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sábado, 26 de fevereiro de 2011

A Ustasha e o silêncio do Vaticano - parte 3

In English: The Ustasha and Vatican's Silence - Part 3
Ler antes o texto observação, sobre os erros desta série:
A Ustasha e o silêncio do Vaticano - parte 4 (Observação)

Os crimes dos ustashi croatas (NDH)

RATOS EM FUGA. O VATICANO AO FINAL DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Soldado da Ustasha exibe orgulhoso
seu macabro troféu, a cabeça
decapitada de um chetnik sérvio.
Longe de ser um mistério histórico, a fuga de milhares de proscritos nazis à América do Sul e outras partes do mundo é um fato fartamente documentado no que se sabe que a Santa Sé tomou parte ativa. Personagens tão sinistros como Pavelic, Klaus Barbie ou Joseph Mengele partiram para o exílio fazendo escala prévia no Vaticano. Enquanto isso, na Croácia, os últimos ustashi esperavam que uma oportuna intervenção da diplomacia vaticana propiciasse a criação de um Estado croata independente da Iugoslávia.

Quando ficou claro que Zagreb ia ser libertada pelas tropas aliadas, os ustashi tentaron salvar tudo o que puderam. Em fins de abril de 1945, Pavelic, com plena autorização de seu amigo Stepinac, ordenou que fossem levados ao Monastério franciscano de Zagreb trinta e seis cofres com a macabra pilhagem (jóias e dentes de ouro, principalmente) confiscada das vítimas da matança de sérvios, judeus e ciganos.1 Contudo, Pavelic reteve consigo outros treze cofres para assegurar sua fuga e um cômodo retiro.2

Os monjes esconderam o tesouro primeiro na cripta debaixo do altar maior e, mais tarde, num buraco escavado debaixo dos confessionários, onde permaneceu até que fosse recuperado pelas tropas do marechal Tito. Depois de enterrar sua pilhagem, Pavelic partiu sob comando de mil e quinhentos leais em direção à Áustria,3 esperando contar com o amparo dos britânicos e do Vaticano. Mas não contava com o fato de ser feito prisioneiro pelos estadunidenses, que lhe vinham seguindo a pista desde sua chegada à Áustria. Conseguiram prendê-lo próximo de Saizburgo.

Contudo, quando já se estavam ultimando os preparativos para o julgamento por crimes de guerra, Stepinac e o acerbispo de Saizburgo intercederam para que Pavelic fosse posto em liberdade. Finalmente, o criminoso de guerra encontrou abrigo entre os mesmíssimos muros do Vaticano, ainda que sua estada tenha sido curta. Para evitar o escândalo, Pio XII, consciente de que a vitória aliada havia dado um virada à política mundial, convidou Pavelic a ir embada da Santa Sé disfarçado de sacerdote num automóvel com placa diplomática. Pavelic manteve a identidade falsa durante um tempo sob a alcunha de padre Benares ou padre Gómez.4

1. Manhattan, Avro, The Vatican tíolocaust, op. cit.

2. Goñi, Uki, La auténtica Odessa. La fuga nazi a la Argentina de Perón, Paidós, Barcelona, 2002.

3. «Supreme Allied HQ to 6th and 12th Army Groups. Apprehension oí Croat Quislings», 5 de junio de 1945. Documento desclassificado do Exército estadunidense.

4. Aarons, Mark, op. cit.


Os estadunidenses seguiram ao escorregadio Pavelic, mas decidiram não agir por deferência da Santa Sé. Os agentes da contrainteligência militar encarregados do assunto assim esclareciam num relatório:
«Os atuais contatos de Pavelic são a tão alto nível, e sua presente situação tão comprometedora para o Vaticano, que sua extradição poderia supôr-se um problema para a Igreja católica».5
Mais ou menos por aqueles fechas, o padre Krunoslav Draganovic, secretário da Confraternidad croata de São Girolamo, que formava parte da Pontifícia Obra de Assistência criada por Pio XII, uma instituição do Vaticano em Roma, recibia da Croácia mais de quatrocentos quilos de ouro6 que deviam ser empregados «na obra de assistência e cuidado pastoral dos prófugos da Croácia». (Quer dizer, para ajudar os antigos ustashi a escapar da Croácia autoridades aliadas em geral e dos partisanos de Tito en particular.) Em honra pela verdade, há que reconhecer que este ouro não era parte da pilhagem das vítimas sérvias e judias, como precisa monsenhor Simcic, atualmente especialista permanente da Comissão Pontifícia Ecciesia Dei, e então colaborador de Draganovic:

Para esta operação beneficente teve a sua disposição dois cajas de lingotes de ouro sacadas pelo Exército em retidada do fronte, ante o avanço dos partisans de Tito. Eram cajas do banco nacional croata, enquanto que os bens sequestrados dos judeus eram administrados pela Divisão do Ministério de Segurança Pública. Eram duas administrações bem distintas.7

5. U.S. Army Counter Intelligence Corps. Destacamento em Roma. 12 de setembro de 1947. Caso número 5650-A.

6. Dorril, Stephen, MI6; Inside the Covert Worid of Her Majesty's Secret Intelligence Service, Touchstone, Nueva York, 2000.

7. «Aonde foi parar o ouro dos croatas? Fontes vaticanas acusam os Estados Unidos de superficialidade histórica». Agência Zenit, 5 de junho de 1998.


A OPERAÇÃO BENEFICENTE

Em 31 de julho de 1942. Os Ustashas matam na
igreja ortodoxa em Sadilovac, Kordun, 314 adultos
sérvios e 149 crianças sérvias abaixo dos 14 anos.
Mataram as crianças em frente da parede da igreja.
Parte da «operação beneficente» de Draganovic — a quem, por certo, era subordinado do subsecretário de Estado Giovanni Battista Montini, que mais tarde se converteria em Paulo VI — consistiu em arreglar, pessoalmente, a saída até a Argentina de um bom número de criminosos de guerra alemães e croatas.8 O croata franciscano Draganovic não tinha por aqueles dias um expediente demasiado limpo, já que havia sido oficial ustashi e havia realizado conversões a força de sérvios.9 Em 1943 Draganovic deixou pra trás sua agitada vida como ustashi e se incorporou ao Vaticano.10 Assim que não é de se estranhar que mostrasse certo interesse em salvar a seus antigos camaradas.

Houve um momento em que não menos de trinta antigos ustashi, incluindo o próprio Draganovic, congregaram-se no seminário de São Jerônimo (San Girolamo degli Illirici), cinco dos quais, incluindo um sacerdote, estavam na lista dos criminosos de guerra mais procurados." Outros se encontravam refugiados em diferentes instituições católicas, como o Instituto Oriental. Existem, de fato, relatórios confidenciais dos serviços de inteligência estadunidenses da época em que eles, sem rodeios, qualificava o seminário de São Jerônimo como quartel general do que restava dos ustashi.12 Os serviços secretos aliados não podiam fazer nada, já que San Girolamo, apesar de encontrar-se fora das muralhas do Vaticano, tinha status de território da Santa Sé.

8. Loftus, John e Aarons, Mark, The Secret War against the Jews: How Western Espionage Betrayed the jewish People, St. Martin's Griffin, Nova York, 1997.

9. Headden, Susan, Hawkins, Daña e Rest, Jason, «A vow oí silence», U. S. News and Worid Report, 30 de março de 1998.

10. Cockburn, Alexander e St. Clair, Jeffrey, Whiteout: The CIA, Drugs and the Press, Verso, Londres, 1998.

11. Phayer, John Michael, The Catholic Church and the Holocaust, 1930-1965, Indiana University Press, Bloomington, 2000.

12. «Rome Área Allied Command to the CIC», 8 de agosto de 1945. Documento desclassificado do Exército estadunidense.


O hóspede mais ilustre de São Jerônimo foi Klaus Barbie, O Carniceiro de Lyón, que lhe foi entregue a Draganovic na estação de trens de Gênova por oficiais de inteligência norte-americanos, que esperavam sacar partido de Barbie no futuro. Draganovic obteve documentos da Cruz Vermelha com o apelido falso para ele e sua família. Barbie e outros nazis embarcaram de Gênova, em março de 1951, com destino a Buenos Aires, para mais tarde transladar-se à Bolívia. E é que em começo de 1948, segundo iam tensando as relações com a União Soviética, britânicos e estadunidenses começaram a olhar com melhores olhos as operações de encubrimento do Vaticano, já que alguns dos fugitivos possuiam conhecimentos técnicos, científicos, militares e de inteligência que podiam ser de grande ajuda durante a guerra fria.

De fato, os estadunidenses estabeleceram sua própria operação de contrabando de criminosos de guerra - sob o nome de Operação Paperclip —, mediante a qual fizeram com os serviços de cientistas de primeira linha, como Werner von Braun, que deveria ter sentado no banco de Nuremberg por seus experimentos com seres humanos no centro de investigação aeronáutica de Peenemunde (Alemanha), ou o general Reinhard Gehien, que acabou ocupando um posto da máxima relevância na CIA antes de tomar posto nos serviços de inteligência da República Federal da Alemanha.

Soldados Ustasha ostentam cabeça
decapitada do sérvio Jovan Blaženović.
A prática brutal de cortar cabeças e
ostentá-las como prêmio foi uma
prática marcante da Ustasha.
Outros criminosos de guerra que obteveram refúgio depois dos muros do Vaticano foram Franz Stangl, comandante do campo de extermínio de Treblinka (Polônia), Eduard Roschmann, O Carniceiro de Riga, o general das SS Walter Rauff, inventor da câmara de gás portátil, Gustav Wagner, comandante do campo de Sobibor, e, sobretudo, o doutor Joseph Mengele, o Anjo da Morte do campo de Auschwitz.

Draganovic também colaborou com o governo argentino para possibilitar a chegada nesse país dos técnicos que o diseñador alemão Kurt Tank necessitava para a fábrica de aviões de Córdoba. Estes também receberam passaportes da Cruz Vermelha e foram alojados no convento de monjas Centocelle até que tomassem um avião da Frota Aérea Mercante Argentina com destino à Buenos Aires. (A título de curiosidade, diremos que aqueles refugiados que estiveram se escondendo em conventos religiosos o fizeram, em sua maioria, disfarçados de monjas. Tanto é assim que em diversos conventos se pode comprovar um súbito aumento no número de irmãs, muitas delas com graves problemas hormonais a julgar pelo rudo de sua voz e suas ademanes, assim como por sua vello facial.) Contudo, este grupo levava consigo um regalo «surpresa»: nem mais nem menos que o criminoso de guerra Gerhard Bohne, encarregado do programa de eutanásia do Reich.

Assim, toda uma galeria de sinistros personagens, desde Pavelic a Adolf Eichmann, conseguiu suas passagens até a Argentina através da Santa Sé. No caso concreto de Pavelic, Draganovic fez uma exceção e, depois de proporciona-lhe um flamante passaporte da Cruz Vermelha, acompanhou-lhe pessoalmente até Buenos Aires junto a um nutrido grupo de antigos camaradas ustashi.

Entre os que escaparam também havia alguns - poucos - heróis de guerra genuínos que não foram perseguidos por seu extraordinário zelo no campo de batalha, como o coronel Hans Rudel, que nos comandos de seu bombardeiro Stuka destruiu mais de quinhentos tanques soviéticos e afundou vários barcos. Perdeu uma perna em combate, mas isso não foi impedimento para seguir lutando até o fim da guerra. Rudel era procurado pela União Soviética e apareceu em Bariloche, onde de imediato se fez conhecido por suas grandes qualidades como esquiador.

O MÉDICO HOMOFÓBICO

Outros não tinham um passado tão glorioso, como o doutor Kari Vaernet, famoso pelos «experimentos» que realizava com homossexuais no campo de concentração de Buchenwald, onde, entre outras coisas, dedicou-se durante uma temporada à castração de gaus para substituir seus testículos por bolas de metal. Chegando à Argentina, o homofóbico doutor passou a trabalhar para o Ministério da Saúde e manteve uma consulta na rua Uriarte em Buenos Aires. Os nazis de segundo escalão, sem os recursos nem os contatos necessários para desfrutar dos serviços da peculiar «agência de viagens» que extraoficialmente funcionava em São Jerônimo, tiveram que arreglárselas por sua conta e terminaram espalhados em países tão diversos como Espanha, Síria, Egito, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Brasil, Canadá e Austrália. Entre uns e outros, calcula-se que não menos que trinta mil fugitivos conseguiram evitar a ação da justiça.

Os serviços secretos estadunidenses sempre suspeitaram que os nazis obtinham os passaportes do Vaticano que lhes permitiam instalar-se em seu retiro de ouro sulamericano previamente pago por um montante não precisamente barato.13 Por outro lado, não todo este dinheiro acabava nos cofres da Igreja. Documentos do Departamento de Estado estadunidense desclassificados em 1998 assinalam que o padre Draganovic se enriqueceu pessoalmente com sua «operação beneficente», cobrando grandes quantidades a aqueles os quais eram fornecidos a documentação falsa.

Os serviços de inteligência estadunidenses batizaram o corredor de fuga que o Vaticano facilitou a nazis e antigos ustashi de "ratline", Linha de ratos,14 um termo náutico que se refere aos ratlines, «os barbantes horizontais que, ligados às mortalhas, como a meio metro de distância entre si e em toda a extensão de exárcias maiores de gávea, servem de degraus à marinharia para subir e executar as manobras no alto dos mastros».15

13. Aarons, Mark e Loftus, John, Ratlines, William Heinemann, Londres, 1991.

14. «The Fate of the Wartime Ustashi Treasure», relatório do Departamento de Estado dos Estados Unidos. Junho de 1988.

15. Dicionário da Real Academia Espanhola.


Quer dizer, a última parte do barco que afunda quando a embarcação naufraga. O uso deste termo para designar as operações que se realizaram e as redes que se estabeleceram para o resgate de alguns dos assassinos mais sanquinários da história europeia não poderia ter sido mais apropiado.

Existem documentos argentinos que mostram que, em 1946, o monsenhor Giovanni Battista Montini entrou em contato, pelo menos duas vezes, com o embaixador da Argentina, junto à Santa Sé. Na segunda ocasião, transmitiu-lhe a preocupação do Papa por "todos os católicos, impedidos de regressar às suas casas por causa da probabilidade de serem objeto de perseguições políticas", propondo a elaboração de um plano de ação conjunta entre a Argentina e a Santa Sé. Em nenhum destes documentos existem referências específicas sobre a exclusão do dito plano dos responsáveis por crimes de guerra.

Outro dos personagens importantes desta trama foi o bispo austríaco Alois Hudal bispo, que em 1948 escreveu a Juan Domingo Perón lhe pedindo cinco mil vistos para soldados alemães e austríacos. Se conta a anedota de que durante uma c elebração de Natal em 1947, Hudal disse a um grupo de cerca de duas centenas de fugitivos nazistas escondidos sob sua proteção no Vaticano: « Podem confiar que a polícia não lhes encontrará: não é a primeira vez que pessoas se escondem nas catacumbas de Roma ».

O mecanismo para obter vistos funcionava de maneira simples: a secretaria de migração argentina outorgava uma permissão de desembarque sob um suposto nome ao solicitante, com o qual o fugitivo obtinha da Cruz Vermelha um «documento de viagem». Logo, não tinha mais que solicitar um visto no consulado argentino e se submeter a uma «certificação de identidade» ao chegar à Buenos Aires. Em 1949, Juan Domingo Perón decidiu que nem ao menos haveria porque se preocupar com as aparências e aprovou uma anistia mediante a qual aqueles que ingressaram com nome falso no país poderiam recuperar sua identidade. Graças a ele, os fugitivos mais procurados do mundo conseguiram iniciar uma nova vida livre de preocupações. Entre estes criminosos de guerra estava Erich Priebke, membro dasa SS em Roma, acusado da matança de 335 pessoas das Fosas Ardeatinas, que escapou sob um nome falso, e recuperou sua identidade em 1949 e viveu como cidadão modelo em Bariloche, até que uma equipe da televisão norteamericana o descobriu em 1995, precipitando sua extradição para a Itália.

Foi durante este processo que entrou em cena Licio Gelli, um dos personagens chave dos manejos menos confessáveis do Vaticano na segunda metade do século XX. Gelli tinha o perfil ideal para participar da operação de exportação de nazis, já que não só havia sido oficial e intermediário junto à Divisão SS Hermann Goering, senão que além disso contava com múltiplos contatos na máfia, muito úteis na hora de tirar um homem da Itália burlando a curiosidade das autoridades ou lhe fornecer toda a sorte de documentação falsa.16 Há indícios de que Gelli pode atuar nessa época como intermediário entre os elementos italianos das ratlines e a ODESSA e a Die Spinne (A aranha), as duas organizações clandestinas dos antigos nazis que administravam a fuga e recolocação de criminosos de guerra.

16. Yailop, David, op. cit.

ESPERANDO A CAVALARIA

Enquanto isso, na Croácia, Stepinac havia convocado uma conferência de bispos em Zagreb que teve como resultado a proclamação de uma carta pastoral na qual os bispos incitavam a população a se levantar com as armas contra o novo governo do país. Os ustashi que não haviam sido executados ou que não haviam fugido do país se reuniram no campo formando uma organização terrorista com o eloquente nome de "Os Cruzados". A bandeira da organização foi consagrada na capela de Stepinac. Muitos sarcedotes e monjes formavam parte da organização, bem como militantes armados, bem desempenhando serviços de espionagem e comunicação. Muita da informação recolhida por estes clérigos espiões terminou em poder dos serviços secretos estadunidenses através do Vaticano.17

A colaboração entre os estadunidenses e os rebeldes ustashi não é de se estranhar se tivermos em conta que estes últimos esperavam uma intervenção norteamericana na Croácia. O próprio Stepinac estava convencido de que cedo ou tarde isto iria acontecer.18 Talvez Stepinac tinha motivos para pensar assim. No fim das contas, por aqueles dias, Pio XII mantinha uma relação mais fluída com a cúpula militar estadunidense estadunidense. Basta um exemplo: em um só dia de junho de 1949 o papa recibeu em audiências sucessivas a cinco generais estadunidenses de primeira linha.

17. Manhattan, Avro, The Vatican Holocaust, op. cit.

18. New Statesman & Nation. Londres, 26 de outubro de 1946.


Fonte(livro): Biografía no autorizada del Vaticano; capítulo 5
Autor(livro): Santiago Camacho
Tradução(do original em espanhol): Roberto Lucena

Fotos de atrocidades da Ustasha e de outros massacres nos Balcãs(atenção, as fotos são fortes):
http://sokolac.slavicnet.com/sokolac/sokolac_history2_forum.html
http://www.srpska-mreza.com/History/ww2/book/Lukajic/Father-Satan.html

Partes anteriores:
A Ustasha e o silêncio do Vaticano - parte 1
A Ustasha e o silêncio do Vaticano - parte 2
Sobre os erros do texto, observação:
A Ustasha e o silêncio do Vaticano - parte 4 (Observação)

Destaque: texto mais detalhado sobre a Ustasha, do historiador Dusan Batakovic
O genocídio do Estado Independente Croata 1941-1945
[Parte 1] [Parte 02] [Parte 03]

Ver também:
1. A Ustasha (no blog avidanofront.blogspot.com do Daniel)
2. Holocausto na Croácia - parte 1

sábado, 12 de julho de 2008

Os carrascos nazistas no Brasil

Os carrascos no Brasil

Com a ajuda de autoridades, criminosos de guerra acharam refúgio no país durante o governo de Dutra

A derrota de 1945 encheu as ruas alemãs de "deslocados de guerra", pessoas que haviam perdido tudo e tentavam recomeçar a vida em outro país. O Conselho de Controle da Alemanha, criado por Estados Unidos, Inglaterra, França e URSS, decidia quem podia e quem não podia sair. Os vencedores exigiam que os candidatos a emigrar passassem pela desnazificação - investigação para determinar se haviam cooperado com o Reich. O objetivo era impedir que criminosos de guerra escapassem impunes. Apesar disso, grandes carrascos do nazismo, como Gustav Wagner, Josef Mengele e Paul Stangl, vieram parar no Brasil.

Como isso foi possível é o que a professora Maria Luiza Tucci Carneiro, da Universidade de São Paulo, está começando a desvendar. No meio dos mais de 2 mil documentos que estuda, Maria Luiza achou vários que mostram como autoridades brasileiras aconselhavam os interessados no visto de saída a falsificar endereço ou profissão para ludibriar os fiscais aliados.

Há indícios de que esses nazistas contavam com a boa vontade do Itamaraty. A professora levanta a hipótese de que o próprio presidente Eurico Gaspar Dutra sabia do que se passava. "Havia na época uma circular secreta, datada de 1947, que restringia a entrada de judeus no Brasil", lembra. "Em contrapartida, existia uma missão diplomática em Berlim que não se acanhava em ludibriar a lei para facilitar o ingresso de funcionários do III Reich no país", acusa. A hipótese é endossada por outros estudos. "Tudo indica que houve facilitação da entrada de empresários nazistas no Brasil por iniciativa pessoal de Dutra", diz Marionilde Brephol Magalhães, autora do livro Pangermanismo e Nazismo - A Trajetória Alemã Rumo ao Brasil. "Como ministro da Guerra de Getúlio Vargas, Dutra já mostrava simpatia pelo nazi-fascismo", diz.

Estima-se que 3 mil alemães tenham entrado no Brasil entre 1945 e 1950. Evidentemente, nem todos eram nazistas. Para separar o joio do trigo, Maria Luiza recorre a duas fontes: os arquivos do Itamaraty, em Brasília, e do Deops, em São Paulo. A idéia é reconstituir trajetórias individuais, como a de T.K. (a historiadora pede para que os nomes não sejam revelados), ex-agente da polícia nazista. Terminada a guerra, ele resolveu fugir da Alemanha.

Tentou primeiro a via clandestina - acabou preso em Sófia, Bulgária. Resolveu, então, seguir os meios legais. Foi à missão militar brasileira em Berlim - a embaixada não existia desde 1942, quando o Brasil declarou guerra à Alemanha - e solicitou visto. O arquivo do Itamaraty guarda a carta em que a missão militar pede instruções sobre T.K. informando que foi agente policial nazista. Embora não tenha sido achada a resposta do ministério, o nome de T.K. aparece numa lista de pessoas que obtiveram o visto brasileiro.

O coronel Aurélio de Lyra Tavares, depois membro da junta militar que governou o Brasil após a morte de Costa e Silva até a posse de Médici, era o chefe da missão militar em Berlim. Em telegrama de 1947, ele avisa o Itamaraty que oito nazistas embarcaram no navio Santarém. Lyra alega só ter sabido disso quando o navio já estava em alto-mar. Maria Luiza duvida. "Antes de deixar o porto, só poderiam embarcar no navio as pessoas que estivessem com os documentos em dia.

E só estava em dia quem não constasse das listas inglesas e americanas", diz. "Esse é mais um indício de que existia uma boa vontade do governo brasileiro para acolher essas pessoas." No mesmo ano de 1947, o general Anor Teixeira dos Santos, da missão militar brasileira, mandou telegrama ao Itamaraty sobre o alemão H.P.M., a quem a saída da Alemanha fora negada pelos aliados. O telegrama informa que H.P.M. fora incluído em lista de residentes na parte de Berlim controlada pelos ingleses e que sua liberação estava em negociação.

Um ano depois, o mesmo Teixeira dos Santos manda telegrama ao ministério brasileiro intercedendo por uma brasileira filha de alemães. O general informa que lhe pedira para falsificar o endereço para que a missão militar pleiteasse sua vinda ao Brasil.

O que ainda não se pode responder inteiramente é a razão pela qual o Brasil ajudava esses nazistas. Para o historiador argentino Leonardo Senkman, que publicou um estudo comparando Dutra e Perón, o presidente brasileiro achava que técnicos e cientistas nazistas poderiam colaborar na industrialização do país. Pela mesma porta pela qual passavam técnicos que muitas vezes não tinham colaborado diretamente com os crimes de guerra, entravam também os carrascos nazistas.

E eles só vieram depois que a tolerância dos brasileiros ficou conhecida. "Depois da guerra, o governo brasileiro não se mostrou disposto a caçar nazistas", explica Maria Luiza. "Eis por que eles nem se deram ao trabalho de mudar de nome, como faziam em outros países." Como Franz Stangl, comandante do campo de extermínio de Treblinka, na Polônia. Responsável pela morte de 900 mil judeus, Stangl chegou ao Brasil com a família na década de 50. Na maior parte dos 16 anos que viveu em São Paulo trabalhou como supervisor da linha de montagem da Volkswagen usando seu próprio nome, até ser descoberto, em 1967. Extraditado para a Alemanha, morreu na prisão um ano mais tarde.

Gustav Franz Wagner, comandante do campo de Sobibor, na Polônia, onde morreram 250 mil judeus, também nunca mudou de nome. Wagner recebeu a Cruz de Ferro por sua eficiência em matar prisioneiros. Depois de entrar no Brasil com passaporte suíço, foi morar em um pequeno sítio nos arredores de Atibaia (a 69 quilômetros de São Paulo). Condenado in absentia à prisão perpétua pelo Tribunal de Nuremberg, Wagner levava uma vida calma criando animais e cultivando hortaliças.

O homem alto e de olhos azuis, cujo hobby era pintar paisagens, traiu-se ao comparecer ao Deops de São Paulo em 1978 para desmentir notícia de que participara de uma festa em homenagem a Hitler. Na mesma hora foi detido e depois transferido para uma clínica psiquiátrica paulista. Após ser libertado, voltou ao sítio. Menos de dois anos depois, matou-se.

Josef Mengele, o Anjo da Morte, médico que fazia experiências com seres humanos nos campos de concentração, morreu tranqüilo no Brasil, no final da década de 70. Como ele, vários criminosos de guerra nazistas encontraram abrigo no Brasil. O estudo de Maria Luiza deve mostrar de que forma eles conseguiram entrar no país.

(Foto): Mengele, Hoss, Kramer, Museu do Holocausto(EUA)
Fonte: Revista Época(matéria: Ana Claudia Fonseca)
http://epoca.globo.com/edic/19980615/mundo1.htm

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