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segunda-feira, 13 de julho de 2015

Franz Stangl nas ratlines

O bispo entrou na sala onde eu esperava, deu-me ambas as mãos e disse: "você deve ser Franz Stangl. Estava lhe esperando".

- O que o bispo Hudal fez por você?

– Bem, primeiro me conseguiu em Roma um lugar onde ficar até que chegassem meus documentos. E me deu mais dinheiro; já quase não tinha. Depois, passadas duas semanas, chamou-me e entregou um passaporte novo: um passaporte da Cruz Vermelha.

- Era efetivamente um "Passaporte da Cruz Vermelha"?

- Sim. Era um folheto esbranquiçado e havia uma cruz vermelha na capa. Era o mesmo, já sabe, que os velhos passaportes Nansen - Stangl os havia visto quando estava na polícia, em Linz. Haviam invertido meu nome por erro; estava expedido no nome de Paul F. Stangl. Indiquei ao bispo. Disse: "Há um erro, isto está incorreto. Meu nome é Franz D. Paul Stangl". Mas me palmou no ombro e disse: "Melhor não remover o nome. Não se preocupe". Conseguiu-me um visto de entrada na Síria e um trabalho na fábrica têxtil em Damasco, e me entregou uma passagem para o barco. Assim eu parti para Síria. Passado um tempo, a família se uniu a mim e, três anos depois, em 1951, emigramos para o Brasil...".

Nota: é conhecido como "Linhas de ratos" (Ratlines) as vias de saída dos responsáveis e criminosos nazis nos primeiros meses do pós-guerra através da Europa Ocidental com destino a países como Argentina, EUA ou Canadá. Entre essas vias se encontra a Itália mediante a intermediação da Igreja Católica.

Trecho de: Gitta Sereny, Desde aquella oscuridad. Conversaciones con el verdugo: Franz Stangl, comandante de Treblinka, Edhasa, 2009, pag. 439 a 440)

Fonte: extraído do blog El Viento en la Noche (Espanha)
https://universoconcentracionario.wordpress.com/2012/11/28/desde-aquella-oscuridad-franz-stangl-en-la-ruta-de-las-ratas/
Título original: DESDE AQUELLA OSCURIDAD: FRANZ STANGL EN LA “RUTA DE LAS RATAS”
Livro: Gitta Sereny: Desde aquella oscuridad (título em inglês: Into That Darkness: An Examination of Conscience)
Tradução: Roberto Lucena

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Conversas com o carrasco: Franz Stangl, comandante de Treblinka (livro de Gitta Sereny)

Franz Stangl
Poucos foram os responsáveis dos campos de extermínio e concentração alemães que tiveram que responder por seus atos ante tribunais posteriormente com o fim da Segunda Guerra Mundial. A maioria deles havia morrido ou havia se suicidado para evitar a responsabilidade judicial e moral pelo ocorrido. Foi o caso do primeiro escalão de figuras do regime nazi (Hitler, Himmler, Göring...). Foi no segundo escalão de autoridades alemãs onde a justiça dos aliados pode se exercer durante os chamados Julgamentos de Nuremberg. O caso mais destacado, que já tratamos, foi o de Rudolf Höss, comandante de Auschwitz, executado em 1947. Nos anos 60 dois casos de responsáveis foragidos, e refugiados na América do Sul, voltou a atrair a atenção da opinião pública perante o tema das responsabilidades graças a sua prisão e julgamento.

O primeiro foi o de Adolf Eichmann, sequestrado na Argentina por um comando dos serviços de inteligência israelense e condenado a morte em Israel em 1962. O caso atraiu a maioria dos jornalistas, entre eles Hannah Arendt a quem escreveria um memorável livro convertido em "guia" para tratar de compreender a natureza do mal que se aloja nos responsáveis do extermínio de milhões de pessoas nos campos de concentração. O segundo caso, o que nos ocupa aqui, foi o de de Franz Stangl, comandante de Treblinka, cuja detenção no Brasil, depois de ter residido um tempo em Damasco, ocorreu em 1967, sendo extraditado para Alemanha. O caso de Stangl se converteu na Alemanha no equivalente midiático do caso Eichmann em Israel.

Durante o período de detenção de Stangl, uma jornalista, Gitta Sereny, teve acesso ao prisioneiro, realizando uma série de entrevistas que serviram de base para a elaboração deste livro. Sereny, nascida na Europa central em 1929 havia colaborado com a resistência francesa, trabalhado em campos de refugiados e colaborado com a ONU na ajuda a crianças refugiadas. Sua vinculação com Stangl - a própria autora explica no prefácio -, surgiu como consequência do fato do interesse pelo qual o tema despertou nos anos 60 entre a população na Alemanha e no resto do mundo, (e sobretudo nas novas gerações que não haviam vivido a guerra diretamente), plantava problemas de difícil resolução: "O que em certo modo segue sendo incompreensível para eles é, como isto pode ocorrer? Como homens podem cometer os atos que cometeram? Como puderam as vítimas "se deixar" maltratar? E como pode o resto do mundo deixar conscientemente que aquilo ocorresse?" (Gitta Sereny, "Desde aquella oscuridad", "Into That Darkness: An Examination of Conscience" pag. 18).

Essas eram as mesmas perguntas que ela carregava desde a guerra: como eram realmente os criminosos responsáveis pelo genocídio e extermínio de milhões de pessoas? Sob essa necessidade de conhecer a natureza do mal existiam já poucas possibilidades de encontrar a um responsável de mais alta patente que Stangl: "Antes que fosse tarde demais, eu pensava, era essencial penetrar na personalidade de ao menos uma das pessoas vinculadas intimamente neste Mal absoluto." (pág. 12). Tinha que conhecer sua vida cotidiana, sua infância, sua família, tudo o que servisse para discernir "até que ponto o mal nos seres humanos é fruto de seus genes e até que ponto é fruto de sua sociedade e seu entorno" (pág. 12). Era evidente para a autora o perigo da justificação que poderia surgir de uma tarefa assim: haver do carrasco uma vítima do sistema, da sociedade.

Stangl havia tentado a princípio aproveitar sua entrevista inicial para dar corda para as típicas justificativas que tantas vezes havia se utilizado: de que as ordens vinham de cima, que ele só obedecia, que eram situações lamentáveis e produto da guerra... Sereny incutiu em Stangl a necessidade de ir mais além dessas palavras vazias ("Eu não desejava discutir a bondade ou maldade de tudo isso", pág. 30), o que se propôs é se aprofundar em sua realidade, em sua psicologia e em sua vida para "encontrar uma certa verdade entre ambos, uma nova verdade que contribuísse para a compreensão de coisas que até então não havia se compreendido" (pág. 31). Sob essa perspectiva, o livro de Sereny se inicia com o relato da infância de Stangl sob a férrea disciplina de um pai oficial do exército austro-húngaro, seus hobbies - tocar cítara - ou seu início na polícia austríaca - incluindo o episódio no qual ele mereceu uma condecoração por acabar com um grupelho nazi no período anterior ao Anschluss, o que também lhe criou mais de uma preocupação posterior -. Seu casamento é um ponto-chave em sua biografia, pois Sereny nos mostra um homem que "mais além daquilo que havia se convertido, era capaz de amar" (pág. 55). Junto aos conflitos morais que padeceu Stangl devido à moral católica inculcada por sua mãe, seus principais problemas surgiram sempre ao tratar de distanciar sua esposa, fervorosa católica, do que era a realidade de ser comandante de um campo de extermínio. Precisamente Sereny segue sua investigação depois da morte de Franz Stangl, com entrevistas com sua viúva no Brasil e a outras testemunhas sobreviventes dos campos. O resultado é o retrato de um homem devorado pela ambição, superado por suas obrigações, mas em todo momento consciente da realidade criminosa na qual estava implicado: o programa de eutanásia e os campos de extermínio de Sobibor e Treblinka. Não há dúvida de que sua experiência na polícia austríaca lhe foi útil para seu trabalho de extermínio, mas também para ser consciente da diferença entre o bem e o mal, o que lhe leva a um certo reconhecimento de sua culpa: "Deveria ter morrido. Essa foi minha culpa". (pag. 548).

O livro, em definitivo, trata de mostrar a verdadeira natureza daqueles criminosos do Estado nacional-socialista, que longe de serem "monstros", podiam passar por pessoas normais, pais de família, profissionais competentes, cujo aspecto mais obscuro só era possível tornar evidente ao concluir o conflito bélico e serem julgados. Sereny conclui que "um monstro moral não nasce" (pág. 551) senão que a essência da pessoa se constrói a partir de um núcleo que "é profundamente vulnerável e dependente de certo clima de vida" (pág. 552). Mas além da natureza do mal, a autora aprofunda outros temas também destacados na introdução: como pode ser que o resto do mundo não reagisse? Neste sentido Sereny indaga na implicação da Igreja Católica na ocultação de criminosos nazistas durante os primeiros meses do pós-guerra, assim como no silêncio durante a guerra.

Definitivamente, "Desde aquella oscuridad", é uma obra imprescindível para se aproximar da responsabilidade moral do indivíduo e da coletividade, nos processos de crimes em massa, conhecer até que ponto o indivíduo atua de acordo com sua liberdade de decisão, ou é prisioneiro de um compromisso, ainda que seja criminoso, com a sociedade que o rodeia e o influencia.

PARA CONSULTAR AS TAGS DESTA OBRA: DESDE AQUELLA OSCURIDAD

Título do livro em espanhol: Gitta Sereny, Desde aquella oscuridad. Conversaciones con el verdugo: Franz Stangl, comandante de Treblinka, Edhasa, 2009.

Fonte: extraído do blog El Viento en la Noche (Espanha)
http://universoconcentracionario.wordpress.com/libro-del-mes-recensiones/gitta-sereny-desde-aquella-oscuridad/
Título original: Gitta Sereny: Desde aquella oscuridad (título em inglês: Into That Darkness: An Examination of Conscience)
Tradução: Roberto Lucena

Observação: ler no final deste post uma opinião sobre Hannah Arendt e essa ideia de "banalidade do mal". Há quem concorde com a ideia, tanto que é repetida ou citada por muita gente, mas em geral (pelo que já vi), repetem a coisa sem refletir o significado da ideia, que acho meio torta (opinião pessoal).

Não sou muito simpático a "ideia" que a Hannad Arendt elaborou sobre a ação desses nazistas, há uma ação consciente, lógica, fria, mecânica (é isso que pode assustar muita gente) de como operam o extermínio conduzidos por crenças racistas profundas ais quais se guiam e/ou absorvem. Também não gosto desses "psicologismos" para entender que alguém que quer matar, mata, sem precisar "fazer" essas reflexões "profundas" sobre moral ou conduta. Acho até tolice esse tipo de indagação, por isso que estou fazendo esse comentário à parte do texto acima.

Alguém com uma moral não muito sólida (torta), se encontrar facilidades (ou um meio que propicie isso e que não ache "nada demais" certos atos criminosos extremos como: matar) para praticar atos que sejam moralmente condenáveis, cometerá. Na verdade esses "psicologismos" mais ajudam a criar 'nuvens' moralistas sobre a questão do genocídio do que ajudam a explicar e entender o problema.

Prum nazista que achava que judeus não eram gente ou não tinham importância alguma, não seria um problema de consciência, ou moral, matar judeus (ou no caso: "se livrar" deles), mesmo que pudessem depois refletir sobre os atos que cometeram e "cair em si" (ou não). Se eles continuaram a crer que judeus não valiam nada e que fizeram o que achavam que era pra ser feito, então não se arrependeram de coisa alguma.

Também não me convence o que ela descreve como 'consciência de culpa' dele sobre os atos que cometera, se ele tivesse isso não haveria fugido pra ficar impune, é incoerente o que ele afirma com sua própria conduta no pós-guerra. Por isso que, como disse acima, odeio esses "psicologismos".

E uma observação dentro da observação, em virtude de aparecer muita gente religiosa "entusiasmada" com esses assuntos só por conta de "crença religiosa", só que não compartilho dessa visão de mundo deles ou de como eles interpretam essas questões. Há um problema nisso: essas pessoas em geral tentam impôr a forma de "pensar" não respeitando que outras pessoas não concordem com essa visão religiosa, e isso gera conflitos e atritos. Curiosamente os "revis" fazem esse tipo de "acusação" quando no fundo os religiosos são eles. Não a toa que tem aparecido sistematicamente matérias sobre intolerância religiosa no país que podem descambar, invariavelmente, prum conflito maior. Não estou nem um pouco propenso a ser tolerante com esse tipo de postura de fanatismo religioso, pois há uma certa tendência de grupos religiosos circularem em torno de assuntos relacionados a judeus e Israel, a meu ver de forma equivocada, só que o assunto nazismo e segunda guerra não se restringe à questão judaica, apesar da relevância do antissemitismo no racismo nazista e das chacinas citadas. Nazismo é um tipo de fascismo ou de extremismo de direita, essas pessoas tratam o nazismo achando que os outros fascismos e regimes de exceção de direita (o Brasil teve dois) são coisas "toleráveis" ou aceitáveis, algo que além de ser equivocado, é uma forma distorcida de entender esses assuntos.

Mas voltando ao assunto anterior, não sei se é porque a gente acaba de certa forma não se 'assustando' mais com a monstruosidade dos nazistas (não se assustar é diferente de concordar, mesmo não se assustando o tamanho da barbárie nazi continua monstruosa) que acaba se aborrecendo fácil com as famosas indagações de "como isso foi possível", e ficando um pouco intolerante com esse tipo de "pergunta".

Mas há também um problema de como esse assunto continua sendo abordado por alguns seguimentos como se o mundo atual fosse o mesmo de 50 anos atrás, e isso provoca inevitavelmente problemas pois coloca o evento da segunda guerra como algo à parte do que se passa no mundo atualmente ou desconectado de outras questões.

Como isso foi possível? É só ver os neonazis chegando ao poder na Ucrânia atualmente, ou os fascistas sendo os mais votados na França pro parlamento europeu, ou os massacres no Iraque, a invasão do Iraque etc. Como é constatável, um monte de coisas têm sido possíveis contra a vontade de A, B ou C, então é algo meio banal a tal pergunta "como foi possível".

De qualquer forma, esse registro é um documento importante dos relatos do carrasco de Treblinka.

segunda-feira, 31 de março de 2014

A aventura de Josef Mengele na América do Sul (filme)

No terceiro e penúltimo dia da Mostra de Cinema Judaico (29/03), o argentino Wakolda ("O Médico Alemão"), de Lucia Puenzo, é um dos pontos altos. O filme, que passou pela A Certain Regard do Festival de Cannes em 2012, mostra as experiências desenvolvidas por um estranho médico na Patagônia nos anos 60.

O filme remete a um contexto histórico muito familiar aos sul-americanos: o refúgio de nazis foragidos dos aliados após o fim da 2ª Guerra Mundial. Alguns, como Adolf Eichmann, não tiveram sorte e, no caso deste ex-administrador de Auschwitz, foi sequestrado em plena Buenos Aires pela Mossad e executado em Israel. Já o sinistro Mengele deu-se melhor: acusado de experiências abomináveis com seres humanos durante a guerra, acabou por conseguir fugir sempre e terminou seus dias a viver pacificamente no litoral do Brasil, onde viria a morrer afogado em 1979.

A Wakolda do título original é uma menina que tem um problema: é muito mais pequena do que todas as outras pré-adolescentes da sua idade. Após infiltrar-se no seio da família dela, um misterioso médico vai tentando convencê-los a deixar submete-la a um método supostamente científico para ajudá-la a crescer.

A exibição do filme é precedida pela singular curta-metragem da Bielorrússia Shoes, que em poucos minutos, sem diálogos e sem mostrar rostos, filmando apenas os pés e as pernas dos "personagens", recria uma tragédia da 2ª Guerra.

Outro destaque na programação deste sábado é o documentário Os Judeus e o Dinheiro – Investigação de um Mito, que será seguido de um debate. Partindo de um homicídio que chocou a França em 2006, quando foi encontrado o cadáver de um jovem que havia sido sequestrado e torturado brutalmente durante vários dias, o realizador Lewis Cohen vai investigar um dos mais duradouros mitos relacionados com os judeus – a sua riqueza.


Ligando presente e passado, Cohen evita a superficialidade dos telejornais e dá ao crime, aparentemente cometido contra aquele jovem porque pensavam que ele, por ser judeu, "tinha dinheiro" (na verdade era o proprietário de uma pequena loja de telemóveis*), uma dimensão diferente. Para isso mergulha no passado para encontrar a origem deste mito – contando para isso com comentários de Jacques Le Goff, um dos maiores medievalistas de sempre, além de outros historiadores.

Já O Casamenteiro, de Avi Nesher, que teve no ano passado o seu trabalho mais recente exibido em Portugal, The Wonders, foi um grande sucesso em Israel, enquanto o alemão Os Vivos e os Mortos traz uma jovem em peregrinação por vários países em busca da sua identidade – o que a vai levar até a 2ª Guerra Mundial e o holocausto.

Fora do âmbito do cinema, a Judaica terá uma homenagem a Jan Karski, que contará com a presença do embaixador da Polônia. Karski foi um judeu polaco que durante a 2ª Guerra teve como missão de um grupo de resistência aos nazis um périplo por diversos países para alertar seus governos de que o holocausto estava a acontecer na Alemanha.

Fonte: c7nema.net (site)
http://www.c7nema.net/artigos/item/41263-judaica-a-aventura-de-josef-mengele-na-america-do-sul.html

*telemóvel: é como chamam telefone celular em Portugal

Observação: coloquei mais este texto por conta da citação do documentário do Lewis Cohen "Os judeus e o dinheiro" que desconhecia até ler o texto acima. Gosto de documentários que abordam a origem dos preconceitos mostrando como se formam os estereótipos e o que há de "verdades" nos mesmos, o rapaz morto era um vendedor de celular na França e foi sequestrado e morto porque a gangue que o fez achava que ele seria rico por ser judeu, seguindo à risca um estereótipo sem nem se questionarem que o mesmo poderia ser falso.

Esse tipo de documentário também geraria uma discussão de como combater o preconceito, via repressão simplesmente, como muitos defendem ignorando que não se desacredita uma ideia errada simplesmente por caneta, ou se desconstruindo o preconceito mostrando as falácias e erros neste tipo de discurso, que é o que eu acho que funciona de fato embora no país o combate a preconceitos praticamente inexiste como prática do Estado brasileiro, unidades da federação e instituições, principalmente Universidades.

Ver mais:
Resenha Crítica: "Os Judeus e o Dinheiro" (Jews & Money)
Os Judeus e o Dinheiro: Investigação de um Mito

domingo, 19 de janeiro de 2014

Há 30 anos terminava a ditadura militar argentina - parte 03

FATOS E NÚMEROS SOBRE A DITADURA MILITAR ARGENTINA:

- Entre 1976 e 1983 os militares assassinaram ao redor de 30 mil civis, entre eles, crianças e idosos, segundo estimativas de ONGs argentinas e organismos internacionais de defesa dos Direitos Humanos.

- Os militares afirmam que mataram “somente” 8 mil civis (segundo declarações do próprio general e ex-ditador Reynaldo Bignone, à TV francesa na virada do século, outros colegas seus dizem que não mataram pessoa alguma)

- O Estado argentino, com a volta da Democracia, recebeu pedidos para indenizações da parte de parentes de 10 mil desaparecidos.

- A Ditadura teria sido responsável pelo sequestro de 500 bebês, filhos das desaparecidas. Desde o final dos anos 70 as avós da Praça de Mayo localizaram e recuperaram a identidade de 109 dessas crianças, atualmente adultos.

- Em 1983 nos últimos meses da Ditadura, um relatório das próprias forças armadas argentinas indicou que a guerrilha e grupos terroristas de esquerda e cristãos nacionalistas teriam assassinado 900 pessoas. Diversos historiadores afirmaram ao longo dos anos que esse número está ligeiramente inflacionado, já que diversos dos mortos da lista militar teriam sido assassinados pelos próprios militares, na miríade de brigas internas (e, convenientemente, teriam colocado a culpa nos terroristas).

FRACASSOS ECONÔMICOS E MILITARES: Além de ter sido a mais sanguinária Ditadura foi um fracasso tanto na área militar como na esfera econômica.

Fiascos Militares:

- Entre 1976 e 1978 a Ditadura colocou quase a totalidade das Forças Armadas para perseguir uma guerrilha que já estava praticamente desmantelada desde antes do golpe, em 1975. Analistas militares destacam que este desvio das Forças Armadas argentinas (que havia iniciado no final dos anos 60 mas intensificou-se a partir do golpe) reduziu drasticamente o profissionalismo dos militares.

- Em 1978, a Junta Militar argentina levou o país a uma escalada armamentista contra o Chile. Em dezembro daquele ano, a invasão argentina do território chileno foi detida graças à intermediação papal. O custo da corrida armamentista colocou o país em graves problemas financeiros.

- Em 1982, perante uma crise social, perda de sustentabilidade política e problemas econômicos, o então ditador Leopoldo Fortunato Galtieri – famoso por seu intenso approach ao scotch – decidiu invadir as ilhas Malvinas para distrair a atenção da população. Resultado: após um breve período de combate, os oficiais do ditador renderam-se às tropas britânicas.

Desastres econômicos:

- Em sete anos de Ditadura, a dívida externa subiu de US$ 8 bilhões para US$ 45 bilhões.

- A inflação do governo civil derrubado pela Ditadura, que era considerada um índice “absurdo alto” pelos militares havia sido de 182% anual. Mas, este índice foi superado pela política econômica caótica da Ditadura, que encerrou sua administração com 343% anual.

- A pobreza disparou de 5% da população argentina para 28%

- A participação da indústria no PIB caiu de 37,5% para 25%, o que equivaleu a um retrocesso dos níveis dos anos 60.

- Além disso, a Ditadura criou uma ciranda financeira, conhecida como “la plata dulce”, ou, “o doce dinheiro”.

- Ao mesmo tempo em que tomavam medidas neoliberais, como a abertura irrestrita das importações, os militares continuavam mantendo imensas estruturas nas empresas estatais, que transformaram-se em cabides de emprego de generais, coronéis e seus parentes.

- Os militares também estatizaram US$ 15 bilhões de dívidas das principais empresas privadas do país (além das filiais argentinas de empresas estrangeiras).

- No meio desse caos econômico, os militares provocaram um déficit fiscal de 15% do PIB.

- A repressão provocou um êxodo de centenas de milhares de profissionais do país. Os militares, em cargos burocráticos, exacerbaram a corrupção na máquina estatal.

MILITARES E ESPORTE - Apesar das denúncias de graves violações aos Direitos Humanos a FIFA não cancelou a realização da Copa de 1978. Para a Ditadura, a vitória nesse evento esportivo foi um trunfo político, que lhe garantiu alta popularidade. Os argentinos exilados discutiam no exterior se deveriam torcer a favor ou contra a seleção. Alguns argumentavam que a vitória na Copa não favoreceria a Ditadura, e que esporte e política nunca se misturam. Outros destacavam que esporte e política misturam-se, e muito.

NEGOCIATAS DE 1978 – O Orçamento inicial da Copa de 1978 era de US$ 70 milhões. Custo final da Copa: US$ 700 milhões (o valor supera amplamente o custo da Copa realizada na Espanha, em 1982, que foi de US$ 520 milhões).

GUERRA CIVIL OU GUERRILHA LOCALIZADA?

Os militares deram o golpe e instauraram a ditadura mais sanguinária da História da América do Sul (América do Sul, não América Latina) com o argumento (um dos vários) de que a guerrilha controlava grande parte do país.

Delírio. A pequena guerrilha argentina, mais especificamente o ERP, dominava às duras penas uma pequena porcentagem da província de Tucumán, a menor província da Argentina.

A magnificação da guerrilha foi útil para os militares e também para o prestígio dos guerrilheiros. A nenhum dos dois lados era conveniente admitir a realidade, de que a área controlada pela guerrilha era ínfima.

Os militares e os setores civis que apoiaram o golpe (e os saudosistas daqueles tempos) afirmavam (e ainda afirmam) que o país estava em guerra civil nos nos 70.

Mas, “guerra civil”, rigorosamente, seriam conflitos de proporções mais substanciais, tais como a Guerra da Secessão dos EUA, a Guerra Civil Espanhola, a Guerra Civil Russa logo após a proclamação do Estado Soviético, a Guerra das Duas Rosas (Lancasters versus Yorks, na Inglaterra) ou a Guerra Civil da Grécia após o fim da Segunda Guerra Mundial. Ainda: a Guerra Civil da Nicarágua, e a de El Salvador. Isto é: bombardeios de cidades, grandes êxodos de refugiados, centenas de milhares de mortos, uma boa parte de um país controlado por um dos lados, e outra parte controlada por outro lado. Isso não ocorreu na Argentina nos anos 70.

POLÍTICA EXTERNA ESQUIZOFRÊNICA

Na política externa a Ditadura também mostrou um comportamento peculiar:

- Acreditou que os EUA ficariam de seu lado na Guerra das Malvinas, já que a Ditadura havia sido um bastião anticomunista na América do Sul e até havia colaborado na guerrilha dos ‘contras’ na América Central.

Os militares argentinos não levaram em conta que pesaria mais a velha aliança EUA-Grã Bretanha por motivos históricos e pela participação na OTAN.

- A Ditadura tinha um discurso anticomunista mas continuou vendendo trigo para a URSS e não aderiu ao boicote americano contra as Olimpíadas de Moscou em 1980.

Fonte: Blog do Ariel Palacios
http://blogs.estadao.com.br/ariel-palacios/ha-30-anos-encerrava-se-a-ditadura-argentina-pequeno-manual-sobre-o-modus-operandi-do-regime/

Parte 02: Há 30 anos terminava a ditadura militar argentina
Parte01: Há 30 anos terminava a ditadura militar argentina (Tortura e voos da morte, Estado proto-nazista)

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Há 30 anos terminava a ditadura militar argentina - parte 02

Há 30 anos terminava a ditadura militar argentina (pequeno manual sobre o modus operandi do regime) - parte 02

GALERIA DE ALGUNS DOS PRINCIPAIS TORTURADORES

O “Tigre” Acosta - Um dos criadores dos “voos da morte” foi o capitão de corveta Jorge “Tigre” Acosta, uma das “estrelas” da Escola de Mecânica da Armada (ESMA). O oficial, que falava sozinho à noite, em delírio místico explicava aos colegas e prisioneiros que mantinha longas conversas noturnas com “Jesucito” (O pequeno Jesus), ao qual perguntava qual dos prisioneiros deveria torturar no dia seguinte e jogar dos aviões. Famoso pelos requintes de crueldade que aplicava aos detidos, Acosta também foi um dos principais sequestradores dos bebês de prisioneiras da ESMA.

O “Anjo Loiro” Astiz – “É o mais sinistro paradigma do terrorismo de Estado”. Com esta frase, o escritor e jornalista Jorge Camarasa, define a personalidade do ex-capitão Alfredo Astiz apelidado de “O anjo loiro da morte”. Garoto mimado da ditadura, entre seus assassinatos mais famosos estão os das freiras francesas Alice Domon e Leonie Duquet, além de três fundadoras das Mães da Praça de Mayo, entre elas, Azucena Villaflor. Astiz foi recompensado por seus serviços com o cargo de comando nas ilhas Geórgias durante a Guerra das Malvinas, em 1982. No entanto, essas ilhas foram o primeiro ponto recuperado pelos britânicos durante o conflito. Após um único tiro de bazuca disparado pelos britânicos, Astiz desistiu de resistir “até a morte”, como havia prometido. Com com um copo cheio de whisky em uma das mãos, assinou a rendição incondicional.

Donda Tigel - Alfredo Donda Tigel tornou-se famoso por sequestrar seu próprio irmão e a cunhada – militantes da esquerda. Depois de assassiná-los, ficou com suas filhas, que eram bebês.

Ernesto Weber – Oficial da Polícia Federal, era apelidado de “220” pelos colegas militares pelo prazer que sentia em aplicar essa voltagem nas torturas. Foi professor de torturas dos oficiais de Marinha.

Febres - O ex-Chefe da Guarda Costeira Héctor Febres ficou notório por seu extremo sadismo, que o levou a torturar bebês e crianças para arrancar confissões dos pais, presos políticos. A primeira surpresa ocorreu poucos dias após sua morte, no dia 10 de dezembro – o Dia internacional dos Direitos Humanos, que também coincidiu com a posse da nova presidente, Cristina Fernández de Kirchner – quando a Justiça anunciou que o ex-torturador havia falecido por uma dose cavalar de cianureto. A segunda surpresa surgiu dias depois, quando as autoridades indicaram que a autópsia também registrou a presença de sêmen no reto do ex-torturador. Ele era famoso por seu desenfrado sadismo. Sobreviventes relatam que, quando aplicava choques elétricos nos prisioneiros, ficava “alucinado” e gargalhava enquanto ouvia os gritos dos torturados. Um dos sobreviventes relatou como Febres lhe pediu gentilmente que consertasse o aparelho de choques elétricos, que logo depois utilizaria no próprio prisioneiro. Na ESMA os torturadores costumavam ter apelidos referentes a animais. Esse era o caso do capitão Jorge “Tigre” Acosta e do tenente Alfredo “Corvo” Astiz. Mas, Febres era chamado de “Selva”, já que “era o conjunto de todos os animais”

Enfardador - Luis Porcio, chefe de segurança da Side, conhecido pelo apelido de “Enfardador”, já que apreciava amarrar os prisioneiros com arames, como se fossem fardos, para posteriormente queimá-los. Ele operava no Automotores Orletti, um centro clandestino de detenção e tortura localizado no bairro portenho de Floresta

El Turco Julián - Diversas testemunhas indicam que os torturadores argentinos ouviam marchas militares do Terceiro Reich e discursos de Adolf Hitler enquanto torturavam. Esse era o caso Julio Simón, chefe dos interrogadores do centro de detenção “El Olimpo”, cujo nome de guerra era “O Turco Julián”. Ele divertia-se jogando água fervendo em cima de seus prisioneiros políticos. Deleitava-se em torturar os deficientes físicos, jogando-os do alto de uma escada. Além disso, saboreava cada minuto no qual estuprava a esposa de um prisioneiro na sua frente.

Segundo o depoimento da ex-prisioneira (uma das poucas pessoas detidas que sobreviveram nesse centro onde imperava Julián) Susana Caride o lugar era uma espécie de “circo romano” no qual os policiais “se divertiam”. Caride relatou que os prisioneiros eram obrigados a lutar boxe um contra o outro, sob ameaças de torturas. Ela também relembrou como, no dia de Natal, os prisioneiros foram convidados para um banquete, no qual puderam comer peru, maionese e panettone. Mas, à meia-noite, na hora do brinde, Simón interrompeu a festa que ele próprio havia organizado para iniciar uma sessão de violentas torturas com os presentes. Juan Agustín Guillén, outro dos sobreviventes, contou como Simón – que ostentava uma suástica no uniforme, tinha especial sanha com José Poblete, um jovem militante peronista que havia perdido ambas pernas em um acidente. Simón lhe havia retirado a cadeira de rodas e as pernas ortopédicas, e divertia-se – às gargalhadas – jogando-o para cima ou obrigando-o a desfilar na frente dos outros policiais arrastando-se sobre os tocos de seus membros.

O ex-policial foi condenado pelo sequestro e torturas infligidas ao casal Gertrudis Hlaczik e José Poblete Roa em 1978. Ele também foi considerado culpado do sequestro de Claudia, o bebê de apenas oito meses do casal, e do ocultamento de sua identidade. Ele fazia Gertrudis andar nua pelos corredores, enquanto que José, sem as pernas, devia se arrastar com as mãos pelo chão. Simón e os outros guardas o chamavam de “cortito” (curtinho), por causa da ausência dos membros inferiores. O torturador também costumava jogar Poblete desde o alto de uma escada. Em um vídeo, o ex-policial admitiu que torturou com choques elétricos, com o objetivo de “acelerar” os interrogatórios. No vídeo, confessa que “o critério geral era o de matar todo mundo”.

Rebaneyra - Outro notório torturador era o carcereiro Raúl Rebaynera, uma dos principais figuras da prisão de La Plata, onde estiveram vários prisioneiros políticos, entre eles, o Adolfo Pérez Esquivel, que em 1980 tornou-se Prêmio Nobel da Paz. Segundo o ex-prisioneiro Julio Modorgoy, cada vez que chovia Rebaynera colocava música clássica, de preferência Beethoven ou Bach – e saía “de caça”, isto é, passava pelas celas espancando os prisioneiros. “Se te dou 15 socos e você não gritar, te levo de novo para a cela. Se gritar, fica aqui na sala de torturas 15 dias”, ameaçava.

A modelo Marie Anne Erize, estuprada pelos
militares por alfabetizar crianças pobres
ESTUPROS – Em 2011 a Justiça argentina começou a investigar os delitos sexuais cometidos por militares e policiais durante a ditadura contra mulheres e homens detidos nos centros clandestinos. Até esse ano, a Justiça havia considerado os delitos sexuais dentro da categoria ampla de “abusos”. Desta forma, com a mudança de enfoque, diversos ex-integrantes da Ditadura puderam ser processados por estupros e violações.

Os casos de delitos sexuais transcorreram nos campos de detenção de “Club Atlético”, “El Olimpo” e “Banco”.

Os envolvidos estupraram – segundo as denúncias – dezenas de mulheres detidas nos centros de tortura. Geralmente elas eram amarradas, nuas, a camas nas celas. Primeiro eram torturadas com choques elétricos nos mamilos e nos órgãos genitais. Posteriormente eram violadas por um ou mais policiais e militares. Ocasionalmente, um dos repressores reclamava exclusividade sobre a mulher estuprada. Os militares e policiais costumavam preferir as estudantes universitárias jovens. Frequentemente, quando um casal era detido, os sequestradores violavam a esposa na frente do marido.

Os militares também costumavam introduzir ratos vivos – e famintos – nas vaginas das mulheres.

O CASO MARIE MARIE ANNE ERIZE

Filha de franceses que instalaram-se na Argentina, Marie Anne Erize foi “Miss Siete Días” (concurso realizado pela revista semanal de maior tiragem da época) e protagonizou diversas campanhas publicitárias da primeira metade dos anos 70 na Argentina.

De forma paralela a seu trabalho nas passarelas Marie Anne Erize fazia militância política na faculdade de filosofia, além de colaborar com o padre Carlos Mujica – referência do clero de esquerda na Argentina – na alfabetização de crianças nas favelas portenhas. A jovem mudou-se para a província de San Juan pouco após o golpe militar. No entanto, em outubro de 1976, ao sair de uma loja de bicicletas, onde havia ido trocar um pneu furado, foi sequestrada e levada para o centro clandestino de torturas “La Marquesita”.

Marie Anne, de 22 anos, que também tinha a cidadania francesa, foi levada à força pelo então tenente Jorge Antonio Olivera (que posteriormente chegaria a major), chefe de inteligência da Infantaria de San Juan, que a estuprou em diversas ocasiões, antes de matá-la. Olivera ufanava-se perante os outros militares de ter penetrado a famosa modelo.

Esta história tem outro lado sinistro: Olivera, que tinha apenas dois anos mais do que ela e era tenente na época da ditadura, havia morado durante sua infância e adolescência em Wanda, Misiones, a mesma cidadezinha de Marie Anne, a apenas um quarteirão de distância um do outro.

Fonte: Blog do Ariel Palacios
http://blogs.estadao.com.br/ariel-palacios/ha-30-anos-encerrava-se-a-ditadura-argentina-pequeno-manual-sobre-o-modus-operandi-do-regime/

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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Há 30 anos terminava a ditadura militar argentina - parte 01

Como comentei aqui, eu disse que haveria posts no blog sobre outros temas mais relacionados à História do Brasil.

Os motivos? Já comentei no texto sobre História do Brasil do link acima (quem quiser saber, leia), mas posso fazer alguns acréscimos ao que já foi dito antes. Uma das razões centrais da importância do assunto se dá pela observação de que pessoas que recebem informação sobre conflitos mundo afora (por exemplo: Segunda Guerra Mundial e Holocausto, o tema do blog) sem ter ideia da história do próprio país em que nasceu (e vive), demonstram uma certa postura idiota e alienada em relação a qualquer assunto referente à história e política. Isto uma opinião pessoal, mas com base em observações (não se trata de uma opinião aleatória). Sempre notei que a maioria desses malas sem alça (brasileiros) que ficam enchendo o saco na rede dizendo que são "revis" (e mesmo quem não se identifica com eles) e outras bizarrices do tipo não sabem absolutamente nada sobre História do Brasil. A impressão que passam é que são uma "coisa" solta pelo mundo, com problemas identitários sérios.

Ou quando "sabem" (observem as aspas pra indicar que há um tom irônico no termo), costumam repetir uma história enviesada ignorando que a formação do país que se deu em outros estados com conglomerados populacionais mais antigos (mais de 3 séculos de história intensa e meio milênio de história ininterrupta) e não no eixo econômico atual do Brasil (Rio de Janeiro-São Paulo), que só surge no século XX pois a ascensão do Rio se dá apenas na vinda da família real portuguesa ao Brasil (fugindo dos franceses e deixando o povo português à deriva) e a ascensão de São Paulo se dá apenas no fim do século XX se consolidando na metade do século XX. A história do país antes disso se situava em núcleos em outros estados (com destaque pra Pernambuco, Bahia e Minas Gerais) e desses núcleos (somados a outros) se espalharam por todo território atual do país. Sem saber de informações básicas sobre a formação do país as pessoas não conseguem interpretar absolutamente e adequadamente nada (que preste) sobre o Brasil.

Aproveitando esta pequena introdução (comentário), publicarei em três partes, ou mais partes (pois o texto é grande e muita gente acaba não lendo se se colocar o texto inteiro de uma vez) um texto do jornalista Ariel Palacios sobre o término da ditadura no país vizinho (Argentina).

O texto dele (muito bem escrito, quem quiser acompanhar algo sobre História Argentina sugiro que acessem o blog dele) põe abaixo diversos mitos disseminados na rede (web) e no "boca a boca das ruas" de saudosistas desses regimes ditatoriais da América do Sul sobre o quanto era "bom" esse período nefasto da história da região tentando criar um senso comum imbecilizado e falso que o povo muitas vezes repete isso ou por ignorância ou burrice mesmo. E não é surpresa a simpatia de setores da população com o autoritarismo, o autoritarismo sempre foi marcante na cultura ibérica (luso-hispânica), que é a cultura central nos países da região (refiro-me à influência, até porque os idiomas dos países vêm dessa cultura), com apegos a regimes autoritários e retrógrados de extrema-direita. Portugal e Espanha que o digam... (principalmente a Espanha).

O texto do Ariel é sobre a ditadura argentina, mas em virtude de haver semelhanças com a ditadura civil-militar brasileira (e também pela proximidade dos países), principalmente na parte econômica, cujos apoiadores até hoje fazem questão de defendê-la (muitas vezes de forma cínica) ou requentando a propaganda ideológica da Guerra Fria, posando de "democratas" apesar de não o serem ( nunca foram e jamais serão). Ou você é democrata convicto ou não é. Acho que é muito pertinente que os brasileiros (e a quem se interessar pela História da América do Sul em qualquer parte do mundo) leiam o texto dele sobre a ditadura argentina.
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Há 30 anos terminava a ditadura militar argentina (pequeno manual sobre o modus operandi do regime) - parte 01

Mão de um desaparecido da ditadura argentina. Seu corpo –
que estava com as mãos amarradas – foi encontrado em uma
praia do lado uruguaio do rio da Prata.
Há 30 anos, na manhã do dia 10 de dezembro de 1983, o presidente civil Raúl Alfonsín, tomava posse. Encerravam-se 7 anos da ditadura militar mais sangrenta da História do século XX na América do Sul.

A ditadura argentina aplicou uma série de formas de eliminar pessoas que considerava “subversivas”, fossem elas vinculadas a grupos guerrilheiros, civis sem militância política alguma, estudantes secundaristas, universitários, empresários, aposentados, entre outros.

As principais formas eram:

- Jogar pessoas vivas, desde aviões, sobre o rio da Prata ou o Oceano Atlântico.

- Juntar prisioneiros, amarrados, e dinamitá-los.

- Fuzilamento.

- Morte por terríveis torturas

Tal como os funcionários do Terceiro Reich que recorreram aos fornos crematórios para eliminar os prisioneiros dos campos de concentração – como forma rápida de eliminar os vestígios dos corpos dos judeus massacrados – a ditadura argentina optou pelos “voos da morte” como uma de suas modalidades preferidas para “desaparecer” as pessoas sequestradas.

Adolfo Scilingo, ex-capitão da Marinha que em 1995, arrependido de sua participação nos “voos da morte”, revelou que 4.400 pessoas foram assassinadas ao serem arremessadas no rio da Prata e no mar desde os aviões da Marinha. Scilingo, condenado a 640 anos de prisão pelos tribunais da Espanha por crimes contra a Humanidade, sustentou que os voos da morte não eram um procedimento circunstancial, mas sim, parte de um plano de grande escala de eliminação dos corpos dos desaparecidos.

Além da Armada argentina, a Aeronáutica e o Exército também realizaram “voos da morte”, embora em menor escala, já que estas duas forças preferiam o enterro dos cadáveres em fossas comuns clandestinas.

Na época do surgimento dos primeiros cadáveres nas praias, a ditadura militar uruguaia acreditou que tratavam-se de pessoas afogadas em um naufrágio de um navio asiático. Os militares confundiram no início que eram de etnias orientais, pois os corpos estavam “amarelos”. Mas, posteriormente perceberam que tratavam-se de ocidentais.

Nos anos seguintes os militares em Montevidéu reclamaram aos colegas argentinos em Buenos Aires que o surgimentos de corpos em suas praias estavam causando constrangimentos ao regime, além de pânico nos turistas, que deparavam-se com os cadáveres trazidos pela maré. A partir dali, os pilotos argentinos deixaram de arremessar os prisioneiros na área do rio da Prata começaram a fazer voos até o mar. No entanto, as correntes marítimas continuaram levando os corpos às costas uruguaias.

O destino dos corpos:

- Enterrados em cemitérios clandestinos. Ou, em cemitérios oficiais, embora em fossas coletivas como indigentes.

- Jogados no Rio da Prata ou no mar

Em 2009, um relatório entregue à ONU pela secretaria dos direitos humanos da Argentina indicou que do total de desaparecidos da Ditadura, 30,2% eram composto de operários; 21% por estudantes (inclusive colegiais), 28,6% de funcionários públicos e profissionais liberais. Outros 20,2% pertenciam à outras categorias sociais.

MODALIDADES DE TORTURAS

As torturas aplicadas pela ditadura argentina acumulavam diversas modalidades que – ao longo de dois séculos de História – as forças armadas locais (e as forças policiais) haviam desenvolvido e aplicado.

- Picana elétrica: criada nos anos 30 na Argentina por Leopoldo Lugones Hijo, filho do escritor nacionalista Leopoldo Lugones. A picana era o instrumento para assustar o gado com choques elétricos nos currais, e assim, direcioná-lo para o abate ou embarque. Aplicado a seres humanos, tornou-se no instrumento preferido de tortura na Argentina.

- Submarino molhado: consistia em afundar a cabeça de uma pessoa em uma tina d’água. Ocasionalmente a tina também estava cheia de excrementos humanos.

- Submarino seco: consistia em colocar a cabeça de uma pessoa dentro de um saco de plástico e esperar que ela ficasse quase asfixiada.

- O rato no cólon: a colocação de um rato, faminto, no cólon de um homem. Nas mulheres, o rato era colocado na vagina.

- Estupros: Mulheres e homens foram estuprados sistematicamente pelos militares e policiais argentinos. As mulheres, ocasionalmente recebiam a opção de serem estupradas ou de serem eletrocutadas na parte interna da vagina e ânus.

- Esfolamento: Os torturadores amarravam um prisioneiro em uma mesa e começavam a esfolar a pele da sola dos pés com uma gilette ou bisturi

- Empalamento: Alguns homens foram empalados pelas forças de segurança com cabos de vassoura.

O menino Floreal Avellaneda, considerado
‘inimigo’ pela ditadura argentina, foi empalado.
Um dos casos mais sinistros de torturas foi o do adolescente Floreal Avellaneda, sequestrado no dia 15 de abril de 1976. Filho de um casal de sindicalistas militantes do Partido Comunista, Floreal, que tinha 14 anos quando foi sequestrado, sofreu torturas nas mãos e genitais. Depois, foi empalado vivo.

No dia 22 de abril de 1976 a polícia uruguaia encontrou em uma praia perto de Montevidéu o cadáver de um jovem violentamente torturado com a marca de uma tatuagem com as letras “FA”. Posteriormente, com a volta da democracia, a mãe de Floreal pode confirmar que tratava-se de seu filho. Ele havia sido arremessado de um dos aviões que realizavam os “voos da morte” sobre o rio da Prata.

Fonte: Blog do Ariel Palacios
http://blogs.estadao.com.br/ariel-palacios/ha-30-anos-encerrava-se-a-ditadura-argentina-pequeno-manual-sobre-o-modus-operandi-do-regime/

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terça-feira, 20 de agosto de 2013

"Advogado do terror" Jacques Vergès morre aos 88 anos na França

O advogado francês Jacques Vergès, conhecido como "advogado do terror" devido a clientes que incluem um ex-chefe da Gestapo e o militante marxista Carlos, o Chacal, morreu de um ataque cardíaco, aos 88 anos.

Considerado por muitos como um dos advogados mais brilhantes e provocativos da França, Vergès ganhou notoriedade ao aceitar representar clientes considerados por outros como impossíveis de defender.

O advogado morreu na quinta-feira em sua casa parisiense do século 18, onde o filósofo Voltaire viveu, de acordo com seu editor Pierre-Guillaume de Roux.

Vergès nasceu na Tailândia, em 1925, filho de pai francês e mãe vietnamita, e cresceu na ilha governada pela França no oceano Índico de La Réunion, para onde a família mudou-se depois que seu pai perdeu o emprego como cônsul por se casar com uma estrangeira, algo proibido na época.

Na década de 1960, Vergès defendeu argelinos que lutaram pela independência num momento em que o fim do domínio francês na colônia do norte africano foi violentamente contestada por alguns setores da sociedade francesa.

Como líder estudantil comunista, Vèrges ficou amigo de Pol Pot, líder do Khmer Vermelho, responsável pelo genocídio no Camboja em que 2,2 milhões de pessoas morreram.

Vèrges deixou perplexos seus compatriotas ao concordar em defender Klaus Barbie, chefe da Gestapo na cidade de Lyon, que foi duas vezes condenado à morte à revelia por crimes de guerra.

Quando Barbie fugiu da França em 1944, Vèrges estava marchando para libertar Paris com as forças francesas de De Gaulle.

Outros clientes foram o militante libanês Georges Ibrahim Abdallah e o ex-vice-premiê iraquiano Tariq Aziz, e ele também deu assessoria jurídica ao ex-líder iugoslavo Slobodan Milosevic.

Para alguns de seus críticos, a lista de clientes de Vergès significa que suas mãos ficaram tão sujas quanto as das pessoas que ele defendia. Em 2007, um documentário francês sobre a vida dele o apelidou de "advogado do terror", um apelido que pegou.

(Por John Irish)

Fonte: Reuters/Terra
http://noticias.terra.com.br/mundo/europa/advogado-do-terror-jacques-verges-morre-aos-88-anos-na-franca,0a634fac1bf70410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html

Observação: notícia da semana passada. Pra quem tiver curiosidade, vale a pena assistir o documentário 'O Advogado do Terror'. É difícil definir a motivação desse Vergès com a defesa desses criminosos porque o documentário acaba deixando isso em aberto, tanto poderia ser uma ação pra chocar, "contestar o poder", ou possivelmente a atitude de um indivíduo atrás da fama (e dinheiro) já que esse tipo de defesa de causas perdidas com criminosos de guerra como Klaus Barbie (Gestapo) acaba trazendo os holofotes pra junto da pessoa. Klaus Barbie é retratado neste documentário de Kevin Macdonald chamado "O inimigo do meu inimigo" no link ao lado (link) que mostra cenas do julgamento na França e a captura dele na Bolívia a pedido do governo francês, como uma crítica pesada à vista grossa dos governos ocidentais com criminosos de guerra nazistas durante a Guerra Fria. Há imagens do julgamento de Barbie no youtube.

Trailer do documentário "O Adovgado do Terror" (L'Avocat de la Terreur)

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Argentina: branca, hispânica e católica - Parte 2

Escrito por Ruben Holdorf; 06-Dez-2009

As relações da elite e políticos, militares e religiosos com os nazistas de Hitler

Antissemitismo

Não obstante o engajamento político e ideológico com o nazismo, a cúpula argentina patenteava seu asco contra a presença de judeus no país. Goñi confessa ser esse um dos segredos mais vergonhosos da história deles, pois "nenhum outro país tomou medidas tão extraordinárias para cancelar seus ‘vistos de entrada' para judeus quanto a Argentina, às vésperas do Holocausto de Hitler".(8) O escritor portenho cita as palavras do embaixador argentino em Londres, Tomás Le Breton, explicando a negativa de vistos para crianças judias, porque "eram exatamente o tipo de gente que o governo argentino não queria no país, pois iam crescer e ajudar a aumentar a população judaica por propagação".(9) Depois desse episódio, ele solicitou que os britânicos os esterilizassem antes de enviá-los à Argentina. É óbvio que eles recusaram tal absurdo.

Outro britânico, o ex-primeiro-ministro Winston Churchill, interpretando o pensamento de Hitler sobre o antissemitismo, narra as intenções nazistas para os judeus:
Qualquer organismo vivo que deixasse de lutar por sua existência estava fadado à extinção. Um país ou raça que deixasse de lutar estava igualmente condenado. A capacidade de luta de uma raça dependia de sua pureza. Daí a necessidade de livrá-la dos elementos contaminadores estrangeiros. A raça judaica, por sua universalidade, era necessariamente pacifista e internacionalista. O pacifismo era o mais letal dos pecados, pois significava a rendição da raça na luta pela vida.(10)
Antes de serem conduzidos aos campos da morte, os judeus mais abastados sofreram todo o tipo de assédio. Ameaçados de deportação, muitos rogavam aos amigos e parentes nos Estados Unidos a transferência de valores para as contas dos nazistas em bancos suíços, portugueses e argentinos. Sempre havia um negociador suíço envolvido na trama. A Espanha serviu de laboratório para a engenharia militar antes da Segunda Guerra e Portugal passou a ser um paraíso fiscal e trampolim de escape para os nazistas. Daí a imunidade territorial desses três países europeus às tropas alemãs, erroneamente considerados neutros pelos historiadores.

O chefe da Imigração na Argentina e antropólogo Santiago Peralta, difundia a maquiavélica ideia de que os judeus deveriam ser culpados pela morte de Cristo, "que pregou o amor, a doçura e a paternidade entre os homens, contra a religião de Jeová, que é uma religião de punição, ódio e medo". Peralta recebia a corroboração do cardeal argentino Antonio Caggiano, defensor do dever de cristãos em perdoar os nazistas pelo que fizeram no Holocausto.(11) Ao defenderem o direito de perdão aos nazistas, e aos judeus o destino à "pira de Torquemada", os argumentos contraditórios dos líderes argentinos demonstravam a raiz da ignorância, da intolerância e da violência.

Apesar das evidências antissemitas do catolicismo, inclusive detalhadas no filme de Costa-Gravas, Schmidt se apega a algumas linhas da desaparecida e quase lendária Encíclica Escondida, de Pio XI, em cujo conteúdo o papa condena o "racismo ‘por ser unicamente a luta contra os judeus', reprovada mais de uma vez pela Santa Sé, ‘sobretudo quando desdobravam a capa do cristianismo para se abrigarem nele'", e continua, estabelecendo "que ‘os métodos perseguidores do antissemitismo não podem, de modo algum, se conciliar com o espírito autêntico da Igreja Católica'", protetora do "povo judeu contra os ataques injustos de que tem sido vítima". Logicamente que não se pode incluir nesse contexto o processo inquisitorial movido contra os judeus na Península Ibérica entre os séculos 15 e 18, tampouco o papel omisso do pontificado de Pio XII, descrito por Schmidt como "o encabrestamento da insanidade genocida de Adolf Hitler".(12)

A religião e os fugitivos

Hitler não deixou o sincretismo religioso imperar durante o período em que se entronizou no poder. Ele criou uma igreja nacional para os "autênticos" cristãos alemães. As igrejas que reivindicaram por motivos de consciência sua independência foram proscritas, colocadas na ilegalidade, caso do grupo de jovens católicos denominado Rosa Branca, segundo Hourdin,(13) exterminado pelos nazistas.

Ao comentar e se admirar com a coragem de Kurt Gerstein, Hourdin erra ao chamá-lo de católico, citá-lo como oficial da SS e traçar seu objetivo como militar, cujo intuito visava a desvendar os bastidores dos campos de concentração. Personagem principal do filme Amém, o tenente Gerstein era luterano. Depois de testemunhar as atrocidades dos campos de extermínio, o oficial tenta denunciar e buscar apoio junto à Igreja Luterana, mas essa nega a se envolver contra o regime. Por esse motivo Gerstein procurou Von Galen. No entanto, este o expulsa e também repudia qualquer tipo de auxílio. Seu invento, o Zyklon B, passou a ser manuseado para outros fins e ele ficou acuado pelo alto-comando da SS a responder pela aquisição, transporte, manipulação, orientação e uso do ácido da morte. Médico, Gerstein entrou para a SA, incorporado ao exército alemão e não à elite da SS.

No que se refere ao assunto religião, Goñi repudia essa fachada cristã dos nazistas, rotulando-os de pagãos, pois na Argentina eles veneravam o sol mancomunados aos terroristas montoneros, os mesmos que "fizeram campanha para o candidato peronista à presidência, Carlos Menem".(14) Esse fascínio dos nazistas pelo ocultismo ou práticas pagãs recebe a confirmação de Churchill, acusando Hitler de invocar "o temível ídolo de um Moloch que tudo devorava, e do qual ele era o sacerdote e a encarnação".(15)

Não foram poucos os refugiados aceitos na Argentina. A maioria com empregos no serviço público ou em postos de indústrias alemãs, como a Mercedes-Benz. Caso do carniceiro Adolf Eichmann, descoberto e sequestrado pelo Mossad (serviço secreto israelense), depois julgado e enforcado. Somente da Alemanha, mais de 500 militares conseguiram abrigo sob o manto protetor de Perón. Somando-se a esses, milhares de criminosos austríacos, franceses, belgas, holandeses, eslovacos e croatas. Da Croácia conseguiram se evadir mais de trinta mil personagens apenas para a Argentina.

O cardeal austríaco Alois Hudal, que presta auxílio ao "Doutor" no filme Amém, fornecendo-lhe um passaporte argentino, também é incriminado por Goñi. Este acrescenta à lista criminosos franceses gentilmente "ajudados, em sua fuga, pelo Vaticano e pela Igreja Católica argentina", não deixando de delatar o futuro papa Paulo VI, Giovanni Battista Montini, manifestando "o interesse do papa Pio XII em arranjar a emigração ‘não apenas de italianos' para a Argentina... ou seja, oficiais nazistas".(16)

Com o propósito de acobertar os nazistas dos aliados e seus tribunais, Perón e seus comparsas estruturaram uma rede internacional de resgate de criminosos de guerra. Algumas histórias se transformaram em mito, como a de Martin Bormann, secretário de governo de Hitler. Os chilenos diziam que ele se fixou como fazendeiro no país, migrando para a Bolívia e finalmente para a Argentina. Goñi(17) garante a morte de Bormann durante a queda de Berlim. A ex-secretária de Hitler, Traudl Junge,(18) concorda com essa hipótese, relatando sua morte provavelmente em Berlim, em 2 de maio de 1945, quando cometeu suicídio ingerindo cianeto de potássio. Entretanto, ao condená-lo à morte à revelia por crimes de guerra, o Tribunal de Nurembergue plantou a semente da dúvida a respeito de seu desaparecimento. Informado pelo serviço secreto britânico, Churchill atesta que "Bormann tentou passar pelas linhas russas e desapareceu sem deixar vestígios".(19)

Paz com criminosos

Hitler e Perón passaram, mas permaneceram os resquícios. E eles podem ser detectados nos discursos e atitudes de governantes contemporâneos, mas de índole populista com raízes no passado tirânico e intolerante. Em momento algum existe qualquer relação entre nazismo e catolicismo em Churchill. Ele confronta ideologia com ideologia, analisando o fascismo como "a sombra ou o filho feio do comunismo... Assim como o fascismo brotou do comunismo, o nazismo desenvolveu-se a partir do fascismo... estavam destinados a mergulhar o mundo num conflito ainda mais hediondo, que ninguém pode afirmar que tenha terminado".(20) Junge esclarece essa preocupação ao elucidar as mudanças ocorridas na Alemanha pós-guerra:
A maioria dos alemães entende o processo como um ponto final, a partir do qual reina um silêncio coletivo sobre o período nazista. De um lado, os interesses dos aliados facilitam esse processo: os alemães precisam ser parceiros da Guerra Fria, no lado ocidental e no oriental. Do outro, os políticos alemães da era de Adenauer cortejam a boa vontade dos eleitores - e quem apoiar a exigência de um "ponto final" terá mais probabilidade de recebê-la... Ralph Giordano chama isso a "grande paz" com os criminosos. Somente no final dos anos 1960, a segunda geração do pós-guerra irá forçar seus avós a tomarem partido.(21)
Durante a ocupação aliada e a reconstrução da Alemanha como parte do Plano Marshall, havia a preocupação em se esquecer o passado. No entanto, esse passado se tornou obscuro para as gerações posteriores até o momento em que não foi mais possível encobrir as subterrâneas conexões com o nazismo. Houve um rompimento entre gerações. As novas gerações não admitem qualquer vínculo com aquele período de nódoa, desonra para a história da nação germânica. Daí a acusação de Giordano contra aqueles omissos quanto a presença de criminosos circulando livremente pelo território em atenção a um "ponto final" e seus interesses políticos e financeiros. Para se compreender essa questão, é suficiente lembrar que o Tribunal de Nurembergue jamais condenou um empresário ou cientista nazista à morte, mesmo contendo provas cabais da participação desses em crimes de guerra.

Quanto aos argentinos, permaneceram incólumes à parceria política, econômica, militar e religiosa com os nazistas europeus. Vez ou outra o peronismo ascende ao poder. Até mesmo o crítico de política Noam Chomsky, professor do MIT, intitula os governos argentinos de "neonazistas".(22) Parece difícil acontecer um rompimento entre as gerações na Argentina. Sua história, bem como as das colônias alemãs no Sul do Brasil, no Chile e Paraguai, prossegue no limbo de arquivos estatais ou na memória daqueles que sofrem com as torturantes lembranças. E esse processo de renascimento de governos populistas - não somente na América Latina -, reforça e solidifica a volta da censura, do medo, da intransigência e do despotismo.


Ruben Holdorf é jornalista graduado pela UFPR, doutorando em Comunicação e Semiótica (PUC-SP), tem dois mestrados, um Multidisciplinar em Comunicação, Administração e Educação (Unimarco) e outro em Educação (Unasp), é diretor de Jornalismo da Rádio Unasp e leciona no curso de Jornalismo do Unasp.

Notas

8 Ibid, p. 56.

9 Ibidem, p. 64.

10 CHURCHILL, Winston S. Memórias da Segunda Guerra Mundial. 2 ed. Rio : Nova Fronteira, 1995, p. 31.

11 GOÑI, Uki. A verdadeira Odessa: o contrabando de nazistas para a Argentina de Perón. Op. Cit., pp. 69 e 120.

12 SCHMIDT, Ivan. Canal da Imprensa. A conspiração do silêncio. Op. Cit.

13 HOURDIN, Georges. Vítima e vencedor do nazismo: Dietrich Bonhoeffer. Op. Cit.

14 GOÑI, Uki. A verdadeira Odessa: o contrabando de nazistas para a Argentina de Perón. Op. Cit., p. 134.

15 CHURCHILL, Winston S. Memórias da Segunda Guerra Mundial. Op. Cit., p. 42.

16 GOÑI, Uki. A verdadeira Odessa: o contrabando de nazistas para a Argentina de Perón. Op. Cit., pp. 117 e 123.

17 Ibid, p. 23.

18 JUNGE, Traudl. Até o fim: os últimos dias de Hitler contados por sua secretária. Rio : Ediouro, 2005, p. 183.

19 CHURCHILL, Winston S. Memórias da Segunda Guerra Mundial. Op. Cit., p. 1.088.

20 Ibid, p. 11.

21 JUNGE, Traudl. Até o fim: os últimos dias de Hitler contados por sua secretária. Op. Cit., p. 218.

22 CHOMSKY, Noam. Estados fracassados: o abuso do poder e o ataque à democracia. Rio : Bertrand Brasil, 2009, p. 209.
Atualizado em ( 06-Dez-2009 )

Fonte: Revista Acta Científica (UNASP), texto completo em PDF no link abaixo
http://www.unasp-ec.com/revistas/index.php/actacientifica/article/view/293

Texto também citado no site Onda Latina Onda Latina

Ver:
Argentina: branca, hispânica e católica - Parte 1

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Argentina: branca, hispânica e católica - Parte 1

Escrito por Ruben Holdorf; 06-Dez-2009

As relações da elite e políticos, militares e religiosos com os nazistas de Hitler

Resumo: Durante décadas a elite argentina condicionou a nação a aceitar uma posição de intolerância interna com aqueles não-definidos como brancos e católicos. Havia também o incômodo da presença de vizinhos indesejáveis, principalmente formados por mestiços. Aproveitando-se das circunstâncias da ascensão de Perón à presidência e dos acordos secretos com a Alemanha nazista, os líderes da época pintaram uma das páginas mais vergonhosas da história da Argentina, ainda obscura e relegada aos bastidores. Este artigo tem o objetivo de analisar os assuntos discorridos na obra do jornalista Uki Goñi e conduzir os leitores à reflexão a respeito dos temas abordados no texto.

Palavras-chave: Política, história, Argentina, nazismo, antissemitismo, catolicismo.

Abstract: During decades the Argentine elite has conditionated the nation to accept a position of inner intolerance with those not defined as white and catholics. Also, there was the trouble of the presence of undesirable neighbors, mainly constituted by half-breeds. Taking advantage of the circumstances of Perón ascencion to the presidency and of the secret agreement with the nazi Germany, leaders of that time painted one of the most shameful pages of argentine history, yet obscure and relegated to backstage. This essay aims at analyzing the subjects developed in the work of the journalist Uki Goñi and to lead readers to the reflection concerning the themes addressed in the text.

Keywords: Politics, history, Argentina, nazi, anti-semitism, catholicism.

Introdução

O volume de obras produzidas a respeito da Segunda Guerra Mundial se revela gigantesco diante de outros temas menos, pouco ou não-abordados por historiadores. Nos últimos quatrocentos anos coube à imprensa a produção e conservação dos relatos da história. Estes servem de parâmetros ou como corpus de pesquisa para os historiadores argutos e necessitados de referenciais mais ortodoxos.

No contexto do conflito, outros assuntos se desdobram em infindas teses, literaturas e produções cinematográficas. Mas apenas uma, e sem muita ênfase, menciona a fuga dos maiores assassinos do governo nazista para fora da Europa. Trata-se do filme Amém, de Constantin Costa-Gravas, produzido em 2001, no qual o protagonista representa o oficial do exército alemão Kurt Gerstein, médico e químico inventor do Zyklon B, produto inicialmente usado para purificar a água e depois para eliminar os judeus e inimigos do regime tirânico nas câmaras de gás.

À medida que a pesquisa se aprofunda, dezenas de nomes surgem. Entre eles, alguns bem-interessantes e curiosos. Qual seria a relação entre Juan Carlos Goyeneche, Ricardo Walther Darré, Carlos Horst e Carlos Fuldner? O que eles tinham a ver com a Alemanha nazista? Fuldner era capitão da SS, a tropa de elite assassina, subserviente ao ditador Adolf Hitler. Não se trata de Karl Fuldner, mas Carlos Fuldner, agente especial do presidente argentino Juan Domingo Perón na Europa com o objetivo de resgatar os nazistas em Gênova, na Itália, e em Berna, na Suíça. Horst também era capitão da SS e assinava Carlos. Darré tinha dois passaportes, um alemão no qual constava o nome Richard Walther, e outro argentino com o equivalente latino. Ele alcançou a função de ministro da Agricultura. Não da Argentina, mas da Alemanha nazista. E Goyeneche era um nacionalista católico que trabalhava como agente especial de Perón. Diante dessas primeiras observações, pode-se asseverar a necessidade de se revisar o conteúdo histórico do período mais trágico do século 20, a fim de se refletir sobre o papel desempenhado pelas nações sul-americanas no contexto ideológico e no processo de liberdade no decorrer dessas últimas oito décadas, e até mesmo em confronto com a ascensão de governos populistas, cujos atos e discursos se assemelham aos de governantes do passado.

Para tanto, tomou-se como referencial a obra do jornalista argentino Uki Goñi, insuspeito pesquisador dessa relação histórica de governantes, religiosos, militares, empresários e cidadãos argentinos de influência com regimes de exceção, fato que macula a imagem da nação vizinha ao Brasil e direciona os olhares para indivíduos, e não um povo, como colaboradores do antissemitismo e da rede de proteção aos criminosos de guerra julgados à revelia pelo Tribunal de Nurembergue. Tudo porque uma elite de políticos, militares e religiosos tinha por objetivo estabelecer uma nação branca, hispânica e católica no Cone Sul. Apesar das evidências estampadas em muitos livros de autores brasileiros, como Sergio Correa da Costa, em Crônica de uma guerra secreta: nazismo na América e a conexão argentina, optou-se por não fazer menção deles diante das implicações com os argentinos. Na única exceção, inserem-se breves comentários de um artigo escrito pelo jornalista brasileiro Ivan Schmidt, cuja análise em momento algum envolve os argentinos, mas esclarece determinadas situações ligadas ao Vaticano.

O caráter dos nazistas

Para compreender a natureza dos simpatizantes e seguidores do nazismo, torna-se imprescindível conhecer o caráter do fundador do partido nacional-socialista, um líder inescrupuloso. A fim de conquistar o poder, o pintor Adolf Hitler não titubeava em eliminar qualquer concorrente, mesmo companheiros. Nesse estilo traiçoeiro ele podia ser comparado a Josef Stálin, o tirano soviético que frequentemente renovava os escalões assassinando correligionários, ministros, generais, enfim, todo o potencial substituto de seu governo.

O austríaco Hitler tinha pressa em chegar ao domínio da Europa e, na sequência, de outros continentes, pois urgia o nascimento do império militar ariano. De que modo os alemães se condicionaram a aceitar esse aloprado como chanceler e presidente? Ao contrário do imaginado, Hitler assumiu a Alemanha pelas formas legais. Não houve golpe. Segundo o jornalista francês Georges Hourdin,(1) o povo alemão o aceitou depois de um referendo em 19 de agosto de 1934. A decisão de elevá-lo à condição de reichsführer ("líder") recebeu a ratificação de 80% dos eleitores.

Na ponta menor, a dos 20%, alemães com as características da famigerada raça perfeita abominavam essa situação caótica, cuja interpretação das circunstâncias prenunciava uma nova guerra à frente, mais desastrosa que a anterior. Os judeus foram considerados indivíduos sem pátria, inquietos e intragáveis. A nova Alemanha de Hitler deveria ser de jovens altos, louros, de olhos azuis, prontos para a revanche contra aqueles que os humilharam na guerra de 1914 a 1918. Interessante perceber que Hitler não representava essa "raça pura", pois não era loiro, não tinha olhos azuis e muito menos estatura e saúde digna de um espécime modelar.

Vislumbrando uma possível derrota, a elite seguidora e aduladora de Hitler organizou uma sociedade secreta, cuja meta visava proteger o alto-escalão e preparar rotas de fuga para não cair nas mãos dos aliados. Assim surgiu a Organisation der Ehemaligen SS-Angehörigen (Odessa: "Organização de Antigos Membros da SS"). Ou seja, a organização responsável principalmente pela fuga dos oficiais da SS (Schutzstaffel: "tropas de proteção"), cujo lema evocava a completa lealdade ao führer.

Não bastasse insuflarem a nação a outro conflito, os "uniformes negros" da SS não tinham caráter para assumir uma eventual tragédia militar, econômica e social da Alemanha. Deve-se ressaltar que a maioria deles, além da presença de criminosos, era representada por fracassados em seus empreendimentos. E para percorrer esse caminho alternativo de fuga, eles contavam com o indispensável auxílio de organizações, instituições e governos simpatizantes da causa nazista. Goñi descreve os objetivos dessa organização:

Odessa era muito mais do que uma organização fechada, formada apenas por nazistas nostálgicos. Na realidade, ela abrigava várias facções não-nazistas: instituições do Vaticano, agências de inteligência dos aliados e organizações secretas argentinas, além de contar, estrategicamente distribuídos, com criminosos de guerra de língua francesa, fascistas croatas... tudo com o objetivo de ajudar os sabujos de Hitler a escaparem. (2)

Para estupefação geral, Goñi ainda inclui na lista de aduladores a Cruz Vermelha, a Caritas e o governo suíço, até então estranhamente considerado neutro. Enquanto na Escandinávia as ambulâncias da Cruz Vermelha se camuflavam no transporte de alemães pelas fronteiras, mais abaixo, na Dinamarca, a Caritas desempenhava seu papel de ajuda humanitária aos fugitivos dos tribunais de guerra, conduzindo-os à Argentina com passaportes falsos. Mais abaixo ainda, no centro do continente europeu, o ministro da Justiça Eduard von Steiger, futuro presidente da Suíça, fechou as fronteiras aos judeus e abriu a rota de fuga aos nazistas para a Argentina. Tudo com a conivência de banqueiros abastecidos com os tesouros saqueados pelos nazistas dos judeus e bancos estatais, como os da própria Alemanha e da Croácia.

Motivos do apoio argentino

Dois grupos se uniram na Argentina com três objetivos respaldados pela ideologia nazista. Os oficiais nacionalistas e os dignitários católicos pretendiam transformar o país no referencial cristão para o Ocidente, servindo de contraponto na América do Sul aos Estados Unidos protestante no Norte. Todavia, seu maior impasse se situava na fronteira, os "mestiços brasileiros", cuja proximidade com os norte-americanos estorvava os projetos expansionistas de Perón.

Não bastava à Argentina planejar alargar fronteiras. Era necessário um projeto de crescimento industrial. Para isso, revelava-se indispensável o apoio de uma potência militar, tecnologicamente desenvolvida, que investisse no capital científico com vistas a um retorno financeiro em curto e médio prazos. Desse modo, a elite argentina e os alemães nazistas se encontraram e alinhavaram o perfil ideológico da aliança. A Alemanha preparava o estabelecimento da Nova Ordem na Europa, enquanto a Argentina repetia esse papel no continente sul-americano. A respeito desse envolvimento, Goyeneche deixou anotado:

A Argentina considera que no fim da guerra será do maior interesse entregar totalmente o controle político e administrativo de Jerusalém ao governo do Vaticano, que respeitará propriedades e credos religiosos como eles são hoje. Essa medida terá efeito moral definitivo no mundo ocidental e dissipará completamente as dúvidas de que os movimentos jovens radicados no catolicismo ainda conservam uma adesão plena e apaixonada às normas da Nova Ordem.(3)

Com a finalidade de implantar essa Nova Ordem, era impreterível harmonizar a ideologia nazista ao catolicismo. O primeiro passo indicava para ações diplomáticas no Paraguai, Bolívia, Chile e Uruguai. Unidos sob a liderança argentina, esses países planejavam receber o apoio das colônias alemãs no Brasil e, em seguida, derrubar o governo de Getúlio Vargas. Perón acreditava que depois da "queda do Brasil", o continente passaria para o domínio deles.

Aos argentinos interessavam novas tecnologias, aos alemães o dinheiro argentino para financiar a guerra, e à Igreja Católica o estabelecimento de uma nação-modelo na América e o apoio velado à causa nazista no combate ao comunismo stalinista. Lucraram os alemães nazistas com a possibilidade de escapulir das acusações dos aliados por crimes de guerra, os argentinos por receberem grandes somas dos cofres violados das vítimas do nazismo e os católicos por "espantarem" o avanço comunista sobre a Europa ocidental.

Semelhante ao Brasil que procrastinou a libertação dos escravos até quase o final do século 19, a Argentina foi o último país a romper com os alemães. Goñi define isso como uma estratégia de Perón "para distrair a atenção dos aliados, enquanto as primeiras rotas de fuga para a Argentina eram abertas para os fugitivos nazistas".(4)

Na Alemanha, o bispo Clemens August Graf von Galen, de Berlim, protestou somente quando os portadores de deficiências desapareceram nas câmaras de gás. Quanto aos judeus, havia conhecimento do extermínio, mas o Vaticano não gostaria de provocar os nazistas contra os fieis. Hourdin compartilha desse ponto de vista ao alegar que "embora congregasse cerca da metade dos alemães cristãos, a Igreja Católica estava ausente da luta contra o nazismo",(5) pois este servia de anteparo no Leste europeu contra o avanço das tropas soviéticas. Em um artigo publicado inicialmente para o jornal O Estado do Paraná e republicado pela revista eletrônica Canal da Imprensa, Schmidt descreve a atitude do cardeal Theodor Innitzer, de Viena, quando da anexação da Áustria pelas tropas alemãs, apoiando "a atividade do movimento nacional-socialista" que "afastou o perigo do bolchevismo ateu, destruidor de tudo".(6) Para Schmidt, pior que o perverso genocídio foi o silêncio da igreja. Goñi denuncia a frase escrita pelo padre portenho Julio Meinville, em 1940, cuja máxima retratava o pensamento vigente na Argentina: "O hitlerismo, por paradoxal que pareça, é a antecâmara do catolicismo".(7)

Notas

1 HOURDIN, Georges. Vítima e vencedor do nazismo: Dietrich Bonhoeffer. São Paulo : Paulinas, 2002.

2 GOÑI, Uki. A verdadeira Odessa: o contrabando de nazistas para a Argentina de Perón. Rio : Record, 2004, p. 22.

3 Ibid, p. 43.

4 Ibidem, p. 53.

5 HOURDIN, Georges. Vítima e vencedor do nazismo: Dietrich Bonhoeffer. Op. Cit., p. 8.

6 SCHMIDT, Ivan. Canal da Imprensa. A conspiração do silêncio, Engenheiro Coelho, 22 ed., 30 de outubro de 2003.

7 GOÑI, Uki. A verdadeira Odessa: o contrabando de nazistas para a Argentina de Perón. Op. Cit., p. 57.

Fonte: Revista Acta Científica (UNASP), texto completo em PDF no link abaixo
http://www.unasp-ec.com/revistas/index.php/actacientifica/article/view/293

Texto também citado no site Onda Latina Onda Latina

Ver:
Argentina: branca, hispânica e católica - Parte 2

domingo, 16 de dezembro de 2012

Klaus Barbie - O Inimigo do Meu Inimigo (My Enemy's Enemy) - documentário

"O inimigo do meu inimigo" é um documentário de Kevin MacDonald lançado em 2007 que narra o recrutamento e uso de nazistas pelos EUA e outros países aliados dos EUA na Guerra Fria contra comunistas e a URSS, especificamente a história de Klaus Barbie. O documentário mostra as atrocidades cometidas pelo grupo de Klaus Barbie na França, sua fuga da Europa, o assassinato de Che Guevara, sua prisão na Bolívia e posterior julgamento na França condenado por crimes contra a humanidade. O fio central do documentário é a omissão do governo francês (e dos países antissoviéticos) que sabia da presença de Barbie na Bolívia e só resolveu prendê-lo quando não era mais útil ao governo francês e países aliados da França, como um agente da contra-inteligência dos EUA e capanga de ditaduras de direita na América Latina.

Fala também da ideia do ex-SS da organização de um IV Reich nos Andes.

Só um aviso: o vídeo no Youtube pode não durar muito tempo em virtude de que muitas vezes cortam esses vídeos por conta dos "direitos autorais", apesar de que não são vídeos bastante vendidos pois não são exibidos na TV aberta do país. Coloquei links pro documentário Homo Sapiens 1900 (sobre a eugenia e histórica do racismo "científico"), de Peter Cohen (o mesmo de Arquitetura da Destruição) e os primeiros vídeos do documentário no Youtube fora removidos. Infelizmente a ganância das produtoras costuma falar mais alto que altruísmo e bom senso.

Filme legendado em espanhol (o vídeo com legenda em português, mais abaixo, foi removido do Youtube)



quarta-feira, 11 de julho de 2012

O Partido Alemão Nacional-Socialista na Argentina, Brasil e Chile frente às comunidades alemãs: 1933-1939 - parte 03

As igrejas alemãs ante Hitler

A igreja alemã na Argentina, Brasil e Chile, junto com as escolas, foi um foco de vida e cultura nas comunidades alemãs. Como na velha pátria, dois terços dos alemães praticavam o protestantismo e um terço o catolicismo. Os sacerdotes católicos estavam subordinados ao bispado local, independentes da igreja do Reich. Mas ao contrário, os pastores luteranos estavam incorporados às igrejas alemãs, e muitos deles foram enviados da Alemanha. Com a alienação da igreja luterana ao Terceiro Reich, as paróquias se subordinaram à central alemã, cujo representante na América Latina foi o Primeiro Pastor Marczynski, em Buenos Aires [58]. Existiam vários sínodos, entre eles o sínodo do Chile com 8 pastores, o de La Plata com 20 pastores, e 3 sínodos no Brasil com 145 pastores no total. Além disso havia comunidades eclesiásticas independentes, como os batistas, e também o sínodo luterano do Missouri (EUA).

Não só se pode falar de uma alienação das igrejas luteranas no Chile, sendo que é necessário explicar que os pastores de fato desempenharam um papel ativo nela. Estes predicaron contra a crítica antinazi na cátedra com argumentos quase religiosos, e elogiaram a reorganização da vida social e nacional da Alemanha [59]. Seis dos oito pastores do sínodo cheleno eram membros do partido; por outro lado, o NSDAP participou das celebrações da igreja luterana com uniforme e bandeiras com suástica [60].

A alienação das igrejas alemãs na Argentina se desenvolveu da mesma maneira que no Chile [61], ainda que os pastores solían ser mais reservados em suas prédicas que seus colegas chilenos. Somente uns poucos foram membros do NSDAP [62], e só depois das pressões da igreja central em Berlim estes se mostraram dispostos a içar a bandeira nazi nos dias festivos [63].

Também no Brasil teve lugar uma alienação organizacional. O partido usou a ajuda financeira do Reich para eliminar pastores politicamente inseguros [64]. Existia, além disso, uma organiazação dos pastores nacional-socialistas que queriam introduzir um fundamento ideologico nazi na igreja alemã do Brasil [65]. Seus críticos recorriam à consabida argumentação segundo a qual surgiriam dificuldades com o governo brasileiro se a igreja estabelecesse vínculos demasiados estreitos com o NSDAP [66].

No começo, os católicos alemães na América Latina saudaram o governo de Hitler. Em fins de 1935, sobretudo depois das perseguições de curas na Alemanha, tomaram uma posição mais crítica frente ao Terceiro Reich. A primeira publicação católica em língua alemã que rechaçou o racismo, o antissemitismo e as agressões políticas e militares do Terceiro Reich foi o Deutscher Sonntagsbote no Chile. No Brasil, o Deutsches Volksblatt seguiu o exemplo do Sonntagsbote a partir de 1938 e não deixou lugar a dúvidas quanto a sua posição antinazi [67].

As associações alemãs e o nazismo

Apesar de que o NSDAP havia assegurado mais de uma vez que não queria conquistar para si a direção das associações, sua política deixou claro que esse era precisamente seu objetivo, o qual provocou diversos conflitos por cargos influentes e de prestígio [68]. O partido no Chile conseguiu concentrar as distintas associações em um 'comitê de colônia', dominado por ele [69]. Sem que isto supusesse ainda a dependência das diferentes associações do NSDAP> Por isso o partido tratou de obter a maioria nas instituições, ordenando a seus membros que se incorporassem a estas [70]. Normalmente o NSDAP não se via obrigado a usar esses métodos. Na maioria dos casos, as associações se alienavam por si mesmas [71]. O partido solicitou as associações que participaram nas festividades nazis e que oferessiam conferência sobre o nacional-socialismo, esperando, assim, difundir a ideologia nazi entre os chilenos de origem alemã.

Na Argentina, a maioria das associações aceitou a ideologia nacional-socialista sem que tivesse que exercer pressões visíveis. Em princípios de 1935, o NSDAP em Buenos Aires organizou protestos contra a obra do teatro antinazista As Raças (Las Razas), de Ferdinand Bruckner. O jornal La Plata Post informou que mais de "160 associações e comunidades alemães" haviam apoiado os protestos [72]. Inclusive o Argentinisches Tageblatt se viu forçado a reconhecer o sucesso absoluto do NSDAP [73]. Só um pequeno número de associações, menos de 10, conseguiram manter sua independência.

Diferentemente do Chile e Argentina, a maioria dos alemães no Brasil viviam dispersos, preferentemente em regiões rurais do sul do país. Este fato complicou consideravelmente o processo de alienação. Muitas associações não estavam ligadas à Alemanha. Enquanto que o NSDAP tinha sucesso em grandes cidades, muitas vezes lhe parecia que as colônias alemães mais isoladas do sul as declarações de lealdade da nova Alemanha cumpriam um falso ritual [74]. Alguns intentos de manipular as eleições de juntas diretivas através do ingresso massivo de membros do NSDAP terminaram em derrota [75]. Os esforços em afiliar várias associações às centrais na Alemanha fracassaram, já que aquelas não queriam se alienar totalmente com a central na Alemanha; para muitos brasileiros de descendência alemã, estes intentos pareciam uma "traição à pátria brasileira" [76].

Conclusões

Antes de 1933, os grupos do NSDAP na América Latina atuaram de acordo com uma tática política inapropriada frente às comunidades alemães, as quais resistiam a que traslandassem para a América Latina as duras lutas políticas da República de Weimar, porque isto ameaçaria a pretendida unidade dos alemães. O Chile foi o único país onde o partido foi aceito, devido a sua hábio e cautelosa propaganda.

Até o ano de 1937, o partido conseguiu alinhar a maioria das instituições alemães na Argentina, Brasil e Chile. Além das associações principais, o NSDAP preocupou-se com as escolas, porque lhe parecia importantes para a instrução ideológica. Neste campo, a alienação conseguida foi quase completa, pois a maioria destas instituições dependia da ajuda pecuniária e de pessoal docente do Reich. Somente em Buenos Aires se fundou uma escola que não aceitava o ensino nazista. No Brasil fracassou o intento de influir diretamente nas escolas, e não por rechaço da ideologia e política nazi, senão pela necessidade de aclamar as tendências nacionalistas das autoridades brasileiras [77].

A igreja alemã havia influído sempre no pensamento das comunidades, sobretudo nas regiões rurais. Os pastores luteranos, pertencentes à central na Alemanha não se limitaram à condução espiritual, senão que, desde o púlpito, justificaram e glorificaram a ideologia e política do Terceiro Reich. Por outro lado, a Igreja Católica não se pôs a serviço do nacional-socialismo, ainda que tenha saudado a renovação da Alemanha, nunca adotou ou propago a ideologia nazi [78]. Em meados dos anos trinta, a igreja católica alemã no Brasil começou a se distanciar de forma crescente do nazismo e se uniu aos poucos críticos dentro das comunidades alemães.

Ao alinhar as inumeráveis associações, o NSDAP teve grande sucesso no Chile, enquanto que na Argentina e no Brasil não foi capaz de organizar a comunidade alemã no mesmo nível, apesar de que contava com a benevolência das associações. A disposição cultural e ideológica da população alemã na América Latina facilitou a penetração nazista: todavia se sentiam parte do povo alemão por questões culturais, 'raciais' e de língua, o que havia provocado seu isolamento da população de origem hispânica e portuguesa. Em um terreno fértil como esse, a ideologia nazi podia prosperar. A ideia de manter puro o sangue alemão, que existia desde muito tempo, manifestou-se - por exemplo no Chile e no Brasil - em numerosas exigências de não se casar com não-alemães. O nacional-socialismo fez uso deste pensamento endogámico e o converteu em uma finalidade em si.

O antissemitismo nazi foi aceito até certo ponto, menos em um sentido estritamente 'racial', que como um 'argumento político' que se podia usar contra as supostas intenções dos judeus de 'dominar o mundo'. Em meados dos anos trinta, esta propaganda nazista tornou possível a colaboração dos nazis alemães com grupos de extrema-direita na América Latina contra a imigração de judeus para Argentina, Brasil e Chile [79].

Até meador dos trinta, as manifestações do NSDAP, sua atuação e seu desempenho político nos países referidos não eram de interesse das autoridades nacionais, nem equer quando a influência nazi se extendia aos chilenos, argentinos e brasileiros de origem alemã. No Chile, o governo de Alessandri mantinha as tradicionais boas relações com a Alemanha. O NSDAP podia atuar sem restrições das autoridades chilenas. Somente havia conflitos com a DJC, que francamente pretendia impedir a assimilação da juventude de origem alemã na pátria chilena [80]. Com o aumento do Movimento Nacional-Socialista do Chile (MNS) em meados dos anos trinta, despertou-se a suspeita de que este recebia ajuda do Terceiro Reich, o qual nunca se pode comprovar [81]. Nem sequer a ascensão ao poder da Frente Popular piorou as relações com a Alemanha, pois, entre seus dirigentes, havia velhos amigos desse país, como Carlos Ibáñez del Campo.

Também na Argentina houve uma certa indiferença quanto à atuação do NSDAP. A partir de 1934 o Terceiro Reich desenvolveu um intercâmbio comercial intensivo, tomando dos EUA do segundo lugar na balança comercial argentina. Contrariamente, grupos democráticos e de esquerda argentinos começaram a criticar as atividades do NSDAP. A Câmara de Deputados constituiu diversas 'comissões investigadoras das atividades antiargentinas'. A polícia vigiava o partido desde 1937 [82] e, apesar de uma comissão ter absolvido o partido do cargo de que a Alemanha tentou anexar o sul do país, o NSDAP teve que se dissolver em 1939 [83].

Ainda que o Brasil tivesse o mesmo interesse em manter boas relações econômicas, sua política frente a atuação do NSDAP foi mais restritiva. Devido à política de unidade nacional brasileira iniciada em 1930, a independência cultural dos brasileiros de origem estrangeira foi reprimida quase que por completo, e por conseguinte também o trabalho do NSDAP. O governo limitou as atividades das associações e exigiu uma adesão manifesta à pátria brasileira [84].

Com a proibição do partido no Brasil, em abril de 1938, mudaram também as condições na Argentina e no Chile. Os membros do NSDAP deviam se retirar das direções das instituições alemãs, e suas ações foram vigiadas pelas autoridades.

Ao começar a Segunda Guerra Mundial, os alemães se solidarizaram com o Terceiro Reich. Publicaram jornais em espanhol e português em defesa da propaganda hostil e buscaram a colaboração com grupos de direita, sobretudo militares da reserva e da ativa que conheciam e admiravam o sistema militar alemão [85]. Com a entrada na guerra dos Estados Unidos, e pouco depois do Brasil, a situação piorou. Os Aliados exigiram ações contra a chamada 'Quinta Coluna', quer dizer, uma vigilância mais forte dos alemães em geral. O NSDAP no Chile se dissolveu em fevereiro de 1942 e, em início de 1943 o Chile rompeu relações diplomáticas com a Alemanha.

Com o golpe de estado em 1943, a situação dos alemães na Argentina melhorou. Contugo, a Argentina teve de romper relações com o Terceiro Reich em janeiro de 1944 devido a pressões norte-americanas e britâncias.

Só um punhado de instituições alemãs sobreviveu ao fim da guerra sem maior dano. O NSDAP e seu Führer - que havia pretendido dominar a tudo e a todos - desacreditaram o nome alemão de tal modo que nunca mais se podia reestabelecer uma vida comum, social e cultural tão variada como a que havia existido durante mais de um século. Mas tampouco se pode absolver os alemães da Argentina, Brasil e Chile - tanto cúmplices como vítimas do sistema hitlerista - de uma certa culpa em seu próprio destino.

NOTAS

[58] Marczynski entrou no partido em maio de 1934. US War Department 1946, Nazi Party Membership Records Argentina.

[59] Der Missionsbote, 9/33, p. 12, 10/33, p. 6; Deutsch- Evangelisch in Chile, 3/34, p. 42, 3/37, pp. 39 e ss.

[60] WestkÜsten-Beobachter, 5.9.35, pp. 72 y ss.; Deutsche Monatshefte für Chile, 10/36, p. 1489.

[61] Evangelisches Gemeindeblatt, 15.5.34, p. 115, 1.10.34, p. 235.

[62] US War Department 1946, Nazi Party Membership Records Argentina; trata-se de seis dos vinte pastores do sínodo.

[63] MRE, Actas de la embajada alemana en Buenos Aires, punto 24, Flaggenfragen, embajada alemana en Buenos Aires al MRE, 4.12.35; ídem., Marczynski, Reglas para embanderar las iglesias de las parroquias protestantes en Argentina, 30.3.36.

[64] Evangelisches Zentralarchiv, Berlin (archivoquivo central da igreja protestante, daqui em diante EZA), 5/2487, direção da AO a Kirchliches Au6enamt, 22.9.37.

[65] Idem., 5/2264, Relatório sobre a situação atual do sínodo riograndense alemão, 9/34; Deutsche Evangelische BlÜtter für Brasilien, 3-5/34, p. 53; Hans-JÜrgen Prien, "Die 'Deutsch- Evangelische' Kirche in Brasilien im Spannungsbogen van nationaler Wende (1933) und Kirchenkampf", Jahrbuch für Geschichte von Staat, Wirtschaft und Gesel1schaft Lateinamer- ikas, 25 (1988), pp. 511-534.

[66] EZA, 5/2055, Relatório sobre a conferência dos dirigentes da igreja alemã na América Latina, Santos, 11-14 julio 1935.

[67] Ver Gaudig/Veit, op. cit., pp. 464 e ss.

[68] EZA, 7/2759, Suplemento ao relatório anual da paróquia de Valparaíso, março 1934; idem., 5/2730, Pastor Otto Brien à igreja alemã no Reich, 31.12.33.

[69] MRE, Pol. Abt. III, Legación alemã em Santiago ao MRE, 7.2.35.

[70] Por exemplo, 70 membros do NSDAP ingressaram na Deutscher Verein, a associação mais importante de Santiago. Mitteilungsblatt der NSDAP - Landesgruppe Chile, 31.5.34, p. 23.

[71] Deutsche Zeitung fÜr Chile, 27.4.33, p. 5, 26.5.33, p. 5.

[72] La Plata Post, 10.1.35, pp. 12 e ss.

[73] Argentinisches Tageblatt, 30.1.35, p. 3.

[74] Deutscher Margen, 27.4.32, pp. 9 e ss.; Der Nationalsozialist, 8/33, pp. 8 e ss.

[75] Aktion, 17.7.35, p. 2.

[76] Die Serra-Post, 14.9.37, p. 1; Der Turnerbote, 8/37, p. 3; Alarm, 15.2.37, p. 15.

[77] A este respeito, ver César Augusto de Paiva, Die deutschsprachigen Schulen in Rio Grande do Sul und die Nationalisierungspolitik, Hamburg 1984.

[78] De Curitiba, o consul alemão informou que o Terceiro Reich não podia esperar um trabalho nazista dos padres alemães no Brasil, mas que sempre se podia contar com sua participação nas festividades nacionais e nacional-socialistas. A oposição dos franciscanos ao nazismo não excedia à crítica 'normal' do campo católico. MRE, R 62194, consulado alemão em Curitiba ao MRE, 9.5.35.

[79] Ver Olaf Gaudig/Peter Veit, op. cit., pp. 257 y ss.

[80] No Chile, a DJC foi proibida por três meses na região de Valdivia, em setembro de 1937, por haver feito propaganda política. MRE, Pol IX, Pol Chile 2, consulado alemão em Valdivia à embaixada alemã em Santiago, 15.9.37; idem., 4.12.37.

[81] Ver Olaf Gaudig/Peter Veit, op. cit. (1994).

[82] Em Missões, Argentina, a polícia prendeu no mesmo ano uma casa do partido, porque argentinos de origem alemã haviam participado de reuniões políticas. MRE, R 104923, chefe do ponto de apoio em Eldorado ao chefe do NSDAP, 15.9.37; idem., embaixada alemã em Buenos Aires ao MRE, 13.10.37.

[83] Leslie B. Rout/John F. Bratzel, "Heinrich JÜrges and the Cult of Disinformation", The International History Review, 4 (nov. 1984), pp. 611-623.

[84] No Estado Novo do presidente Getúlio Vargas não havia lugar para partidos políticos. O NSDAP no Brasil foi proibido cinco meses depois de todos os partidos brasileiros. A partir de 1935, no Rio Grande do Sul e mais tarde em Santa Catarina e Paraná, as associações, escolas e publicações alemãs tinham que provar seu 'caráter brasileiro', quer dizer, seus diretores deviam ser cidadãos brasileiros nascidos no país. Nas escolas, o uso do português era obrigatório, e os diários em língua alemã tinham que publicar o editorial no idioma português. Ver Káte Harms-Baltzer, Die Nationalisierung der deutschen Einwanderer und ihrer Nachkommen in Brasilien als Problem der deutsch-brasilianischen Beziehungen 1930-1938, Berlin 1970, pp. 42 e ss.; René Ernaíni Gertz, Politische Auswirkungen der deutschen Einwanderung in SÜdbrasilien. Die Deutschstdmmigen und die Jaschistischen Stdmungen in den 30er Jahren, Berlim 1980, pp. 85 e ss. Em agosto de 1941, a imprensa de língua alemã morreu. O orgão do NSDAP em São Paulo, o Deutscher Morgen - agora sob o título de Aurora Allemd, escrito completamente en português - foi suspenso em dezembro de 1941, o último dos jornais de origem alemã. Ver Olaf Gaudig/Peter Veit, op. cit., p. 396.

[85] Ver, a este respeito, Juergen Schaefer, Deutsche Militdrhilfe an Sildamerika. Militdr - und Rüstungsinteressen in Argentinien, Bolivien und Chile vor 1914, Düsseldorf 1974; Robert A. Potash, The Army and Politics in Argentina 1928-1945. Yrigoyen to Perón, Stanford 1969; Patricio Quiroga Zamora/Carlos Maldonado Prieto, El Prusianismo en las Fuerzas Armadas chilenas. Un estudio histórico 1885-1945, Santiago de Chile 1988.

Fonte: Instituto de História e Cultura de América Latina
Autores: Olaf Gaudig e Peter Veit (Freie Universität Berlin)
http://www.tau.ac.il/eial/VI_2/gaudig_veit.htm
Tradução: Roberto Lucena

Ver Parte 01 e Parte 02.

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