino. Mesmo assim, ele não foi conquistado com violência aviltante ou com nativos dizimados, como no caso da América do Norte, ou mesmo pela destruição de estados governados por seus monarcas de direito, como na América do Sul, mas através migrações graduais e assentamentos que foram inicialmente aceitos.

De qualquer forma, enquanto algumas pessoas ficam irritadas quando aqueles que criticam as políticas de Israel são chamados de anti-semitas, aqueles que traduzem imediatamente qualquer criticismo às políticas israelenses com termos anti-semitas me deixam ainda mais preocupado.

Umberto Eco é filósofo e escritor. É autor de "A Misteriosa Chama Da Rainha Loana", "Baudolino", "O Nome da Rosa" e "O Pêndulo de Foucault". Artigo distribuído pelo The New York Times Sybdicate.

Fonte: New York Times/Terra Magazine
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3603669-EI12929,00-O+novo+antisemitismo.html

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