Dia 14 de julho, data da Queda da Bastilha, nada mais justo do que fazer uma "homenagem" aos "revis" (os pimpolhos autoritários viúvas do bigodinho raivoso da Áustria) com esta cena do filme Casablanca. Assistam abaixo:
Link: https://www.youtube.com/watch?v=HM-E2H1ChJM
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domingo, 14 de julho de 2013
sexta-feira, 24 de outubro de 2008
Uma Europa sem judeus
Por Fernando R. Genovés
A história da Europa constitue um dramático testemunho de como alguns povos muito antigos e orgulhosos são capazes de provocar problemas gravíssimos, de origem interna mas com alcance exterior e mundial, e sem depois resolvê-los convenientemente. No geral, deixam-nos latentes e inconclusos, jacentes e dormentes, com a confortável e contemplativa certeza de que, finalmente, serão outros, os de sempre, quem os solucionarão. Por exemplo, que fazer com os judeus.
__________________________________________________
No ano de 1922 Hugo Bettauer escreveu a novela premonitora "A cidade sem judeus" (Die Stadt ohne Juden). Ali fantasiava o autor com uma especulação demasiada presente e profundamente arraigada no subconsciente, e outros subterrâneos, da sociedade vienense, representativa por sua vez das pulsões que agitam há séculos em muitas cidades da Europa. Eis aqui o quadro expresionista descrito: de pronto, na barroca e colorida capital do império austrohúngaro se decreta, através de uma sentença legal e "democrática", avalizada pelo Parlamento, a expulsão geral dos judeus da cidade.
Desta maneira, reduzindo ao absurdo uma añeja lógica cultural, a européia, a realidade circunscrita adquire sua autêntica face. Que restará das sociedades e cidades modernas e civilizadas da Europa, como Viena ou Berlim, se de repente os judeus fossem riscados do mapa? Muito simples, a vida urbana adquire uns tons sépia, entre o cinza e o negro, um fundo de claro-escuro, con tingimentos inconfundiblemente provincianos. Os Graben, relata Bettauer, perdem sua tradicional elegância, e tudo adota em suma um ar aldeano, entre tirolês e bávaro, de postal de feira bovina. As autoridades locais, alarmadas ante semelhante deterioração, decidem voltar atrás e repôr o israelita de volta em seu lugar. Mas não por acaso já seria demasiado tarde.
Que fazer com os judeus? Que fazer sem eles, seus aliados e amigos? Como se desmarcar dos americanos e constituir um continente frente a uns e outros? Que relações perigosas, que horizontes distantes, deve buscar apressuradamente a Europa para frear, e ainda neutralizar, estas pressentidas ameaças para seu ser alterado e sua identidade consumida, produto curiosamente de un excesso de ensimesmamiento, de deleite em seus própios fantasmas? Hoje a Europa simboliza uma alma em pena que se tem negado a si mesma, que tem renegado as suas mais férteis constituintes, proveitosas heranças e fiéis companhias, para abandonar-se nas mãos de seus próprios executores. Sacrificada e resignada, espera seu acabamento. Enquanto isso tanto vão adiante algumas vítimas propiciatórias com as que aliviam a voracidade do ogro devorador. A sorte está lançada.
O ovo da serpente volta a se incubar. Uma Europa sem judeus e sem americanos. Isto é possível? Vale a pena fazer experimentos e brincar com fogo, outra vez? Como conseqüência cabal ofender e irritar a nosso principal sócio até fazer com que ele perca a paciência? Hoje, falar de "União Européia" supõe uma flagrante contradição nos termos: "O que une a Europa hoje é o repúdio à guerra, do hegemonismo, do antissemitismo e, pouco a pouco, de todas as catástrofes que foram fomentadas, de todas as formas de intolerância ou de desigualdadeque que foram desenvolvidas" (Alain Finkielkraut, no "O nome do Outro". Reflexões sobre o antissemitismo que está por vir).
Europa, a rigor, não tem um problema com os judeus. Tampouco existe, falando em propriedade, uma "questão judia". A asfixiante demonização do judeu e de Israel comporta na prática uma atitude tão homicida como suicida. Acaso se trate simplesmente disso. O problema da Europa, entre outros que ela mesmo estimula, é o antissemitismo. A questão palpitante, portanto, é a "questão européia".
Ainda assim, aceitamos os usos mais comuns, a espera de ventos lingüísticos mais favoráveis, e, com face em André Glucksmann em seu ensaio "O discurso do ódio", atendamos a nosso assunto a partir da descrição das "três questões judias" que tem ocorrido na Europa como um espectro.
A primeira e mais antiga questão: o judeu molesta. Sua presença incomoda, porque não acaba nunca de desaparecer do todo, e sua ausência inquieta, porque se espreita, pois no fundo se espera e teme. Seja em termos religiosos ou populares, na consciência cristã o judaísmo pesa como um maçante, incômodo e impertinente, uma 'old religion' que não acabou de aceitar a novidade, a boa nova, traída pelas Sagradas Escrituras; um estrangeiro em sua própria casa, demasiado intelectual e tenaz, demasiado obstinado; um alter-ego desnecessário e caprichoso, a quem é preciso exigir-lhe que renuncie a seu empenho pertinaz e se contraia definitivamente, ou que se vá com sua conversa para outra parte. Mas, para onde?
A segunda questão judia remete precisamente ao tema da suposta "emancipação", a qual passa por que os judeus deixem de andar como errantes de cá para lá, atravessando fronteiras e culturas nacionais, pondo em evidência a própria inconsistência européia, e se fixem e se assimilem no interior dos Estados modernos europeus. Este processo ocorre na Europa a partir da Revolução francesa, no calor das transformações políticas e sociais produzidas durante o período das revoluções liberais.
Que o judeu, pois, assimile-se e seja "nacionalmente europeu", nação por nação, com particular acatamento do que foi dado, esquecendo, como apontou Hannah Arendt, algo primordial: "Os judeus eram o único elemento europeu numa Europa dividida em nações". Resultado: imenso fracasso. Um exemplo: as doutrinas racistas e antissemitas surgem precisamente na França, a emancipadora, a revolucionária França.
A terceira questão judia, segundo a descrição de Glucksmann, deviene das duas anteriores e se atasca no ponto morto já presagiado. No presente, a "questão judia" não é proveniente já da ordem teológica cristã do mundo, nem da pressão interna dos Estados-nações com vistas na assimilação ou "simbiose" do judeu com os corpos nacionais instituídos (ou seja, com os pressupostos do nacionalismo mais rançoso, inimigo de morte do universalismo e do cosmopolitismo). É proveniente, na mudança, do ancestral e incombustível ódio antissemita, que foi provado todo anteriormente (inclusive Auschwitz) e decide agora afrontar o tema de frente, novamente.
Aos judeus, não lhes são suportados, nem dentro dos Estados nacionais e em sua própria pátria, nem dentro nem fora. Se se afincam na França, são pouco franceses; se na Alemanha, falsos alemães. Se escasseiam na Espanha ou Japão, "antissemitismo sem judeus". Se fundam Israel e desejam viver em paz, liberdade e segurança dentro de suas fronteiras, ganhado ao deserto e ao bandoleiro com esforço e valor, o sionismo espanta e lhe é apelidado de genocida. As vítimas, para a consciência desgraçada mundial, têm de pagar o preço da dor e do sacrifício para maior glória do carrasco (doutrina da ONU); devem renunciar à memória e a seu passado, deixar de existir, única forma de que termine a eterna canção, a maldita reclamação.
Eis aqui a lógica imposta no coração da velha Europa: antes de Auschwitz eles são abandonados nas mãos de seus executores; depois de Auschwitz eles são condenados ao silêncio. Única saída: a extinção.
Na realidade, a manuseada história da assimilação judeus-Europa não é senão uma imensa farsa. Uma brincadeira na conta de um povo condenado de antemão. Ou uma "revanche póstuma" e um perverso "mal-entendido", como mostra com grande oportunidade e sutileza o livro de Enzo Traverso "Os judeus e a Alemanha".
Ensaios sobre a "simbiose judaico-alemã" (Pre-Textos, 2005), traduzidos para o espanhol em recente e cuidada edição por Isabel Sancho García.
Houve, com efeito, uma cultura judaico-alemã de grande relevância, nascida de um ânimo de assimilação, o que se supôs em grande medida à secularização de boa parte do espírito judeu e a apropiação do universo cultural alemão. Mas este processo não adotou em nenhum momento a forma de um diálogo entre dois povos, de uma "simbiose judaico-alemã", senão de um "monólogo judeu". Ou, como adverte com sagacidade Isabel Sancho no prólogo do texto mencionado: mais que simbiose, para reproduzir fielmente a situação, seria mais exato falar de “parasitismo”, quer dizer, exprimir todo o potencial intelectual e humano de um povo ao que se oferece, se acaso, a cidadania, mas jamais a nacionalidade, para logo se prescindir dele.
Como quer que fosse, o estatuto intelectual no seio da sociedade alemã, principalmente durante os anos 20 e 30 do século XX, ficou reduzido à duas figuras centrais da modernidade judia: o pária e o ambicioso. Duas modalidades de existência da judeidade no interior de um mundo cultural, de uma cultura nacional, da qual se está excluída a priori e na qual não é possível síntese alguma.
Eis aqui, acrescenta Traverso, "o paradoxo de um país que viveu primeiro a 'perfeição da assimilação' e logo o 'aniquilamento sistemático' dos judeus". Eis aqui, com efeito, a paradoxo de um país, mas assim mesmo a parábola tenebrosa de um velho continente que insiste em renunciar a um de seus mais importantes potenciais, garantia provada de universalidade e de racionalidade. O que diz o historiador britânico Paul Johnson, no geral, da mente humana em sua imprescindível "História dos judeus" poderia se aplicar, estritamente, à cultura européia: "Sem os judeus, esta poderia ter sido um lugar muito mais vazio".
Um lugar sem Heinrich Heine e Karl Marx, Franz Kafka e Sigmund Freud, Edmund Husserl e Max Horkheimer, Theodor Adorno e Herbert Marcuse, Eric Fromm e Franz Neuman. Sem Walter Benjamin, Ernst Bloch e George Lukács, Alfred Döblin e Kurt Tucholsky. Sem Arnold Schönberg e Gustav Mahler, Siegfried Kracauer e Karl Mannheim, Karl Kraus e Joseph Roth. Sem Mendelsshon e Ernst Kantorowicz. Sem Hanna Arendt e Rosa Luxemburgo, Han Jonas e Karl Lowitiz. Sem Oppenheimer e Einstein. Sem Henry Kissinger, Hermann Broch e Mary MacCarthy. Sem Elias Canetti e Saul Bellow. Sem Arthur Schanbel e Arthur Rubinstein. Sem Ernst Lubitsh e Billy Wilder, Max Ophüls e Alexander Korda, Peter Lorre e Elizabeth Bergner, Pola Negri e Conrad Veidt. Sem Charles Chaplin. Sem os irmãos Marx.
Muitos destes judeus europeus emigraram para os Estados Unidos para poder ali começar uma nova vida, uma vida em liberdade e plena criatividade, uma ida que o velho continente, suas nações de origem, negavam-lhes. Estados Unidos sem judeus? Uma Europa sem judeus? Sem este legado, aqui só resumido, imagine-se, enfim, um mundo sem judeus.
Fonte: Libertad Digital
http://revista.libertaddigital.com/una-europa-sin-judios-1276230410.html
LIBREPENSAMIENTOS; Una Europa sin judeus
Tradução: Roberto Lucena
A história da Europa constitue um dramático testemunho de como alguns povos muito antigos e orgulhosos são capazes de provocar problemas gravíssimos, de origem interna mas com alcance exterior e mundial, e sem depois resolvê-los convenientemente. No geral, deixam-nos latentes e inconclusos, jacentes e dormentes, com a confortável e contemplativa certeza de que, finalmente, serão outros, os de sempre, quem os solucionarão. Por exemplo, que fazer com os judeus.
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No ano de 1922 Hugo Bettauer escreveu a novela premonitora "A cidade sem judeus" (Die Stadt ohne Juden). Ali fantasiava o autor com uma especulação demasiada presente e profundamente arraigada no subconsciente, e outros subterrâneos, da sociedade vienense, representativa por sua vez das pulsões que agitam há séculos em muitas cidades da Europa. Eis aqui o quadro expresionista descrito: de pronto, na barroca e colorida capital do império austrohúngaro se decreta, através de uma sentença legal e "democrática", avalizada pelo Parlamento, a expulsão geral dos judeus da cidade.
Desta maneira, reduzindo ao absurdo uma añeja lógica cultural, a européia, a realidade circunscrita adquire sua autêntica face. Que restará das sociedades e cidades modernas e civilizadas da Europa, como Viena ou Berlim, se de repente os judeus fossem riscados do mapa? Muito simples, a vida urbana adquire uns tons sépia, entre o cinza e o negro, um fundo de claro-escuro, con tingimentos inconfundiblemente provincianos. Os Graben, relata Bettauer, perdem sua tradicional elegância, e tudo adota em suma um ar aldeano, entre tirolês e bávaro, de postal de feira bovina. As autoridades locais, alarmadas ante semelhante deterioração, decidem voltar atrás e repôr o israelita de volta em seu lugar. Mas não por acaso já seria demasiado tarde.
Que fazer com os judeus? Que fazer sem eles, seus aliados e amigos? Como se desmarcar dos americanos e constituir um continente frente a uns e outros? Que relações perigosas, que horizontes distantes, deve buscar apressuradamente a Europa para frear, e ainda neutralizar, estas pressentidas ameaças para seu ser alterado e sua identidade consumida, produto curiosamente de un excesso de ensimesmamiento, de deleite em seus própios fantasmas? Hoje a Europa simboliza uma alma em pena que se tem negado a si mesma, que tem renegado as suas mais férteis constituintes, proveitosas heranças e fiéis companhias, para abandonar-se nas mãos de seus próprios executores. Sacrificada e resignada, espera seu acabamento. Enquanto isso tanto vão adiante algumas vítimas propiciatórias com as que aliviam a voracidade do ogro devorador. A sorte está lançada.
O ovo da serpente volta a se incubar. Uma Europa sem judeus e sem americanos. Isto é possível? Vale a pena fazer experimentos e brincar com fogo, outra vez? Como conseqüência cabal ofender e irritar a nosso principal sócio até fazer com que ele perca a paciência? Hoje, falar de "União Européia" supõe uma flagrante contradição nos termos: "O que une a Europa hoje é o repúdio à guerra, do hegemonismo, do antissemitismo e, pouco a pouco, de todas as catástrofes que foram fomentadas, de todas as formas de intolerância ou de desigualdadeque que foram desenvolvidas" (Alain Finkielkraut, no "O nome do Outro". Reflexões sobre o antissemitismo que está por vir).
Europa, a rigor, não tem um problema com os judeus. Tampouco existe, falando em propriedade, uma "questão judia". A asfixiante demonização do judeu e de Israel comporta na prática uma atitude tão homicida como suicida. Acaso se trate simplesmente disso. O problema da Europa, entre outros que ela mesmo estimula, é o antissemitismo. A questão palpitante, portanto, é a "questão européia".
Ainda assim, aceitamos os usos mais comuns, a espera de ventos lingüísticos mais favoráveis, e, com face em André Glucksmann em seu ensaio "O discurso do ódio", atendamos a nosso assunto a partir da descrição das "três questões judias" que tem ocorrido na Europa como um espectro.
A primeira e mais antiga questão: o judeu molesta. Sua presença incomoda, porque não acaba nunca de desaparecer do todo, e sua ausência inquieta, porque se espreita, pois no fundo se espera e teme. Seja em termos religiosos ou populares, na consciência cristã o judaísmo pesa como um maçante, incômodo e impertinente, uma 'old religion' que não acabou de aceitar a novidade, a boa nova, traída pelas Sagradas Escrituras; um estrangeiro em sua própria casa, demasiado intelectual e tenaz, demasiado obstinado; um alter-ego desnecessário e caprichoso, a quem é preciso exigir-lhe que renuncie a seu empenho pertinaz e se contraia definitivamente, ou que se vá com sua conversa para outra parte. Mas, para onde?
A segunda questão judia remete precisamente ao tema da suposta "emancipação", a qual passa por que os judeus deixem de andar como errantes de cá para lá, atravessando fronteiras e culturas nacionais, pondo em evidência a própria inconsistência européia, e se fixem e se assimilem no interior dos Estados modernos europeus. Este processo ocorre na Europa a partir da Revolução francesa, no calor das transformações políticas e sociais produzidas durante o período das revoluções liberais.
Que o judeu, pois, assimile-se e seja "nacionalmente europeu", nação por nação, com particular acatamento do que foi dado, esquecendo, como apontou Hannah Arendt, algo primordial: "Os judeus eram o único elemento europeu numa Europa dividida em nações". Resultado: imenso fracasso. Um exemplo: as doutrinas racistas e antissemitas surgem precisamente na França, a emancipadora, a revolucionária França.
A terceira questão judia, segundo a descrição de Glucksmann, deviene das duas anteriores e se atasca no ponto morto já presagiado. No presente, a "questão judia" não é proveniente já da ordem teológica cristã do mundo, nem da pressão interna dos Estados-nações com vistas na assimilação ou "simbiose" do judeu com os corpos nacionais instituídos (ou seja, com os pressupostos do nacionalismo mais rançoso, inimigo de morte do universalismo e do cosmopolitismo). É proveniente, na mudança, do ancestral e incombustível ódio antissemita, que foi provado todo anteriormente (inclusive Auschwitz) e decide agora afrontar o tema de frente, novamente.
Aos judeus, não lhes são suportados, nem dentro dos Estados nacionais e em sua própria pátria, nem dentro nem fora. Se se afincam na França, são pouco franceses; se na Alemanha, falsos alemães. Se escasseiam na Espanha ou Japão, "antissemitismo sem judeus". Se fundam Israel e desejam viver em paz, liberdade e segurança dentro de suas fronteiras, ganhado ao deserto e ao bandoleiro com esforço e valor, o sionismo espanta e lhe é apelidado de genocida. As vítimas, para a consciência desgraçada mundial, têm de pagar o preço da dor e do sacrifício para maior glória do carrasco (doutrina da ONU); devem renunciar à memória e a seu passado, deixar de existir, única forma de que termine a eterna canção, a maldita reclamação.
Eis aqui a lógica imposta no coração da velha Europa: antes de Auschwitz eles são abandonados nas mãos de seus executores; depois de Auschwitz eles são condenados ao silêncio. Única saída: a extinção.
Na realidade, a manuseada história da assimilação judeus-Europa não é senão uma imensa farsa. Uma brincadeira na conta de um povo condenado de antemão. Ou uma "revanche póstuma" e um perverso "mal-entendido", como mostra com grande oportunidade e sutileza o livro de Enzo Traverso "Os judeus e a Alemanha".
Ensaios sobre a "simbiose judaico-alemã" (Pre-Textos, 2005), traduzidos para o espanhol em recente e cuidada edição por Isabel Sancho García.
Houve, com efeito, uma cultura judaico-alemã de grande relevância, nascida de um ânimo de assimilação, o que se supôs em grande medida à secularização de boa parte do espírito judeu e a apropiação do universo cultural alemão. Mas este processo não adotou em nenhum momento a forma de um diálogo entre dois povos, de uma "simbiose judaico-alemã", senão de um "monólogo judeu". Ou, como adverte com sagacidade Isabel Sancho no prólogo do texto mencionado: mais que simbiose, para reproduzir fielmente a situação, seria mais exato falar de “parasitismo”, quer dizer, exprimir todo o potencial intelectual e humano de um povo ao que se oferece, se acaso, a cidadania, mas jamais a nacionalidade, para logo se prescindir dele.
Como quer que fosse, o estatuto intelectual no seio da sociedade alemã, principalmente durante os anos 20 e 30 do século XX, ficou reduzido à duas figuras centrais da modernidade judia: o pária e o ambicioso. Duas modalidades de existência da judeidade no interior de um mundo cultural, de uma cultura nacional, da qual se está excluída a priori e na qual não é possível síntese alguma.
Eis aqui, acrescenta Traverso, "o paradoxo de um país que viveu primeiro a 'perfeição da assimilação' e logo o 'aniquilamento sistemático' dos judeus". Eis aqui, com efeito, a paradoxo de um país, mas assim mesmo a parábola tenebrosa de um velho continente que insiste em renunciar a um de seus mais importantes potenciais, garantia provada de universalidade e de racionalidade. O que diz o historiador britânico Paul Johnson, no geral, da mente humana em sua imprescindível "História dos judeus" poderia se aplicar, estritamente, à cultura européia: "Sem os judeus, esta poderia ter sido um lugar muito mais vazio".
Um lugar sem Heinrich Heine e Karl Marx, Franz Kafka e Sigmund Freud, Edmund Husserl e Max Horkheimer, Theodor Adorno e Herbert Marcuse, Eric Fromm e Franz Neuman. Sem Walter Benjamin, Ernst Bloch e George Lukács, Alfred Döblin e Kurt Tucholsky. Sem Arnold Schönberg e Gustav Mahler, Siegfried Kracauer e Karl Mannheim, Karl Kraus e Joseph Roth. Sem Mendelsshon e Ernst Kantorowicz. Sem Hanna Arendt e Rosa Luxemburgo, Han Jonas e Karl Lowitiz. Sem Oppenheimer e Einstein. Sem Henry Kissinger, Hermann Broch e Mary MacCarthy. Sem Elias Canetti e Saul Bellow. Sem Arthur Schanbel e Arthur Rubinstein. Sem Ernst Lubitsh e Billy Wilder, Max Ophüls e Alexander Korda, Peter Lorre e Elizabeth Bergner, Pola Negri e Conrad Veidt. Sem Charles Chaplin. Sem os irmãos Marx.
Muitos destes judeus europeus emigraram para os Estados Unidos para poder ali começar uma nova vida, uma vida em liberdade e plena criatividade, uma ida que o velho continente, suas nações de origem, negavam-lhes. Estados Unidos sem judeus? Uma Europa sem judeus? Sem este legado, aqui só resumido, imagine-se, enfim, um mundo sem judeus.
Fonte: Libertad Digital
http://revista.libertaddigital.com/una-europa-sin-judios-1276230410.html
LIBREPENSAMIENTOS; Una Europa sin judeus
Tradução: Roberto Lucena
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quarta-feira, 5 de março de 2008
Os médicos da morte
Médicos e medicina na Alemanha nazi
Origem ideológica da política nazi nos anos ’30 para os doentes mentais, que a partir de 1942 acabou derivando os grandes centros de matança em escala industrial, onde o médico passou a ser um assassino com diploma.
A combinação destes dois termos parece uma incongruência, pois a essência, a missão mesma da medicina é salvar vidas, aliviar os sofrimentos. Como pode se dar na Alemanha nazi tal monstruosa combinação?
Para isto é necessário voltar um pouco a épocas anteriores, especialmente ao século XIX, que foi quando começaram a ser elaboradas teorias que logo depois puderam ser implementadas. Por suposto que já muito antes se sabia que havia seres humanos de diferentes aspectos. Quando os europeus chegaram à América puderam comprová-lo, mas recentemente no século XIX, graças ao trabalho de certos antropólogos, chegou-se à conclusão que as diferenças implicavam também em juízos de valor. Havia seres humanos cujas vidas valiam menos que outras. E dali também uma série de conclusões sociais: seu estado de pobreza ou atraso, não era circunstancial, senão algo orgânico que jamais poderia nem deveria ser mudado, se não quisesse violentar as “leis objetivas” da natureza.
A Revolução Francesa alterou esses conceitos ao declarar um princípio universal de igualdade dos homens ante a lei, além disso sancionou os princípios de liberdade e fraternidade. Alguns círculos sociais consideraram que esses princípios atacavam e intentavam destruir costumes e modelos sociais aceitos desde tempos imemoriais. Além disso, o vertiginoso desenvolvimento industrial e urbanístico criou uma série de problemas sociais: amontoamento, enfermedades sociais se fizeram presentes. Mas curiosamente, não se culpou as novas condições criadas pelo industrialismo de serem responsáveis. Os enfermos mesmos, quer dizer, as vítimas, passaram a ser os culpados, por serem pobres e enfermos, pois isso era um sinal de sua “inferioridade racial”, um sinal de degeneração hereditária.
Criou-se uma nova “pseudo-ciência” chamada higiene racial, cujos ideólogos foram psiquiatras e antropólogos. Eles proporcionaram os instrumentos ideológicos para uma solução biológica a um problema que era eminentemente social. Não era a enfermidade que devia ser eliminada, mas os seus portadores. Com a chegada dos nazis ao poder em 1933, criaram-se as condições para que estas idéias assassinas pudessem ser postas em prática. Como é sabido, já em 1933 se ordenou na Alemanha que certa categoria de pessoas fossem esterelizadas a fim de que não pudessem reproduzir-se e propagar suas “taras hereditárias”. Já em 1923 Hitler havia anunciado que haveria de proibir os matrimônios entre alemães e estrangeiros, em particular negros e judeus.
A Alemanha requeriu a remédios violentos, talvez inclusive “amputações”. Todas essas medidas produziram uma depuração racial. Na última página de seu livro "Minha Luta" Hitler dizia: “Um estado que numa época de contaminação das raças vela zelosamente pela conservação dos melhores elementos da sua raça, um dia deve converte-se no dono da Terra”.
Estas idéias, por si mesmas não foram a fonte do desastre. Quando em 1947 estavam julgando esses médicos assassinos, disse Alexander Misterlich, o delegado oficial da câmara de médicos da Alemanha Ocidental: “Antes de que tais idéias pudessem traduzir-se em fatos monstruosos e em rotina diária, tiveram que cruzar-se duas correntes cujos resultados foram a de que o médico passou a ser um um assassino com diploma, autorizado não para curar senão para matar. O ser humano deixou de ser uma criatura sofredora: passou a ser um “caso” ou um número tatuado no braço.
A isto há que se agregar as graves conseqüências das crises econômicas e políticas que afetaram a Alemanha durante boa parte da década de vinte e sobretudo em início da década de trinta, com sua seqüela de reduções orçadas para atender a saúde da população. O resultado foi que milhares de médicos começaram a afiliar-se ao partido nazi.
Muitos que chegaram a fortuna profissão levados pelo idealismo, rapidamente sentiram as limitações que a ciência lhes impunha. Começou-se a abrir passagem a idéia de que havia não somente seres inferiores que deveriam ser esterilizados, senão que tinham que serem totalmente eliminados, porque eram “consumidores desnecessários e improdutivos” que havia que se manter até que morressem naturalmente.
Ainda hoje em dia se escutam opiniões dos herdeiros de tais idéias. Dizem, por exemplo, que se deve proceder a “descontinuidade de tratamentos sofisticados aplicados a pessoas mais velhas de 75 anos com o fim de prolongar suas vidas”.
Mas não se trata da Alemanha nazi dos anos trinta senão dos Estados Unidos nas décadas de oitenta e noventa.
Já durante os primeiros anos do regime nazi, começou-se a realizar uma profunda campanha por meio de posters que demonstravam a quantidade de dinheiro crescente que o Estado devia gastar para manter crianças defeituosas, frente a somas muito menores que se dedicavam a crianças sadias. O objetivo era claro. Se esse dinheiro fosse dedicado a crianças sadias, estas poderiam desenvolver-se muito melhor. Eram os enfermos e portadores de enfermidades genéticas os culpados por essa situação. E como se isso fosse pouco, noutro poster havia figuras humanas: um homem adulto carregava sobre seus ombros duas criaturas deformes, com rostos de macacos. O peso de ambas as crianças o agoniava.
A guerra: uma oportunidade para o assassinato
Em 1º de Setembro de 1939, no mesmo dia que a Alemanha atacou a Polônia, Hitler firmou um decreto que autorizava os médicos psiquiatras a solicitar informes das instituições para doentes mentais e entregar àqueles, que em seu julgamento, não tinham uma cura previsível, não podiam trabalhar, mas também incluiam outras pessoas que noutra sociedade não houvessem sido considerados doentes mentais: depressivos, não conformistas ou inclusive presos políticos.
Esse programa, como todos os planos assassinos implementados pelos nazis recebeu nomes em código. Este mal nomeado plano de eutanásia, recebeu o nome código de T-4, porque a oficina central do mesmo se encontrava na rua Tiergarten 4 de Berlim. Curiosamente “Tiere” em alemão significa animal, fera. O edifício foi logo depois totalmente destruído por bombardeios.
Os diretores de instituições psiquiátricas receberam questionários onde lhes era perguntado acerca do tipo de enfermidade, tempo de internação e capacidade para o trabalho. Aos diretores lhes foi dito que essas perguntas tinha a ver com a economia de guerra, mas não acerca do objetivo último. Logo depois de reunidos os questionários, uma comissão de médicos, sobre um total de trinta que formavam a equipe, visitava os estabelecimentos e decidia quem viveria e quem morreria. Estes últimos imediatamente eram transportados a centros de matança onde eram assassinados por meios de gás. O processo de matança começou em 9 de outubro de 1939 e se prolongou até agosto de 1941, quando eclodiu uma onda de protestos, lideradas pelo arcebispo von Galen. Segundo um cálculo estatístico preparado anteriormente, sobre uma população de setenta milhões com a que então contava a Alemanha, tinha-se por aceito que 0,01% eram de doentes mentais incuráveis. Até a data da suspensão temporária dos assassinatos, deveriam ter assassinado 70.000 doentes. Com uma típica pedantismo germânico informaram que lamentavelmente esse número havia sido superado em 243 pessoas!, quer dizer, haviam superado a marca que haviam estabelecido.
Contudo, as matanças não cessaram, senão que foram apenas suspendidas para se tomar um tempo e estudar novas medidas. Pensou-se em aplicar novos critérios de seleção, incluindo-se nas listas de futuros candidatos para ser assassinados os enfermos tuberculosos, pessoas maiores incapazes de trabalhar e que não podiam permanecer muito tempo num mesmo trabalho.
Todos foram igualmente considerados deficientes, cujas vidas careciam de valor para a economia alemã. Existia além disso o formidável pretexto de que, devido à guerra, necessitava-se mais e mais leitos nos hospitais alemães para atender aos feridos de guerra. Logicamente ficava aberta a pergunta: que aconteceria com essas vítimas de guerra que não pudessem trabalhar ou resultassem com uma grave enfermidade mental, como conseqüência de sua participação na guerra? Matá-los resultaria ser mais barato que mantê-los com vida. Mas também corriam a mesma sorte os pacientes que estavam detidos legalmente por virtude de uma condenação ou aqueles de origem judia, quer dizer, pessoas que como resultado de sua classificação social ou racial não necessitavam de nenhuma resolução médica para se ordenar seu assassinato.
Enquanto isso, os responsáveis da execução do 'formidável' plano, ante o requerimento dos médicos, resignaram-se a emitir instruções mais precisas a fim de reduzir o número de pacientes mentais crônicos, ainda que levassem em conta a possibilidade de realizar previamente uma terapia intensiva.
Inclusive pensaram em abrir dois departamentos dedicados à investigação neurológica e psiquiátrica básica, planejando também emitir sua própria publicação científica com os resultados de suas investigações. Estes planos deveriam ser engavetados devido a grande onda de derrotas que começaram a se suceder a partir de 1942. Contudo, a medida que a guerra foi ampliando-se, o plano T.-4 encontrou a possibilidade de incluir mais e mais gente na categoria de possíveis vítimas, extendendo seu campo de ação muito mais além dos simples doentes mentais. Os critérios para as matanças clínicas foram se extendendo, abarcando já não somente o antigo território alemão, senão a todos os internados nas clínicas da União Soviética, sem nenhuma exceção. Podia-se dizer ironicamente que ali, além disso, os doentes mentais sofriam de outra enfermidade incurável: eram comunistas.
Enquanto isso na Alemanha, os desastres da guerra, os doentes e feridos trazidos das frentes de guerra, os civis vítimas de raids(bombardeios)aéreos, também apresentaram serias pertubações mentais, pelo que foram transladados à instituições para doentes mentais, onde lhes foi dado a morte, não com gás mas mediante o uso de overdoses de tranqüilizantes.
Como pode se imaginar estes assassinatos realizados por médicos, que nada têm a ver com a eutanásia, foram rapidamente utilizados para fins totalmente distintos. Com a experiência acumulada em matanças de doentes mentais, e outros, pode-se com toda lo´gica pensar que esses mesmos métodos podiam se aplicar em maior escala, em escala industrial. E assim foi como já em 1941, fizeram sua aparição unidades móveis na Croácia, o primeiro país onde usaram esses métodos para matar a uma grande quantidade de gente; logo depois em Chelmno, na Polônia em fins de 1941 e finalmente, a partir de 1942, com a construção dos grandes centros de matança em escala industrial em Auschwitz-Birkenau, Maidanek, Belzec, Sobibor e Treblinka. Ali, com métodos totalmente industrializados podia se assassinar a milhões de vítimas, as que conduziram de todos os rincões da Europa. Nem todas as vítimas foram judeus. Ciganos, homossexuais, inimigos políticos e toda uma gama de gente indesejável, como por exemplo prisioneiros de guerra soviéticos, foram assassinados nas câmaras de gás. Mas todos os judeus eram candidatos a ser vítimas.
E para finalizar, dois detalhes interessantes: o pessoal que trabalhou em princípio na matança de doentes mentais na Alemanha, devido a sua experiência foi o que treinou mais tarde os que acionaram os grandes campos de extermínio, e segundo, nem todos os médicos que participaram nesses assassinatos foram condenados ou sofreram longas penas. Alguns foram condenados e executados. Outros, muito poucos, chegaram a entender a monstruosidade que haviam cometido e se suicidaram antes de serem julgados.
Muitos, conseguiram fazer fazer importantes carreiras médicas, como se nada houvesse ocorrido. Sua consciência não os molestou jamais. Um deles, Josef Mengele, fugiu para a Argentina e abriu um laboratório de análises clínicas, porque a Universidade de Munique invalidou seu diploma de médico. A justiça argentina se negou a extraditá-lo.
Fonte: Fundación Memoria del Holocausto(Argentina)
http://www.fmh.org.ar/revista/19/losmed.htm
Texto(espanhol): Prof. Abraham Huberman
Tradução: Roberto Lucena
Origem ideológica da política nazi nos anos ’30 para os doentes mentais, que a partir de 1942 acabou derivando os grandes centros de matança em escala industrial, onde o médico passou a ser um assassino com diploma.
A combinação destes dois termos parece uma incongruência, pois a essência, a missão mesma da medicina é salvar vidas, aliviar os sofrimentos. Como pode se dar na Alemanha nazi tal monstruosa combinação?
Para isto é necessário voltar um pouco a épocas anteriores, especialmente ao século XIX, que foi quando começaram a ser elaboradas teorias que logo depois puderam ser implementadas. Por suposto que já muito antes se sabia que havia seres humanos de diferentes aspectos. Quando os europeus chegaram à América puderam comprová-lo, mas recentemente no século XIX, graças ao trabalho de certos antropólogos, chegou-se à conclusão que as diferenças implicavam também em juízos de valor. Havia seres humanos cujas vidas valiam menos que outras. E dali também uma série de conclusões sociais: seu estado de pobreza ou atraso, não era circunstancial, senão algo orgânico que jamais poderia nem deveria ser mudado, se não quisesse violentar as “leis objetivas” da natureza.
A Revolução Francesa alterou esses conceitos ao declarar um princípio universal de igualdade dos homens ante a lei, além disso sancionou os princípios de liberdade e fraternidade. Alguns círculos sociais consideraram que esses princípios atacavam e intentavam destruir costumes e modelos sociais aceitos desde tempos imemoriais. Além disso, o vertiginoso desenvolvimento industrial e urbanístico criou uma série de problemas sociais: amontoamento, enfermedades sociais se fizeram presentes. Mas curiosamente, não se culpou as novas condições criadas pelo industrialismo de serem responsáveis. Os enfermos mesmos, quer dizer, as vítimas, passaram a ser os culpados, por serem pobres e enfermos, pois isso era um sinal de sua “inferioridade racial”, um sinal de degeneração hereditária.
Criou-se uma nova “pseudo-ciência” chamada higiene racial, cujos ideólogos foram psiquiatras e antropólogos. Eles proporcionaram os instrumentos ideológicos para uma solução biológica a um problema que era eminentemente social. Não era a enfermidade que devia ser eliminada, mas os seus portadores. Com a chegada dos nazis ao poder em 1933, criaram-se as condições para que estas idéias assassinas pudessem ser postas em prática. Como é sabido, já em 1933 se ordenou na Alemanha que certa categoria de pessoas fossem esterelizadas a fim de que não pudessem reproduzir-se e propagar suas “taras hereditárias”. Já em 1923 Hitler havia anunciado que haveria de proibir os matrimônios entre alemães e estrangeiros, em particular negros e judeus.
A Alemanha requeriu a remédios violentos, talvez inclusive “amputações”. Todas essas medidas produziram uma depuração racial. Na última página de seu livro "Minha Luta" Hitler dizia: “Um estado que numa época de contaminação das raças vela zelosamente pela conservação dos melhores elementos da sua raça, um dia deve converte-se no dono da Terra”.
Estas idéias, por si mesmas não foram a fonte do desastre. Quando em 1947 estavam julgando esses médicos assassinos, disse Alexander Misterlich, o delegado oficial da câmara de médicos da Alemanha Ocidental: “Antes de que tais idéias pudessem traduzir-se em fatos monstruosos e em rotina diária, tiveram que cruzar-se duas correntes cujos resultados foram a de que o médico passou a ser um um assassino com diploma, autorizado não para curar senão para matar. O ser humano deixou de ser uma criatura sofredora: passou a ser um “caso” ou um número tatuado no braço.
A isto há que se agregar as graves conseqüências das crises econômicas e políticas que afetaram a Alemanha durante boa parte da década de vinte e sobretudo em início da década de trinta, com sua seqüela de reduções orçadas para atender a saúde da população. O resultado foi que milhares de médicos começaram a afiliar-se ao partido nazi.
Muitos que chegaram a fortuna profissão levados pelo idealismo, rapidamente sentiram as limitações que a ciência lhes impunha. Começou-se a abrir passagem a idéia de que havia não somente seres inferiores que deveriam ser esterilizados, senão que tinham que serem totalmente eliminados, porque eram “consumidores desnecessários e improdutivos” que havia que se manter até que morressem naturalmente.
Ainda hoje em dia se escutam opiniões dos herdeiros de tais idéias. Dizem, por exemplo, que se deve proceder a “descontinuidade de tratamentos sofisticados aplicados a pessoas mais velhas de 75 anos com o fim de prolongar suas vidas”.
Mas não se trata da Alemanha nazi dos anos trinta senão dos Estados Unidos nas décadas de oitenta e noventa.
Já durante os primeiros anos do regime nazi, começou-se a realizar uma profunda campanha por meio de posters que demonstravam a quantidade de dinheiro crescente que o Estado devia gastar para manter crianças defeituosas, frente a somas muito menores que se dedicavam a crianças sadias. O objetivo era claro. Se esse dinheiro fosse dedicado a crianças sadias, estas poderiam desenvolver-se muito melhor. Eram os enfermos e portadores de enfermidades genéticas os culpados por essa situação. E como se isso fosse pouco, noutro poster havia figuras humanas: um homem adulto carregava sobre seus ombros duas criaturas deformes, com rostos de macacos. O peso de ambas as crianças o agoniava.
A guerra: uma oportunidade para o assassinato
Em 1º de Setembro de 1939, no mesmo dia que a Alemanha atacou a Polônia, Hitler firmou um decreto que autorizava os médicos psiquiatras a solicitar informes das instituições para doentes mentais e entregar àqueles, que em seu julgamento, não tinham uma cura previsível, não podiam trabalhar, mas também incluiam outras pessoas que noutra sociedade não houvessem sido considerados doentes mentais: depressivos, não conformistas ou inclusive presos políticos.
Esse programa, como todos os planos assassinos implementados pelos nazis recebeu nomes em código. Este mal nomeado plano de eutanásia, recebeu o nome código de T-4, porque a oficina central do mesmo se encontrava na rua Tiergarten 4 de Berlim. Curiosamente “Tiere” em alemão significa animal, fera. O edifício foi logo depois totalmente destruído por bombardeios.
Os diretores de instituições psiquiátricas receberam questionários onde lhes era perguntado acerca do tipo de enfermidade, tempo de internação e capacidade para o trabalho. Aos diretores lhes foi dito que essas perguntas tinha a ver com a economia de guerra, mas não acerca do objetivo último. Logo depois de reunidos os questionários, uma comissão de médicos, sobre um total de trinta que formavam a equipe, visitava os estabelecimentos e decidia quem viveria e quem morreria. Estes últimos imediatamente eram transportados a centros de matança onde eram assassinados por meios de gás. O processo de matança começou em 9 de outubro de 1939 e se prolongou até agosto de 1941, quando eclodiu uma onda de protestos, lideradas pelo arcebispo von Galen. Segundo um cálculo estatístico preparado anteriormente, sobre uma população de setenta milhões com a que então contava a Alemanha, tinha-se por aceito que 0,01% eram de doentes mentais incuráveis. Até a data da suspensão temporária dos assassinatos, deveriam ter assassinado 70.000 doentes. Com uma típica pedantismo germânico informaram que lamentavelmente esse número havia sido superado em 243 pessoas!, quer dizer, haviam superado a marca que haviam estabelecido.
Contudo, as matanças não cessaram, senão que foram apenas suspendidas para se tomar um tempo e estudar novas medidas. Pensou-se em aplicar novos critérios de seleção, incluindo-se nas listas de futuros candidatos para ser assassinados os enfermos tuberculosos, pessoas maiores incapazes de trabalhar e que não podiam permanecer muito tempo num mesmo trabalho.
Todos foram igualmente considerados deficientes, cujas vidas careciam de valor para a economia alemã. Existia além disso o formidável pretexto de que, devido à guerra, necessitava-se mais e mais leitos nos hospitais alemães para atender aos feridos de guerra. Logicamente ficava aberta a pergunta: que aconteceria com essas vítimas de guerra que não pudessem trabalhar ou resultassem com uma grave enfermidade mental, como conseqüência de sua participação na guerra? Matá-los resultaria ser mais barato que mantê-los com vida. Mas também corriam a mesma sorte os pacientes que estavam detidos legalmente por virtude de uma condenação ou aqueles de origem judia, quer dizer, pessoas que como resultado de sua classificação social ou racial não necessitavam de nenhuma resolução médica para se ordenar seu assassinato.
Enquanto isso, os responsáveis da execução do 'formidável' plano, ante o requerimento dos médicos, resignaram-se a emitir instruções mais precisas a fim de reduzir o número de pacientes mentais crônicos, ainda que levassem em conta a possibilidade de realizar previamente uma terapia intensiva.
Inclusive pensaram em abrir dois departamentos dedicados à investigação neurológica e psiquiátrica básica, planejando também emitir sua própria publicação científica com os resultados de suas investigações. Estes planos deveriam ser engavetados devido a grande onda de derrotas que começaram a se suceder a partir de 1942. Contudo, a medida que a guerra foi ampliando-se, o plano T.-4 encontrou a possibilidade de incluir mais e mais gente na categoria de possíveis vítimas, extendendo seu campo de ação muito mais além dos simples doentes mentais. Os critérios para as matanças clínicas foram se extendendo, abarcando já não somente o antigo território alemão, senão a todos os internados nas clínicas da União Soviética, sem nenhuma exceção. Podia-se dizer ironicamente que ali, além disso, os doentes mentais sofriam de outra enfermidade incurável: eram comunistas.
Enquanto isso na Alemanha, os desastres da guerra, os doentes e feridos trazidos das frentes de guerra, os civis vítimas de raids(bombardeios)aéreos, também apresentaram serias pertubações mentais, pelo que foram transladados à instituições para doentes mentais, onde lhes foi dado a morte, não com gás mas mediante o uso de overdoses de tranqüilizantes.
Como pode se imaginar estes assassinatos realizados por médicos, que nada têm a ver com a eutanásia, foram rapidamente utilizados para fins totalmente distintos. Com a experiência acumulada em matanças de doentes mentais, e outros, pode-se com toda lo´gica pensar que esses mesmos métodos podiam se aplicar em maior escala, em escala industrial. E assim foi como já em 1941, fizeram sua aparição unidades móveis na Croácia, o primeiro país onde usaram esses métodos para matar a uma grande quantidade de gente; logo depois em Chelmno, na Polônia em fins de 1941 e finalmente, a partir de 1942, com a construção dos grandes centros de matança em escala industrial em Auschwitz-Birkenau, Maidanek, Belzec, Sobibor e Treblinka. Ali, com métodos totalmente industrializados podia se assassinar a milhões de vítimas, as que conduziram de todos os rincões da Europa. Nem todas as vítimas foram judeus. Ciganos, homossexuais, inimigos políticos e toda uma gama de gente indesejável, como por exemplo prisioneiros de guerra soviéticos, foram assassinados nas câmaras de gás. Mas todos os judeus eram candidatos a ser vítimas.
E para finalizar, dois detalhes interessantes: o pessoal que trabalhou em princípio na matança de doentes mentais na Alemanha, devido a sua experiência foi o que treinou mais tarde os que acionaram os grandes campos de extermínio, e segundo, nem todos os médicos que participaram nesses assassinatos foram condenados ou sofreram longas penas. Alguns foram condenados e executados. Outros, muito poucos, chegaram a entender a monstruosidade que haviam cometido e se suicidaram antes de serem julgados.
Muitos, conseguiram fazer fazer importantes carreiras médicas, como se nada houvesse ocorrido. Sua consciência não os molestou jamais. Um deles, Josef Mengele, fugiu para a Argentina e abriu um laboratório de análises clínicas, porque a Universidade de Munique invalidou seu diploma de médico. A justiça argentina se negou a extraditá-lo.
Fonte: Fundación Memoria del Holocausto(Argentina)
http://www.fmh.org.ar/revista/19/losmed.htm
Texto(espanhol): Prof. Abraham Huberman
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