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quinta-feira, 30 de julho de 2015

Futebol e Fascismo: os mundiais de Mussolini e Hitler

Seus olhares se cruzavam no plasma em câmara lenta, num plano eterno digno de um Western de Sergio Leone. Casillas frente a Buffon. Sós ante o perigo, com um muro de silêncio entre eles inquebrantável ao gritaria das arquibancadas. Nas casas, o respeitável se benzia e pensava, "outra vez nas quartas não, por deus. Outra vez não" e segurava a respiração a cada lançamento.

Árbitros fazendo a saudação fascista no Mundial de 1934
Aquelas paradas de Santo, de De Rossi e Di Natale, e aquele último penal de Cesc, acabaram por desmontar um velho mito: o da maldição das quartas, que nos condenava, verão após verão, ao frango da derrota e à depressão nacional. Desde então, e até pouco tempo, só vitória.

O velho tópico de que a história são ciclos, o mesmo que se atrevem a dizer os entendidos em economia, cumpre-se neste caso. Igual a maldição que se rompia num Espanha-Itália, este havia tido uma partida similar, só que em 1934 e em circunstâncias políticas muito diferentes.

Dizem que Benito Mussolini só havia assistido a uma partida de futebol em toda sua vida, mas isto não lhe impediu de se aperceber das possibilidades políticas e propagandísticas que o jogo da bola podia lhe proporcionar. O fascismo, desde suas origens, exaltava dentro de seus valores supremos a juventude (o hino fascista italiano, Giovenezza, era todo um exemplo disto), a ação, a força e a mesma violência. Não é de estranhar, portanto, que todos os regimes fascistas potenciaram a prática desportiva como forma de educar os jovens com visando um cumprimento melhor dos deveres para com a pátria, e como fórmula para forjar o caráter e a disciplina que, supunha-se, devia ter um "bom" fascista.

Logo o esporte, que começava a se converter num entretenimento de massas, obteve para os fascistas uma nova dimensão: igual ao cinema e outros espetáculos da moda, podia ser usado como suporte propagandístico. O doutrinamento era fundamental num regime totalitário e eles sabiam perfeitamente como chegar ao povo. Bem conhecido é o caso das Olimpíadas de Berlim, em 1936, que Hitler desenhou como a apoteose da "modernidade" hitlerista, ainda que um afro-americano, Jesse Owens, acabasse por lhe roubar o protagonismo ao se alçar pela primeira vez na história com quatro medalhas de ouro no atletismo. Mais desconhecido para o público é o uso que o fascismo italiano e o nazismo tentaram fazer do futebol: durante este artigo tentaremos recolher vários exemplos do ocorrido em torno dos encontros dos mundiais de 1934 e 1938.

A batalha futebolística do "fáscio"

Mussolini se empenhou em celebrar na Itália o segundo mundial da história, depois de não conseguir para seu país o que fora celebrado no Uruguai em 1930 e que acabaria com a vitória da própria anfitriã. Para ele, não duvidou em pressionar a Suécia, a outra candidata a albergar a competição, que acabou por ceder às pressões do gabinete do Duce: uma vez conseguida a celebração do acontecimento em terras transalpinas, só restava assegurar o sucesso da azzurra. Mussolini se dirigia a Giorgio Vaccaro, presidente da Federação Italiana de Futebol e membro do Comitê Olímpico Italiano, da seguinte maneira:

—Não sei como fará, mas a Itália deve ganhar este campeonato.

—Faremos todo o possível...

—Não me compreendeu bem, general... a Itália deve ganhar este Mundial. É uma ordem.


A vitória italiana de 1934 começaria a ser gestada desde o mesmo mundial de 1930. Depois da vitória uruguaia, diversos emissários italianos convenceriam ao argentino Luis Monti para que se filiasse pela Juventus de Turim, depois de lhe oferecer 5.000 dólares mensais de soldo, uma casa e um carro. Toda uma fortuna que o argentino não pode rechaçar. A intenção da filiação era de poder nacionalizá-lo alguns anos depois, como fariam com outros futebolistas antes do mundial. Com Monti, somariam-se seus compatriotas Atilio Demaría, Enrique Guaita e Raimundo Orsi, assim como o brasileiro Guarisi, que reforçariam a seleção azzurra. Ante as críticas recebidas por "filiar" estrangeiros, nacionalizados convenientemente pelo governo fascista, o selecionador, Vittorio Pozzo, sentenciou: "Se podem morrer pela Itália, podem jogar pela Itália".

O treinador italiano Vittorio Pozzo observa uma partida. Foto: FIFA.com
Pela primeira vez a competição se desenvolveria com um formato de eliminatórias em partida única, com prorrogação de 30 minutos e repetição do encontro em caso de continuar o empate depois da prorrogação. No mundial da Itália se reuniram 16 equipes, depois de uma fase prévia de classificação desenvolvida em diferentes regiões. Inglaterra, como já ocorrera durante o mundial do Uruguai, negou-se a participar por não ter concedido a organização do campeonato.

A Itália chegou com cartazes anunciando o campeonato, no que se representavam jovens atletas saudando com o braço alto. As partidas se iniciavam ao grito de "Itália, Duce", depois do qual, e depois de fazer a saudação fascista desde o centro do campo, os azzurri saíam disparados pela vitória. Desde o palco, Mussolini, acompanhado por hierarcas do regime e cercado por milhares de camisas negras, a milícia do partido fascista, seguia com interesse as evoluções do combinado nacional. Não podiam falar. O que para eles constituía uma pressão atroz, convertia-se em medo para seus adversários. A grande vitória fascista estava em marcha.

Na partida de estreia das quartas de final as seleções da Espanha e Itália se enfrentavam no estádio Giuseppe Berta de Florença, ante uns 43.000 espectadores desejosos de ver uma vitória italiana no encontro que acabaria por se parecer mais a uma batalha que a uma partida de futebol. Até sete espanhóis caíram lesionados numa eliminatória na qual consigna dos italianos, que levaram o jogo além dos limites do regulamento, respondia ao lema fascista: "Vencer ou morrer".

A Espanha, superior em técnica e classe à Azzurra, chegava à investida liderada pelo melhor porteiro da história até o momento, Ricardo Zamora, "o Divino" e pelo goleador Lángara, no ataque. A esquadra espanhola acabava de vencer o Brasil com um resultado de três gols a um. Durante esta partida, Zamora se converteria no primeiro goleiro a pegar uma penalidade máxima na história dos mundiais, depois de pegar um pênalti da estrela carioca, Leônidas.

Foto da seleção espanhola em 1934 com Zamora segurando a bola
"Foi um encontro espetacular, dramático e jogado com uma intensidade muitas poucas vezes vista", assim resumiria Jules Rimet, o francês inventor do negócio dos mundiais, uma partida que passaria para a história do cálcio como "A batalha de Florença".

Passou à frente do placar a Espanha com um tento de Regueiro, no minuto 31, mas ao filo do descanso os italianos conseguiram empatar com uma jogada digna do pior pátio de recreio: Ferrari arremataria ao fundo das redes um chute, não muito perigoso, enquanto Schiavio agarrava Zamora para que não pudesse bloquear o esférico. O colegiado Louis Baert, de origem belga, não quis ver a clara violação do regulamento.

A segunda parte começaria com todo um massacre nas fileiras espanholas, provocado pela violência inusitada da esquadra italiana: Zamora, Ciriaco, Lafuente, Iraragorri, Gorostiza e Lángara acabariam o encontro, depois da pertinente prorrogação, com diferentes lesões que lhes impediria de jogar a partida de desempate do dia seguinte. A pior parte ocorreria com a estrela espanhola, Ricardo Zamora, que sairia da cidade italiana com duas costelas rotas depois de uma trombada com um jogador italiano, que nem sequer fora marcada como falta pelo árbitro belga.

Imagem do gol italiano
Durante a partida de desempate os italianos seguiram a mesma estratégia: a violência como forma de parar o jogo espanhol. Desta vez foram Bosh, Chacho, Regueiro e Quincoces os lesionados ante a passividade arbitral. A injustiça chegou a seu ponto máximo quando o árbitro, desta vez o suíço René Mercet, anulou gols legais de Regueiro e Quincoces, por inexistentes fueras de jogo, enquanto validava em definitivo o tento do mítico Giuseppe Meazza, o mesmo que hoje dá nome ao estádio do Milan, apesar de que o italiano Demaría estava obstaculizando a Nogués, porteiro que substituía o lesionado Zamora.

A atuação arbitral foi tão comentada que Mercet, quando regressou a seu país, foi expulso por toda a vida da arbitragem, tanto pela FIFA como pela federação de seu país.

Em semifinais a arbitragem voltou a ser igualmente "discutida". Os italianos conseguiram com a vitória frente ao "Wunderteam" austríaco. O time maravilha, como era conhecida a excelente seleção liderada por Matthias Sindelar, nada pode fazer frente ao gol impedido que o juiz deu como válido.

A equipe austríaca, que havia extasiado meia Europa com seu jogo, voltava a seu país sem saber que Hitler se cruzaria em breve por seu caminho, rompendo a trajetória desportiva daquela legendária seleção. Mas isso contaremos mais adiante.

Em dez de junho de 1934 se celebrava em Roma a grande final do campeonato, enfrentando-se as seleções da Itália e Checoslováquia, outra seleção das que, em teoria, tinham certa superioridade sobre os transalpinos. Para a final se designou o mesmo árbitro que havia apitado as semifinais frente a Áustria, o sueco Ivan Eklind.

A seleção checoslovaca se apresentava no campeonato com uma esquadra cheia de talento, com futebolistas de grande estatura em suas fileiras como Nejedly, Planicka, "o Zamora do Leste" ou Svoboda. A Itália de Vittorio Pozzo, o inventor do sistema do catenaccio, dispôs de um sistema de jogo com posição piramidal, um 5-3-2 que os italianos denominaram "O Método".

Logo os checos mostrarem sua vontade de não ser simples convidados para a festa latina, o que fez com que se instalasse o nervosismo no palco quando, ao chegar o descanso, o marcador mostrava um empate zerado. Diz a lenda que, quando Pozzo arengava com seus pupilos no vestiário, apresentou-se um enviado do Duce com a seguinte mensagem: "Senhor Pozzo, você é o único responsável do sucesso, mas que Deus o ajude se chega a fracassar". Como contestação, 'Il vecchio maestro' se dirigiu aos jogadores com estas palavras: "Não me importa como, mas hoje devem ganhar ou destruir o adversário. Se perdemos, todos ficaremos muito mal".

No minuto 70 os checos abriram o marcador graças a um grande tento de Vladimir Puc. Três minutos depois, Svoboda acertaria a bola no travessão que pode mudar o curso da história mas Pozzo, velho zorro, fez algumas mudanças táticas que modificariam o destino do encontro. A nove minutos do final, Orsi, com um forte chute, empatou. Durante a prorrogação, Shiavio, com passe de Guaita, bateria o goleiro checoslovaco, Planicka, dando o triunfo à Itália.

A grande vitória fascista fora alcançada. Mussolini organizaria uma cerimônia para comemorar a gesta no dia seguinte, ao que os jogadores acudiram com o uniforme da partida. O Duce já tinha a vitória que aguardava com ânsia desde 1930, a vitória que permitiria exaltar, ainda mais, ante o mundo, e ante os próprios italianos sobretudo, o caráter heroico e guerreiro da "raça latina".

Depois a gesta, as benesses que o fascismo havia prometido aos jogadores se converterem, em alguns casos, em fel. Luis Monti relataria, muitos anos depois, como tudo mudou depois do mundial. Especialmente relevante foi o caso de Guaita, um dos estrangeiros filiados e nacionalizados pelo governo de Mussolini que, depois dos mimos e do sucesso, acabou sendo exilado.

Enrique Guaita jogava no Roma, mas o time favorito do fascismo era outro. A cidade de Roma se divide, ainda hoje, entre os seguidores do Roma, majoritariamente de esquerdas e do Lázio, de direitas, pelo que era lógico que a equipe escolhida pelos fascistas para encarnar seus valores fosse este último.

Vê-se que alguma mente privilegiada do fascismo, lê-se a ironia, teve uma grande ideia para desativar o Roma e que a Lazio tivesse mais fácil o caminho no campeonato. O plano era simples: mandar boa parte da equipe romana para o front, concretamente para a Abissínia, uma louca aventura imperialista com a qual o Duce pretendia reverdecer os louros do Império Romano mas que, ao contrário do que eles supunham, não estava resultando num caminho de rosas. A reação de Guiata, que queria conservar sua vida acima de tudo, foi a de fugir para a França junto com outros companheiros. Posteriormente, continuou sua carreira futebolística em seu país de origem, a Argentina.

O homem de papel que desafiou o Führer

Em 1938, o mundial seria celebrado na França, graças ao empurrão do mesmíssimo Jules Rimet. A situação política evidenciava um caminho inevitável para uma nova conflagração mundial, que em boa parte parte estava ocorrendo na Espanha seu mais imediato precedente. Por esse motivo, a seleção espanhola não pode participar do campeonato, que se viu salpicado em cada partida pelas rivalidades políticas.

Outro país que dispunha, igual com a Espanha, de um grande seleção e que não pode participar do mundial por questões políticas foi a Áustria, que havia renunciado participar estando classificada. A história do "Wunderteam" correria tragicamente paralela a de sua pequena nação.

Em 12 de março de 1938, a Alemanha de Hitler anexaria a Áustria, convertendo-a pela força em mais uma província alemã. Aquela mostra imperialista, que passaria para a história com o nome de "Anschluss", significava também a desaparição da equipe austríaca, igualmente que já havia ocorrido com todos os símbolos da independência desse país.

Matthias Sindelar durante um lance de jogo
A anexação supôs o princípio do fim da maior estrela da história do futebol austríaco, Matthias Sindelar, conhecido como "O homem de papel", pela delicadeza de seus movimentos no terreno de jogo. Sindelar gozava de uma grande fama, dentro e fora de seu país, e era o líder, tanto de sua seleção como do Áustria de Viena. Mas os nazis cruzaram seu caminho.

Restavam apenas uns poucos meses para a celebração do Mundial de 1938, quando o governo alemão pensou que, uma vez que a Áustria formava já parte da Alemanha, os melhores jogadores desse país poderiam reforçar a esquadra teutônica. O "Wunderteam", que só havia perdido quatro das últimas 50 partidas jogadas, tinha suas horas contadas. Até oito jogadores da equipe passariam a defender a camisa alemã, mas antes disso os nazis idealizaram uma parte de despedida que, por sua vez, devia se converter na grande festa da raça ariana. Evidentemente, contava com a vitória alemã.

Contudo, os de Sindelar, que em princípio jogaram aterrorizados pelo medo, decidiram não perder o único que lhes restava: o orgulho. "O homem de papel" começou a fazer das suas. Os austríacos acabariam ridicularizando com seu jogo os alemães e a partida acabariam num dois a zero para o "Wunderteam".

O momento máximo do encontro chegaria depois de um dos gols da partida, marcado pelo próprio Mathias Sindelar. Depois do tento, correria para celebrá-lo frente ao palco das autoridades, repleto de mandachuvas do partido nazi e presidido pelo próprio Führer, realizando uma dança/malabarismo que, naqueles tempos, à parte de ser algo totalmente inusual, foi tomado como uma tremenda falta de respeito e todo um desafio ao poder nazi. O atacante ficaria sentenciado por toda a vida.

Depois da partida, Sindelar se negaria a formar parte da seleção nazi no Mundial da França, para isto aludiria falsas lesões e, inclusive, chegaria a anunciar sua retirada do esporte. Desde então se converteria num indesejável para o nazismo, que não lhe permitiria nem jogar o futebol em seu país nem, muito menos, cruzar as fronteiras para competir fora.

Em 22 de janeiro de 1939 os bombeiros de Viena encontrariam seu corpo em sua casa, junto com o de sua parceira. Haviam aberto o condutor de gás para liquidar suas vidas. Ninguém sabe o que se passou ao certo, pois o caso acabou oculto. Muitos apontam a Gestapo, outros a depressão que lhe causou em não poder voltar a jogar futebol. o caso é que o totalitarismo encerrou a carreira a um dos melhores futebolistas de sua época.

Vencer ou morrer em camisa negra

Mas apesar de reforçar a seleção com os melhores jogadores da Áustria, a equipe alemã, que tantas esperanças havia dado a Hitler, não pode suceder na glória futebolística à outra potência fascista, a Itália, que seguiria reinando até depois da Segunda Guerra Mundial.

O Mundial de 1938 poderia ter sido uma oportunidade de confraternização na Europa do pré-guerra, mas foi só uma mostra a mais do frio e temível ambiente que se vivia nos países europeus durante aquele tempo: todo mundo sabia que, mais cedo ou mais tarde, a guerra acabaria por ser, outra vez, uma terrível realidade.

Assim, Mussolini, disposto a voltar a utilizar o futebol para sua política propagandística, decidiu comandar sua seleção pessoalmente. Para isto, organizou um ato no Palazzo de Venezia, no que os jogadores acudiram com o uniforme fascista, e que culminou com a vitória com um discurso ante o multidão desde a sacada.

Durante a partida de oitavas de final, contra a Noruega, os italianos realizaram a saudação fascista, também conhecida como romano, antes de começar o encontro, desatando a ira do público francês e ganhando sua animosidade para o resto do campeonato. Mas a grande contenda política teve lugar poucos dias depois, no encontro de quartas de final entre os italianos e os anfitriões do torneio, os franceses.

Mussolini não havia deixado nada ao azar assim que, para o dia no qual tinham que enfrentar seus odiados adversários, os italianos apareceriam com uns uniformes negros, em homenagem aos "camisas negras", a força paramilitar do partido fascista. O desafio, ante 61.000 espectadores franceses, e algum ou outro exilado italiano, foi total. Enfrentavam-se duas formas de ver o mundo, a fascista italiana e a República democrática francesa, num clima asfixiante que não tardaria em explodir. Quando os italianos chegaram ao centro do campo realizaram a saudação fascista, obtendo como resposta uma sonora vaia que não cessaria durante toda a partida. Apesar da pressão do público, a Itália voltaria a conseguir a vitória com um resultado de três a um.

A seleção italiana, de negro, saúda de braço erguido
Depois de vencer os brasileiros em uma das semifinais, enfrentariam na grande final a Hungria, a qual venceriam por quatro a dois, com gols duplos de Piola e Colaussi, no estádio de Colombes de Paris. Os italianos voltariam a jogar a partida com as camisas negras, símbolo de guerra do fáscio. Antes da partida, Vittorio Pozzo recebeu um telegrama pessoal por parte do Duce que rezava assim: "Vincere o morir", vencer ou morrer.

Depois de duas vitórias consecutivas na Copa do Mundo da FIFA, a Itália de Pozzo entraria para a história do futebol como uma das melhores seleções nacionais de todos os tempos. A Segunda Guerra Mundial acabaria com o reinado desta equipe, e com os mundiais durante 12 anos privando a uma grande geração de futebolistas a seguir desfrutando o que mais amavam, o futebol, e iniciando uma nova etapa na história deste esporte que, também veria como outros regimes de diversas índoles tratariam de usar a bola para seus interesses políticos. E assim, até o dia de hoje...

A seleção italiana celebra o Mundial sobre o terreno do jogo. Foto: FIFA.com
Publicado por Cristóbal Villalobos

Fonte: Jotdown site (Espanha)
http://www.jotdown.es/2013/08/futbol-y-fascismo-los-mundiales-de-mussolini-y-hitler/
Título original: Fútbol y fascismo: los mundiales de Mussolini y Hitler
Tradução: Roberto Lucena

segunda-feira, 18 de março de 2013

Áustria marca o aniversário de 75 anos da invasão de Hitler

Terça-feira, 12 de março de 2013 10:29 EDT
Tópicos: Áustria - Heinz Fischer

O Presidente da Áustria, Heinz Fischer (R) em uma
cerimônia que marca os 75 anos desde o Anschluss
em Viena em 12 de março de 2013 (AFP, Alexander Klein)
VIENA - A Áustria solenemente marcou nesta terça-feira os 75 anos desde que as tropas alemãs cruzaram a fronteira sem resistência, nas primeiras horas de 12 de março de 1938 e "anexou" o país natal de Hitler ao Terceiro Reich.

"Já na noite de 11 de março, bandeiras com suásticas estavam tremulando sobre Viena e em outras cidades, inclusive na sede da polícia em Viena ... mesmo que nem um único soldado alemão tenha colocado os pés em solo austríaco," disse o Presidente Heinz Fischer em uma cerimônia na capital.

"Logo depois mergulhamos na Segunda Guerra Mundial, com todas as suas conseqüências, e os austríacos foram maciçamente envolvidos nos crimes do nacional-socialismo. Isso tudo se tornou parte da nossa história, e este ainda é doloroso até este dia."

Três dias após a entrada de suas tropas, Hitler fez um discurso em Viena - a cidade que ele havia deixado em 1913 como um artista fracassado - para uma multidão eufórica de 250.000 pessoas. Um plebiscito logo depois selou a anexação.

Entre a vibrante comunidade judaica da Áustria, 66.000 foram posteriormente assassinados e 130 mil obrigados a fugir. Cerca de 20.000 austríacos foram mortos no "programa de eutanásia" nazista destinado a deficientes mentais e 90 por cento dos Roma e Sinti do país pereceram, disse Fischer.

Cerca de 9.500 opositores austríacos ao nazismo ou foram executadas ou morreram nas mãos da polícia secreta da Gestapo e 247.000 soldados austríacos morreram na guerra de 1939-1945, assim como 35 mil civis.

Fischer, que também lançou uma coroa de flores no monumento às vítimas do fascismo e da guerra, disse que o sistema totalitário nazista "só poderia acontecer através da cooperação de fanáticos, seguidores e colaboradores, bem como daqueles que deliberadamente fecharam os olhos".

Fonte: Agence France-Presse/The Raw Story
http://www.rawstory.com/rs/2013/03/12/austria-marks-75th-anniversary-of-hitler-invasion/
Tradução: Roberto Lucena

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Quando a social-democracia pegava em armas contra o fascismo

António Louçã, RTP
08 Fev, 2012, 19:21 / atualizado em 08 Fev, 2012, 19:50

DR
Foram precisos mais de 75 anos para um presidente austríaco promulgar o decreto que reabilita milhares de vítimas do austro-fascismo - um ato tardio de reparação por violências sofridas, mesmo se o parlamento não se atreveu a dizer a palavrinha impronunciável.

Ao austro-fascismo não pode chamar-se "austrofascismo" - embora seja uma expressão amplamente estabelecida na historiografia dos anos 30. O consenso partidário que esteve na base da aprovação do decreto cedeu à pressão do SPÖ (Partido Social-Democrata da Áustria) sobre a substância e reabilitou as vítimas. Já quanto à forma, não houve maneira de conseguir que os democratas-cristãos do ÖVP aceitassem designar a ditadura austro-fascista pelo seu nome.

O presidente da República austríaca, Heinz Fischer, promulgou o decreto e este entrará em vigor a partir de 1 de março próximo. Para muitos sobreviventes trata-se de uma reparação meramente simbólica, porque entretanto o exílio, o julgamento à revelia, a perda da nacionalidade, ou a prisão tinham ficado para trás.

Milícia socialista versus milícia fascista

A ditadura austro-fascista impusera-se pela mão do chanceler Engelbert Dolfuss, num país que era baluarte dum dos mais fortes partidos social-democratas da Europa. Os socialistas austríacos eram amplamente majoritários na classe operária e, no final da Primeira Grande Guerra, dispunham de uma milícia (RSB- Republikanische Schutzbund) que fazia sombra ao próprio exército.

Na sequência da guerra e das revoluções que sacudiram a Europa Central, tinham rompido pela esquerda com os seus congêneres alemães. Mantiveram durante algum tempo um sistema de ligações internacionais conhecido como a "Internacional 2 e meio". Só mais tarde voltariam à Segunda Internacional.

O chanceler Dolfuss, por seu lado, apoiou-se no exército, na polícia e numa milícia fascista (Heimatschutz) para reprimir o movimento operário. Em Fevereiro de 1934, duas semanas depois da greve geral portuguesa e da insurreição da Marinha Grande, ao ser assaltada uma sede social-democrata na cidade de Linz (da região natal de Hitler), a guarda da sede abriu fogo sobre os atacantes e rapidamente foi reforçada pelos operários das fábricas vizinhas.

Aí começou uma breve guerra civil, que iria durar três dias. Alastrou a grande parte da Áustria e chegou a pôr em xeque a segurança do Governo, em Viena. De um lado combatiam os social-democratas, apoiados por uim partido comunista minoritário; e do outro lutavam austro-fascistas dolfussianos, seminaristas católicos e nazis austríacos (apesar da hostilidade entre estes e os dolfussianos).

Finalmente, o exército conseguiu impor-se, utilizando artilharia pesada contra os bairros operários de Viena, e causando assim centenas de vítimas civis. Para a Checoslováquia fugiram as grandes figuras da social-democracia - Otto Bauer, Julius Deutsch e outros. Fugiram também jovens militantes, ainda sem notoriedade especial, como o futuro chanceler Bruno Kreisky. Outros foram capturados e enforcados. Alguns ficaram na prisão.

Nazis contra austro-fascistas

O autor da carnificina não ia gozar por muito tempo do seu triunfo: poucos meses depois, em julho, Engelbert Dolfuss foi assassinado por um punhado de militantes nazis que pretendiam dar um golpe de Estado e promover a anexação da Áustria pela Alemanha.

Apesar da morte do chanceler, a conjura falhou e os principais golpistas nazis foram condenados à morte e executados. Já nesse momento Hitler mandou mobilizar tropas para invadir a Áustria, mas Mussolini fez outro tanto e avisou-o que estava disposto a enfrentá-lo militarmente. A Alemanha nazi, ainda no início do seu rearmamento, emendou rapidamente a mão, desmobilizou as tropas e denunciou o levantamento dos seus sequazes austríacos.

No poder ficou um austro-fascista, continuador de Dolfuss e muito apreciado no Portugal de Salazar - Kurt von Schuschnigg. Iria durar mais quatro anos à cabeça do Estado austríaco até à invasão alemã de 1938 e ao Anschluss. Nesse momento, a relação de forças já era outra, Mussolini já estava disposto a sacrificar o pequeno país que considerava protetorado seu, Hitler já podia mandar prender Schuschnigg e homenagear, sinceramente, os nazis que mataram Dolfuss.

Mas, na alternância de austro-fascistas e nazi-fascistas, as vítimas do terror da extrema-direita iam continuar durante mais 75 anos a esperar por uma reparação. Foi essa que agora se decretou, embora sob o manto diáfano de tabus e eufemismos.

Fonte: RTP (Portugal)
http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=525431&tm=4&layout=121&visual=49

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Os que não foram heróis - parte 1

Os que não foram heróis
Por Renato Mezan

ensaio
HISTÓRIA

O gueto de Varsóvia em cena de "O Pianista", de Polanski
Psicanalista reflete sobre a submissão dos judeus ao terror nazista

À memória de David Sztulman, morí umadrichí(1)

“As idéias precedem os atos, assim como antes do trovão vem o relâmpago.”
Heine, « De l’Allemagne »

Na parede lateral da sinagoga que, na Congregação Israelita Paulista, é usada para os ofícios diários, estão gravados centenas de nomes: homenagem aos parentes dos membros da comunidade que pereceram durante a “Solução Final da Questão Judaica”, como os nazistas denominaram a mais fantástica realização dos seus doze anos de poder, nos quais não escasseiam horrores e crueldades.

Lembro-me da primeira vez em que entrei nesta sinagoga, durante os preparativos para meu “bar-mitzvá”. O mármore coberto de nomes me chamou imediatamente a atenção, e me recordo de ter pensado que o de minha avó Renata Mezan poderia estar entre eles; mas não foi da Alemanha, e sim de Milão, que ela partiu para uma morte horrenda em algum campo da Polônia.

Os nomes me fizeram pensar também na visita que Tzivia Lubetkin, uma sobrevivente do Gueto da Varsóvia, fizera à CIP poucos meses antes, e no encontro que David Sztulman, então diretor do Departamento Juvenil, organizara com ela. Tzivia Lubetkin havia sido uma importante testemunha no processo Eichmann, dois anos antes, e a este título é mencionada no livro de Hannah Arendt, Eichmann em Jerusalém – Um Relato Sobre a Banalidade do Mal, do qual voltaremos a falar. Ela nos contou sobre o Levante, sobre o heroísmo dos jovens comandados por Mordechai Anilewicz, sobre o prodígio que foram aquelas três semanas da primavera de 1943, quando algumas centenas de judeus enfim despertados da sua apatia resistiram às brigadas alemãs, até que somente uns poucos permanecessem vivos e pudessem escapar pelos esgotos.

Foi por esta época que li Mila 18, o romance de Leon Uris ambientado no Gueto. Anos depois, ao visitar Varsóvia, emocionei-me diante do monumento aos combatentes do gueto, que fica no local onde se erguia o número 18 da rua Mila, hoje uma praça(2). E sempre a mesma pergunta se apresentava diante dos meus olhos, na pequena sinagoga, ouvindo a voz pausada daquela senhora que nos falava em hebraico, em pé recitando um “Kadish” em memória daqueles milhões de mortos, ou ainda ao percorrer as alamedas silenciosas do que foi o campo de Auschwitz3, naquela mesma visita à Polônia: por que não resistiram? Por que marcharam tão passivamente para a morte? Por que somente anos depois de se iniciarem as atrocidades contra os judeus é que ocorreram episódios de resistência, entre os quais o levante? É a responder estas perguntas, ou ao menos encaminhar um esboço de resposta, que visa o presente artigo.

1. Submissão

E antes de mais nada, uma observação. A maneira como costumamos formular a pergunta inclui implicitamente uma nota de desdém, pois o “tão passivamente” nada mais é do que um eufemismo para “marcharam para a morte como carneiros para o matadouro”. Esta conotação é um insulto aos que morreram, acrescentando à sua tragédia um matiz vergonhoso que em nada nos honra, a nós, nascidos depois que tudo terminou, e que teríamos preferido que nossa história contivesse mais episódios como Metzadá (o suicídio coletivo dos combatentes contra Roma em 70 d.C.) ou como o levante do Gueto, e menos cenas como as que nos mostram os filmes sobre o Holocausto, longas filas de pessoas caminhando ordenadamente para as câmaras de gás.

Para compreender como tal coisa pôde acontecer, é preciso entrar no âmago da história, compreender o que era o regime nazista e o que fez com todos os que com ele tiveram contato, alemães e não-alemães, soldados e civis, carrascos e vítimas. Somente assim se pode vislumbrar também o significado da revolta do Gueto, e por que só após três longos anos de sofrimento é que ela pôde eclodir. Dados históricos são assim indispensáveis, mas igualmente a análise destes dados do ponto de vista psicológico, pois estamos lidando com um fenômeno de obediência coletiva a diretrizes tão absurdas, tão bárbaras e desumanas, que desafia a imaginação o simples fato de terem sido formuladas. Acusar de covardia as vítimas -pois é disso que se trata, quando vem à tona a metáfora dos carneiros- é, além de uma ofensa à sua memória, um erro grave, que provém da desinformação tanto quanto do nosso desejo de não nos identificar com elas.

É no livro de Hannah Arendt que encontro as informações necessárias para o que se segue. Enviada em 1961 a Jerusalém pela New Yorker, com a missão de cobrir o julgamento de Adolf Eichmann, ela escreveu um texto sóbrio, porém que ainda hoje se lê com emoção. O que comove o leitor é a lucidez da pensadora, as questões que ela levanta -e como as levanta- à medida que as páginas vão se cobrindo de dados precisos, cortantes, aterradores. Hannah Arendt não se furta a examinar o papel dos próprios judeus na implementação da Solução Final, sem o qual ela não teria atingido aquele grau macabro de sucesso. E do que nos conta emerge a possibilidade de compreender, como disse, o que se passava nas mentes dos que não resistiram, assim como, talvez, nas daqueles que finalmente pegaram em armas e resgataram a honra do povo condenado.

A Solução Final, ou “Endlösung”, não foi a primeira política dos nazistas em relação aos judeus. Desde a eleição de Hitler para o posto de chanceler, as medidas antijudaicas foram postas em prática com uma determinação fanática e com uma meticulosidade toda germânica. Elas atingiram primeiro os judeus da própria Alemanha, excluídos do serviço público logo nos primeiros meses do regime -o que significava abandonar cargos nas escolas e Universidades, no rádio, em entidades culturais como museus e orquestras, nos serviços médicos etc. As Leis de Nuremberg de 1935 codificaram a exclusão da “raça inferior” e criaram a figura jurídica da “Rassenschande”, o crime de contato sexual entre arianos e judeus. Estas medidas não encontraram oposição dos alemães, antes pelo contrário: obtiveram um apoio mais do que formal, a ponto de Arendt poder falar em “cumplicidade ubíqua” da população e do Estado.

Duas observações cabem aqui. A primeira é que, no contexto dos anos 30, as medidas discriminatórias eram ainda um assunto interno da Alemanha e, por mais que chocassem o mundo civilizado, foram ativamente elogiados pelos anti-semitas de outros países, especialmente na Europa do Leste, que sempre viram na cultura alemã um modelo prestigioso. Em segundo lugar, os próprios judeus alemães as aceitaram, pois reconheciam no regime nazista a legalidade e a legitimidade do Estado constituído. Aceitar, é óbvio, não significa aprovar: é claro que esperavam que um dia os nazistas fossem alijados do poder e que fossem abolidas as leis vergonhosas. Alguns perceberam as proporções do horror e emigraram, mas a maioria se adaptou ao que parecia um mal menor e, em todo caso, passageiro. “As Leis de Nuremberg privavam os judeus dos seus direitos políticos”, frisa Hannah Arendt, “mas não de seus direitos civis; eles não eram mais cidadãos (‘Reichsbürger’), mas continuavam membros do Estado alemão (‘Staatsangehörige’). Os judeus sentiam que agora haviam recebido leis próprias e que não seriam mais postos fora da lei (...). Eles acreditaram que haveria um ‘modus vivendi’ possível, e chegaram a se oferecer para cooperar com a ‘solução da questão judaica’”(4).

Esse engano nos parece hoje incompreensível, mas na época não o era. A imensa maioria dos judeus alemães, apesar do anti-semitismo difuso do último século, havia se integrado à sociedade e à cultura do país em que haviam nascido, e no qual também haviam nascido muitas gerações de seus antepassados. Orgulhavam-se das contribuições dos seus às artes, às ciências e ao progresso da Alemanha; haviam lutado lealmente por seu país na Grande Guerra, e muitos haviam sido condecorados por bravura. Consideravam-se superiores aos “Ostjuden”, ou judeus do Leste europeu, que falavam ídiche, usavam longas barbas, cachos laterais no cabelo (“peies”), casacos de cor negra e viviam num universo religioso que lhes parecia antiquado e cheio de superstições. Seu próprio ambiente religioso era na maior parte dos casos o da Reforma judaica do século XIX, isso quando não eram completamente seculares: a religião era um assunto privado ou comunitário, mas de forma alguma os impedia de levar uma vida civil em nada diferente da dos outros 80 milhões de alemães. Até os sionistas se acomodaram com as Leis de Nuremberg, embora por outra razão: viam na segregação imposta aos judeus um elemento a favor de suas idéias, um primeiro passo para a recusa da assimilação e no sentido de um despertar da consciência nacional entre os refratários à sua mensagem política.

O primeiro grande abalo nesta visão otimista veio com a Noite dos Cristais, em 9 de novembro de 1938, quando todas as sinagogas do país foram incendiadas e se quebraram milhares de vitrinas de lojas judaicas, cujos cacos no chão “brilhavam como cristais” (daí a alcunha com que ficou conhecida esta barbaridade)5. Ainda assim, a política oficial do Reich -que agora englobava a Áustria- era a de que os judeus deveriam sair do país, a fim de que este se tornasse “judenrein” (limpo de judeus). Sabemos que, apesar das extorsões financeiras e do labirinto burocrático, 150 mil judeus austríacos puderam emigrar relativamente em paz entre o “Anschluss” de março de 1938 e os primeiros meses de 1940 -Freud e sua família entres eles. Incidentalmente, era Eichmann o encarregado de negociar com os líderes da comunidade as questões de emigração; fez isso com notável eficácia, com o que veio a adquirir a fama de “perito em questões judaicas” que mais tarde o levaria chefiar o departamento encarregado da enorme tarefa de deportar milhões de pessoas para a morte no Leste.

2. Terror

“Foi com o início da guerra que o regime nazista tornou-se abertamente totalitário e abertamente criminoso”, escreve Hannah Arendt (p. 82). A invasão da Polônia colocou sob a bota alemã três milhões de judeus, cujo destino estava selado antes mesmo que as bombas acabassem de cair sobre Varsóvia. No filme “O Pianista”, de Roman Polanski, vemos a reação de uma família judia de classe média aos primeiros decretos dos ocupantes: medo, estupefação, tentativas de esconder algum dinheiro, indignação -mas principalmente inércia. Quando é formado o gueto, em outubro de 1940, os judeus vão disciplinadamente para as novas casas; assistem paralisados ao levantamento dos muros e continuam a viver como podem. Logo se instalam as doenças e a fome, mas cada um tenta prover a si e aos seus, buscando sobreviver, na esperança de que um dia aquele pesadelo chegaria ao fim.

Na Europa inteira, enquanto isso, a Wehrmacht conquistava um êxito atrás do outro. Com exceção da Inglaterra e da União Soviética, todos os países estavam sob o domínio alemão ou eram governados por regimes pró-Berlim, mesmo os neutros como Portugal, Espanha e Suíça. Nos países ocupados, colocou-se imediatamente em prática a segunda política nazista para os judeus, agora que a emigração em massa se tornara impossível: o que Arendt chama de concentração. Os judeus deviam se registrar e passavam a usar a estrela amarela; em seguida vinha a ordem para se mudarem para o gueto, que era murado e patrulhado pelas SS. Nesse processo, as lideranças judaicas colaboravam através dos “Conselhos Judaicos”, encarregados de obter os dados cadastrais e de cuidar de detalhes práticos como confisco de bens, distribuição de cartões para racionamento etc. A estes homens, sem dúvida atormentados pelas tarefas que deviam executar, parecia que estavam escolhendo o caminho da prudência, ao não confrontarem um invasor cuja crueldade e cujo total desprezo pela vida humana se manifestava diariamente, com uma ferocidade da qual ninguém julgaria capazes homens do século XX. A doutrina da superioridade racial certamente oferecia aos alemães uma boa justificativa para seus atos, e o reino do terror era implantado com uma rapidez de tirar o fôlego. Qualquer tentativa de oposição era punida com massacres e com requintes de crueldade; informantes e colaboradores abasteciam a Gestapo com o que ela precisava saber, e os judeus aceitavam, como todos os outros, a realidade pavorosa que tinha se abatido sobre eles quase do dia para a noite.
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Notas:

1 - “Meu mestre, que me mostrou o caminho.” David Sztulman, nascido na Polônia, foi por muitos anos diretor do Departamento Juvenil da CIP. Ele e sua esposa Sima despertaram meu interesse pela história e pelos valores do judaísmo e me proporcionaram alguns dos anos mais felizes de minha vida. Que este texto sirva como um testemunho da gratidão que lhes dedico.

2 - Varsóvia foi destruída durante a guerra, inclusive Stare Miesto, a cidade antiga. Seguindo planos e desenhos que puderam ser preservados, os poloneses reconstruíram as fachadas e a aparência urbana do centro histórico exatamente como eram em 31 de agosto de 1939. Mas das ruas onde ficava o gueto nada foi reconstruído: o espaço tornou-se uma praça.

3 - Auschwitz é hoje um monumento nacional polonês, dedicado à memória dos patriotas ali assassinados. Milhares de retratos cobrem as paredes do que foram os dormitórios, tendo em baixo de cada um o nome da pessoa. Não há uma única referência ao martírio dos judeus, nem nomes judaicos entre os retratos.

4 - Hannah Arendt, "Eichmann em Jerusalém: Um Relato Sobre a Banalidade do Mal" (1964), São Paulo, Companhia das Letras, 2001, p. 50 ss.

5 - A "Kristallnacht" foi desencadeada como represália ao assassinato, por um jovem judeu, de um diplomata alemão na Embaixada em Paris. O pai deste jovem depôs no processo Eichmann (cf. Arendt, op. cit., p. 248).

Fonte: Revista Trópico(UOL)
http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/1619,1.shl
Continuação:
Os que não foram heróis - parte 2

segunda-feira, 24 de março de 2008

80 mil velas pelas vítimas do nazismo

Na quarta-feira, realizou-se, em Viena, na Heldenplatz, ou Praça dos Heróis, uma vigília pelas vítimas do nazismo. Foi acendida uma vela por cada austríaco assassinado pelo regime, incluindo 65 mil judeus. O tributo realizou-se na mesma praça onde, há 70 anos, Hitler celebrou com 250 mil austríacos a anexação da Áustria pela Alemanha. "Eu estou aqui hoje, porque, tenho que admitir, estive aqui quando tinha 14 anos", disse a cidadã austríaca Renate Duchkovitsch, explicando que Hitler sabia como abusar do entusiasmo da juventude.

Mas esta é uma data importante mesmo para aqueles que ainda não tinham nascido nessa altura. "Porque eu acho incrível que a Áustria se tenha reconstruído e que se viva agora em democracia. E é importante ter consciência do que aconteceu, que nunca deve ser esquecido, nem permitido novamente", realçou Andrea Schwindner.

O aniversário da anexação ressuscitou o debate sobre se os austríacos foram vítimas ou cúmplices do nazismo. É que quando, a 12 de Março de 1938, as tropas alemãs invadiram a Áustria, foram recebidas em clima de festa.

Fonte: EuroNews(13.03.2008)
http://www.euronews.net/index.php?article=474877&lng=6&option=1
Imagem:
http://www.truveo.com/%C3%81ustria-relembra-anexa%C3%A7%C3%A3o-pela-Alemanha/id/3526825281

terça-feira, 11 de março de 2008

Áustria abre mostra sobre perseguição nazista na Ópera de Viena

Áustria abre mostra sobre perseguição nazista na Ópera de Viena
Por Paul Bolding

VIENA (Reuters) - A Áustria inaugurou nesta segunda-feira uma exposição que mostra como empregados judeus da Ópera Estatal de Viena foram alvo de expurgos durante o período de governo nazista no país. A mostra é parte das cerimônias que relembram a anexação da Áustria pela Alemanha comandada por Adolf Hitler, 70 anos atrás.

A Ópera Estatal de Viena é um dos focos dos sentimentos de culpa da Áustria do pós-Segunda Guerra Mundial pelo fato de ter aceitado rapidamente o comando dos nazistas e, após o fim do conflito, reincorporado poucos dos funcionários perseguidos durante o Terceiro Reich.

A exposição na ornamentada sede da Ópera de Viena, que tanto na época da guerra como hoje constitui parte importante da vida vienense, detalha o destino de 92 integrantes da companhia -- muitos deles, judeus -- que foram excluídos, perseguidos ou assassinados depois da anexação (ou "Anschluss", a palavra alemã que designa a incorporação da Áustria pela Alemanha em 1938).

"A Ópera é uma das instituições prontas para enfrentar seu passado, mesmo se isso às vezes for doloroso", disse o chanceler (primeiro-ministro) Alfred Gusenbauer, ao abrir a mostra. "Infelizmente, atitudes como esta ainda são exceção na Áustria de 2008."

A mostra inclui documentos recém-descobertos e revela detalhes horripilantes de como a administração rompeu os vínculos com artistas, frequentemente judeus, considerados inaceitáveis pelos nazistas,

As imagens das tropas alemãs sendo recebidas como salvadoras quando entraram no país, em 12 de março de 1938, ainda assustam muitos austríacos.

Por muito tempo, os austríacos procuraram apresentar-se como vítimas do nazismo. Mas o reconhecimento da cumplicidade com o nazismo e gestos de reparação aumentaram depois que nos anos 1980 se descobriu que o então presidente do país, Kurt Waldheim, escondeu seu passado como membro de uma corporação nazista.

Na Áustria viviam cerca de 200.000 judeus na época do Anschluss. Muitos fugiram, mas cerca de um terço morreu durante a guerra. Atualmente há apenas cerca de 10.000 judeus no país.

Fonte: Reuters(10.03.2008)
http://br.reuters.com/article/entertainmentNews/idBRN1046532720080310

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