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quarta-feira, 9 de junho de 2010

Gal. Vasily Petrenko e Auschwitz - Entrevista

General Vassily Petrenko*: entrevistado por Sanchia Berg para o 'Today', 'BBC Radio 4', 25 de Janeiro de 2001

"'As primeiras coisas que percebi no campo foram as construções em chamas, então eu disse para meus homens(a tropa) - 'O que está havendo lá?' Os soldados disseram que eles eram depósitos que haviam sido incendiados pelos alemães. Então eu disse, 'Bem, há qualquer um deixado em pé e que eu possa dar uma olhada e ver o que há dentro?' E eles disseram, 'Sim, nós apagamos o incêndio em dois deles.' Nós andamos, e eu entrei num e a primeira coisa que eu vi foi uma pilha de maletas - e elas estavam abertas. Elas estavam lotadas de botas de crianças.'

'...Eu já sabia que os alemães tinham campos especiais para matar pessoas. Quando vi todo esse material eu percebi imediatamente. Eu não tinha qualquer necessidade de ver outra coisa além disso, este era um lugar onde muitas pessoas foram assassinadas. Eu mesmo vi pilhas de óculos para as crianças pequenas - que é o que os Nazis estavam como se - quando eles mataram as crianças eles não arremessassem seus óculos quebrados. Eles mantiam todos eles e os armazenavam meticulosamente.'

'Não era apenas óculos e sapatos e roupas, claro havia também enormes feixes de cabelo de mulheres. De primeir não percebi do que se tratava, então alguém me contou, um dos oficiais da Inteligência. Esse é o cabelo de mulheres assassinadas pelos alemães e eu perguntei, 'Quantas mulheres você tem que matar pra conseguir esse monte de cabelo?' É uma coisa terrível até pra se pensar sobre e uma cois horrível de se ver.'

'Eu tinha lágrimas em meus olhos, Eu era apenas um indivíduo comum - Eu nunca havia feito qualquer crueldade - Eu nunca havia tido contato com qualquer coisa tão criminosa em toda minha vida. As atrocidades que eu vi lá, cometidas pelos alemães, eram horríveis...terrível...a pior coisa que você poderia imaginar.'"

'...ao mesmo tempo, eu era o oficial comandante - Eu tinha que tentar manter meus sentimentos em cheque. Não obstante, lágrimas estavam descendo de meus olhos, eu estava realmente transtornado. Eu estava absolutamente terrificado.'

'Eu penso que é absolutamente necessário ter uma dia de lembrança disto[como o 'Dia da Memória do Holocausto']. O mundo precisa saber o que aconteceu - e quem era culpado. As pessoas precisam saber os detalhes para impedir que isso aconteça novamente.'"


*No texto original exibido no site da BBC(link inativo) anos atrás e que acompanhava o áudio, escreveram o nome do General soviético como Vassily Petrenko, com dois 'esses', ao invés de Vasily Petrenko com um 'esse' apenas.

Fonte: BBC
Entrevistadora: Sanchia Berg
http://www.bbc.co.uk/history/worldwars/genocide/
Foto: Soho remembers humanity's shame (BBC)
http://news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/1137167.stm
General Vassily Petrenko : interviewed by Sanchia Berg for 'Today', BBC Radio 4, 25th January 2001
'Um dos libertadores de Auschwitz recorda'
"Audio: What General Vassily Petrenko a Russian Officer witnessed after liberation: in 1945, the Russian army liberated the Nazi concentration camp at Auschwitz. General Vassily Petrenko was a commanding officer who witnessed the appalling scenes in the early days after the liberation. Hear the audio of interview to Sanchia Berg."
http://www.bbc.co.uk/history/worldwars/genocide/general_petrenko_interview.shtml
http://literacyworks.org/kouroshfoundation/v6/1_holocaust_evidence.html
(Link do texto e áudio: inativo)
Tradução: Roberto Lucena

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Finkelstein e sua "Indústria do Holocausto"

Omer Bartov: uma história de dois Holocaustos
No The New York Times, Book Review Desk data de 6 de outubro de 2000. © Omer Bartov, 2000

NORMAN G. FINKELSTEIN primeiramente adquiriu uma reputação nacional com seu ensaio, "A 'louca' tese de Daniel Jonah Goldhagen," incluída no livro que ele escreveu com Ruth Bettina Birn, "Uma nação em julgamento." Muito deste ensaio era uma brilhante dissecação do livro de Goldhagen, "Os carrascos voluntários de Hitler." Sua última seção, entretanto, revelou que Finkelstein passou por uma bizarra metamorfose, na qual ele empregou a mesma retórica dúbia e lógica defeituosa que ele tinha identificado no trabalho de Goldhagen a fim de propôr a sua própria, até mais "insana," tese sobre forças obscuras à espreita, em sua mente, atrás do sucesso de seu adversário.

Agora Finkelstein retorna, com uma vingança, um cavaleiro solitário com uma santa missão - desmascarar uma conspiração judeu-sionista do mal. O principal argumento de "A Indústria do Holocausto" é baseada numa simples distinção entre dois fenômenos: o Holocausto nazista e "O Holocausto", que ele define como "uma representação ideológica do Holocausto nazista." O autor tem um pequeno interesse na forma, embora ele prontamente reconheça que isso acontece desde que seus pais sobreviveram a esses horrores e desde que alguns dos poucos historiadores que ele respeita, notavelmente Raul Hilberg, escreveram sobre o assunto.

Mas numa dessas inversões estranhas que caracteriza seu livro, Finkelstein fala do evento histórico com o mesmo tipo de temor, e demanda a mesma sorte de incompreensão silenciosa, que ele atribui a seu principal rival, Elie Wiesel. Para que "realmente se aprenda algo do Holocausto nazista," ele afirma que "sua dimensão física deve ser reduzida e sua dimensão moral expandida." Entretanto, o quer que isso signifique, não vem a ser nenhuma surpresa que suas visões sobre as origens, natureza e implicações do genocídio dos judeus não são nada além de uma série de afirmações vagas, não documentadas e contraditórias.

Assim, por exemplo, em algum lugar ele escreve que a "evidência histórica para um assassinato por impulso gentílico é zero," e rejeita a noção de que tenha ocorrido um "abandono dos judeus" pelo governo dos Estados Unidos. Mas em outro lugar ele acusa que os Museu Memorial do Holocausto dos EUA "silencia-se sobre o fundo cristão para o antissemitismo europeu" e "minimiza as cotas de imigração discriminatórias dos EUA antes da guerra," e então prossegue citando aprovativamente o livro de David S. Wyman, "O abandono dos judeus (The Abandonment of the Jews)."

Mas o que realmente interessa a Finkelstein é "O Holocausto." O essência de seu argumento é simples: os judeus já tinham o Holocausto e os sionistas não, então eles teriam que inventá-lo. Certamente, por todos os intentos e propósitos, isto é exatamente o que eles fizeram, na forma de "O Holocausto," apesar do fato perturbador de que tal evento aconteceu. E por que "O Holocausto" foi fabricado? Porque isso legitima "uma das mais formidáveis potências militares", Israel, permitindo que ele "se apresente como um estado 'vítima'," e porque isso fornece "ao mais bem sucedido grupo étnico nos Estados Unidos," os judeus, uma "imunidade ao criticismo," levando a uma "das maiores corrupções morais a qual tipicamente atende" tal imunidade.

Finkelstein vê ele mesmo como isento de qualquer desejo de explorar "O Holocausto" para seus próprios fins, ao contrário de seus aparentemente incontáveis inimigos. O fato de que suas "revelações" sensacionais e acusações chocantes atraiam atenção de um grande público e atenção da mídia não é culpa dele. Não é se veemente antissionismo e ódio seething do que ele percebe como uma liderança judaica corrupta nos EUA qualquer coisa além de uma reflecção de uma realidade que apenas ele pode perceber através das nuvéns da mistificação e demagogia que enganaram milhares de pessoas leigas, acadêmicos e intelectuais. Do seu Monte Sinai, tudo é claro e óbvio. Só que sua voz é muito fraca para ser ouvida no vale.

O principal culpado, no mundo de acordo com Finkelstein, é "a indústria do Holocausto", feita por autoridades israelenses e advogados gordos, agentes judaicos bem posicionados nos círculos da política americana e sionistas implacáveis determinados a subjugar os palestinos. Aqui ele combina uma visão antiga de Israel de 1960 como o posto avançado do imperialismo americano como uma novela variação sobre a falsificação antissemita, "Os Protocolos dos Sábios de Sião", que alerta sobre uma conspiração judaica para dominar o mundo. Agora, entretanto, a conspiração judaica intenta "chacoalhar" (sua frase favorita) entidades inocentes como os bancos suíços, corporações alemães e e os donos das propriedades judaicas saqueadas por europeus da Europa Oriental, todos em ordem a consolidar o poder judaico e influência sem dar aos sobreviventes reais do genocídio qualquer coisa além de retórica vazia.

Em nenhum lugar Finkelstein menciona que os principais beneficiários da compensação pelo trabalho forçado será sabiamente gentios, homens e mulheres, vivendo seus últimos dias na pobreza do leste europeu, ou que acadêmicos alemães como Ulrich Herbert, dificilmente um empregado dos "interesses judaicos", tem estado a frente na luta por indenizações para compensação das corporações, que por décadas recusaram a admitir seus enormes ganhos com trabalho escravo e forçado. Da perspectiva do autor, isto é simplesmente um caso da organizada judiaria americana "dominando aqueles menos capazes de se defender a si mesmos," tais como, presumivelmente, os bancos suíços que sofreram uma "conspiração" e foram boicotados, e conseguiram com isso "dos Estados Unidos e seus aliados" "outros $70 milhões."

Portanto, as grandes potências do mundo capitularem no que o The Times de Londres chamou de campanha do "Holoconto" nos Estados Unidos, de acordo com Finkelstein. Ele reserva um especial desprezo pela Conferência das Reivindicações, uma reserva das organizações judaicas que distribuem fundos de reparação a sobreviventes, e menciona com aprovação um membro do parlamento da extrema-direita israelense Michael Kleiner, que chamou a conferência de uma "Judenrat, fazendo o trabalho dos nazis de maneiras diferentes". Certamente, como Finkelstein diz em outro contexto, les extrmes se touchent(os extremos se tocam): ao denunciar a "extorsão" das corporações alemães, este extremista de esquerda antissionista usa precisamente o tipo de retórica que Menachem Begin empregou quando falou contra o recebimento do "dinheiro de sangue" durante os motins da extrema-direita contra o acordo de restituição com a Alemanha Ocidental no início dos anos de 1950, que quase derrubou o governo israelense.

Há outra coisa a dizer desta deformação de inteligência e desta perveção da indignação moral. Há também algo indecente sobre isso, algo juvenil, hipócrita, arrogante e estúpido. Como foi mostrado no livro mais equilibrado de Peter Novick (embora não totalmente satisfatório), "O Holocausto na vida americana (The Holocaust in American Life)," a mudança de percepção sobre o genocídio nazista dos judeus também abriu caminhos para uma variedade de exploradores e oportunistas sem valor. Já fazer disto uma conspiração internacional judaica beira a paranóia e serve a antissemitas ao redor do mundo muito melhor que qualquer advogado cobraria para "extorquir" um industrial alemão.

Finkelstein fala da "indústria do Holocausto" como se isto "cobrisse num manto sagrado as 'pobres vítimas do Holocausto.' "Já ele se cobre nesse mesmo manto, enquanto ao mesmo tempo mostra pouca simpatia pelos sentimentos dos sobreviventes e enorme zelo em expôr o "abandono negligente e cruel" da "indústria do Holocausto", que ele chama de "o principal fomentador de antissemitismo na Europa". Por isto a "chantagem aos banqueiros suíços e industriais alemães", como também da "fome dos camponeses poloneses," a "indústria do Holocausto" procura incessantemente aumentar a pilhagem de ouro, ou a "pilhagem holocáustica," na qual lideranças judaicas e sionistas estão agora alegadamente sentadas. "O Holocausto", Finkelstein conclui, é possivelmente "o maior roubo da história da humanidade."

O que eu acho tão marcante em "A Indústria do Holocausto" é que é quase uma cópia exata dos argumentos que pretende expôr. É livro está cheio exatamente do mesmo tipo de hipérbole estridente que Finkelstein justamente deplora na campanha de grande parte da mídia atual sobre o Holocausto; ele está cheio da mesma indiferença em relação aos fatos históricos, contradições internas, políticas estridentes e contextualizações dúbias; e isso escorre com um sentido presunçoso de superioridade moral e intelectual.

Este livro é, em uma palavra, a visão de um fanático ideológico sobre o oportunismo de outras pessoas, feito por um escritor tão imprudente e implacável em seus ataques que ele está preparado para defender seus próprios inimigos, os bastiões do capitalismo ocidental, para alertar que "O Holocausto" provocará um antissemitismo cuja significância ele, entretando, dá um desconto. Como qualquer teoria da conspiração, contém várias meias verdades; e como qualquer teoria desse tipo, é um tanto irracional e insidiosa. Finkelstein pode agora dizer que ele mesmo criou sua própria indústria do Holocausto.

Fonte: Site anti-rev.org, The New York Times, Book Review Desk
http://www.anti-rev.org/textes/Bartov00a/
Tradução: Roberto Lucena
Fotos: 1) N. Finkelstein, 2) Omer Bartov

Ler mais: Finkelstein e o Holocausto
Socialista britânico critica radicalismo de Finkelstein
http://holocausto-doc.blogspot.com/2008/08/socialista-britanico-critica.html
por Alex Callinicos

sábado, 5 de abril de 2008

O Holocausto: verdade e preconceito - parte 4

Os comunistas, por exemplo: historicamente, desde os primeiros teóricos do socialismo da metade do século XIX, tiveram problemas conceituais com os judeus (inclusive muitos comunistas judeus). Não é preciso recorrer ao anti-semitismo da era stalinista para chegar a essa conclusão. Ser de esquerda e ser anti-semita não são propriedades incompatíveis, desde Proudhon. Não foi Marx que, em seu período de juventude, escreveu "A Questão Judaica", no qual sustentou uma teoria de afinidade entre o judaísmo e o capitalismo?

De modo geral, a "questão judaica" foi utilizada tanto pela esquerda como pela direita: foi álibi no último período do czarismo russo, dividiu a França no Caso Dreyfus (final do século XIX), foi o centro do anti-semitismo de massas na Áustria e na Alemanha (ligado ao pangermanismo) e até incidiu no fraudulento Plano Cohen, utilizado como um dos pretextos para a implantação do Estado Novo no Brasil.

Atualmente, nos países da Europa Oriental, ex-comunistas, o anti-semitismo se reproduz como mutação da antiga tradição antijudaica clerical, como demonstrou Paul Hockenos (1988). No mundo ocidental do pós-guerra, rearticulou-se o preconceito hostil, amoldando-se a populismos e sistemas de crenças que pretendem explicar problemas complexos, como o conflito entre israelenses e palestinos, por meio de esquematismos irracionais. Em certos casos, quando acentuadamente rígidos e associados a uma causa determinada, tais sistemas acorrem à paranóia da conspiração judaica.

Das novas racionalizações anti-semitas, a mais difundida é o anti-sionismo, agasalhado oficialmente pela esquerda comunista ocidental. No Brasil, introduziu-se em um estrato esquerdista-fundamentalista, ativo no PSTU e no PCO, assim como em tendências ultra-radicais do PT e do MST, onde uma esquerda monástica cumpre papel importante na conformação ideológica de uma revolução campesina e na hostilidade a tudo que representa (estou falando de estereótipo) o capitalismo que escraviza o Terceiro Mundo.

O anti-sionismo é uma fórmula excêntrica, presente nesses meios esquerdistas, como nos setores direitistas e integristas; e - é claro - um motivo preferencial, exaustivamente difundido pelos negacionistas. A fórmula é excêntrica pelas razões expostas com clareza e simplicidade por Yehuda Bauer[7], numa conferência feita nos EUA:
O conflito árabe-israelense, e agora a confrontação entre israelenses e palestinos, fornece amplo material para o anti-semitismo que se vê como anti-sionista e não antijudaico. Certamente, alguém pode ser anti-sionista sem ser anti-semita, mas somente se disser que todos os movimentos nacionais são malignos, e todos os estados nacionais devem ser abolidos. Mas, se alguém diz que o povo das Ilhas Fiji têm o direito de independência, e da mesma forma os malaios ou os bolivianos, mas os judeus não possuem tal direito, então esse alguém é anti-semita e na medida em que exclui os judeus por razões nacionalistas, é anti-semita e sobre ele recai uma forte suspeição de ser racista (Bauer, 2003:2).
A crença na ilegitimidade do Estado de Israel atualiza, no campo do discurso político radical, uma retórica agressiva e mistificatória quando se expressa por meio de seus representantes mais descontrolados. Nesses casos, reúne seu habitual panfletarismo com clichês que busca no negacionismo. Da fusão resultam acusações perturbadas, tais como as que financistas judeus levaram Hitler ao poder, que os sionistas foram aliados do nazismo ou que Göering era judeu.

Melanie Philips, em outro artigo, desta feita publicado no Daily Mail de Londres, em 22 de março de 2003, procurou penetrar mais fundo na caracterização do novo anti-semitismo que se vê legitimado por ser anti-sionista. Para ela, tal fenômeno tem relação com a mentalidade política européia com respeito a Israel:
A Europa estava aguardando, por mais de meio século, um modo de culpar os judeus por sua própria destruição. Assim, ao invés de soar o alarme devido ao ódio genocida islâmico contra os judeus, os europeus têm avidamente adotado a nazificação dos judeus, um processo que de fato teve início com a desastrosa invasão israelense do Líbano, em 1982. Esse fato marcou o início de uma sistemática inversão que faz da autodefesa de Israel uma agressão, juntamente com critérios duplos e fabricações maliciosas que nada têm a ver com a legítima (e necessária) crítica à Israel e tudo a ver com a deslegitimação do estado judeu, juntamente com a disposição pelos seu desmantelamento (Philips, 2003).
Nada, no caso desse anti-semitismo de rejeição à existência de Israel pode ser confundido, como salientaram Bauer e Philips com algum tipo de crítica às políticas israelenses. Essa é outra confusão maliciosa, constantemente reiterada por anti-semitas. A malícia chega a ser grosseira porque uma rápida observação revela que a idéia de anti-sionismo não tem equivalente histórico, especialmente depois da era colonial. Ele não expressa um sentimento contra determinadas práticas ou políticas ou mesmo quanto à hegemonia de um país. Ele em nada é semelhante ao sentimento anti-americano, por exemplo. Você pode ser anti-americano por alguma razão, mas você não pensa que a existência dos EUA é ilegítima. Pessoas podem ter idéias contrárias, fundamentadas ou não, sobre as políticas de qualquer país. Mas não são idéias sobre a legitimidade da existência desse país, seja lá qual for. Ninguém jamais lançou dúvidas sobre a legitimidade da existência da Alemanha ou de Bengaladesh ou de qualquer outra nação.

A exceção é o anti-sionismo, que é permeado pelo preconceito anti-semita. Como tal, suas críticas a Israel são sempre existencialmente comprometidas, ou seja, sempre estão agregadas à agenda da ilegitimidade sionista. Idéia que combina traços de psicopolítica do ódio e conspiranóia, expressões que se aplicam ao anti-semitismo concentrado na rejeição a um estado judeu. Por ser uma deformação ideológica, explica-se porque, entre os disparates já citados e outros, os praticantes desse anti-semitismo de Estado, chegam a acusar os judeus de anti-semitas, de nazistas e a propor comparações paranóides entre a situação atual dos palestinos e a situação dos judeus europeus durante a 2ª Guerra.

Uma característica comum ao negacionismo e ao anti-semitismo de Estado é o uso da malícia semântica. Os judeus são acusados de semitas anti-semitas (sic) porque os palestinos também são semitas (sic) e os territórios palestinos estão ocupados militarmente por judeus. A imagem produzida não poderia ser mais repugnante: judeus oprimindo semitas, como os nazistas faziam.

O sofisma é duplamente pervertido, por causa da sua premissa (pois não há semitas) e da sua desconexa conclusão, segundo a qual os sionistas agem, com relação aos palestinos, como os nazistas. Quando nos defrontamos com esse tipo de insanidade, lembro que fazer ou falar uma bobagem é muito mais fácil do que desfazê-la ou desmenti-la. Assim, tentemos desmontar essa confusão elaborada por propagandistas profissionais.

Os territórios palestinos realmente estão ocupados desde 1967, mas isto não faz dos israelenses anti-semitas e, muito menos, permite que sejam comparados a nazistas, ou pior, ligados a nazistas. A ocupação tem uma história, está inserida num contexto de disputa e não será definitiva; mais ainda: os direitos nacionais do povo palestino à autodeterminação são reconhecidos por todos, inclusive por Israel. O problema é, no entanto, gravíssimo. Ele diz respeito aos israelenses e aos palestinos, além de regionalmente envolver jordanianos, egípcios, sírios e libaneses, assim como as potências internacionais.

De todo modo, só quem não sabe o que foi o nazismo ou o que foi o Holocausto é capaz de comparar a ocupação israelense às ocupações da Alemanha nazista dos territórios que dominou. Para se ter a medida desta comparação, basta constatar que se trata, mais uma vez, de uma comparação em isolamento. Ninguém chama os chineses de nazistas por terem anexado o Tibet, ou os ingleses por ocuparem a Irlanda do Norte, ou os russos porque ocupam a Chechênia, ou os espanhóis porque não concedem autodeterminação aos bascos, ou os turcos por abafarem as pretensões nacionalistas dos curdos, ou os sírios, por ocuparem militarmente parte do território libanês.

Da mesma forma, é absurda a alegação de que judeus sionistas oprimem um povo semita (os palestinos). Do ponto de vista social, cultural ou político, o termo semita não tem sentido, pois não há semitas, a não ser que se deseje discutir lingüística, porque a língua árabe e a língua hebraica (próximas entre si como o francês e o português), pertencem ao mesmo tronco. Nesse sentido - o único coerente-, ser semita é como ser falante de uma língua que pertence a um mesmo tronco lingüístico. Seria o mesmo que ser anti-latinista ou anti-swaili.

O anti-semitismo é um preconceito e o que define o termo o é o seu uso social, político e cultural. "'Anti-semitismo' representa o ressentimento contra os judeus.e refere-se à concepção dos judeus como um grupo estranho, hostil e indesejável e às práticas que derivam dessa concepção e a sustentam" (Bauman, 1988:54).

Anti-semitismo é sinônimo de antijudaísmo. Utilizá-lo em qualquer outro sentido é fazer o jogo de palavras dos anti-semitas, que acusam os judeus enquanto povo ou os sionistas (isoladamente há obviamente indivíduos judeus anti-semitas e anti-sionistas) de anti-semitismo. Na época em que foi concebido, o termo "anti-semita" foi circunscrito pela especificidade anti-judaica, como Bauer elucida:
O termo "anti-semitismo" é, como muitos de nós percebemos, o termo errado para aquilo que tentamos descrever e analisar. Ele foi cunhado, paradoxalmente, por um anti-semita, Wilhelm Marr, em 1879, porque ele necessitava de um novo termo para [designar] o ódio aos judeus. O antigo, Judenhass, era identificado como um termo de apelo cristão, basicamente teológico, e Marr era anticristão, porque o cristianismo fora, e nisso ele estava correto, uma invenção judaica. O novo termo soava científico, não mencionava judeus, mas todos sabiam o que ele significava e a quem era dirigido: ele descrevia um fenômeno recentemente desenvolvido, de abordagem nacionalista e bio-racial. Anti-semitismo, especialmente tal como pronunciado, é um absurdo vazio, porque não existe semitismo contra o qual você possa ser. Existem linguagens semíticas e dificilmente você pode ser contra linguagens semíticas. Passamos a usar "anti-semitismo" para descrever a aversão aos judeus desde os dias de Manetho, o sacerdote egípcio de cerca de 300 A.C., cujos comentários sobre os judeus formavam uma combinação de desprezo e ódio, provavelmente motivado pelo assentamento dos judeus em Alexandria. Não há diferenciação no [uso do] termo anti-semitismo, entre um ódio leve, moderado ou radical contra os judeus, ou um fenômeno que pode ser facilmente explicado por uma aversão geral a estrangeiros ou ainda um ódio ou aversão concentrados nos judeus.

O termo é apropriado apenas ao ódio aos judeus לאשי תאנש, desde aproximadamente a metade do século XIX. Mesmo então, a mistura da oposição cristã e muçulmana aos judeus, da inveja econômica e à competitividade tradicional e dos motivos bio-raciais e nacionalistas ideológicos, torna difícil incluir tudo isso nesse termo essencialmente errôneo. Ele traz confusão a programas de pesquisa, assim como interfere com objetivos de diferenciação. De qualquer modo, todos o usamos, simplesmente porque não elaboramos uma terminologia apropriada. Assim, mesmo sabendo que estamos falando de um absurdo quando usamos o termo, que o usemos, faute de mieux. (Bauer, 2003:1).
O anti-semitismo é um fenômeno da modernidade e tal como é hoje praticado, expressa confusa e cumulativamente tanto o antigo ódio ou desprezo aos judeus como o preconceito que deixou de ser motivado por uma apologética religiosa e entrou para a política por meio de uma modalidade "científica". O jargão negacionista e anti-semita reproduz intencionalmente atavismos discriminatórios e faz uso de simulações semânticas esdrúxulas, que servem a extremistas, de direita e de esquerda. Como propaganda continua alimentando uma retórica que se mostra especialmente exacerbada e fantasiosa junto aos grupos radicais e fundamentalistas, desde o Irã até os conhecidos Hamas, Hezbolá e Jihad Islâmica[8].

O anti-sionismo é uma heterofobia de Estado, movido pela crença na ilegitimidade de Israel, que assim personifica um judeu coletivo. Esse desvio de compreensão política se faz ouvir por vozes de intelectuais de uma esquerda supersticiosa e por seu chamado jornalismo de tendência – o melhor exemplo, no Brasil é a revista Caros Amigos; e quando não é insinuado, é defendido abertamente por uma intelectualidade orgânica ligada a esta esquerda emburrada (nos dois sentidos), que se imagina fortalecida, quando, em verdade, mostra apenas que está empanturrada do velho e pernicioso anti-semitismo.
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[1] Bartov refere-se ao testemunho de David Wodowinski, no julgamento de Adolf Eichmann, registrado na página 1117 da coletânea The Attorney General against Adolf Eichmann:Testimonies, vol. 2 (Jerusalem, 1974- hebraico), citado no livro de D. Michman, The Holocaust and Holocaust Research: Conceptualization, Terminology and Basic Issues, Tel Aviv, 1998, p. 232. Kadish é o nome da prece dedicada aos mortos, na religião judaica.

[2] Sobre os mischlinge, Ver Raul Hilberg, The Destruction of the Eurupean Jews, New-York – London, Holmes and Meyer, 1985 e mais detalhadamente, Bryan Mark Rigg, Os soldados judeus de Hitler, Imago, Rio de Janeiro, 2003.

[3] Foram mortos cerca de 18 milhões de civis europeus durante a guerra. Um em cada três era judeu.Para detalhes sobre o número de vítimas e sobre como se processou o Holocausto desde o início da guerra, cf. Raul Hilberg, op. cit. e Yehuda Bauer, A History of the Holocaust, New York, Franklin Wats, 1982.

[4] A documentação da hecatombe é vasta, bem como o testemunho de sobreviventes e de agentes do extermínio. Algumas das obras mais importantes da histografia crítica sobre o assunto estão referidas na bibliografia que acompanha os ensaios dessa coletânea.

[5] Para maiores detalhes da reunião, ver Mark Roseman, Os Nazistas e a Solução Final. A conspiração de Wanssee: do assassinato em massa ao genocídio, RJ, Jorge Zahar, 2002.

[6] Cf. Zygmunt Bauman, A Modernidade e o Holocausto, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editores, 1998. pp. 57-82.

[7] Autor de uma vasta obra sobre o Holocausto e o anti-semitismo, Yehuda Bauer escreveu, entre outros, Antisemitism today: Myth and Reality. Jerusalem: Hebrew University. Institute of Contemporary Jewry, 1985; A history of the Holocaust. New York: Franklin Watts, 1982; Jews for sale?: Nazi-Jewish negotiations, 1933-1945. New Haven: Yale University Press, 1994 e Rethinking the Holocaust,New Haven, Yale University. 2001.

[8] Deve-se registrar que há intelectuais árabes e palestinos que sempre denunciaram o anti-semitismo e o negacionismo. Um dos mais conhecidos, Edward Said, faleceu em 2003. Quanto à incorporação ideológica do anti-semitismo no mundo árabe, cito dois exemplos: o primeiro em nível programático e o segundo em nível de mídia de massa. Em 19 de agosto de 2003, um dos líderes principais do Hamas, Abdal Aziz Al Rantizi, publicou o artigo "Qual é o pior - O Sionismo ou o Nazismo?", no seu site (www.rantisi.net ) no qual cita os negacionistas Roger Garaudy e David Irving para sustentar que o Holocausto não ocorreu e que os sionistas colaboraram com os nazistas. Segundo ele, financistas judeus e bancos sionistas ajudaram os nazistas a chegar ao poder com grandes contribuições em dinheiro. O objetivo dos sionistas era, segundo Rantizi, aterrorizar os judeus a ponto de fazê-los migrar para a Palestina. No segundo caso, Em 2002, uma série em 41 capítulos foi exibida na televisão egípcia, que apresentava como verdadeiros os Protocolos dos Sábios de Sião. A imprensa egípcia registrou protestos de alguns intelectuais egípcios contra a série, que alertavam para o uso político de uma fraude e de métodos de propaganda racista, ao mesmo tempo em que configurava um erro tático, pois o Egito mantêm relações com Israel, que embora congeladas, em virtude dos últimos dois anos de sangrento conflito entre israelenses e palestinos, esse país não rompeu nem pretende romper.

Fonte: Revista Espaço Acadêmico, Nº43, Dezembro de 2004, Mensal, ISSN 1519.6186
Autor: Luis Milman(Doutor em Filosofia, professor da UFRGS)

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