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quinta-feira, 6 de novembro de 2014

"O nacionalismo argentino foi o mais forte" - Sandra McGee Deutsch

"Estudou e comparou a extrema-direita da Argentina, Brasil e Chile e comprovou que a nossa foi a que mais influência teve. Sua maior criação foi o revisionismo histórico, "que foi até muito pouco tempo o mais aceito".

SANDRA MCGEE DEUTSCH, HISTORIADORA
"O nacionalismo argentino foi o mais forte"

Por Sergio Kiernan

Pequena, vivaz, dona de um excelente castelhano, McGee Deutsch estuda nosso país há mais de vinte anos. Professora de história latinoamericana, titular dessa cátedra na Universidade do Texas em El Paso, especializou-se na extrema-direita argentina. Sobre nossos fascistas, aliancistas e nazis, e sobre os nazis (nacis) chilenos e os integralistas brasileiros escreveu vários artigos acadêmicos e dois livros: um sobre a história da Liga Patriótica e outro sobre as direitas dos três países entre 1890 e 1939. Novamente estudando arquivos argentinos para um novo livro sobre sua outra paixão, a história das mulheres na política, falou para o Página/12 sobre o passado, a influência e, o mais inquietante, o possível futuro de nossa direita.

–Por que Argentina?

–Escolhi a Argentina porque é claro que teve a extrema-direita mais proeminente da América Latina. E, como piada pessoal, porque o primeiro livro de história argentino escrito por um argentino que li foram as memórias de Carlos Ibarguren. E isso me fez interessar sobre o tema.

–Você visitou este país pela primeira vez em 1977... toda uma introdução à direita argentina.

–Realmente, e assustadora. Cheguei a me perguntar se ia poder fazer minha pesquisa, mas não tive problemas porque meu trabalho ia até 1930.

–Por que a Argentina desenvolveu uma extrema-direita tão forte?

–Há vários fatores. Um é que, em contraste com os outros países que estudei, Brasil e Chile, aqui houve uma próspera economia exportadora que controlou bem sua demanda interna. Isto fez com que as críticas ao desenvolvimento econômico argentino não fossem contra o capitalismo como um todo senão contra a conexão britânica, a banca internacional. No Chile, a crítica à influência e o controle estrangeiros se fez em conexão com o capitalismo como sistema. Aqui, ao estar dissociados os dois elementos, a crítica jogou a favor da direita.

-Por que?

–Porque a crítica do capitalismo ficou nas mãos da esquerda e a direita ficou com a crítica detalhada ao domínio estrangeiro. Outro fator especialmente importante foi a debilidade dos conservadores argentinos. Economicamente tinham muito poder, mas politicamente não podiam ganhar eleições por isso recorriam à fraude, como ocorreu depois de 1916. E a debilidade dos conservadores sempre deixa mais espaço para a direita extremista. Os mesmos conservadores trabalharam às vezes com a extrema-direita, para ganhar o poder ou para conservá-lo. Se tivessem sido fortes, não teriam necessidade deles. No Brasil e no Chile, os conservadores eram muito mais fortes e raramente usaram ou trataram com os extremistas. Outro fator é que os nacionalistas argentinos, por várias razões, puderam forçar uma aliança muito forte com a Igreja e as Forças Armadas. Novamente, no Brasil e no Chile a tendência existiu, mas nunca chegou ao nível que chegou aqui, e que lhe deram apoio institucional ao nacionalismo.

–Com essas experiências tão diferentes, havia grandes diferenças ideológicas entre os nacionalismos desses três países?

–Não realmente, nada terrível, exceto que os aspectos mais radicalizados e extremos da ideologia foram enfatizados fora da Argentina, em particular no Chile. Nos anos 30, o Chile tinha um movimento de esquerda tão forte que para competir com a esquerda - e isto é algo que a direita extremista sempre faz, competir com e combater a esquerda - os nacistas tiveram que plantar ideias mais radicalizadas e realizar ações muito radicais. Enfatizaram os aspectos mais revolucionários de sua ideologia, a necessidade de mudanças sociais, de reforma. Esses aspectos foram mais proeminentes aqui, mas certamente estiveram presentes, coisas que muito historiadores abordam superficialmente.

–Que nível de violência geraram os nacionalistas?

–Muita, os anos 30 foram muito violentos na Argentina, com muitos incidentes na rua entre nacionalistas, esquerdistas e sindicatos. Os nacionalistas iam aos bairros operários e atacavam socialistas e sindicalistas. Até assassinaram um legislador socialista em Córdoba. Também atacaram sinagogas, atiraram petardos em cinemas que exibiam filmes antinazis. O que houve foi uma batalha pelo espaço. Os nacionalistas chegaram tarde à cena e trataram de fazer um espaço nos bairros operários pra cima da esquerda. Houve grupos mais radicalizados como a Alianza de la Juventud Nacionalista, que trataram de atrair os operários, trataram de tirar por cima a imagem aristocrática do nacionalismo e militaram nos bairros de trabalhadores. Isso gerou violência.

–Como fizeram uma aliança com os militares e a Igreja?

–Tinham prioridades em comum. Opunham-se contra a esquerda, o que era muito importante, queriam ordem e tinha muito da agenda social da Igreja. O padre Menvielle foi muito influente entre os nacionalistas quando falava da ordem corporativa, da justiça social e de uma concepção cristã da economia, sem usura. Os setores da Igreja que acreditam nesta agenda eram mais poderosos aqui que em outros países. Em relação ao exército, ele também compartilhava boa parte das ideias, mas o desacordo estava em que nenhuma força armada oficial gostaria de compartilhar o monopólio da violência, por isso que ele não gostava dos uniformes e das milícias dos nacionalistas.

–Mas essas instituições, que são profundamente conservadoras, como aceitavam o lado revolucionário do nacionalismo?

–Era um ponto de conflito, mas não muito grave. Tomar a agenda social da Igreja significa dizer que a direita também pode propor, como a esquerda, uma ordem social mais justa. E isso é algo que os conservadores não sonham falar. O mesmo com o assunto de fundar movimentos onde o povo que usa uniforme e segue ordens, a militarização da política: enquanto não se usasse armas, o Exército poderia tolerá-lo.

–Você fala da influência do nacionalismo argentino. Isso se traduziu em poder? Em nomeações?

–Não tanto como na Itália ou Alemanha, obviamente, mas a maioria dos movimentos fascistas europeus - e chamar de fascista o nacionalismo é um tema que se debate - tampouco conseguiram tanto poder. Os nacionalistas que rodearam a Uriburu no golpe de 1930 ganharam cargos: alguns interventores provinciais, como Carlos Ibarguren, foram nacionalistas e houve uns 30 funcionários que provinham dessa corrente. Depois, esteve o governo bonaerense (buenairense) do conservador Federico Martínez de Hoz, que evoluiu até o nacionalismo e nomeou vários deles em postos chaves, mas durou pouco; o presidente Justo interveio na província. O governo militar de 1943 foi nacionalista em muitos aspectos e teve ministros como Hugo Wast, Gustavo Martínez Zuviría. E tomaram medidas da plataforma nacionalista, como a educação católica em escolas públicas. Também exerceram certo poder de modo informal, como colaborando com o Estado na repressão da esquerda, informando sobre judeus e supostos subversivos...

–Já o faziam nos anos trinta...

–Sim, já nesses tempos.

–Este relativo poder que os nacionalistas argentinos conseguiram se compara com o que conseguiram no Chile e no Brasil?

–Não, no mais mínimo. No Chile o máximo que conseguiram foi eleger três deputados. Em 1938, os nacis - com "c", como eles escreviam - trataram de tomar o poder pela força e foram duramente reprimidos, com muitos mortos. Curiosamente, pouco depois houve eleições e os nacis apoiaram a Frente Popular, que ganhou. Deve ser o único caso na história de um grupo fascista que seja parte de uma Frente Popular. No Brasil, os nacionalistas estiveram um pouco melhor que no Chile, mas menos que na Argentina. Eles foram úteis a Getúlio Vargas quando tratava de consolidar sua ditadura e quando em 1935 reprimiu duramente a esquerda. Mas em 1938 os havia repudiado e os liquidado.

–E Perón?

–Perón adotou muitas ideias nacionalistas, mas não lhes deu espaço nem poder, não se aproximou deles. Os via por demais aristocráticos e sabia que o viam como bastante populista e que eles não gostavam de Evita. Como dizem amargamente muitos nacionalistas, ele lhes roubou consignas como a da soberania econômica. E há algo a dizer de Perón: ainda que tenha recebido os nazis europeus, também lhes deu um lugar proeminente e inovador de reconhecimento aos judeus argentinos e entendo que foi o primeiro presidente a ir a uma sinagoga.

–Que influência tiveram na cultura?

–No Chile e no Brasil tiveram alguns intelectuais proeminentes, mas quase nada de influência. Nem sequer se vê esse costume de pôr interventores nacionalistas nas universidades a cada golpe que faziam os militares argentinos. O grande êxito dos nacionalistas aqui foi criar e impor o revisionismo histórico, algo que nenhum outro nacionalismo pode fazer, criar sua própria escola histórica e fazer com que até muito pouco tempo fosse a interpretação mais popular da história argentina. É extremamente importante.

–É possível falar como algo do passado os nacionalistas?

–Sob risco de ser míopes. Muitas vezes ressurgem, depende de como anda a economia, do espaço que tenham no cenário político e do poder que podem exercer os conservadores. Se se sentem representados, como com Carlos Menem, não há problema. Se não, podem começar a manobrar até a direita radicalizada.

Fonte: Página 12 (Argentina)
http://www.pagina12.com.ar/2000/00-09/00-09-10/pag14.htm
Tradução: Roberto Lucena

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Espanha financiou ditadura argentina de Videla

Foto: Jorge Rafael Videla e o rei Juan Carlos da Espanha
Jornal afirma que o governo da Espanha financiou a ditadura argentina de Videla

"Arquivos secretos revelam que o rei Juan Carlos da Espanha, banqueiros e os principais funcionários do governo de Suárez assinaram acordos econômicos milionários com o sangrento regime argentino", indica o diário espanhol Público

A Espanha financiou a ditadura argentina de Jorge Rafael Videla, segundo publicou hoje o diário espanhol Público, que mostra arquivos secretos dos acordos assinados pelo rei Juan Carlos, banqueiros e funcionários do governo de Adolfo Suárez.

O rei Juan Carlos disse ao embaixador argentino na Espanha, Leandro Enrique Anaya, em 1976 que "A Espanha estava no melhor estado anímico para realizar operações comerciais e financeiras com a República Argentina", segundo os arquivos em poder do jornal Publico.

Quatro dias depois da reunião entre Anaya e o rei, a Argentina anunciava a assinatura de um convênio com a Espanha para retomar a venda de carne, paralisada há seis anos.

Além disso, segundo o Público, o então ministro da Economia argentino, José Alfredo Martínez de Hoz, e o ministro de Comércio espanhol, José Lladó, assinaram nesse mesmo ano um documento pelo qual ambos os estados concordavam em "pôr em prática um programa de cooperação econômica e financeira".

Por este acordo, a Espanha venderia a Argentina "bens de equipamentos, barcos com características especiais, dragas e outros elementos flutuantes, assim como equipamentos de carga e descarga para portos, locomotivas e demais materiais ferroviários e outros equipamentos e instalações industriais" por um valor total de 290 milhões de dólares. Fonte (ANSA).

Ver as notas completas em:
España financió a la dictadura de Videla
La dictadura de Videla y España intercambiaron apoyos, medallas y regalos
Los documentos secretos de los acuerdos comerciales de España con la dictadura de Videla
Los documentos secretos del intercambio de apoyos y condecoraciones de España con la dictadura de Videla

Fonte: Elonce.com
http://www.elonce.com/secciones/nacionales/390226-diario-afirma-que-el-gobierno-de-espaa-financi-la-dictadura-argentina-de-videla.htm
Tradução: Roberto Lucena
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Observação: o texto traduzido acima foi curto, embora conste os links do jornal Público (da Espanha) com todos os detalhes e os documentos que revelam todo o conteúdo das matérias. Tem texto melhor resumido nos links abaixo, caso alguém tenha interesse em ler (em espanhol), com citação do falecido dono do Santander, como neste trecho aqui:
Arquivos secretos revelam que o rei Juan Carlos, os principais funcionários do governo de Adolfo Suárez, e banqueiros como Emilio Botín (Santander) assinaram acordos econômicos milionários que engrossaram os cofres do governo militar, cujo plano de extermínio requeria centenas de milhares de dólares.
Extraído daqui: Los documentos que prueban que España financió la dictadura (Info News)

Ler mais aqui:
Revelan documentos que probarían cómo España financió a la dictadura de Videla (Clarín)
La España del Rey Juan Carlos financió a la dictadura argentina que encabezaba Videla (La Gaceta)

Como eu não cheguei a olhar (e por isso não posso afirmar, mas é algo que sempre aparece em destaque), não vi destaque algum no jornal El País sobre este assunto. O El País é (ainda) o principal jornal da Espanha, mas também comete os mesmos erros da mídia 'partidarizada' do Brasil, principalmente quando falam atualmente no Brasil.

O Público é um jornal com viés de esquerda na Espanha, mas na questão da memória histórica ele sempre faz muitas matérias sobre a ditadura franquista com muita informação.

Acho curioso que um colunista deste jornal El País (que tem uma edição em português agora), além dos comentários com 'certo' tom ofensivo e raso (por repetir o senso comum de certo público no Brasil sobre o país, sem profundidade alguma e cheio de estereótipos, que não mereceria nem comentário se a mídia idiotizada do Brasil não reproduzisse as baboseiras dele como "algo sério" pra justificar covardemente suas aversões ao próprio país), muitas vezes comparar a Espanha pós-Franco com o Brasil (ou usar isso como parâmetro), ignorando a História e potencial de cada país (e dimensões).

É algo que sempre constrange (pelos erros que ele comete) a atitude dele, quando a única coisa comparável nos dois países é o grau de irracionalidade/fanatismo, estupidez, autoritarismo, submissão/entreguismo da direita desses dois países e o completo desprezo das elites da Espanha e do Brasil (ou de parte delas) pelo próprio povo. Por sinal, essa semelhança bizarra é uma das coisas que mais tem chamado minha atenção sobre a Espanha, e em parte por eu ter lido muita coisa da história daquele país, que em termos históricos é um país rico, mas com histórias não muito gloriosas pro próprio povo pelo caráter elitista, autoritário, retrógrado, religioso extremado e de pouca visão da elite daquele país.

Queria ver o que ele teria a dizer desse "primor" de "valores democráticos" da Monarquia espanhola ajudando uma das ditaduras mais sangrentas do continente americano no século XX, já que vive dando pitaco ou sugerindo pra "brasileiros agirem assim e assado" quando deveria olhar mais pras falhas autoritárias do seu próprio país, que não é um modelo de democracia como ele costuma "exaltar". Isso pra não entrar em detalhes sobre a história do "desenvolvimento" da Espanha pós-Franco.

1. A quem achar estranho a razão deste meu comentário acima sobre o jornal, ler este post aqui. Eu disse que não iria 'aliviar' nas críticas por conta da hostilidade do jornal. Vejam pelo seguinte ângulo: é um escárnio um jornal estrangeiro vir a outro país ficar se intrometendo e sugerindo, com tom arrogante, de como o povo deve agir, com matérias partidárias em prol de determinado partido em período eleitoral. Não dá pra simplesmente ser cordial com um comportamento imperialista (apesar da falta de relevância militar e cultural da Espanha com o Brasil), grosseiro e hostil desses. Mas sou justo, eu também critico outras publicações (pelo mesmo motivo), mas o tom hostil deste jornal chama atenção.

2. A quem achar estranho o assunto "ditadura argentina", ler este outro post aqui. Não lembro se detalhei nele (acho que não), ou em algum outro post perdido que, em virtude do desconhecimento profundo de boa parte das pessoas sobre a história do país, isso abre caminho fértil pro negacionismo e outros tipos de "revisionismos". A ditadura no país vizinho deve ser lida até pra se ter dimensão sobre todo processo de implementação de ditaduras na América do Sul que não foi algo isolado (restrito ao Brasil).

Voltando ao que discutíamos... infelizmente, uma parte dos brasileiros é muito ingênua e padece daquele velho "complexo de vira-latas" de achar que tudo fora é "perfeito" e tudo no Brasil é ruim, ou que o comentário de um colunista desses é "bom" por ser "de fora" quando idiotice nunca foi "privilégio" de brasileiros, o que acaba incentivando esse tipo de postura hostil desses cronistas de fora. Ou desses brasileiros acharem tolamente que todo e qualquer jornal é um "poço de isenção"/"neutralidade" (crer nisso é algo que beira a idiotice) e seriedade.

Em outras palavras, essas pessoas por não saberem confrontar o problema da intromissão jornalística externa, por sua submissão em demasia, acabam incentivando esse tipo de comportamento hostil desses "colunistas" e jornais, e isto gera atritos, pois nem todo brasileiro compartilha deste sentimento de submissão e parte, inevitavelmente, pro revide. Ou seja, quem costuma criar esse tipo de atrito quase sempre é a turma do "complexo de vira-latas" submissa, com suas desculpas ridículas e esfarrapadas pra justificar os atos hostis e não a parte que revida. A parte que revida é tão somente consequência do problema, nunca a origem do mesmo.

Quero deixar claro que qualquer pessoa pode emitir crítica sobre qualquer país, sociedade etc, não existe país especial que ninguém não possa opinar ou criticar, o Brasil incluso, só que ao se fazer críticas pelo menos deveriam fazê-las com mais precisão e seriedade, sem estereótipos, sem que o comentário soe como pitaco, chute ou mesmo agressões, principalmente quando se trata de uma postura vinda da própria imprensa.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Há 30 anos terminava a ditadura militar argentina - parte 03

FATOS E NÚMEROS SOBRE A DITADURA MILITAR ARGENTINA:

- Entre 1976 e 1983 os militares assassinaram ao redor de 30 mil civis, entre eles, crianças e idosos, segundo estimativas de ONGs argentinas e organismos internacionais de defesa dos Direitos Humanos.

- Os militares afirmam que mataram “somente” 8 mil civis (segundo declarações do próprio general e ex-ditador Reynaldo Bignone, à TV francesa na virada do século, outros colegas seus dizem que não mataram pessoa alguma)

- O Estado argentino, com a volta da Democracia, recebeu pedidos para indenizações da parte de parentes de 10 mil desaparecidos.

- A Ditadura teria sido responsável pelo sequestro de 500 bebês, filhos das desaparecidas. Desde o final dos anos 70 as avós da Praça de Mayo localizaram e recuperaram a identidade de 109 dessas crianças, atualmente adultos.

- Em 1983 nos últimos meses da Ditadura, um relatório das próprias forças armadas argentinas indicou que a guerrilha e grupos terroristas de esquerda e cristãos nacionalistas teriam assassinado 900 pessoas. Diversos historiadores afirmaram ao longo dos anos que esse número está ligeiramente inflacionado, já que diversos dos mortos da lista militar teriam sido assassinados pelos próprios militares, na miríade de brigas internas (e, convenientemente, teriam colocado a culpa nos terroristas).

FRACASSOS ECONÔMICOS E MILITARES: Além de ter sido a mais sanguinária Ditadura foi um fracasso tanto na área militar como na esfera econômica.

Fiascos Militares:

- Entre 1976 e 1978 a Ditadura colocou quase a totalidade das Forças Armadas para perseguir uma guerrilha que já estava praticamente desmantelada desde antes do golpe, em 1975. Analistas militares destacam que este desvio das Forças Armadas argentinas (que havia iniciado no final dos anos 60 mas intensificou-se a partir do golpe) reduziu drasticamente o profissionalismo dos militares.

- Em 1978, a Junta Militar argentina levou o país a uma escalada armamentista contra o Chile. Em dezembro daquele ano, a invasão argentina do território chileno foi detida graças à intermediação papal. O custo da corrida armamentista colocou o país em graves problemas financeiros.

- Em 1982, perante uma crise social, perda de sustentabilidade política e problemas econômicos, o então ditador Leopoldo Fortunato Galtieri – famoso por seu intenso approach ao scotch – decidiu invadir as ilhas Malvinas para distrair a atenção da população. Resultado: após um breve período de combate, os oficiais do ditador renderam-se às tropas britânicas.

Desastres econômicos:

- Em sete anos de Ditadura, a dívida externa subiu de US$ 8 bilhões para US$ 45 bilhões.

- A inflação do governo civil derrubado pela Ditadura, que era considerada um índice “absurdo alto” pelos militares havia sido de 182% anual. Mas, este índice foi superado pela política econômica caótica da Ditadura, que encerrou sua administração com 343% anual.

- A pobreza disparou de 5% da população argentina para 28%

- A participação da indústria no PIB caiu de 37,5% para 25%, o que equivaleu a um retrocesso dos níveis dos anos 60.

- Além disso, a Ditadura criou uma ciranda financeira, conhecida como “la plata dulce”, ou, “o doce dinheiro”.

- Ao mesmo tempo em que tomavam medidas neoliberais, como a abertura irrestrita das importações, os militares continuavam mantendo imensas estruturas nas empresas estatais, que transformaram-se em cabides de emprego de generais, coronéis e seus parentes.

- Os militares também estatizaram US$ 15 bilhões de dívidas das principais empresas privadas do país (além das filiais argentinas de empresas estrangeiras).

- No meio desse caos econômico, os militares provocaram um déficit fiscal de 15% do PIB.

- A repressão provocou um êxodo de centenas de milhares de profissionais do país. Os militares, em cargos burocráticos, exacerbaram a corrupção na máquina estatal.

MILITARES E ESPORTE - Apesar das denúncias de graves violações aos Direitos Humanos a FIFA não cancelou a realização da Copa de 1978. Para a Ditadura, a vitória nesse evento esportivo foi um trunfo político, que lhe garantiu alta popularidade. Os argentinos exilados discutiam no exterior se deveriam torcer a favor ou contra a seleção. Alguns argumentavam que a vitória na Copa não favoreceria a Ditadura, e que esporte e política nunca se misturam. Outros destacavam que esporte e política misturam-se, e muito.

NEGOCIATAS DE 1978 – O Orçamento inicial da Copa de 1978 era de US$ 70 milhões. Custo final da Copa: US$ 700 milhões (o valor supera amplamente o custo da Copa realizada na Espanha, em 1982, que foi de US$ 520 milhões).

GUERRA CIVIL OU GUERRILHA LOCALIZADA?

Os militares deram o golpe e instauraram a ditadura mais sanguinária da História da América do Sul (América do Sul, não América Latina) com o argumento (um dos vários) de que a guerrilha controlava grande parte do país.

Delírio. A pequena guerrilha argentina, mais especificamente o ERP, dominava às duras penas uma pequena porcentagem da província de Tucumán, a menor província da Argentina.

A magnificação da guerrilha foi útil para os militares e também para o prestígio dos guerrilheiros. A nenhum dos dois lados era conveniente admitir a realidade, de que a área controlada pela guerrilha era ínfima.

Os militares e os setores civis que apoiaram o golpe (e os saudosistas daqueles tempos) afirmavam (e ainda afirmam) que o país estava em guerra civil nos nos 70.

Mas, “guerra civil”, rigorosamente, seriam conflitos de proporções mais substanciais, tais como a Guerra da Secessão dos EUA, a Guerra Civil Espanhola, a Guerra Civil Russa logo após a proclamação do Estado Soviético, a Guerra das Duas Rosas (Lancasters versus Yorks, na Inglaterra) ou a Guerra Civil da Grécia após o fim da Segunda Guerra Mundial. Ainda: a Guerra Civil da Nicarágua, e a de El Salvador. Isto é: bombardeios de cidades, grandes êxodos de refugiados, centenas de milhares de mortos, uma boa parte de um país controlado por um dos lados, e outra parte controlada por outro lado. Isso não ocorreu na Argentina nos anos 70.

POLÍTICA EXTERNA ESQUIZOFRÊNICA

Na política externa a Ditadura também mostrou um comportamento peculiar:

- Acreditou que os EUA ficariam de seu lado na Guerra das Malvinas, já que a Ditadura havia sido um bastião anticomunista na América do Sul e até havia colaborado na guerrilha dos ‘contras’ na América Central.

Os militares argentinos não levaram em conta que pesaria mais a velha aliança EUA-Grã Bretanha por motivos históricos e pela participação na OTAN.

- A Ditadura tinha um discurso anticomunista mas continuou vendendo trigo para a URSS e não aderiu ao boicote americano contra as Olimpíadas de Moscou em 1980.

Fonte: Blog do Ariel Palacios
http://blogs.estadao.com.br/ariel-palacios/ha-30-anos-encerrava-se-a-ditadura-argentina-pequeno-manual-sobre-o-modus-operandi-do-regime/

Parte 02: Há 30 anos terminava a ditadura militar argentina
Parte01: Há 30 anos terminava a ditadura militar argentina (Tortura e voos da morte, Estado proto-nazista)

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Há 30 anos terminava a ditadura militar argentina - parte 02

Há 30 anos terminava a ditadura militar argentina (pequeno manual sobre o modus operandi do regime) - parte 02

GALERIA DE ALGUNS DOS PRINCIPAIS TORTURADORES

O “Tigre” Acosta - Um dos criadores dos “voos da morte” foi o capitão de corveta Jorge “Tigre” Acosta, uma das “estrelas” da Escola de Mecânica da Armada (ESMA). O oficial, que falava sozinho à noite, em delírio místico explicava aos colegas e prisioneiros que mantinha longas conversas noturnas com “Jesucito” (O pequeno Jesus), ao qual perguntava qual dos prisioneiros deveria torturar no dia seguinte e jogar dos aviões. Famoso pelos requintes de crueldade que aplicava aos detidos, Acosta também foi um dos principais sequestradores dos bebês de prisioneiras da ESMA.

O “Anjo Loiro” Astiz – “É o mais sinistro paradigma do terrorismo de Estado”. Com esta frase, o escritor e jornalista Jorge Camarasa, define a personalidade do ex-capitão Alfredo Astiz apelidado de “O anjo loiro da morte”. Garoto mimado da ditadura, entre seus assassinatos mais famosos estão os das freiras francesas Alice Domon e Leonie Duquet, além de três fundadoras das Mães da Praça de Mayo, entre elas, Azucena Villaflor. Astiz foi recompensado por seus serviços com o cargo de comando nas ilhas Geórgias durante a Guerra das Malvinas, em 1982. No entanto, essas ilhas foram o primeiro ponto recuperado pelos britânicos durante o conflito. Após um único tiro de bazuca disparado pelos britânicos, Astiz desistiu de resistir “até a morte”, como havia prometido. Com com um copo cheio de whisky em uma das mãos, assinou a rendição incondicional.

Donda Tigel - Alfredo Donda Tigel tornou-se famoso por sequestrar seu próprio irmão e a cunhada – militantes da esquerda. Depois de assassiná-los, ficou com suas filhas, que eram bebês.

Ernesto Weber – Oficial da Polícia Federal, era apelidado de “220” pelos colegas militares pelo prazer que sentia em aplicar essa voltagem nas torturas. Foi professor de torturas dos oficiais de Marinha.

Febres - O ex-Chefe da Guarda Costeira Héctor Febres ficou notório por seu extremo sadismo, que o levou a torturar bebês e crianças para arrancar confissões dos pais, presos políticos. A primeira surpresa ocorreu poucos dias após sua morte, no dia 10 de dezembro – o Dia internacional dos Direitos Humanos, que também coincidiu com a posse da nova presidente, Cristina Fernández de Kirchner – quando a Justiça anunciou que o ex-torturador havia falecido por uma dose cavalar de cianureto. A segunda surpresa surgiu dias depois, quando as autoridades indicaram que a autópsia também registrou a presença de sêmen no reto do ex-torturador. Ele era famoso por seu desenfrado sadismo. Sobreviventes relatam que, quando aplicava choques elétricos nos prisioneiros, ficava “alucinado” e gargalhava enquanto ouvia os gritos dos torturados. Um dos sobreviventes relatou como Febres lhe pediu gentilmente que consertasse o aparelho de choques elétricos, que logo depois utilizaria no próprio prisioneiro. Na ESMA os torturadores costumavam ter apelidos referentes a animais. Esse era o caso do capitão Jorge “Tigre” Acosta e do tenente Alfredo “Corvo” Astiz. Mas, Febres era chamado de “Selva”, já que “era o conjunto de todos os animais”

Enfardador - Luis Porcio, chefe de segurança da Side, conhecido pelo apelido de “Enfardador”, já que apreciava amarrar os prisioneiros com arames, como se fossem fardos, para posteriormente queimá-los. Ele operava no Automotores Orletti, um centro clandestino de detenção e tortura localizado no bairro portenho de Floresta

El Turco Julián - Diversas testemunhas indicam que os torturadores argentinos ouviam marchas militares do Terceiro Reich e discursos de Adolf Hitler enquanto torturavam. Esse era o caso Julio Simón, chefe dos interrogadores do centro de detenção “El Olimpo”, cujo nome de guerra era “O Turco Julián”. Ele divertia-se jogando água fervendo em cima de seus prisioneiros políticos. Deleitava-se em torturar os deficientes físicos, jogando-os do alto de uma escada. Além disso, saboreava cada minuto no qual estuprava a esposa de um prisioneiro na sua frente.

Segundo o depoimento da ex-prisioneira (uma das poucas pessoas detidas que sobreviveram nesse centro onde imperava Julián) Susana Caride o lugar era uma espécie de “circo romano” no qual os policiais “se divertiam”. Caride relatou que os prisioneiros eram obrigados a lutar boxe um contra o outro, sob ameaças de torturas. Ela também relembrou como, no dia de Natal, os prisioneiros foram convidados para um banquete, no qual puderam comer peru, maionese e panettone. Mas, à meia-noite, na hora do brinde, Simón interrompeu a festa que ele próprio havia organizado para iniciar uma sessão de violentas torturas com os presentes. Juan Agustín Guillén, outro dos sobreviventes, contou como Simón – que ostentava uma suástica no uniforme, tinha especial sanha com José Poblete, um jovem militante peronista que havia perdido ambas pernas em um acidente. Simón lhe havia retirado a cadeira de rodas e as pernas ortopédicas, e divertia-se – às gargalhadas – jogando-o para cima ou obrigando-o a desfilar na frente dos outros policiais arrastando-se sobre os tocos de seus membros.

O ex-policial foi condenado pelo sequestro e torturas infligidas ao casal Gertrudis Hlaczik e José Poblete Roa em 1978. Ele também foi considerado culpado do sequestro de Claudia, o bebê de apenas oito meses do casal, e do ocultamento de sua identidade. Ele fazia Gertrudis andar nua pelos corredores, enquanto que José, sem as pernas, devia se arrastar com as mãos pelo chão. Simón e os outros guardas o chamavam de “cortito” (curtinho), por causa da ausência dos membros inferiores. O torturador também costumava jogar Poblete desde o alto de uma escada. Em um vídeo, o ex-policial admitiu que torturou com choques elétricos, com o objetivo de “acelerar” os interrogatórios. No vídeo, confessa que “o critério geral era o de matar todo mundo”.

Rebaneyra - Outro notório torturador era o carcereiro Raúl Rebaynera, uma dos principais figuras da prisão de La Plata, onde estiveram vários prisioneiros políticos, entre eles, o Adolfo Pérez Esquivel, que em 1980 tornou-se Prêmio Nobel da Paz. Segundo o ex-prisioneiro Julio Modorgoy, cada vez que chovia Rebaynera colocava música clássica, de preferência Beethoven ou Bach – e saía “de caça”, isto é, passava pelas celas espancando os prisioneiros. “Se te dou 15 socos e você não gritar, te levo de novo para a cela. Se gritar, fica aqui na sala de torturas 15 dias”, ameaçava.

A modelo Marie Anne Erize, estuprada pelos
militares por alfabetizar crianças pobres
ESTUPROS – Em 2011 a Justiça argentina começou a investigar os delitos sexuais cometidos por militares e policiais durante a ditadura contra mulheres e homens detidos nos centros clandestinos. Até esse ano, a Justiça havia considerado os delitos sexuais dentro da categoria ampla de “abusos”. Desta forma, com a mudança de enfoque, diversos ex-integrantes da Ditadura puderam ser processados por estupros e violações.

Os casos de delitos sexuais transcorreram nos campos de detenção de “Club Atlético”, “El Olimpo” e “Banco”.

Os envolvidos estupraram – segundo as denúncias – dezenas de mulheres detidas nos centros de tortura. Geralmente elas eram amarradas, nuas, a camas nas celas. Primeiro eram torturadas com choques elétricos nos mamilos e nos órgãos genitais. Posteriormente eram violadas por um ou mais policiais e militares. Ocasionalmente, um dos repressores reclamava exclusividade sobre a mulher estuprada. Os militares e policiais costumavam preferir as estudantes universitárias jovens. Frequentemente, quando um casal era detido, os sequestradores violavam a esposa na frente do marido.

Os militares também costumavam introduzir ratos vivos – e famintos – nas vaginas das mulheres.

O CASO MARIE MARIE ANNE ERIZE

Filha de franceses que instalaram-se na Argentina, Marie Anne Erize foi “Miss Siete Días” (concurso realizado pela revista semanal de maior tiragem da época) e protagonizou diversas campanhas publicitárias da primeira metade dos anos 70 na Argentina.

De forma paralela a seu trabalho nas passarelas Marie Anne Erize fazia militância política na faculdade de filosofia, além de colaborar com o padre Carlos Mujica – referência do clero de esquerda na Argentina – na alfabetização de crianças nas favelas portenhas. A jovem mudou-se para a província de San Juan pouco após o golpe militar. No entanto, em outubro de 1976, ao sair de uma loja de bicicletas, onde havia ido trocar um pneu furado, foi sequestrada e levada para o centro clandestino de torturas “La Marquesita”.

Marie Anne, de 22 anos, que também tinha a cidadania francesa, foi levada à força pelo então tenente Jorge Antonio Olivera (que posteriormente chegaria a major), chefe de inteligência da Infantaria de San Juan, que a estuprou em diversas ocasiões, antes de matá-la. Olivera ufanava-se perante os outros militares de ter penetrado a famosa modelo.

Esta história tem outro lado sinistro: Olivera, que tinha apenas dois anos mais do que ela e era tenente na época da ditadura, havia morado durante sua infância e adolescência em Wanda, Misiones, a mesma cidadezinha de Marie Anne, a apenas um quarteirão de distância um do outro.

Fonte: Blog do Ariel Palacios
http://blogs.estadao.com.br/ariel-palacios/ha-30-anos-encerrava-se-a-ditadura-argentina-pequeno-manual-sobre-o-modus-operandi-do-regime/

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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Há 30 anos terminava a ditadura militar argentina - parte 01

Como comentei aqui, eu disse que haveria posts no blog sobre outros temas mais relacionados à História do Brasil.

Os motivos? Já comentei no texto sobre História do Brasil do link acima (quem quiser saber, leia), mas posso fazer alguns acréscimos ao que já foi dito antes. Uma das razões centrais da importância do assunto se dá pela observação de que pessoas que recebem informação sobre conflitos mundo afora (por exemplo: Segunda Guerra Mundial e Holocausto, o tema do blog) sem ter ideia da história do próprio país em que nasceu (e vive), demonstram uma certa postura idiota e alienada em relação a qualquer assunto referente à história e política. Isto uma opinião pessoal, mas com base em observações (não se trata de uma opinião aleatória). Sempre notei que a maioria desses malas sem alça (brasileiros) que ficam enchendo o saco na rede dizendo que são "revis" (e mesmo quem não se identifica com eles) e outras bizarrices do tipo não sabem absolutamente nada sobre História do Brasil. A impressão que passam é que são uma "coisa" solta pelo mundo, com problemas identitários sérios.

Ou quando "sabem" (observem as aspas pra indicar que há um tom irônico no termo), costumam repetir uma história enviesada ignorando que a formação do país que se deu em outros estados com conglomerados populacionais mais antigos (mais de 3 séculos de história intensa e meio milênio de história ininterrupta) e não no eixo econômico atual do Brasil (Rio de Janeiro-São Paulo), que só surge no século XX pois a ascensão do Rio se dá apenas na vinda da família real portuguesa ao Brasil (fugindo dos franceses e deixando o povo português à deriva) e a ascensão de São Paulo se dá apenas no fim do século XX se consolidando na metade do século XX. A história do país antes disso se situava em núcleos em outros estados (com destaque pra Pernambuco, Bahia e Minas Gerais) e desses núcleos (somados a outros) se espalharam por todo território atual do país. Sem saber de informações básicas sobre a formação do país as pessoas não conseguem interpretar absolutamente e adequadamente nada (que preste) sobre o Brasil.

Aproveitando esta pequena introdução (comentário), publicarei em três partes, ou mais partes (pois o texto é grande e muita gente acaba não lendo se se colocar o texto inteiro de uma vez) um texto do jornalista Ariel Palacios sobre o término da ditadura no país vizinho (Argentina).

O texto dele (muito bem escrito, quem quiser acompanhar algo sobre História Argentina sugiro que acessem o blog dele) põe abaixo diversos mitos disseminados na rede (web) e no "boca a boca das ruas" de saudosistas desses regimes ditatoriais da América do Sul sobre o quanto era "bom" esse período nefasto da história da região tentando criar um senso comum imbecilizado e falso que o povo muitas vezes repete isso ou por ignorância ou burrice mesmo. E não é surpresa a simpatia de setores da população com o autoritarismo, o autoritarismo sempre foi marcante na cultura ibérica (luso-hispânica), que é a cultura central nos países da região (refiro-me à influência, até porque os idiomas dos países vêm dessa cultura), com apegos a regimes autoritários e retrógrados de extrema-direita. Portugal e Espanha que o digam... (principalmente a Espanha).

O texto do Ariel é sobre a ditadura argentina, mas em virtude de haver semelhanças com a ditadura civil-militar brasileira (e também pela proximidade dos países), principalmente na parte econômica, cujos apoiadores até hoje fazem questão de defendê-la (muitas vezes de forma cínica) ou requentando a propaganda ideológica da Guerra Fria, posando de "democratas" apesar de não o serem ( nunca foram e jamais serão). Ou você é democrata convicto ou não é. Acho que é muito pertinente que os brasileiros (e a quem se interessar pela História da América do Sul em qualquer parte do mundo) leiam o texto dele sobre a ditadura argentina.
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Há 30 anos terminava a ditadura militar argentina (pequeno manual sobre o modus operandi do regime) - parte 01

Mão de um desaparecido da ditadura argentina. Seu corpo –
que estava com as mãos amarradas – foi encontrado em uma
praia do lado uruguaio do rio da Prata.
Há 30 anos, na manhã do dia 10 de dezembro de 1983, o presidente civil Raúl Alfonsín, tomava posse. Encerravam-se 7 anos da ditadura militar mais sangrenta da História do século XX na América do Sul.

A ditadura argentina aplicou uma série de formas de eliminar pessoas que considerava “subversivas”, fossem elas vinculadas a grupos guerrilheiros, civis sem militância política alguma, estudantes secundaristas, universitários, empresários, aposentados, entre outros.

As principais formas eram:

- Jogar pessoas vivas, desde aviões, sobre o rio da Prata ou o Oceano Atlântico.

- Juntar prisioneiros, amarrados, e dinamitá-los.

- Fuzilamento.

- Morte por terríveis torturas

Tal como os funcionários do Terceiro Reich que recorreram aos fornos crematórios para eliminar os prisioneiros dos campos de concentração – como forma rápida de eliminar os vestígios dos corpos dos judeus massacrados – a ditadura argentina optou pelos “voos da morte” como uma de suas modalidades preferidas para “desaparecer” as pessoas sequestradas.

Adolfo Scilingo, ex-capitão da Marinha que em 1995, arrependido de sua participação nos “voos da morte”, revelou que 4.400 pessoas foram assassinadas ao serem arremessadas no rio da Prata e no mar desde os aviões da Marinha. Scilingo, condenado a 640 anos de prisão pelos tribunais da Espanha por crimes contra a Humanidade, sustentou que os voos da morte não eram um procedimento circunstancial, mas sim, parte de um plano de grande escala de eliminação dos corpos dos desaparecidos.

Além da Armada argentina, a Aeronáutica e o Exército também realizaram “voos da morte”, embora em menor escala, já que estas duas forças preferiam o enterro dos cadáveres em fossas comuns clandestinas.

Na época do surgimento dos primeiros cadáveres nas praias, a ditadura militar uruguaia acreditou que tratavam-se de pessoas afogadas em um naufrágio de um navio asiático. Os militares confundiram no início que eram de etnias orientais, pois os corpos estavam “amarelos”. Mas, posteriormente perceberam que tratavam-se de ocidentais.

Nos anos seguintes os militares em Montevidéu reclamaram aos colegas argentinos em Buenos Aires que o surgimentos de corpos em suas praias estavam causando constrangimentos ao regime, além de pânico nos turistas, que deparavam-se com os cadáveres trazidos pela maré. A partir dali, os pilotos argentinos deixaram de arremessar os prisioneiros na área do rio da Prata começaram a fazer voos até o mar. No entanto, as correntes marítimas continuaram levando os corpos às costas uruguaias.

O destino dos corpos:

- Enterrados em cemitérios clandestinos. Ou, em cemitérios oficiais, embora em fossas coletivas como indigentes.

- Jogados no Rio da Prata ou no mar

Em 2009, um relatório entregue à ONU pela secretaria dos direitos humanos da Argentina indicou que do total de desaparecidos da Ditadura, 30,2% eram composto de operários; 21% por estudantes (inclusive colegiais), 28,6% de funcionários públicos e profissionais liberais. Outros 20,2% pertenciam à outras categorias sociais.

MODALIDADES DE TORTURAS

As torturas aplicadas pela ditadura argentina acumulavam diversas modalidades que – ao longo de dois séculos de História – as forças armadas locais (e as forças policiais) haviam desenvolvido e aplicado.

- Picana elétrica: criada nos anos 30 na Argentina por Leopoldo Lugones Hijo, filho do escritor nacionalista Leopoldo Lugones. A picana era o instrumento para assustar o gado com choques elétricos nos currais, e assim, direcioná-lo para o abate ou embarque. Aplicado a seres humanos, tornou-se no instrumento preferido de tortura na Argentina.

- Submarino molhado: consistia em afundar a cabeça de uma pessoa em uma tina d’água. Ocasionalmente a tina também estava cheia de excrementos humanos.

- Submarino seco: consistia em colocar a cabeça de uma pessoa dentro de um saco de plástico e esperar que ela ficasse quase asfixiada.

- O rato no cólon: a colocação de um rato, faminto, no cólon de um homem. Nas mulheres, o rato era colocado na vagina.

- Estupros: Mulheres e homens foram estuprados sistematicamente pelos militares e policiais argentinos. As mulheres, ocasionalmente recebiam a opção de serem estupradas ou de serem eletrocutadas na parte interna da vagina e ânus.

- Esfolamento: Os torturadores amarravam um prisioneiro em uma mesa e começavam a esfolar a pele da sola dos pés com uma gilette ou bisturi

- Empalamento: Alguns homens foram empalados pelas forças de segurança com cabos de vassoura.

O menino Floreal Avellaneda, considerado
‘inimigo’ pela ditadura argentina, foi empalado.
Um dos casos mais sinistros de torturas foi o do adolescente Floreal Avellaneda, sequestrado no dia 15 de abril de 1976. Filho de um casal de sindicalistas militantes do Partido Comunista, Floreal, que tinha 14 anos quando foi sequestrado, sofreu torturas nas mãos e genitais. Depois, foi empalado vivo.

No dia 22 de abril de 1976 a polícia uruguaia encontrou em uma praia perto de Montevidéu o cadáver de um jovem violentamente torturado com a marca de uma tatuagem com as letras “FA”. Posteriormente, com a volta da democracia, a mãe de Floreal pode confirmar que tratava-se de seu filho. Ele havia sido arremessado de um dos aviões que realizavam os “voos da morte” sobre o rio da Prata.

Fonte: Blog do Ariel Palacios
http://blogs.estadao.com.br/ariel-palacios/ha-30-anos-encerrava-se-a-ditadura-argentina-pequeno-manual-sobre-o-modus-operandi-do-regime/

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domingo, 16 de dezembro de 2012

Klaus Barbie - O Inimigo do Meu Inimigo (My Enemy's Enemy) - documentário

"O inimigo do meu inimigo" é um documentário de Kevin MacDonald lançado em 2007 que narra o recrutamento e uso de nazistas pelos EUA e outros países aliados dos EUA na Guerra Fria contra comunistas e a URSS, especificamente a história de Klaus Barbie. O documentário mostra as atrocidades cometidas pelo grupo de Klaus Barbie na França, sua fuga da Europa, o assassinato de Che Guevara, sua prisão na Bolívia e posterior julgamento na França condenado por crimes contra a humanidade. O fio central do documentário é a omissão do governo francês (e dos países antissoviéticos) que sabia da presença de Barbie na Bolívia e só resolveu prendê-lo quando não era mais útil ao governo francês e países aliados da França, como um agente da contra-inteligência dos EUA e capanga de ditaduras de direita na América Latina.

Fala também da ideia do ex-SS da organização de um IV Reich nos Andes.

Só um aviso: o vídeo no Youtube pode não durar muito tempo em virtude de que muitas vezes cortam esses vídeos por conta dos "direitos autorais", apesar de que não são vídeos bastante vendidos pois não são exibidos na TV aberta do país. Coloquei links pro documentário Homo Sapiens 1900 (sobre a eugenia e histórica do racismo "científico"), de Peter Cohen (o mesmo de Arquitetura da Destruição) e os primeiros vídeos do documentário no Youtube fora removidos. Infelizmente a ganância das produtoras costuma falar mais alto que altruísmo e bom senso.

Filme legendado em espanhol (o vídeo com legenda em português, mais abaixo, foi removido do Youtube)



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