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sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Diário de um desesperado: os nazis e os anabatistas de Münster (Fanatismo religioso e nazismo)

Publicado em 29 março, 2013

"Eu, entretanto, enquanto trabalho no meu livro sobre os anabatistas de Münster, leio com profundo estremecimento os relatos medievais referentes a esta heresia autenticamente alemã, que foi en todos y cada uno de seus elementos, inclusive nos mais ridículos detalhes, predecessora do que agora estamos vivendo. A semelhança da atual Alemanha, aquela cidade Estado de Münster se separou por inteiro do mundo civilizado e, como a Alemanha nazi, apontou-se um sucesso atrás do outro durante um longo tempo até parecer invencível, para no final desabar num momento em que tudo era inesperado, e por assim dizer, virar uma bagatela...

Como agora, então também o grande profeta era um bagulho, um bastardo concebido nas valas da rua; como agora, toda resistência se rende ante ele, de forma incompreensível para um mundo assombrado; como agora (há pouco tempo em Berchtesganden, mulheres extasiadas tragaram os seixos os quais acabavam de ser pisados por nosso capitão de contrabandistas!)… como agora, mulheres histéricas, professores de escola estigmatizados, padres zangados, alcaguetes exitosos e outsiders de todas as profissões são os principais pilares do regime.

As similitudes se acumulam de tal modo que tive que as reprimir para não arriscar ainda mais a razão. Como em Münster, agora uma fina túnica de ideologia envolve um núcleo de lascívia, cobiça, sadismo e desejos abismais de ser alguém, e a quem duvidar da nova doutrina ou a ouse criticá-la, vai acabar nas mãos do carrasco. Do mesmo modo que o senhor Hitler no golpe contra Röhm, esse Bockelson agiu em Münster: como carrasco do Estado; como agora, a legislação espartana à qual se submeteu a vida da mísera plebe não regia, evidentemente, nem ele e nem seu bando de gângsteres. Como agora, Bockelson também se rodeou de seus capangas, invulneráveis a todo atentado; e como agora, houve manifestações de ruas e "doações voluntárias" cujo rechaço foi castigado com a proscrição; como agora, narcotizou-se a massa com festas populares e se ergueram construções inúteis para que o homem da rua não tivesse um instante de reflexão.

Igual a Alemanha nazi, Münster também enviou seus quintas-colunas e seus profetas para rastrearem os Estados circundantes, e o ministro de Propaganda de Münster, Dusentschnur, era coxo, igual ao seu grande colega Goebbels, é uma piada que a História Universal gastou quatrocentos anos de antecedência: um fato que eu, familiarizado com a sede de vingança do nosso embusteiro do Reich, ocultei prudentemente em meu livro. Sobre os cimentos da mentira, no ponto de inflexão entre o gótico e a Idade Moderna, alça-se durante um curto período um Estado de bandidos que ameaça a todo o mundo antigo, inclusive o Imperador, os estamentos e a todos os velhos vínculos, e que no fundo não possuem mais que o objetivo de saciar a ânsia de poder de uns quatro bandoleiros; aquilo que falta à gente compartilhar o destino dos habitantes de Münster em 1534 - ter que comer seus próprios excrementos na cidade sitiada, e finalmente e inclusive seus próprios filhos, postos antecipadamente em salmoura- ainda poderia cair sobre nós, o mesmo que ocorreu um dia com o inevitável fim de Bockelson e Knipperdollink acontecerá com Hitler e seus seguidores."

Fonte: extraído do blog El Viento en la Noche (Espanha)
http://universoconcentracionario.wordpress.com/2013/03/29/diario-de-un-desesperado-los-nazis-y-los-anabaptistas-de-munster/
Trecho do livro (citado no blog): Diario de un desesperado, de Friedrich Beck (livro em inglês, Diary of a Man in Despair), editora Minúscula (Espanha), págs. 23-25.
Tradução: Roberto Lucena
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Observação: eu achei um texto sobre menonitas nazis em virtude de um livro com o título de "Anabatistas e nazismo", antes mesmo de ler esse trecho citando esse assunto (anabatistas) nesse blog espanhol. Só que como não deu pra traduzir o outro texto, achei melhor colocar esse texto mais curto pra que menciona o assunto com um trecho do livro de Friedrich Beck, que relaciona um fato religioso da Alemanha que teve impacto direto no nazismo (a questão tratada é o fanatismo levado as últimas consequências), uma certa postura fanática e bandoleira, assuntos que geram discussão até hoje (a questão religiosa da Alemanha e o nazismo, no caso, a participação dos diversos credos alemães no regime nazi, o grau de participação e a relevância de cada um).

O livro é esse: A History of the Münster Anabaptists: Inner Emigration and the Third Reich (editado por George von der Lippe, Viktoria Reck-Malleczewen).

Sobre esse assunto (religião no Terceiro Reich, link2), lembro que uma vez no Orkut uma pessoa contestou um percentual que eu havia citado (por ter lido no site do Museu do Holocausto, USHMM, inclusive a tradução do texto se encontra no link que coloquei no começo deste parágrafo) de que a maioria religiosa da Alemanha na época do nazismo era protestante e não católica (havia mais de 60% de protestantes e uns 40% ou menos de católicos), sendo que o maior apoio religioso dentro da Alemanha a Hitler e o nazismo foi do lado protestante. O que é curioso pois parte da cúpula nazista era católica e esta mesma cúpula e partido eram vistos com mais desconfiança por católicos alemães por terem uma visão mais rígida e tradicional da sociedade e da Igreja (a hierarquização com o Papa). O caso austríaco também é interessante (já citado aqui), houve um golpe de estado nazista contra os fascistas austríacos ou austrofascistas (que eram católicos, a Áustria era e ainda é um país germânico de maioria católica).

No geral, esse tipo de assunto provoca 'surtos' (de ira) em alguém mais 'fanático' ou "sensível ao extremo" (leia-se: intolerante) quando é citado o assunto religião, só que não se deve misturar crença pessoal com História (ciência e fatos históricos), ou pelo menos as pessoas não deveriam fazer isso (mas fazem). O que é óbvio pra muita gente, prum fanático religioso é algo que parece uma tortura, "abismo" ou precipício.

O fato é que não irei me policiar ou omitir o assunto porque por ventura isto desagrada a A, B ou C. Quem não tem condição emocional de ler esse tipo de assunto é só passar longe, ninguém é forçado a ler nada e lê porque quer. Quem quiser verificar o assunto tem toda a web (e livros) pra fazê-lo. Comento isto porque alguns fanáticos religiosos vinham tentar abafar discussão sobre o assunto no Orkut (não eram poucos) e sinceramente, não tenho mais a menor paciência pra tolerar esse tipo de chantagem psicológica repulsiva com viés autoritário.

E concluindo pra deixar registrado, eu achei uma fonte que cita o censo que traz esses números, mas o censo religioso desse ano (que não me recordo de memória) não se encontra na web, não sei por qual razão. Mas ele existe e é citado como fonte em um texto que achei há muito tempo, se eu conseguir encontrar esses links de novo até coloco aqui, portanto, ficarei devendo.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Richard Steigmann-Gall - O Santo Reich: as concepções nazistas do cristianismo, 1919-1945

Resenha crítica de John S. Conway (Departmento de História, Universidade da Colúmbia Britânica)
Publicado em H-German (Junho de 2003)

Richard Steigmann-Gall. The Holy Reich: Nazi Conceptions of Christianity, 1919-1945 (O Santo Reich: as concepções nazistas do cristianismo, 1919-1945); Cambridge: Cambridge University Press, 2003. 294 páginas, ISBN 978-0-521-82371-5.

O estudo animado e às vezes provocador de Richard Steigmann-Gall sobre a relação entre o nazismo e o cristianismo faz uma inovação. Ele critica aqueles que, como este resenhista, argumentam que o nazismo e o cristianismo eram incompatíveis, tanto na teoria e prática. Em vez disso, ele examina mais de perto as áreas de sobreposição e as ambiguidades decorrentes nas mentes de muitos líderes nazistas. Ele rejeita a ideia de que, quando oradores nazistas fizeram uso frequente do vocabulário cristão antes de 1933, foi puramente um dispositivo tático para ganhar votos. Mais tarde, tal religiosidade enganosa seria descartada por não ser mais necessária. Em vez disso, ele mostra a valorização ampla e consistente do cristianismo como um sistema religioso nas fileiras nazis, mesmo entre os vários membros de sua hierarquia. Da mesma forma, ele contesta a afirmação de que aqueles cristãos que se reuniram à causa nazista eram superficiais e oportunistas, saltando em uma onda política popular. Ele argumenta que as condições estressantes de uma Alemanha derrotada levou muitos cristãos sinceros, principalmente protestantes, a considerar a causa nazista como teologicamente justificada, bem como politicamente apropriada.

O nazismo idealizou, e mesmo idolatrou, a nação alemã e o Volk. Steigmann-Gall mostra como essa tendência já estava presente no recém-criado Reich bismarckiano, e foi muito incentivada pelo clero protestante. Sua teologia de guerra, em 1914, afirmou a aprovação divina da causa da Alemanha e fez cair a condenação sobre seus inimigos. Depois da derrota em 1918, o clero proporcionou o clima espiritual de uma visão apocalíptica do destino da Alemanha, valentemente se guardando contra as investidas dos males do marxismo, do judaísmo, do bolchevismo e materialismo. Tal pensamento dualista percorreram ambos em paralelo e alimentou o extremismo dos grupos políticos radicais da década de 1920, dos quais o nazismo emergiu como o mais bem sucedido.

A mais notória característica do nazismo era seu antissemitismo. Muitos observadores afirmam que o Holocausto foi o culminar de séculos de intolerância e perseguição cristã. Por sua parte, os clérigos têm procurado traçar uma linha entre antes da teologia cristã anti-judaica e o antissemitismo mais virulento racial nazista. Mas Steigmann-Gall, seguindo Uriel Tal, mostra quão facilmente os alemães católicos e protestantes podiam fundir suas antipatias religiosas com a campanha política dos nazistas. Por outro lado, ele mostra quantos nazistas acreditavam na base religiosa de seu ódio aos judeus, que formavam um ponto negativo de referência para uma ideologia de integração nacional-religiosa. A postura de Lutero contra os judeus poderiam ser apoiadas, por razões mais do que meramente táticas. E o apoio de Hitler ao "cristianismo positivo" foi uma tentativa de superar as diferenças confessionais, a fim de concentrar forças cristãs contra o seu arqui-inimigo, o judeu. E com total certeza muitos líderes nazistas eram anticlericais. Mas este veneno era principalmente direcionado contra os padres e pastores que colocavam suas lealdades institucionais à frente dos seus nacionais. Isso não impediu esses nazistas de acreditar que o movimento foi, em certo sentido cristão. Foi nesta base que os nazistas como Gauleiter Wilhelm Kube, o ministro da Educação da Baviera, Hans Schemm, e Hanns Kerrl, o ministro prussiano de Justiça, que mais tarde se tornou o Ministro de Assuntos Eclesiásticos do Reich, puderam buscar uma aliança com esses elementos nas igrejas, especialmente os protestantes, que apoiaram as políticas "autoritárias, anti-marxistas e antissemitas" do nazismo. Esta não foi, Steigmann-Gall acredita, uma relação simples e oportunista de ambos os lados. Ambos acreditavam que estavam seguindo uma postura genuinamente cristã, "seguindo um chamado à fé de Deus, que ouvimos em nosso movimento Volk" (p. 73).

Seguindo esta interpretação, Steigmann-Gall acha que mesmo aqueles nazistas mais hostis às igrejas poderiam ainda continuar a ter uma relação ambivalente com o cristianismo. Por exemplo, Alfred Rosenberg. Em seu livro, "O Mito do Século XX", ele fez várias referências positivas a Cristo como um lutador e antissemita, e era ainda mais entusiasta no louvor do mais notável místico medieval, Meister Eckhart. Se a Igreja poderia ser purgada de seus acréscimos judaicos e romanos, Rosenberg poderia observar mais adiante para uma fé de alma nórdico-ocidental que iria reencarnar um cristianismo mais puro. Nisso, ele apenas adotou as idéias de pelo menos uma fação extremista do protestantismo "cristão alemão".

Certamente, esses "paganistas"(pagãos), como Steigmann-Gall os chama, exerceu pouco controle sobre a política nazista. Hitler corajosamente e de forma consistente rejeitou qualquer discussão sobre uma religião ersatz baseada em mitos alemães ou culminando no Valhalla. O "cristianismo positivo" de líderes como Goering continuou a enfatizar as vantagens de um cristianismo não-denominacional nacional em áreas como educação ou assistência social. E até mesmo estridente anticlericais, como Goebbels ou Streicher, apoiaram a ideia de um cristianismo ariano como um sistema moral admirável. O fato das igrejas serem as únicas grandes instituições que não sofreram mostras de Gleichschaltung, tendo em vista, na visão de Steigmann-Gall, "a atitude fundamentalmente positiva do estado nazista pelo menos na Igreja Protestante como um todo". Por esta razão, em 1934, Hitler se recusou a apoiar os radicais e em 1935 nomeou um protestante antigo e velho camarada, Hanns Kerrl, para ser ministro de Assuntos Eclesiásticos. Este tipo de cristianismo que Kerrl afirmava foi proclamado em seus discursos: "Adolf Hitler tem martelado a fé e a verdade de Jesus nos corações do Volk alemão .... o verdadeiro cristianismo e o nacional-socialismo são idênticos." Mas Kerrl, que foi nomeado para coordenar as facções rivais protestantes, falhou. Então, Steigmann-Gall assinala que Hitler voltou-se contra as igrejas e abandonou o protestantismo institucional de uma vez por todas. Mas, mesmo assim, de acordo com uma fonte, ele ainda seguia suas idéias originais e era da opinião de que "a Igreja e o cristianismo não são idênticos" (p. 188).

As diferenças entre essa interpretação e as apresentadas anteriormente são realmente únicas em grau e tempo. Steigmann-Gall concorda que a partir de 1937 em diante a política nazista em relação às igrejas tornou-se muito mais hostil. A influência de notáveis ​​anticlericais como Bormann e Heydrich cresceu exponencialmente e foi contida somente pela necessidade de compromissos durante a guerra. Por outro lado, Steigmann-Gall argumenta persuasivamente que o programa do Partido Nazista de 1924 e as escolhas políticas de Hitler nos discursos dos primeiros anos não foram apenas motivações políticas ou enganosas na intenção. Concordando com a posição assumida pelo conterrâneo de Hitler, o teólogo austríaco Friedrich Heer, Steigmann-Gall considera esses discursos como sendo um sincero reconhecimento do cristianismo como um sistema de valores a ser adotado. No entanto, ele não está de total acordo em admitir que este cristianismo nazista foi eviscerado de todos os dogmas essenciais ortodoxos. O que restou foi uma vaga impressão combinada com preconceitos anti-judaicos. Apenas poucos radicais na extrema-direita do protestantismo liberal reconheceram essa miscelânea como o verdadeiro cristianismo.

Steigmann-Gall está perfeitamente certo ao salientar que nunca houve um consenso entre os líderes nazistas sobre a relação entre o Partido e o cristianismo. Como Baldur von Schirach comentou mais tarde: "De todos os homens de liderança no Partido que conheci, todos interpretaram o programa do partido de forma diferente [...] Rosenberg misticamente, Goering e alguns outros em um certo senso cristão" (p. 232). As ambigüidades e contradições eram inúmeras. [1] Ao longo dos anos a hostilidade cresceu, apesar de um desejo persistente de querer manter permanentemente um elemento cristão, combinando o antissemitismo e nacionalismo em algum tipo de avaliação positiva.

A façanha de Steigmann-Gall é ter explorado bastante os extensos registros da era nazista, a fim de ilustrar essas concepções muitas vezes conflitantes do cristianismo e demonstrar a prova em uma avaliação cuidadosamente ponderada. Ao fazê-lo, ele quase elabora um caso convincente. Mas sua visão final de que, à luz dos imperativos ideológicos pós-1945, o nazismo tinha de ser retratado como um império do mal e anticristão, parece exagerada. No entanto, é inegável que ele está certo em apontar o quanto o nazismo foi adotado pelos cristãos alemães, especialmente protestantes, dos conceitos e quanto apoio ele ganhou da maioria dos cristãos na Alemanha. Esta é certamente uma lição séria a ser desenhado a partir deste relato interessante e bem fundamentado.

Notas:

[1]. Como um exemplo das diferenças entre líderes nazistas, a seguinte anedota é registrada. Num encontro com Kerrl logo após sua nomeação como ministro da Igreja, Heinrich Himmler disse a ele, "Eu pensei apenas que você estivesse tentando agir piedosamente até o momento, mas agora vejo que você é realmente piedoso. Por isso devo tratá-lo mal no futuro." E então Kerrl espantado perguntou porque e o Reichsfuehrer SS respondeu, "Bem, na sua visão, quanto pior você for tratado aqui embaixo, melhores recompensas receberão depois."

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Fonte: H-Net
http://www.h-net.org/reviews/showrev.php?id=7658
Tradução: Roberto Lucena

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Salvadores Alemães 10 - Martin Niemöller - Herói da Resistência alemã

Martin Niemöller. Herói da Resistência alemã. 6 de março. Aniversário de seu falecimento

"Primeiro vieram atrás dos comunistas,
mas eu não era comunista
não ergui a voz.

Logo depois vieram pelos socialistas e os sindicalistas,
mas como nenhuma das duas coisas,
tampoco ergui a voz(contra).

Depois vieram atrás dos judeus,
e como eu não sou judeu,
tampouco ergui a voz

E quando vieram atrás de mim,
já não restava ninguém que levantasse a voz
para me defender.
"

Martin Niemöller é, talvez, a figura emblemática da resistência alemã ao Terceiro Reich. Havia nascido em Lippstadt, Westphalia, em14 de janeiro de 1892. Foi tenente de um submarino durante a Primeira Guerra Mundial e por seus serviços recebeu a condecoração 'Pour le Mérite'.

Finalizada a contenda dedicou suas horas ao estudo da teologia. Em 1924 foi ordenado pastor. Entre 1931 e 1937 teve a seu cargo a igreja Berlim-Dahlem e, como muitos outros alemães protestantes, deu as boas-vindas ao nazismo quando assumiu o poder em 1933. Acreditava, como acreditou a maioria no começo, que Hitler encarnava o renascimento do nacionalismo alemão, mitologia desvalorizada por conta da derrota e dos acordos de Versailles.

Sua prematura autobiografia, 'Do submarino ao púlpito´ ('Vom U-Boot zur Kanzel'), de 1933, foi profusamente elogiada pela imprensa por suas ideias e prosa patrióticas.

Niemöller compartilhava com o regime nazi o desprezo pelos comunistas e pela República de Weimar sobre a qual ele mesmo diz que só havia dado à Alemanha 'catorze anos de obscuridade'.

Desencanto e desobediência

Mas rapidamente, contudo, em meados de 1934, a ilusão de Niemöller se desvaneceu quando Hitler subordinou a Igreja Evangélica da Alemanha com a colaboração de Ludwig Müller, o bispo do Reich. Instaurou-se um tipo de neo-paganismo. O Antigo Testamento foi abandonado. Todos os pastores foram obrigados a jurar lealdade ao Reich sob a ordem de 'Um Povo, Um Reich, Uma Fé'. Aqueles que se opuseram a aberração foram presos e muitos morreram nas câmaras de gás. 'O Nacional-Socialismo e o Cristianismo são irreconciliáveis', repetia Martin Bormann, à sombra de Hitler.

Com o objetivo de preservar a independência da Igreja Luterana dos avanços do poder totalitário, Niemöller fundou em 1934 a Liga Pastoral de Emergência (Pfarrernotbund) e assumiu a condução da Igreja Confessional (Bekennende Kirche), movimento opositor que se diferenciou claramente dos cristãos simpatizantes do nazismo.

Em março no Sínodo Geral de maio de 1934, a Igreja Confessional se declarou como a legítima representante do protestantismo na Alemanha e atraiu para as suas fileiras mais de sete mil pastores. Com conhecimento de causa de quais eram os planos que a autoridade tinha para ele, Niemöller disse em um de seus últimos sermões no Reich: 'Devemos usar nossos poderes para nos libertamos do braço opressor da autoridade assim como o fizeram os Apóstolos de outrora. Não estamos dispostos a guardar silêncio por mando do homem quando Deus nos ordenar a falar.'

Hitler, furioso com a atitude de aberta rebeldia do outrora elogiado ministro da fé, ordenou sua prisão no 1º de julho de 1937. Levado a juízo em março de 1938, Niemöller foi considerado culpado de ações subversivas contra o Estado e o condenou a sete meses de reclusão e a pagar uma multa de dois mil marcos.

Logo após de cumprir a pena, Niemöller continuou praticando sua tenaz desobediência e foi novamente preso. Desta vez a condenação foi mais dura e resultou em ter que passar sete anos preso no campo de concentração de Sachsenhausen sob a figura legal de 'custódia preventiva' e, por ordem de Hitler, como 'prisioneiro pessoal do Führer'. As tropas aliadas o libertaram em 1945. Nesse mesmo ano e durante uma de suas aulas, já restituído à vida acadêmica, um aluno, atordoado pelo relato de Niemöller sobre o sucedido na Alemanha, perguntou-lhe como tudo isso havia sido possível. Logo depois de meditar alguns segundos, respondeu-lhe com o famoso poema que inicia este artigo.

Em 1947 foi eleito presidente da Igreja Protestante em Hessen e Nassau, cargo que ocupou até seu retiro em 1964, com a idade de setenta e dois anos.

Pacifista consumado, dedicou os últimos anos de sua vida a pregar sobre o perigo das armas nucleares, atividade que o conduziu a múltiplos encontros com políticos e organizadores do bloco soviético. Morreu em Wiesbaden, em 6 de março de 1984.

Buenos Aires e Berlim, cidades irmãs

A Fundação Internacional Raoul Wallenberg relembra Niemöller e seu exemplo de vida. Além das mundialmente conhecidas figuras da resistência alemã houve outras muitas pessoas que, de uma ou outra forma, desobedeceram flagrantemente o mandato do Terceiro Reich. Junto com o Centro de Estudos sobre Antissemitismo da Universidade Tecnológica de Berlim, conduzido pelo professor Wolfgang Benz e dirigido academicamente pela Dra. Beate Kosmala, difundimos o produto de uma investigação que até o momento tem arrecadado dados fidedignos sobre mais de três mil pessoas, em sua maioria berlinenses, que auxiliaram a judeus e outros perseguidos durante o império do Nacional-Socialismo.

Por sua parte, a Igreja Evangélica da Alemanha, numa decisão sem precedentes, tem resolveu colocar na Igreja do Pai Nosso da capital alemã(Vaterunser-Kirche) uma réplica do Mural Comemorativo das Vítimas do Holocausto. Este símbolo de reconciliação foi instalado em 1997 na Capela da Virgem de Luján da Catedral Metropolitana pelo Cardeal Antonio Quarracino, em instâncias da nossa organização. Berlim será assim a segunda metrópole no mundo a hospedar uma lembrança dos assassinados na Shoá dentro de um templo cristão, privilégio até agora ostentado só pela cidade de Buenos Aires.

* Baruj Tenembaum é fundador da Fundação Internacional Raoul Wallenberg. Nova York, março de 2002.

Fonte: The International Raoul Wallenberg Foundation (website, seção em espanhol)
http://www.raoulwallenberg.net/?es/salvadores/rescate/martin-niemoller-heroe.504021.htm
Foto (AP/Deutsche Welle): O pastor Martin Niemoeller em 14.01.1977, dia do seu 85º aniversário
Tradução: Roberto Lucena

Último post da série Salvadores Alemães que começou aqui:
Salvadores Alemães 1 - Franziska Bereit
http://holocausto-doc.blogspot.com/2007/09/salvadores-alemaes-01-franziska-bereit.html

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