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quinta-feira, 27 de março de 2014

"Acredite e destrua. Os intelectuais da máquina de guerra da SS" (livro, Christian Ingrao)

Le Monde | 30.09.2010 às 11:33 • 30.09.2010 Atualizado às 11:33 | Por Thomas Wieder

Erich Ehrlinger. Um nome bastante esquecido. É interessante ver tudo o que foi feito por ele. Com 34 anos de idade em 1944, ou seja, com a vida pela frente, passou a guerra no Einsatzgruppen cruzando a Europa Oriental para abater judeus, com a vantagem de ser discreto. O ex-oficial da SS não se saiu mal. Servindo como croupier no cassino de Constança, em 1950, ele certamente acertará contas com seu passado em 1963 sendo condenado a 12 anos de prisão. Mas a Corte de Apelação seria favorável a ele e ele será solto em 1965, muito antes de morrer em 2004, às vésperas de seus 84 anos.

Se Christian Ingrao, diretor do Instituto de História Contemporânea (CNRS), ficou interessado na trajetória de Erich Ehrlinger, não foi só porque ele ilustra perfeitamente os erros da justiça alemã pós-guerra. Nem porque esclarece as "estratégias" desenvolvidas pelos algozes para enfrentarem seus juízes - estratégias variadas, que variaram da simples "negação" de seus crimes, passando pela "justificação", através da "fuga" de várias formas (rejeição da responsabilidade sobre os outros, manobras processuais etc.).

Não, o interesse de Christian Ingrao está em outro lugar/período. Antes do pós-1945 e antes do pré-1939. O que fascina em Ehrlinger, não é que ele fora um bruto sanguinário. É que ele também fora um advogado brilhante. E mostra, a partir deste ponto de vista, um perfil muito comum: como o autor destaca, e cuja a originalidade do estudo é descrever as trajetórias de 80 executores da aplicação da lei do Terceiro Reich, 60% deles estudaram em universidade. 30% eram doutores - de direito ou economia, muitas vezes.

Um intelectual pode ser um carrasco, isto não é uma novidade. Mas a maior parte dos "arquitetos da aniquilação", nas palavras dos historiadores Götz Aly e Susanne Heim, vieram das fileiras da "excelência", o que rompe com a crença convencional enquanto forma outro problema real. A crença, herdada da historiografia e dos desejos populares do pós-guerra, mostra que líderes nazistas eram desclassificados, loucos ou rebaixados. Agora sabemos que a realidade é mais complexa: o estudo de Christian Ingrao é parte de uma tendência recente de pesquisa que enfatiza o envolvimento dos líderes tradicionais na política nazista de repressão. Suas conclusões são, por exemplo, semelhantes às de Wolfram Wette que, em um livro recente, lembrou que o exército não tinha sido uma espécie de casta aristocrática imunizada contra o veneno nazista, mas tinha voluntariamente participado dos piores abusos do regime (The crimes da Wehrmacht , Perrin, 2009) .

A questão colocada por Ingrao é esta: houve ruptura ou continuidade entre a formação do futuro SS e seu compromisso com as autoridades policiais do Reich? Para o historiador a resposta é clara. Alguns, é claro, agiram de forma oportunista, mas isto não foi um fator determinante - ou nós não entendemos porque eles passaram a integrar a SD, o serviço de inteligência da SS, quando este ainda era embrionário ...

Portanto, não havia outra coisa. E esta outra coisa é o que Ingrao, usando uma noção de seu supervisor de tese Stéphane Audoin-Rouzeau, chama de sua "guerra cultural". A cultura surgida após o "trauma" de 14-18, caracterizando-se pelo que o autor descreve como "ansiedade escatológica": a idéia de que a Alemanha estava em eminência de morte, sua integridade territorial e sua pureza racial estavam ameaçadas, e que, portanto, deve-se eliminar aqueles que trabalham por sua destruição.

Esta cultura chamada "völkisch", tanto nacionalista quanto racista, não espera pelo advento de Hitler para se cristalizar. Através de um estudo cuidadoso da universidade alemã da década de 1920, Christian Ingrao mostra como a 'nazistificação' de espíritos precedeu a do Estado. E a habilidade com que os fundadores do Reich foram capazes de confiar a essas jovens elites intelectuais para promoverem seu trabalho e satisfazerem suas ambições para implementar seus projetos sinistros. Elites que se juntaram totalmente ao projeto de Hitler. E, portanto, não eram burocratas desprovidos dessas crenças, que é uma imagem presente nas reflexões sobre a "banalidade do mal" da filósofa Hannah Arendt.

Isto é o que levanta grande interesse nesta biografia coletiva -, mas algo que a torna profundamente perturbadora: lembre-se que o nazismo provocou uma enorme "fervor". Não só entre as massas embrutecidas mas também entre aqueles que podem ter a esperança de que a inteligência e a cultura sejam baluartes contra a abjeção.

CROIRE ET DÉTRUIRE. LES INTELLECTUELS DANS LA MACHINE DE GUERRE SS (tradução livre: "Acredite e destrua. Os intelectuais da máquina de guerra da SS"), de Christian Ingrao. Fayard, 522 p.,.

Destacando também a publicação da pesquisa de Michael Prazan com os Einsatzgruppen (Seuil, 572 p.,), e a extensão do livro com um excelente documentário transmitido no canal France 2 em 2009.

"Croire et détruire. Les intellectuels dans la machine de guerre SS", de Christian Ingrao. Quando o nazismo fascinou os intelectuais. Thomas Wieder

Título da versão em inglês: Believe and Destroy: Intellectuals in the SS War Machine (Link)

Fonte: Le Monde (França)
http://www.lemonde.fr/livres/article/2010/09/30/croire-et-detruire-les-intellectuels-dans-la-machine-de-guerre-ss-de-christian-ingrao_1418097_3260.html
Tradução: Roberto Lucena

Observação: depois de achar este texto acabei achando outros (críticas) com mais detalhes sobre esse livro que trata de um problema relevante sobre o nazismo pois a imagem reproduzida do mesmo aponta que quem participou da máquina de extermínio nazi era gente com pouca instrução, perturbada etc, e isso é só um estereótipo e senso comum. A máquina de matar nazi era composta por gente com curso superior e boa formação, Mengele, por exemplo, era médico, Goebbels era formado em filosofia, e isso é que é o mais perigoso e intrigante pois põe por terra o pessoal que repete crenças de que os nazis e seus apoiadores eram formados por gente simplória etc pois a repetição desse senso comum cria uma névoa perigosa sobre os bandos que professam essa coisa, há gente muito estúpida no meio desses bandos mas nem todo fascista é propriamente estúpido (na acepção do termo). Como eu já havia começado a traduzir o texto acima, paciência, fica pruma próxima se eu conseguir colocar outro texto com mais detalhes desse livro, que obviamente não foi traduzido e lançado no Brasil.

Muitas editoras no Brasil estão mais preocupadas em fazer politicagem (ficar promovendo o que os donos delas seguem politicamente e ideologicamente) lançando "livros toscos" panfletários do que dar atenção a lançar livros de peso geralmente lançados em outros idiomas. Eu já comentei sobre isso antes em outros posts mas vou sempre enfatizar o problema pois como a coisa persiste não há que ter "meio termo" com isso, ou mudam de postura ou vão sempre receber crítica pesada.

Lançam panfletos da guerra fria como o panfleto do Suvorov (pseudônimo de Vladimir Rezun, assunto a ser tratado noutra oportunidade, tem muito texto sobre esse picareta) sobre a segunda guerra (livro de cabeceira de muito neonazi), ajudando a forjar ainda mais um ambiente de extremismo político no Brasil, já que o país é carente de publicações de peso sobre esses temas (segunda guerra, história militar etc), educação humanista e de qualidade, enquanto o lançamento de panfletos em forma de livros e de livros de conteúdo duvidoso(ruins, de baixa qualidade, conspiratórios, de crendices) abundam formando uma massa alienada, intolerante, raivosa e dogmática, que vivem numa espécie de bolha, com 'opinião formada' sobre tudo, mesmo que não entendam coisa alguma do que comentam. Ou se entendem ficam tentando promover cartilhas políticas pra doutrinação de extrema-direita principalmente (em suas vertentes, neoliberal, fascista etc) com um forte viés anti-democrático e paranoico com discurso datado (e mofado) da guerra fria.

Eu finco posição (finco o pé) contra isso abertamente, quem não gostar que se exploda ou que critique ou rebata isso com argumentos e não com chiliques ou contorcionismo retórico. Quem achar que virá aqui levar as pessoas na conversa com pregação política via retórica, quebra a cara, dá pra desmontar esse tipo de discurso fácil embora seja um saco, é o tipo de discussão estúpida e idiota. Deveriam entender que não é tão difícil (embora seja extremamente idiota como eu disse antes) discutir política com gente que fica presa a cartilhas, esquemões e literatura questionável tentando fazer pregação dogmática de política sem entender o significado dos termos e contexto histórico do que é discutido.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O NSDAP no México: história e percepções, 1931-1940 - parte 5

Este reajuste da política externa mexicana também teve consequências para um membro destacado do grupo regional da AO. Já nos primeiros meses da guerra aumentou a atenção em relação aos alemães e circularam rumores acerca de atividades subversivas alemãs. Os acontecimentos da guerra europeia, sobretudo os rápidos sucessos alemães que para muitos observadores resultavam como inexplicáveis, levaram à convicção de que a AO era uma Quinta Coluna que planejava golpes de estado e ajudava o exército alemão em suas campanhas. Desse modo, cada alemão aparecia como um soldado e espião do Terceiro Reich[50]. Em princípios de 1940, começou nos EUA uma sistemática campanha de imprensa. Na respeitada revista Foreign Affairs, por exemplo, leia-se que: "There are numerous indications that German agents are active in the capital [México, D.F.]"(Tradução: "Há numerosas indicações de que agentes alemães são ativos na capital")[51]. Mais claro - e aparentemente com mais fundamento - foi o que foi dito por Hal Burton no Daily News alguns meses depois:

"German espionage in Mexico, in South America, and indirectly in the US, is under the direction of Arthur Dietrich, press attache [sic] of the German legation. From his office flows a constant stream of money and propaganda. Newspapers or magazines are subsidized. Writers are paid for obligue attacks on the US"[52]

Tradução: "A espionagem alemã no México, na América do Sul, e indiretamente nos EUA, está sobre direção de Arthur Dietrich [sic] da German legation. De seu escritório flows a constant stream de dinheiro e propaganda. Jornais ou magazines são subsidiados. Escritores são pagos para obligue attacks sobre os EUA"
Aparentemente, o presidente Cárdenas não se mostrou impressionado por este e outros reproches na imprensa norteamericana. Numa declaração pública em 22 de maio, dirigiu-se contra estas afirmações e sublinhou, ao contrário, a tendência antimexicana de certas potências estrangeiras, ou seja, os EUA:

"O fato de que se venha falando da existência no México de uma chamada Quinta Coluna, devemos considerar que obedece a fins políticos não só internos, senão ao interesse externo. A imprensa nacional deve ser muito cuidadosa em suas notícias para que elas não siram aos inimigos do México, que estão fazendo campanha no exterior contra o país, pretendendo fazer crer que aqui é um campo de atividades subversivas. O governo do México manifestou e declara novamente que não consentirá a elementos estrangeiros que pretendam comprometer a política de estrita neutralidade que vem sendo mantida pelo Governo da República, e que procederá com toda energia em casos de violação das leis do país[53].

Poucos dias mais tarde, numa entrevista com o New York Times, o subsecretário Ramón Beteta repetiu a posição de seu país contra as repreensões da imprensa americana. Por disposição explícita do presidente, tinha que tentar contra-arrestar os esforços antimexicanos nos EUA[54]. Beteta ampliou os argumentos do presidente, referindo-se ao tamanho da comunidade alemã:

"Dr. Beteta also did not see any danger from fifth column activities in the country. Emphasizing that this fiad been grossly exaggerated, he said that such reports that there were 15,000 German tourists and hidden airports in the country are notoriously false. `Of course, there must be in Mexico Nazi elements among the small German colony, which amounts to 6,000 people out of a foreign population of 150,000 and of 20,000,000 Mexicans for the whole Republic. I am sure, however, that this small group has found neither support nor sympathy in the government or among the liberal progressive groups in Mexico'."[55]

Tradução: "Dr. Beteta também não via qualquer perigo nas atividades da Quinta Coluna no país. Enfatizando que este relato foi grosseiramente exagerado, ele disse que tais relatórios afirmando que havia 15.000 turistas alemães e aeroportos escondidos no país são infamemente falsos. `Claro, deve haver no México elementos nazistas na pequena colônia alemã, que conta com 6.000 pessoas de uma população estrangeira de 150.000 pessoas entre 20.000.000 de mexicanos no total na República. Mas estou certo de que, entretanto, este pequeno grupo não encontrou nenhum apoio ou simpatia dentro do governo e entre os grupos progressistas liberais no Mexico'."
Apesar de que em diversas ocasiões oficiais mexicanos sublinharam publicamente a inocuidade dos nacional-socialistas no México, o presidente Cárdenas estava preocupado, não obstante, e já em maio de 1940 encarregou que o Ministério do Interior levasse a cabo um estudo acerca do nacional-socialismo[56]. Cárdenas dispôs do extenso documento a partir de 23 de maio[57]. Neste, apresentava-se a Arthur Dietrich como a pessoa decisiva da comunidade alemã e o responsável das relações com os círculos mexicanos. Dizia-se que Dietrich, "indivíduo sem educação e nem escrúpulos, mas sumamente astuto", vigiava os membros da comunidade alemã a respeito de sua lealdade ao Terceiro Reich e dispusera que se boicotasse a quem atuasse de uma maneira antinacional-socialista. Como chefe de propaganda da Representação alemã, cultivava contatos com a imprensa mexicana. Todavia antes da guerra, administrava e distribuía o orçamento para anúncios em empresas alemãs. Tinha tanto sucesso que toda a imprensa independente mexicana (quer dizer, alheia ao governo e aos sindicatos) estava a disposição da propaganda alemã. Além disso, financiava partidos e deputados. Os agentes do ministério escreveram que eles mesmos uma vez tiveram a oportunidade de observar a entrega de um bolo de notas. Comparados com Dietrich, outros alemães, mas também o grupo regional do NSDAP, com efeito pareciam inócuos. O ministro alemão, por exemplo, prosseguia o relatório, não se intrometia em interesses alheis às suas funções diplomáticas. O NSDAP só admitia a cidadãos alemães e propagava as ideias nacional-socialistas unicamente entre seus membros. Na Comunidade do Povo Alemão, controlada pelo partido, também havia cidadãos mexicanos, mas estes se mantinham afastados entre si e não tratavam de fazer propaganda. O único que, segundo as informações do ministério, saiu deste círculo fechado, foi Arthur Dietrich.

Os resultados da investigação pareciam confirmar as repreensões da imprensa americana, pelo menos com respeito a Dietrich. As últimas dúvidas que Cárdenas podia distrair, talvez, sobre o relatório de seu serviço secreto desapareceram durante uma discussão com um representante da embaixada norteamericana. Provavelmente esta já dispunha da informação que a Polícia Federal dos Estados Unidos transmitiu ao presidente Roosevelt em 26 de maio[58], segundo a qual, Dietrich era o homem mais importante da Alemanha no México em tudo o que concerne a propaganda, espionagem e sabotagem, e portanto era uma pessoa non grata para as autoridades americanas.

As indagações e a discussão com o norteamericano alcançaram seu efeito. Em 11 de junho, o Secretário de Relações Exteriores exigiu ao Ministro alemão que Dietrich fosse suspenso, e que este cessasse suas atividades de propaganda e abandonasse o país[59]. Esta decisão foi justificada por Eduardo Hay ante o representante diplomático alemão alegando que, numa situação difícil, o México devia ceder ante uma demanda norteamericana[60]. Ainda que o secretário tenha exagerado aqui ante as pressões americanas a fim de reduzir a responsabilidade de seu governo, no essencial sua argumentação era acertada: a expulsão de Dietrich representou um primeiro passo visível do reajuste da política externa mexicana; depois das declarações do embaixador Castillo Nájera a oficiais americanos, foi um sinal para o governo e os meios de publicidade americanos de que o México cooperasse com os Estados Unidos na defesa hemisférica do continente americano. Apesar de sua orientação ante os EUA, o governo mexicano não proscreveu nem molestou o Landesgruppe, porque aparentemente só era Dietrich o que se intrometia na política interna do país e perturbou as relações com o colosso vizinho. O governo obviamente não via um perigo na existência de uma organização que constava de um punhado de nacional-socialistas.

Rüdt von Collenberg se enteró imediatamente da nova orientação da política externa mexicana, mas constatou que, apesar da pouca simpatia que manifestava o governo mexicano pela Alemanha, ele havia se comportado de acordo com os critérios da neutralidade. Para Rüdt, a expulsão de Dietrich significou uma mudança fundamental nesta atitude[61]. Como Rüdt não viu um melhoramento desta posição tampouco sob o novo presidente Avila Camacho, que assumiu seu cargo em 1 de dezembro de 1940, dissolveu o partido em abril de 1941, a fim de evitar que o governo mexicano proscrevesse o partido e detivesse seus membros[62].

*Notas no texto original.

Fonte: El NSDAP en México: historia y percepciones, 1931-1940
Autor: Jürgen Müller; Universitdt Kóln
http://www.tau.ac.il/eial/VI_2/muller.htm
Tradução: Roberto Lucena

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sábado, 16 de julho de 2011

O NSDAP no México: história e percepções, 1931-1940 - parte 4

México, a Segunda Guerra Mundial e o Terceiro Reich

O começo da Segunda Guerra Mundial teve grandes repercussões para os países latinoamericanos. A neutralidade, que em poucos dias proclamaram todos os estados, limitou a liberdade de ação. O tratamento dos cidadãos dos países em guerra adquiriu grande importância, porque isto podia pôr em perigo a neutralidade do país. Finalmente, muitos estados europeus deixaram de ser sócios comerciais como consequência das conquistas alemãs e o bloqueio inglês.

A Segunda Guerra Mundial também mudou o papel dos Estados Unidos da América no sistema internacional. Ainda que neutro legalmente, claramente se alinhou junto às democracias e apoiou a Inglaterra em sua luta contra o Terceiro Reich. Por temor da subversão totalitária no continente americano e por motivos estratégicos, ainda antes de seu ingresso na guerra em dezembro de 1941, o governo americano tratou de liquidar a influência alemã na economia, na política e nas sociedades latinoamericanas. Sobretudo permitiu que se proibissem as organizações nacional-socialistas e se intesificasse a cooperação militar, econômica e política com os estados ao sul do Rio Grande.

Em setembro de 1939, as relações mexicano-americanas, que nunca haviam estado livres de tensões, haviam chegado outra vez a um ponto morto, havendo piorado com a nacionalização da indústria petroleira em março de 1938, que havia afetado também a empresas americanas. Estas impediram o transporte e a venda de petróleo mexicano, e exigiram a restituição de suas possessões anteriores ou uma indenização. O governo americano suspendeu a compra de prata mexicana, praticamente boicotou o petróleo mexicano, rompeu as negociações de um acordo comercial e negou créditos estatais para o vizinho do sul; por outra parte, o México tinha que pagar compensações aos cidadãos americanos que perderam seus bens durante a Revolução - e todos os problemas que não haviam sido resolvidos quando começou a guerra[45].

Pouco tempo depois do começo das hostilidades, no México se começou a pensar nas consequências da guerra e em como enfrentá-las. A perda do mercado europeu era o que mais preocupava aos políticos e lhes deu a convicção de que havia que se intensificar as relações comerciais com os estados do continente americano. Depois de perder a esperança em um ponto final da guerra por causa da agressão alemã contra Dinamarca e Noruega, o governo mexicano começou a tomar medidas concretas. Em um memorando que transmitiu ao presidente Lázaro Cárdenas em 16 de maio de 1940, o General Rafael Sánchez Tapia examinava criticamente a política de neutralidade, chegando à conclusão de que era inevitável a entrada dos Estados Unidos na guerra. Independentemente de sua origem, disse, esta podia se extender pelo continente americano, já que uma guerra, dada a interdependência econômica e política, significava uma ameaça para todos os países do mundo. Tapia opinava que os estados da América Latina e o Caribe jogavam um papel iminente na conflagração. O México, antes de tudo, tinha uma posição geopolítica importante, por sua infraestrutura e a proximidade do canal do Panamá. Por isso, o país não podia manter a política exterior que havia praticado até então. A neutralidade de um estado débil como o México não serviria em caso de um conflito entre os Estados Unidos e outra potência, se um dos combatentes necessitasse do México para fins militares. Tapia propunha concluir um acordo militar com os Estados Unidos tanto antes fosse possível. Ainda que o ingresso na guerra dos Estados Unidos arrastasse o México, tal acordo tinha vantagens para Tapia, pois permitiria solucionar alguns dos problemas com o grande vizinho: por exemplo, as velhas dívidas e a nacionalização de empresas ou fazendas americanas. O México poderia prover matérias-primas e produtos que necessitassem os Estados Unidos para sua defesa. Mediante a cooperação com os EUA, podia-se fomentar a indústria mexicana, a construção de estradas etc. Em resumo, uma aliança com os Estados Unidos poderia contribuir muito para o crescimento econômico e a solução de problemas urgentes. As vantagens para os EUA, seriam que o México serviria de exemplo para outros países latinoamericanos; que, como aliado, os EUA, teriam fácil acesso a portos e aeroportos mexicanos pelos quais poderiam transportar material e homens para a defesa do canal; finalmente, o México poderia estabelecer bases para o abastecimento e o apoio do exército americano[46].

O presidente Cárdenas evidentemente levou em conta os conselhos do general. Em 01 de junho, por exemplo, o embaixador mexicano nos EUA, durante uma visita ao México, comunicou a um funcionário da representação diplomática americana que se poderia enviar um alto militar aos Estados Unidos para conversar, entre outras coisas, sobre uma cooperação mais estreita e a nacionalização das empresas petroleiras. Alguns dias mais tarde, o mesmo Castillo Nájera declarou em Washington ao sub-Secretário de Estado, Sumner Welles, que o presidente Cárdenas estava de acordo com que militares americanos e mexicanos falassem sobre uma cooperação em caso de estourar um conflito. Sublinhou especialmente que o presidente lhe havia encarregado de assegurar que o México estava interessado em um acordo militar e que, em caso de guerra, os EUA podiam contar com todo o apoio possível[47].

Umas semanas depois, em 19 e 21 de junho, reuniram-se os ministros mais importantes na residência de Cárdenas, para estabelecer a posição do país ante a conferência dos estados americanos em julho em Havana[48]. Já o memorando do general Tapia havia sublinhado a necessidade de cooperar com os EUA. Nesta reunião cristalizaram-se mais as posições fundamentais da iminente política exterior que se avizinhava. Houve um acordo quase unânime de que a Alemanha, apesar dos últimos sucessos, todavia não havia triunfado na guerra. Também se combinou que os EUA se sentiam ameaçados militar e economicamente pelos países do Eixo e a guerra na Europa, e que realmente esta ameaça existia e também tinha importância para o México, porque seu destino como país dependia dos Estados Unidos. Assim mesmo, os representantes do governo concordaram de que, cedo ou tarde, os EUA entrariam na guerra e lutariam ao lado dos Aliados. O Secretário de Relações Exteriores Hay disse que os americanos inclusive se sentiam obrigados a intervir militarmente para contra-arrestar a expansão econômica alemã porque, depois da consolidação de seu império na Europa, a Alemanha seguramente trataria de eliminar os EUA do mercado latinoamericano. Posto que o México, um país débil, não poderia recusar os desejos dos EUA, prosseguiu Hay, teria que cooperar na defesa do continente. Se o México se opusesse a tal cooperação, os EUA igualmente tomariam o que necessitavam. Por último, disse que não se podia trair a pátria: aquela cooperação devia ser digna, patriótica e decorosa.

Por outro lado, contudo, o Ministro Suárez não queria se concentrar demasiadamente nos EUA. Em sua opinião, o México deveria deixar abertas as opções, por exemplo, a possibilidade de seguir comercializando com a Europa. Sobretudo haveria que tratar, tal como havia assinalado Tapia, de solucionar os problemas existentes com os americanos e de tirar vantagens de uma cooperação com os EUA:

"Se os Estados Unidos exigem do México uma colaboração em matéria militar, política, internacional, e em matéria de defesa, tenhamos a habilidade suficiente para obter o maior número possível de vantagens para o México. A medida em que cooperemos com os Estados Unidos deve ser em troca de uma vantagem. Deve-se estabelecer a cooperação sobre a única base que existe, sobre a base da reciprocidade".
Ainda mais que o governo mexicano poderia negociar de uma maneira mais dilatada, enquanto os EUA ainda não houvessem entrado na guerra, a cooperação mexicano-americana foi-se intensificando mais adiante[49].

Fonte: El NSDAP en México: historia y percepciones, 1931-1940
Autor: Jürgen Müller; Universitdt Kóln
Tradução: Roberto Lucena

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sábado, 9 de julho de 2011

O NSDAP no México: história e percepções, 1931-1940 - parte 3

A perspectiva dos mexicanos ante o nacional-socialismo

México foi talvez o país latinoamericano onde o repúdio a Hitler e ao Terceiro Reich se manifestou mais evidentemente. Uma grande parte do povo participou politicamente e tinha ideias social-revolucionárias. Tanto associações comunistas e judias - grupos como a Liga contra o Fachismo [sic] e a Guerra Imperialista ou os Estudantes Socialistas, para os quais a luta contra o fascismo e o nacional-socialismo era de máxima importância - assim como Vicente Lombardo Toledano, chefe da CTM (Confederação de Trabalhadores do México) desde princípios de 1936, denunciaram publicamente a agressiva política externa do Reich e as perseguições de judeus e adversários políticos, pintaram slogans como "Morra Hitler" nas paredes da Representação alemã, queimaram bandeiras com suástica e exigiram o boicote de comerciantes e produtos alemães. Lombardo Toledano e altos representantes do partido oficialista, o Partido da Revolução Mexicana, apoiaram além disso a Liga Pró-Cultura Alemã no México, uma organização de imigrantes alemães judeus e comunistas que lutava abertamente contra o nacional-socialismo mediante cartazes e conferências[25]. Também os diários mais importantes do país rechaçaram a Alemanha nacional-socialista. Assim, o 'El Nacional', portavoz do governo, publicou uma caricatura de Hitler, o que levou à proscrição do jornal na Alemanha[26].

Em términos de política exterior, o conflito aberto entre México e o Terceiro Reich se iniciou com a Guerra Civil na Espanha. O México condenou a intervenção alemã do lado dos insurgentes sob o General Franco e, por sua parte, apoiou ao governo legítimo diplomaticamente e com armas27. Em março de 1938, o México protestou contra a anexação da Áustria e, um ano mais tarde, negou-se a reconhecer a ocupação forçada da Tchecoslováquia[28]. No ano seguinte, depois da subida ao poder do nacional-socialismo, registraram-se alguns ataques contra o grupo regional e à Juventude Hitlerista. Luis N. Morones, chefe da CROM (Confederação Regional Operária Mexicana), declarou a um oficial da Representação alemã que os desfiles da Juventude Hitlerista, vestida com o uniforme nazi, e a bandeira com a suástica em casas alemãs eram uma provocação para o trabalhador mexicano. Acrescentou que não era tolerável que se fizesse propaganda nazi no México e, por último, advertiu que se isto não mudasse, os mexicanos não se se absteriam de levar a cabo ações antialemãs[29].

A extendida atitude antinacional-socialista e esta advertência conduziram a que os grupos nacional-socialistas decidissem se preservar[30]. Na sequência, o Landesgruppe se cuidou tanto de aparecer em público, que se esfumó da percepção popular, e sua existência permaneceu oculta também aos olhos dos círculos bem informados. Por exemplo, pelo motivo da nomeação de Bohle como Chefe da AO no Ministério de Assuntos Exteriores, 'El Nacional' escreveu um artigo fundamental sobre a AO, sem conhecimento algum de que logo provavelmente surgiria no México um desses misteriosos grupos[31]. Em junho de 1939 o ministro alemã resumiu as reações do público mexicano da seguinte maneira: "Prescindindo de ataques isolados da imprensa de extrema-esquerda, a organização do partido não foi exposta a impugnações por parte dos mexicanos"[32].

O governo mexicano tinha informação sobre o NSDAP no México desde início de 1936. O assassinato do líder do Landesgruppe na Suíça, que provocou a proibição do partido pelas autoridades, foi motivo de um detalhado relatório do ministro mexicano na Alemanha sobre os acontecimentos. Em sua opinião, sobretudo os países com colônias alemãs deviam tomar em conta esses fatos, e sugeria uma investigação do partido e daqueles alemães que, sendo mexicanos por naturalização, eram ao mesmo tempo membros do partido nacional-socialista[33]. O destinatário, a Secretaria de Relações Exteriores (SRE), contudo, não falou o motivo para a preocupação. O subsecretário escrveu: "Enquanto a sugestão de que Ud. hace no sentido de que vigiem as atividades do Partido Nacional-Socialista no México [...], esta Secretaria não estima que haja nada o que temer. Enquanto a Suíça é formada, entre outras raças, por alemães que somam cerca de 2.900.000, ou seja, 70% de sua população, o México tem somente uma pequeníssima colônia alemã que chega a apenas 6.000 (entre homens, mulheres e crianças), os quais representam uma fração infinitesimal de nossa população total"[34].

Um ano mais tarde a SRE se mostrou mais interessada. Pelo motivo da nomeação de Bohle ao cargo de Secretário do Ministério de Assuntos Exteriores, a Representação enviou um relatório detalhado e extenso sobre a organização e as tarefas da AO. Era dever dos partidários no exterior, escriveu o representante diplomático, converter ao nacional-socialismo - a todos os cidadãos alemães que viviam fora da Alemanha. Os membros do partido deviam assegurar o ensino nacional-socialista das crianças e impedir que se fizessem cidadãos dos países em que haviam nascido ou viviam. Também era meta do NSDAP assegurar que aqueles que, por motivos econômicos ou por conveniência, deviam aceitar a nacionalidade de um país estrangeiro, vivessem segundo os princípios nacional-socialistas e não se esquecessem de ser alemães[35]. Chegando a esse ponto, a SRE exigiu mais informação sobre a AO[36].

Daqui em diante, a Representação mexicana na Alemanha informou regularmente sobre a AO: por exemplo, acerca dos problemas bilaterais que surgiram entre o Terceiro Reich e outros países pela existência da AO, e também sobre congressos e a propaganda inglesa contra a AO. Uma vez ou outra se informou sobre a propaganda nazi entre os alemães e se questionou a lealdade desses ao México. Enquanto ao grupo regional, a Representação só escreveu que era dirigida por Wilhelm Wirtz, um político conhecido, de personalidade carismática e íntimo amigo de Bohle[37]. Em uma carta de setembro de 1937, mencionou-se pela primeira vez eventuais atividades de espionagem da AO e dos alemães no exterior. Foi dito que a imprensa estrangeira havia decrito nos últimos anos os métodos com os quais o NSDAP recrutava seus membros e revelou que este vigiava críticos alemães do regime nacional-socialista e espiava entre os círculos antinazis no exterior[38].

De todas formas, estes relatórios surtiram efeito sobre a SRE, e despertaram e aumentaram as suspeitas a respeito dos alemães. O subsecretário Ramón Beteta, por exemplo, estava convencido de que as organizações que se ocupavam dos alemães no exterior eram instrumentos de espionagem e de ação política do Reich[39]. A petição de Beteta, a Secretaria de Gobernación, a partir desse momento, começou a vigiar os alemães no México[40]. Obviamente, nem as conclusões de Beteta nem as investigações do ministério tiveram consequências para os alemães e o NSDAP. A partir daí que Rüdt von Collenberg e Wilhelm Wirtz constataram por unanimidade, em junho de 1939, que a existência do partido e de outras instituições da comunidade não corriam perigo[41].

Esta opinião do ministro alemã também se baseava na correspondência com a SRE do ano 1937, motivada, entre outras coisas, pelo já mencionado artigo do 'El Nacional', em que o diário analizava de modo fundamental o problema de um partido que atuava fora de sua pátria e reclamava do uso de poder sobre os próprios cidadãos no exterior, concluindo que não eram aceitáveis esses grupos porque podiam prejudicar os países em que eram desenvolvidas suas atividades[42]. Em algumas cartas enviadas à SRE, Rüdt contradizia essas declarações, aduzindo que, segundo as leis da AO, os membros do partido no exterior tinham a obrigação de evitar qualquer envolvimento na política dos países receptores[43].

A resposta do Secretário de Relações Exteriores, Eduardo Hay, revelava o desinteresse do governo mexicano de tematizar a AO nas relações bilaterais, limitando-se a expressar satisfação de que a AP não se envolvia na política de outros países. Estas foram as únicas palavras do Secretário em relação à AO. Assim pois, a AO não representou nenhum papel importante, nem nos debates da política interna nem nas relações com o Terceiro Reich. Apesar da atenção despertada sobre as atividades do partido e os alemães no país, parece que o número de alemães era demasiado pequeno para constituir um perigo para o México, ainda que estivessem influenciados pela ideologia nacional-socialista.

Nisso, o México se distinguiu fundamentalmente de outros países latinoamericanos. Na Argentina e no Brasil se proscreveram os grupos regionais da AP, tanto que no Chile suspenderam o funcionamento de um grupo vinculado à Juventude Hitlerista e expulsaram um alto funcionário do NSDAP. Em todos esses países houve discussões na imprensa e nas câmaras de deputados sobre os partidos formados por estrangeiros. Alguns políticos atacaram a AO e suspeitaram de outras atividades subversivas e de traição. O que diferencia a experiência mexicana em relação aos outros países é que nestes a propaganda da AO entre os descendentes de alemães, os imigrantes e os cidadãos, e as tentativas de unificar as comunidades alemãs sob o controle do NSDAP, eram vistos como um perigo para a integridade nacional. No Brasil, as atividades dos nazis aumentaram a desconfiança tradicional ante os descendentes de alemães. O partido - repreendiam - impedia a integração deste grupo da população na nação brasileira. Na Argentina, pelo contrário, onde os alemães eram majoritariamente apreciados como bons cidadãos, temia-se que a propaganda nacional-socialista separasse esses da nação. Apesar de que no Chile viviam muito menos alemães que nos outros países, que contavam com uma comunidade alemã de centenas de milhares, existiam - como no Brasil - regiões nas quais predoninavam os alemães, o que também foi motivo crescente de suspeitas e de restrições. No México, contudo, não havia muitos alemães, nem tampouco concentrações destes em determinadas partes do país[44].

Fonte: El NSDAP en México: historia y percepciones, 1931-1940
Autor: Jürgen Müller; Universitdt Kóln
Tradução: Roberto Lucena

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domingo, 19 de junho de 2011

O NSDAP no México: história e percepções, 1931-1940 - parte 2

A tarefa mais importante dos grupos regionais da AO era a Gleichschaltung (unificação forçada) dos alemães no exterior[15], quer dizer, assumir a direção das organizações da comunidade alemã que tinham reputação e dinheiro, e que podiam servir para propagar as ideias nacional-socialistas. Através do controle de escolas, jornais e asssociações, a AO tentava impedir a assimilação dos alemães à cultura dos países que os recebia e instrumentalizá-los para a difusão da ideologia nacional-socialista. No México, a AO não conseguiu seu objetivo sem problemas, pois surgiu um conflito de gerações, de classes e de poder. Os representantes estabelecidos da comunidade alemã, empresários exitosos, de classe alta, mais ou menos duas décadas mais velhos que os nazis, criticavam a juventude dos militantes, seu baixo status social e os poucos anos de residência no país, tudo com o qual, nos seus modos de ver, descalificava-lhes de assumir a liderança da comunidade. Ainda que acertados, estes argumentos eram mais um bom pretexto para não se subordinar às reivindicações do partido e não ceder seus postos em organizações que davam a essa elite um alto prestígio social e vantagens econômicas.

Assim, uma primeira tentativa do Gleichschaltung em 1933 fracassou. O partido pretendia tomar a Verband Deutscher Reichsangehdriger (Associação de Cidadãos do Reich) como base institucional para transformá-la numa organização que integraria toda a comunidade alemã, ou seja, também os mexicanos de origem alemã. Só a intervenção do representante diplomático, o ministro Rüdt v. Collenberg, ajudou o Landesgruppe a ter sucesso em seu objetivo. Rüdt esclareceu que um estreito vínculo com a pátria significava também a cooperação da AO. Com essa frase RÜdt deixou al descubierto un ponto central da ideologia nacional-socialista: ser alemão somente era possível como nazi. Apresentando a AO como representante oficial do Reich, o ministro implicitamente advertiu contra as consequências de insubordinação ao partido: a privação dos recursos do Reich para as associações, a interrupção da intervenção da Representação nos contatos com oficiais mexicanos, o boicote econômico e o isolamento social. Em janeiro de 1935, finalmente, fundou-se a Comunidade do Povo Alemão no México (Deutsche Volksgemeinschaft, DVM). Sob o controle de Wilhelm Wirtz e Artur Dietrich, que assumiram funções centrais, a DVM se converteu na maior organização alemã do México, com filiais em todo o país. A alusão de RÜdt venceu a resistência da comunidade alemã, de modo que muitos, e também alguns dos velhos adversários, uniram-se à DVM. Outros, sobretudo a direção anterior, abandonaram a DVM, protestando assim contra aa subversión nazista. Em 1936, a DVM já tinha 1665 membros, 798 dos quais viviam no interior. A alta porcentagem de membros no interior explica a fundação de filiais em povos onde até então não existiam associações alemãs: por exemplo em Chihuahua, onde 26 dos 30 alemães se tornaram membros. A esfera de ação mais importante da DVM, contudo, fez-se sentir na capital, onde, por exemplo, operava um serviço para alemães sem empleo ou necessitados, e se impartían cursos de alemão para mexicanos. Sua sede social era o lugar central para as festividades da comunidade alemã[16].

Além da DVM, outras associações estavam sob o controle do partido nazi. O respeitado Colégio Alemão na capital foi dirigido por um membro a partir de 1933. Friedrich W. Schróter descartou a orientação elitista predominante até esse momento e abriu a escola a crianças alemãs de todas as classes sociais. Com ele, propagaram-se ideias nacional-socialistas na enseñanza, e os judeus tiveram que abandonar a escola. Schróter teve muito êxito com esse programa dentro da comunidade alemã: o número de alunos duplicou entre 1936 e 1940, de 620 a 1259[17].

Outras instituições sob o controle do partido, ou com orientação nazista, eram a Juventude Hitlerista, com 245 membros, e a Associação de Professores Alemães Nacional-socialistas, que reuniam a 20 pessoas[18]. Estas cifras mostram que para uma valorização da AO no México não basta contar o número de militantes. Somando só os membros das associações aqui mencionadas, contam-se muito mais de 2000 pessoas. Ainda que nem todos seus membros tenham sido nazis empedernidos e alguns talvez tenham ingressado por oportunismo ou pela pressão da adaptação, isso indica que uma parte considerável da comunidade alemã no México, sobretudo na capital, foi exposta à propaganda e aos rituais do nacional-socialismo.

Um simples membro do NSDAP no México se movia no reduzido microcosmos da comunidade alemã, e seu contato com o povo mexicano se limitava ao imprescindível; as relações com os representantes do governo se reservavam para a Representação Alemã. A propagação de ideias nacional-socialistas no México, frequentemente, era tarefa de Artur Dietrich. Este, por exemplo, transmitiu material sobre judeus e sobre o comunismo à Ação Revolucionária Mexicanista, aos fascistas mexicanos, e convidou seu líder, Nicolás Rodríguez Carrasco, a intensificar a propaganda anticomunista e antissemita. Esta era a única ajda de que dispunha a ARM. Dietrich também aconselhou Rodríguez Carrasco a nomear um representante pessoal ante o Reich. Contudo, o governo alemão não prestou atenção ao representante durante uma visita que este efetuou à Alemanha, porque temia problemas com o governo mexicano, que nesse momento já havia proscrito a ARM.

Dietrich cultivou o contato com os fascistas sem intenção de lhes ajudar nem a organização do partido e nem a tomada do poder. Mas Más bien, a ARM era uma de tantos possíveis multiplicadores nacional-socialistas. Também jornais, como a 'La Prensa', receberam propaganda alemã. Dietrich inclusive fundou um diário - La Noticia -, no qual, contudo, só foi publicado por pouco tempo[19].

Uma olhada em outros países confirmará esta interpretação das relações entre nacional-socialistas alemães e fascistas. Somente no sul do Brasil existiram contatos cotidianos entre simples partidários do NSDAP e os fascistas brasileiros, a Ação Integralista Brasileira, devido ao fato de que ali descendentes de alemães, impressionados por Hitler haviam fundado as primeiras células fascistas, ou fascistas e nacional-socialistas, pertenciam aos mesmos grupos e tinham os mesmos inimigos: a elite política e econômica. Normalmente, contudo, os membros do partido solían ser de um nível alto ou médio, ou a quem, além de seu cargo dentro do partido, desempenharam uma função para o Ministério de Propaganda de Goebbels ou tuveram contato com os fascistas latinoamericanos[20]. Assim, seu interesse nos fascistas não era decisiva para a qualidade do membro da AO, senão a função local que desempenhavam para Goebbels.

Tampouco em outros países os representantes da AO/Goebbels apoiaram revoluções ou golpes de estado dos fascistas vernáculos. Ao contrário, empenhados em impedir a assimilação dos alemães, a AO contrastou com a política nacionalista dos fascistas que, por sua parte, queriam integrar os alemães na nação[21]. Por exemplo, quando o líder do Movimento Nacional-Socialista do Chile descobriu que membros de origem alemã rechaçavam a mistura de raças e exigiam aos alemães conservar seu sangue puro, expulsou-lhes do partido e publicamente criticou esta atitude que - segundo disse - desintegrava o país[22]. No Brasil, o fato de que muitos alemães pertenciam à Ação Integralista Brasileira não impediu de seus líderes atacar a resistência dos alemães em se assimilar[23]. Para a AO, frequentemente, um contato demasiado estreito com estes grupos, que no geral lutavam contra seus respectivos governos, podia pôr em perigo sua existência, fato que era muito presente aos líderes da AO na Alemanha[24].

Fonte: El NSDAP en México: historia y percepciones, 1931-1940
Autor: Jürgen Müller; Universitdt Kóln
Tradução: Roberto Lucena

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Observação: a princípio, o texto seria dividido em apenas duas partes, mas sendo muito extenso(poucas pessoas leem textos muito grandes) poderá ficar em quatro partes, podendo(ou não)futuramente ser fundido em apenas duas(como dito de início).

sexta-feira, 17 de junho de 2011

O NSDAP no México: história e percepções, 1931-1940 - parte 1

O presente artigo se propõe a oferecer, baseando-se em documentação diplomática alemã inédita, uma análise histórica da função que cumpriu o Partido Nacional-Socialista alemão (NSDAP) no México, através de sua Organização para o Extrangeiro (AO), de 1934 até 1941. Abordaram-se algumas questões pouco estudadas, tais como em que medida o NSDAP teve êxito em conquistar ideologicamente as instituições culturais e sociais da comunidade alemã no México e a alinhá-las com o regime nazi do Terceiro Reich, e qual foi seu verdadeiro peso político em termos de afiliados e influência em todo o país. O trabalho também se propõe a indagar a verdadeira dimensão do perigo nazi no México e a estratégia do NSDAP no marco das conflitivas relações diplomáticas do México com a Alemanha nazi durante a presidência de Lázaro Cárdenas, do momento que eclodiu a Guerra Civil espanhola. O autor examina as medidas anti-nazis adotadas pelo governo mexicano antes do estouro da guerra mundial em relação a outros países latinoamericanos, e a atitude da Representação da Alemanha no México. Finalmente, apresenta-se uma descrição da atividade do NSDAP durante os primeiros anos da guerra e a reação do governo de Cárdenas, tomando em conta suas difíceis relações com os Estados Unidos até seu ingresso na conflagração mundial.

O partido

Em 1931 se fundou, sob o nome de Auslandsabteilung (Departamento para o Exterior), um departamento no Partido Alemão Nacional-Socialista (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, NSDAP) que reunia e gerenciava os membros do partido, cidadãos alemães em geral, que viviam fora da Alemanha. Até março de 1933 foi dirigido pelo deputado do Reichstag Hans Nieland, e depois por Ernst Wilhelm Bohle, nascido na Inglaterra e filho de um professor de universidade. A partir de fevereiro de 1934, o Auslandsabteilung passa a se chamar Auslandsorganisation (A0/Organização para o Extranjero). Em abril de 1935, a AO deixou de ser um departamento do NSDAP e se converteu em uma Gau (comarca) independente. Bohle ascendeu à posição de Gauleiter (chefe da comarca). No começo de 1937, Bohle deu outro passo adiante em sua carreira quando Hitler lhe nomeou Chefe da AO no Ministério de Assuntos Exteriores, com o status de StaatssekretÜr[1]. Tanto na hierarquia do partido como na do Estado, Bohle chegou a ocupar um segundo lugar[2].

Até 1930, só uns poucos alemães que se falavam no exterior entraram no partido nazi: 486 em todo o mundo, sete deles no México[3]. Os primeiros grupos foram fundados no início de 1931. O sucesso do NSDAP nas eleições de setembro de 1930 animou a muitos cidadãos alemães em todo mundo a se reunirem com simpatizantes e trabalhar para o partido[4]. No México, por falta de um líder apropiado - segundo lamentava a AO -, ninguém tomou a iniciativa e por isso se demorou na fundação de um grupo do partido[5]. Os membros do partido viviam isolados e sem contato entre si. A pedido da AO, os sete membros na capital fundaram o Ortsgruppe (grupo local) do México, D.F. em 10 de novembro de 1931, mas só uns meses mais tarde, com a nomeação do hábio e vivaz Wilhelm Wirtz como Ortsgruppenleiter (líder do grupo local), começou-se a desenvolver o partido no México. Em 1 de setembro, o Ortsgruppe contava com 52 membros, e em janeiro de 1933 já eram 68. A ascensão ao poder do partido Nacional-Socialista na Alemanha acelerou seu crescimento. Não obstante, diferentemente da Alemanha, onde a partir de maio de 1933 se impediu o ingresso de novos membros ao NSDAP, no exterior era quase sempre possível se tornar membro. Em janeiro de 1934 havia no México 191 membros, e em julho de 1935 eram 264. Nos anos seguintes o partido cresceu mais devagar; em junho de 1937 o número de membros ascendeu a 310, um ano mais tarde a 325, e no ano seguinte somavam 366[6]. Isso significava que aproximadamente 5% dos 6875 cidadãos alemães no México[7] pertencia ao NSDAP - um resultado promédio na AO.

O partido já não estava limitado à capital, e se extendeu por todo o país. Fundaram-se novos grupos, por exemplo em Mazatlán (20 membros), Veracruz (16), Monterrey (16) e Puebla (5)8, mas uma alta porcentagem dos membros, cerca de 40%, vivia na capital. Por seus méritos ao haver promovido o grupo local da capital, Wilhelm Wirtz se converteu em líder do Landesgruppe (grupo regional) do NSDAP do México e ocupou esta posição até início de 1940. Estando na Alemanha, o começo da guerra tornou impossível seu regresso ao México. Wirtz foi um dos poucos líderes da AO que permaneceu em seu cargo sem ser deposto. Nisto, o grupo regional do México mostrou uma rara estabilidade na história da AO, já que, em muitos casos, os grupos no exterior não cumpriam os requisitos da AO. Enquanto que outros líderes não tinham autoridade sobre os militantes, ou simplesmente não eram capazes de dirigir uma organização nacional, Wirtz conseguiu a unidade do partido e impediu querelas internas[9].

Dado o número de membros, o Landesgruppe do México era um dos menores grupos regionais da AO. Por exemplo, em 1939 tinha 1569 membros na Argentina, 2990 no Brasil - sendo ambos dois dos maiores grupos da AO - e 921 no Chile. Por isso, o grupo no México não tinha a mesma importância para a AO que tinham outros grupos: enquanto que em 1932 um enviado da AO visitou os grupos na Argentina, Brasil e Chile para inspecioná-los e apoiá-los em sua propaganda, ninguém foi ao México[10]. Do mesmo modo, nos primeiros meses de 1933, quando a AO intensificou o contato com os grupos na América Latina, os partidários no México se sentiram abandonados[11]. Finalmente, quando políticos e periódicos atacaram os grandes grupos nazis na América Latina, a AO defendeu com afindo os direitos dos alemães no exterior, até provocar atritos diplomáticos inclusive no México, e por conta disso, cedeu ante as pressões[12].

Os fundadores dos partidos nazis no exterior eram, em geral, homens nascidos em fins de século ou poucos anos depois. Experimentaram sua socialização política nos últimos anos da época do Kaiser e, quando lhes foi possível, participaram da Primeira Guerra Mundial. Rechaçaram a República de Weimar e, em mais de uma ocasião, uniram-se a tropas irregulares (Freikorps) e/ou entraram em grupos ou partidos de extrema-direita. Emigraram nos anos vinte por motivos econômicos, porque não conseguiram se integrar na vida civil da Alemanha e consolidar sua existência ali. O país de destino dependia mais da casualidade que de projetos concretos. Poucos emigrantes conseguiram se estabelecer rapidamente. Costumavam mudar muitas vezes de trabalho, para finalmente encontrar, depois de vários anos, um posto que lhes permitisse viver sem problemas de subsistência[13]. Um exemplo deste tipo de pessoas é Artur Dietrich[14]. Nascido em 1900, por sua juventude não pode combater na guerra até finais de 1917. Em 1921 esteve numa tropa irregular na Silésia. Seu diploma em agricultura, obtido em 1922, possibilitou-lhe aceitar uma oferta para ir ao México em 1924. Depois de uma série de falidos intentos na administração fazendária, em 1930 começou a trabalhar como empregado de um comerciante de artigos dentais, emprego que desempenhou nos anos seguintes. Dietrich ingressou no partido em novembro de 1931, quando se fundou o grupo local na capital. Em 1933 foi nomeado líder do Ortsgruppe e, pouco mais tarde, aceitou substituir a Wirtz e - para o Ministério de Propaganda de Goebbels, que também tinha sob seu encargo a propaganda no exterior - foi conselheiro de imprensa da Representação da Alemanha no México.

Fonte: El NSDAP en México: historia y percepciones, 1931-1940
Autor: Jürgen Müller; Universitdt Kóln
Tradução: Roberto Lucena

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domingo, 7 de fevereiro de 2010

Raízes Ocultistas do Nazismo - cultos secretos arianos e sua influência na ideologia nazi

Mais de meio século após ter sido esmagado e enterrado pelos Aliados, ao concluir-se a Segunda Guerra Mundial, o nazismo continua a despertar não só o interesse dos hitoriadores e outros investigadores mas também a suscitar a curiosidade de inúmeros leitores quanto às origens de um fenômeno político que produziu efeitos tão tragicamente devastadores para uma larga parte da humanidade.

Naturalmente, ninguém poderá dizer que o nazismo teve origem apenas nisto ou naquilo – seria simplista. Mas há uma área que não foi devidamente explorada – a da influência exercida por toda uma série de elementos ocultistas que contribuíram para modelar a ideologia nazi.

Ora é precisamente aqui que se fundamenta Nicholas Goodrick-Clarke, ao conceber este livro inovador. Estamos perante uma obra que constitui, até hoje, o estudo mais fundamentado sobre o modo como o nazismo, enquanto ideologia, foi influenciado por certas seitas ocultistas que alcançaram alguma importância tanto na Alemanha como na Áustria, na viragem do século XIX para o século XX. Algumas destas seitas, em especial os ariosofistas abraçaram doutrinas características de um certo nacionalismo popular, de um racismo «ariano» e do ocultismo para fazerem a apologia da hegemonia germânica. As suas ideias e os seus símbolos penetraram em grupos nacionalistas e racistas que estiveram associados à formação do partido nazi (Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães) e que vieram a exercer forte influência sobre as SS de Himmler.

O leitor, através deste livro, dispõe de uma excepcional oportunidade de conhecer fantasias e delírios que estiveram por trás dos hediondos crimes cometidos pelo nazismo em lugares amaldiçoados para toda a eternidade: Auschwitz, Buchenwald, Dachau, Sobibor, Treblinka... e tantos e tantos outros.

Formado pela Universidade de Oxford, Nicholas Goodrick-Clarke é especialista de história do nazismo. É também autor do livro Hitler’s Priestess: Savitri Devi, the Hindu-Aryan, Myth and Neo-Nazism (sobre certas conexões hinduístas e o nazismo) e Black Sun: Aryan Cults, Esoteric Nazism and the Politics of Identity.

Fonte: site da Terramar Editora
http://www.terramar.pt/32006.htm
Coleção: Arquivos do Século XX

sábado, 8 de agosto de 2009

Richard Wagner e as fontes do nazismo

Reflexões sobre o antissemitismo do compositor alemão

Enquanto se escute música de Wagner, eu estarei presente
(palavras que Hans Jürgen Syberberg pôs na boca de Hitler, num filme alemão).

Richard Wagner

Tanto ou mais que por suas óperas, Richard Wagner aspirava ser julgado “pelo bem que elas fizeram à humanidade”, e segundo três coordenadas: como músico, literato e ideólogo. Em verdade, foi um músico genial; como escritor e dramaturgo, medíocre; como ideólogo, sinistro. Embora os judeus tivessem na Europa do século XIX numerosos inimigos, as razões não eram biológicas, senão de ordem religiosa, política, econômica.

A redenção por via da conversão foi possível ainda que feita pelos piores inquisidores. É Wagner quem introduz e extende a pretensão de que o judeu é intrinsecamente irremedível. Depois de uma juventude tempestuosa, onde participou de episódios que antecipam os métodos nazis – incendiar alguma casa “de má fama”, espancar entre muitos, a algum divergente –, e sofrer por certo tempo as hipotecas do álcool e do jogo, Wagner observou – meramente observou –, a revolução em Dresden(1849), espectáculo que lhe valeu o exílio. Sua confusa ideologia, a partir de então, vai tomando uma direção concreta, onde prevalecem o satânico orgulho e a tensão discriminatória. Desdenhava o latino: Paris lhe parecia fariséia, aborrecível, e odiava o italiano ao extremo a ponto de detestar 'Don Giovanni' de Mozart, ópera das óperas, por seu libreto em tal idioma. Em todos seus escritos não se achará referência alguma a Verdi – esteticamente seu par, mas cívica e moralmente seu antípoda.

Entre 3 e 6 de setembro de 1850, Wagner publicou, sob o pseudônimo de F. Freigedank, no Diário musical de Leipzig, que editava Franz Brendel, seu opúsculo “O judaísmo na música”. Ali negava ao judeu, fatalmente e definitivamente, toda possibilidade de criação artística, toda inventiva própria, toda espiritualidade. Vejamos: lhe “surpreende primeiro, seu aspecto exterior”, sempre “desagradável”. O judeu para Wagner, carece da “faculdade de expressar-se... (com) originalidade e personalidade... Com mais razão, uma manifestação semelhante seria impossível pelo canto”. Ou seja, nem pela palavra nem pelo canto e tampouco pela composição, pois “jamais possuiu uma arte própria”, e nunca conseguirá produzir música autêntica. O que o faz, sempre de “um caráter frio e indiferente, chegará até o ridículo e trivial”. Mendelsohn, por ex., como judeu rico, pode aprender mecanicamente as técnicas, mas no verdadeiramente profundo, no que toca as últimas fibras, só “se engana a si mesmo e a seu público de tediosos”. Assim mesmo, Heine “mentiu a si mesmo ao crer-se poeta”.

Como conclusão, Wagner advertirá piedosamente, aos judeus, “que existe um só meio de conjurar a maldição que pesa sobre eles: a redenção de Ahasverus: o Extermínio”. E não creia que são delírios juvenis. A instância de Cosima, o músico –sessentão – reeditaria seu panfelto a vinte anos depois. O editor Brendel, que havia sofrido moléstias a raíz daquela primeira publicação, foi desdenhado por Wagner, que –sempre ingrato–, até 1862, na Zewandhaus de Leipzig, fingiu não reconhecê-lo, o que “me divertiu [...] Minha conduta afetou muito ao que parece, ao pobre diabo” [...] Porque Wagner era sistematicamente mal-agradecido com seus benfeitores, inclusive Meyerbeer e Mendelsohn.

A seus amigos lhes arrebatava desde muito jovem, quase como um ritual, noivas e consortes. De suas amizades, muito poucas perduraram, mas sustentou e privilegiou a de seu real discípulo, o Conde Gobineau, cujo “desigualitarismo” ele contribuiu decisivamente a parir. Enquanto ao herdeiro intelectual de Gobineau, Houston Chamberlain, converteria-se em genro do músico. O sectarismo e racismo wagnerianos dão testemunhos, além de sua correspondência, suas memórias (Minha vida), e outros numerosos escritos. Mas, mais grave ainda, grande parte de seus dramas musicais. Por exemplo: uma raça inferior, feia e atroz, usurpa o ouro do mundo. Wotan deverá criar a outra raça, superior, de heróis loiros, atléticos, “dolicocéfalos”, que não conhecem o medo, manipularão a espada e enfrentarão aos outros. Haverá um holocausto final. E não se diga que o Parsifal é um regresso ao cristianismo. Ali há um mau cavaleiro, que como não consegue ser casto, se “disfarça” castrando-se. Mas nem ainda assim se redime porque é inerentemente perverso e – com justiça –, o rechaçam. Então, rancoroso e castrado(circunciso?)se converterá num inimigo demoníaco. E há mais exemplos ...

Se afirma em defensa de Wagner, que, morto meio século antes, não podia evitar que sua música ilustraria a saga do nazismo. Mas ocorre que o nazismo não só se apropriou de sua arte, como também de suas idéias. E em última instância, el numen criador daqueles horrores, chamou-se Richard Wagner. Tal como ele reclamava, julguemo-lo pelo que fez a Humanidade.

Dr. Horacio Sanguinetti
Reitor do Colégio Nacional de Buenos Aires

Fonte: Fundación Memoria del Holocausto (Argentina)
http://www.fmh.org.ar/revista/20/wagner.htm
Tradução: Roberto Lucena

Ainda sobre Richard Wagner, arquivo em .doc(word):
Ópera, cultura e nação: Richard Wagner na formação do orgulho nacional alemão

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