segunda-feira, 14 de abril de 2014

A internet é perigosa para o ignorante e útil para o sábio, diz Umberto Eco

Eu não irei colocar o texto todo com a entrevista dele pois é longo e o que achei interessante no texto foi mais a parte que toca num ponto crucial da internet. O Umberto Eco tocou num problema central da web: a internet é perigosa para pessoas que não possuem critérios sobre o que ler ou que não têm interesse em aprender. E há os que tem dificuldade inclusive em achar notícias.

Acho que foi isso que ele quis dizer com a frase ao usar o termo "ignorante" e "sábio". Infelizmente é uma verdade e uma triste constatação, ele conseguiu deduzir um problema corriqueiro (e sério) do uso da rede que muita gente tenta explicar e ele detalhou a questão em poucas linhas. Isso diz respeito não só à questão do "revisionismo" como de qualquer assunto referente à política e História.

Quem quiser ler a entrevista inteira pode conferir neste link. Como não achei edição dessa entrevista em algum site estrangeiro com algo similar a esta afirmação dele (a entrevista foi exclusiva pra revista), então o jeito foi colocar este texto da revista a contragosto.

Explico o motivo do "a contragosto": eu já comentei antes que ando evitando colocar coisas publicadas pela mídia brasileira sobre esses assuntos (extrema-direita, nazismo, Holocausto etc) por considerar que o nível de partidarismo da grande mídia do Brasil (salvo exceções) chegou a um patamar crítico que já beira o descrédito quase total da mesma, além de outras questões que não vou discutir neste post. A mídia brasileira (generalizando) vive numa "bolha", alheia à realidade, parece um personagem do Show de Truman (quem não assistiu o filme pode acessar o link anterior que tem um resumo do filme, mas vale a pena assistir pois só de ver o filme entenderão a analogia), onde ela acha que manipula todo mundo subestimando o senso crítico da população. É um mau hábito adquirido desde o tempo da ditadura (1964-1985) ou antes dela.

A mídia (generalizando) age assim por algumas razões óbvias, como por saber sobre o baixo grau de erudição do povo e de uma certa aversão de muita gente em discutir civilizadamente questões políticas pra aprender etc e chegar a um denominador comum, refiro-me as pessoas comuns e não a radicais políticos. Este comportamento "autista" da mídia não anula o fato de que esta mesma população esteja desenvolvendo um senso crítico do que leem e ouvem como noticiário (é o que está ocorrendo), de forma lenta, mas está, daí o descrédito cada vez aumentando diante de mídia manipulada.

Se eu conseguir achar alguma entrevista do U. Eco similar a essa em algum site estrangeiro, eu trocarei o texto, mas por considerar que essa informação é mais importante que minha "birra" (que não é birra, é opinião formada mesmo), abrirei mais esta exceção. Mas pretendo manter a política de evitar ao extremo textos da mídia brasileira, de forma indenida, até que (quem sabe) mudem de postura e deixem o partidarismo rasteiro e alienante de lado.

Mas alguém pode chegar e dizer: "Ah, você está sendo generoso ou ingênuo ao achar que irão mudar de postura", bom, primeiro que não se trata de ingenuidade e nem de generosidade adotar essa postura, da mesma forma que não mudarem, eu também não mudo de postura e mantenho essa política de evitar textos da mídia brasileira. Até que provem o contrário, as pessoas são livres no país pra ler e repassar o que quiserem, portanto... quem não gosta, paciência. O velho e bom "bateu, levou" muitas vezes costuma funcionar.

Mas sem delongas (só que infelizmente tenho que deixar registrado a opinião acima porque de fato estou colocando isso a contragosto), segue abaixo o trecho que destaco da entrevista do Eco com uma crítica ao uso da internet, e que cabe perfeitamente ao caso brasileiro (e de maioria dos países) e o quanto se vê gente lendo bobagem sem usar uma "peneira" (critério) pra filtrar informação, achando que estão aprendendo ao repetir como papagaios panfletos e informação distorcida.
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A internet é perigosa para o ignorante e útil para o sábio, diz Umberto Eco

Em 2011, aos 80 anos, Umberto Eco concedeu uma entrevista à revista Época onde comentou sobre os prós e contras da internet como ferramenta formadora de indivíduos leitores críticos e/ou analfabetos funcionais. E sobre a acessibilidade do conhecimento possibilitada pela mesma. Confira abaixo a reprodução desta entrevista e não deixe de compartilhar conosco a sua opinião sobre o assunto.

ÉPOCA - Apesar dessas melhorias, o senhor ainda vê a internet como um perigo para o saber?

Eco - A internet não seleciona a informação. Há de tudo por lá. A Wikipédia presta um desserviço ao internauta. Outro dia publicaram fofocas a meu respeito, e tive de intervir e corrigir os erros e absurdos. A internet ainda é um mundo selvagem e perigoso. Tudo surge lá sem hierarquia. A imensa quantidade de coisas que circula é pior que a falta de informação. O excesso de informação provoca a amnésia. Informação demais faz mal. Quando não lembramos o que aprendemos, ficamos parecidos com animais. Conhecer é cortar, é selecionar. Vamos tomar como exemplo o ditador e líder romano Júlio César e como os historiadores antigos trataram dele. Todos dizem que foi importante porque alterou a história. Os cronistas romanos só citam sua mulher, Calpúrnia, porque esteve ao lado de César. Nada se sabe sobre a viuvez de Calpúrnia. Se costurou, dedicou-se à educação ou seja lá o que for. Hoje, na internet, Júlio César e Calpúrnia têm a mesma importância. Ora, isso não é conhecimento.

ÉPOCA - Mas o conhecimento está se tornando cada vez mais acessível via computadores e internet. O senhor não acha que o acesso a bancos de dados de universidades e instituições confiáveis estão alterando nossa noção de cultura?

Eco - Sim, é verdade. Se você sabe quais os sites e bancos de dados são confiáveis, você tem acesso ao conhecimento. Mas veja bem: você e eu somos ricos de conhecimento. Podemos aproveitar melhor a internet do que aquele pobre senhor que está comprando salame na feira aí em frente. Nesse sentido, a televisão era útil para o ignorante, porque selecionava a informação de que ele poderia precisar, ainda que informação idiota. A internet é perigosa para o ignorante porque não filtra nada para ele. Ela só é boa para quem já conhece – e sabe onde está o conhecimento. A longo prazo, o resultado pedagógico será dramático. Veremos multidões de ignorantes usando a internet para as mais variadas bobagens: jogos, bate-papos e busca de notícias irrelevantes.

ÉPOCA - Há uma solução para o problema do excesso de informação?

Eco - Seria preciso criar uma teoria da filtragem. Uma disciplina prática, baseada na experimentação cotidiana com a internet. Fica aí uma sugestão para as universidades: elaborar uma teoria e uma ferramenta de filtragem que funcionem para o bem do conhecimento. Conhecer é filtrar.

domingo, 13 de abril de 2014

Heidegger privado

Heidegger privado. A divulgação das cadernetas que o filósofo escreveu durante seus anos no partido nazista provoca polêmica
Luis Fernando Moreno Claros 11 ABR 2014 - 19:00 BRT

Martin Heidegger, identificado com um x, em um ato
de propaganda nazista em novembro de 1933. / Ullstein Bild
Três novos volumes pertencentes à monumental edição das obras completas de Martin Heidegger (1889-1976), aparecidos em março na Alemanha, chamaram a atenção para a personalidade e a obra do autor controverso de Ser e tempo, “protagonista supremo da filosofia do século XX” para muitos, “filósofo nazista” a secas e trapaceiro para outros. Tais volumes constituem as primeiras revelações dos chamados “livros pretos”, as cadernetas de capas de borracha preta que Heidegger usava para fazer anotações sobre seus pensamentos. Ele começou a usar este tipo de caderno em 1931 e continuou usando até pouco antes de sua morte.

Por vontade sua, as cadernetas só deveriam ser publicadas como epílogo de suas obras completas. Mantidas no Arquivo de Marbach, ninguém podia lê-las até então. O filho não-biológico de Heidegger, Hermann, proprietário do legado de seu pai, manteve um silêncio ciumento sobre o mistério do seu conteúdo; mas também deu a entender que, entre pensamentos muito valiosos para interpretar a obra de Heidegger, as cadernetas continham “respostas” que esclareceriam o seu envolvimento e ruptura com o Nacional-Socialismo. Além disso, revelaria alguma coisa a mais até então escondida? E uma pergunta candente: Heidegger era antissemita? A partir daí que os estudiosos do filósofo, e não apenas eles, esperavam com expectativa o aparecimento desses volumes. Será que vai atender a tantas expectativas?

Estes três volumes protegidos contêm a transcrição meticulosa de 14 livros negros intitulados “Reflexões”. Dos 34 conservados, ainda restam ser publicados mais 20 com títulos como “Anotações”, “Sinais” e “Noturno”, entre outros; mais 6 volumes devem sair para completar os 102 planejados para culminar na enorme “obra completa” de Heidegger. As mais de mil e seiscentas reflexões heideggerianas, a maioria numerada, que são agora são divulgadas pela primeira vez, datam do período entre 1931 e 1941; uma década maldita para os alemães e pouco encantadora para Heidegger. Hitler chega ao poder em 1933; neste mesmo ano, “o filósofo do ser”, o “rei secreto do pensamento” – era assim que os alunos chamavam o professor Heidegger – é nomeado reitor da Universidade de Friburgo. Em 1939, estoura a Segunda Guerra Mundial e, de fundo, a humilhação dos judeus, premonitória de seu extermínio.

"O pensador se emocionou com Hitler, acreditou que simbolizava uma nova era que levaria os alemães à verdade e ao orgulho"

Surpreendentemente para muitos de seus conhecidos que não viam nele um “nazista”, Heidegger comungou com os novos detentores do poder na Alemanha; não revelou nem farejou o perigo, mas muito pelo contrário. Enquanto o filósofo Jaspers, amigo de Heidegger, e muitos jovens “heideggerianos” seguidores de seus seminários – Karl Löwith, Hans Jonas, Günther Anders, Herbert Marcuse ou Hannah Arendt – ficaram chocados por aquele revés político, o novo reitor desfilava aqui e ali vestindo a águia alemã sobre a lapela; ou posava para a foto oficial da Universidade com bigode estilo Chaplin-Hitler, rosto severo de führer e olhos iluminados. Em conversa com Jaspers, que expressou que Hitler não era um homem de cultura e muito pouco se poderia esperar dele, Heidegger lhe respondeu: “Isso não importa, o senhor apenas observe suas mãos bonitas”. O “filósofo do começar” se emocionou com Hitler, acreditou que seu advento simbolizava o início de uma nova era que iria encaminhar os alemães à verdade e ao orgulho de sua existência.

Heidegger, bombástico e vazio em sua gravidade política, agiu como um pequeno ditador durante o ano em que atuou como reitor: surpreendeu a universidade. Acreditando ser um novo Heráclito, um filósofo fundador e único, conclamou os alunos a pensar tudo de novo, a “decidir” estabelecer a sabedoria e a cultura como valores absolutos que deveriam ser consagrados com fanatismo. Os outros professores e autoridades nacional-socialistas não concordavam com esse desejo tão temerário de renovação e isolaram Heidegger. Seus anseios de führer universitário, talvez até mesmo de nazista iludido, entravam em confronto com a verdade do que estava acontecendo em todos os lugares, o que não demorou a advertir, assim como confiou a suas cadernetas. Na verdade, o triunfo era do partidarismo e a bruta cultura imposta pelos vencedores – uma “cultura” de corte “popular” –; triunfavam o “ruído” e a “propaganda” (“arte da mentira”) – anotou ele. A Universidade se encontrava tomada por estudantes em uniforme das SA; era preciso medir as palavras naquela instituição transformada em “escola técnica”. Em suma, Heidegger ficou desiludido.

Em 28 de abril de 1934, ele escreveu: “Meu cargo foi posto à disposição, já não é possível uma responsabilidade. Que viva a mediocridade e o ruído!”. Heidegger estava irritado com os nazistas, embora em privado. Logo viu que o grande perigo que estava à espreita na Universidade e, por extensão, na Alemanha constituía “essa mediocridade e essa nivelação que dominam sobre todas as coisas”. Para ele, era insuportável que “professores de escolas grosseiros, técnicos desempregados e pequenos burgueses complexados se colocassem como guardiães do povo”. Em outras anotações posteriores – críticas, como todas as suas – se interrogava sobre a valentia do perguntar, tão cara à sua filosofia. “Por que falta agora no mundo a disposição de saber que não temos a verdade e que devemos perguntar de novo?”. Na época em que vive, escreve novamente, as ciências do espírito se veem submetidas a “uma visão política do mundo”, a medicina se converte em “técnica biologicista”, o direito é “supérfluo” e a teologia “carece de sentido”.

Após o fracasso de seu mandato como reitor, afastado da política (“a real política, uma prostituta”), Heidegger continuou com suas palestras e seminários. Em 1936, começou suas palestras sobre Nietzsche e a interpretar a poesia de Hölderlin. Nos livros negros de 1938 e 1939, os dois autores são onipresentes; o filósofo os via como portadores de “verdades” que os alemães não entendiam. Incompreendidos e solitários, sentia-se próximo a seus destinos: Alemanha, “povo de pensadores e poetas”, não sabe como “povo” apreciar os seus pensadores e poetas. Entretanto, começa a guerra. Heidegger, confinado à sua cabana alpina de Todtnauberg, se concentrou em suas especulações sobre a "existência" ou Dasein imerso nos entes e jejum do “ser”. Em suas notas jamais vemos um eu pessoal que expresse sentimentos; Heidegger é frio e dramático, sem um pingo de humor; só abstração e torção das ideias que saíam de sua caneta.

Algumas anotações de 1941, com ecos antissemitas, causaram polêmica na imprensa internacional. Heidegger, que nunca falou sobre o Holocausto, rejeitava as teorias raciais classificando-as de “mero biologicismo”, mas também escreveu que “... os judeus, dado o seu acentuado dom calculista, vivem desde há muito tempo segundo o princípio racial; daí que agora se opõem com tanto afinco à sua aplicação”. Outras reflexões sustentam que “judaísmo”, “bolchevismo”, “nacional-socialismo” e “americanismo” são estruturas supranacionais que fazem parte do poder ilimitado de uma “trama universal” – “Machenschaft” – a qual só move “interesses” que causaram a guerra mundial. A guerra é a consumação da “técnica”; seu último ato será a “explosão em pedaços de terra e o desaparecimento da humanidade”. Tal resultado não seria uma “desgraça”, escreve o filósofo, “porque o Ser ficaria limpo de suas profundas deformidades causadas pela supremacia das autoridades”. Em outra nota, Heidegger sentencia: “Só restam duas possibilidades ao homem espiritual ativo: estar na ponte de comando de um caça-minas ou voltar o barco do mais extremo perguntar em direção à tempestade do Ser”. Ele escolheu a segunda opção.

No fim da guerra, em 1945, Heidegger é inscrito nas milícias populares para a defesa de Friburgo, mas o Reich capitulou antes que ele pudesse travar combate; sua luta particular se seguiu depois. Rotulado de nazista, os aliados o proibiram de dar aulas. O que mais irritou a comissão que julgou a sua adesão ao nacional-socialismo foi a ausência de arrependimento por parte do famoso professor. Ele se mostrou distante, mudo. Quando voltou a ficar famoso, em vez de dizer algo contundente sobre seu passado ou os crimes nazistas, continuou guardando silêncio. Hannah Arendt atribuiu o seu silêncio enfatizando sua falta de caráter e covardia. Mas havia algo substancial por trás de semelhante silêncio? Um filósofo tão abstrato podia dar respostas claras? (“Toda pergunta, um prazer; toda resposta, um desprazer”, escreveu). Será necessário um estudo profundo dessas cadernetas negras para determinar se as reflexões trazem luz à escuridão de Heidegger. Para começar, uma frase iluminada do próprio Heidegger: “Errar é dom mais escondido da verdade”.

Fonte: El País (edição brasileira)
http://brasil.elpais.com/brasil/2014/04/09/cultura/1397054643_204960.html

Ver mais:
Heidegger privado (El País, ed. espanhola)

sábado, 12 de abril de 2014

[Pausa Musical] - Aula Espetáculo de Ariano Suassuna

Como eu coloquei o nome nesse "off topic" de "Pausa Musical" não irei alterar o nome pra adaptar pra outro assunto pois é melhor que todos esses posts "off" fiquem na mesma tag. Em todo caso, essa "pausa musical" não é sobre música e sim sobre uma aula-espetáculo dada pelo escritor, e imortal da ABL, Ariano Suassuna. Vale a pena assistir.

Uma aula da boa e autêntica literatura e cultura brasileira.

Pra quem não conhece (pois o blog é acessado por gente de vários países e podem não conhecê-lo), Ariano Suassuna é paraibano mas passou a maior parte da vida no Recife (chegou ainda adolescente). Suponho que provavelmente ele deve se identificar mais com Pernambuco que com o estado natal, embora nunca tenha renegado sua terra natal. Pra quem não conhece geograficamente e historicamente, há uma certa "simbiose" entre Pernambuco e Paraíba, principalmente na parte litorânea, embora haja diferenças, como por exemplo, nós (pernambucanos) torcemos clubes de nosso Estado e não pra clubes de outros Estados, enquanto na Paraíba a maioria da população torce pra times do Estado da maior emissora do país que ascendeu na Ditadura Militar (não vou citar o nome, quem lê dá pra deduzir qual é). O Ariano Suassuna torce também pro meu time, o que é um grande motivo de orgulho ("mal aê" pro resto de vocês, rsrsrsrs).

Sua peça mais famosas é o Auto da Compadecida, que já foi adaptada pra cinema e TV e é bem conhecida em todo o país. Ele também foi idealizador do Movimento Armorial, acho que dos anos setenta, no Recife. Dá um clique aqui e aqui pra ter uma ideia do que é Movimento Armorial.

Eu não irei discutir aqui no post minha "birra" com o termo regional pois já disse o que penso sobre isso (link) em outros posts mas falta ainda um post pra tratar do livro "A Invenção do Nordeste", ainda farei um post só tratando do assunto (algum dia, quem sabe, 2015, por aí, rs). Esses regionalismos forjados do Brasil (e esse foi criado na Ditadura Vargas) criam mais problemas do que "soluções", mitologias típicas de ideologia fascista, além de atacar a identidade de Pernambuco como Estado com significativa história e trajetória única no Brasil. Não irei abrir mão dessa identidade porque A, B ou C não gosta disso e quer massificar uma identidade oriunda de alguns Estados passando por cima até dos nomes de cada Unidade da Federação Podem ralhar e chiar pois não é algo incompatível com o Brasil (o fato de alguém se identificar com seu Estado e ser brasileiro), pelo contrário, historicamente o Brasil como nação surge em PE (Batalha dos Guararapes) (a ideia de Nação no Brasil), então dá quase no mesmo, mas fica a discussão pra outro post.

Isso não tira o mérito artístico e estético do movimento acima e da literatura criada em torno dessa ideia regional, embora não morra de amores pela ideia de divisão regional (eu detesto mesmo, por se tratar de uma imposição alheia e invenção). Essa melancolia rural tentando forjar um "bom selvagem" mitificado em contraposição a outras regiões do país (criadas na mesma época), em cima de locais que foram núcleos de colonização do Brasil (eram estados e cidades fortes) até a mudança disso em 1808 com a vinda da Coroa Portuguesa pro Brasil fugida de Portugal é um dos maiores deformadores de identidade nacional que já criaram.

Mas deixem essas divagações de lado e confiram a aula-espetáculo abaixo. Taí um Ariano que a gente deve gostar, rs.

P.S. último recado pros que ficam enchendo o saco choramingando citando as porcarias que são passadas na TV aberta brasileira (os canais com maior audiência): ao invés de ficar de choro reclamando e enchendo o saco alheio, podem ir atrás de informação sobre literatura e artes pois há cultura boa no país. Ninguém tem culpa de você não saber disso, então não reclame com afirmações de "não tem nada nesse país" por simplesmente ignorar as coisas. Agora se você espera que isso caia do céu? Continue esperando pois não vai cair, e chorando (longe). Pra quem quer algo impactante em literatura, música etc, irá encontrar sempre coisas boas, quem geralmente reclama é porque só assiste TV e fica bitolado naquele "circuito" alienante, então desligue a TV se a programação não presta. Menos choro e procurem se informar mais a respeito da cultura (literatura, música) já produzida no país.

Post começado em: 05.09.2013

Aula Espetáculo Ariano Suassuna

terça-feira, 8 de abril de 2014

O primo do antissemitismo (filossemitismo) e a mixórdia sobre cristãos-novos e a "concessão" de nacionalidade espanhola

O que significa o "palavrão" mixórdia (confira no link). O assunto dos cristãos-novos será tratado após o assunto do "primo do antissemitismo", embora haja correlação entre eles no que se refere a essa divulgação de sobrenomes de cristãos-novos em sites da web, por isso coloquei os assuntos juntos. O post fala sobre filossemitismo e divulgação errônea de coisas sobre cristãos-novos e procura da nacionalidade espanhola.
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Eu havia lido sobre isso (filossemitismo) há muito tempo, justamente porque vi postura (criando problemas, pra variar) desse tipo no Orkut, e sempre deixava a ideia pendente pra tentar postar em alguma ocasião porque o tema é delicado já que quem se enquadra no rótulo provavelmente não quererá carregá-lo, mesmo com o problema existindo. Quem nutre idolatria achará que não faz "nada demais"

O filossemitismo seria um primo não muito reconhecido do antissemitismo. Por que chamo os dois de "primos"? Um é o extremo oposto do outro, teoricamente, só que o filossemitismo acaba, conscientemente ou não, provocando reações de antissemitismo pelo ato de idolatria ou exaltação em relação a judeus. As pessoas em geral não veem com bons olhos idolatria a países e grupos sem qualquer motivo relevante aparente. A etimologia (definição do termo) de filossemita literalmente seria: filo (partidário/amigo)+semita (relativo a judeus, embora o termo seja mais amplo a "povos semitas", mas é mais usado em relação a judeus nas Américas e Europa). O "filo" também pode se comportar como sufixo como em americanófilo (em relação a norte-americanos), germanófilo (em relação a alemães), francófilo (a franceses), anglófilo (a ingleses) etc, que são os correlatos do filossemitismo só que em relação a outras nacionalidades.

Os links que coloquei acima não citam o termo como idolatria, mas eu cito o termo filossemitismo neste sentido porque é como vejo o comportamento de quem nutre isso se manifestar, não só referente ao filossemitismo como a outros países. A própria germanofilia é muito semelhante a esse comportamento (uma idolatria pela Alemanha), e muitos "revis" são germanófilos e não afirmam ou "acham" que são, chegando a confundir nazismo (ideologia política) como se fosse sinônimo de "nacionalidade alemã", não conseguindo avaliar de forma fria o papel político-histórico da Alemanha, não só no período nazista. Esse tipo de idolatria lembra aqueles fãs de banda de rock endeusando seus "ídolos", os comportamentos são bastante semelhantes.

Mas feita essas considerações, traduzo abaixo um trecho onde dois autores, totalmente distintos ideologicamente, concordam em relação a este problema que citei acima, e cito os dois pois concordo integralmente com eles neste ponto. A citação deste trecho, se eu não estiver enganado, encontrava-se no verbete da Wikipedia em inglês e foi removido dela, mas como eu lembro do trecho mais ou menos decorado, consegui achá-lo facilmente. Então segue abaixo o comentário do N. Finkelstein concordando com o Daniel Goldhagen sobre o que representa o filossemitismo pra eles:

Tirado daqui: Counterfeit Courage: Reflections on “political correctness” in Germany

Texto original:
Such venomous attacks on a Jew and the son of Holocaust survivors are altogether unique in German public life which is otherwise ever so tactful and discreet on all things Holocaust. One can’t but wonder what accounts for them. In fact, the Holocaust has proven to be a valuable commodity for politically correct Germans. By “defending” Holocaust memory and Jewish elites against any and all criticism, they get to play-act at moral courage. What price do they actually pay, what sacrifice do they actually make, for this “defense”? Given Germany’s prevailing cultural ambience and the overarching power of American Jewry, such courage in fact reaps rich rewards. Pillorying a Jewish dissident costs nothing – and provides a “legitimate” outlet for latent prejudice. It happens that I agree with Daniel Goldhagen’s claim in Hitler’s Willing Executioners that philo-Semites are typically anti-Semites in “sheep’s clothing.” The philo-Semite both assumes that Jews are somehow “different” and almost always secretly harbors a mixture of envy of and loathing for this alleged difference. Philo-Semitism thus presupposes, but also engenders a frustrated version of, its opposite. A public, preferably defenseless, scapegoat is then needed to let all this pent-up ugliness ooze out.
Minha tradução:
Tais ataques venenosos contra um judeu e filho de sobreviventes do Holocausto são absolutamente únicos na vida pública alemã, que é de outra maneira sempre tão delicada e discreta em todas as coisas sobre o Holocausto. Não podemos deixar de pensar o que pesa sobre eles. Na verdade, o Holocausto provou ser uma mercadoria valiosa para os alemães politicamente corretos. Ao "defender" a memória do Holocausto e as elites judaicas contra toda e qualquer crítica, eles conseguiram uma atuação de coragem moral. Qual o preço que eles realmente pagam, que sacrifício eles realmente fazem por esta "defesa"? Dado o prevalecente ambiente cultural da Alemanha e o abrangente poder global dos judeus norte-americanos, tal coragem, de fato, colhe recompensas. Desqualificar um dissidente judeu não custa nada - e fornece uma saída "legítima" para o preconceito latente. Acontece que eu concordo com a afirmação de Daniel Goldhagen no livro "Os carrascos voluntários de Hitler" de que filossemitas são tipicamente antissemitas em "pele de cordeiro." O filossemita assume que os judeus são de alguma forma "diferentes" e quase sempre secretamente abrigam uma mistura de inveja e de ódio para esta alegada diferença. O filossemitismo pressupõe, portanto, mas também forma uma versão frustrada disso, do seu oposto. Um público, de preferência indefeso e bode expiatório, é então necessário para deixar toda essa feiura reprimida escorrer pra fora (extravasar).
Não preciso comentar de novo que não concordo com todo posicionamento do Finkelstein (tem posts sobre ele no blog) mas acho que as acusações que fazem contra ele, por exemplo, de antissemitismo, sendo ele filho de sobreviventes do Holocausto, é politicagem grosseira. O Goldhagen também é atacado porque o livro dele, "Os carrascos voluntários de Hitler", faz uma acusação dizendo, de forma resumida (você pode ler umaa crítica do livro aqui) que qualquer alemão na Alemanha nazi seria um potencial carrasco antissemita.

Pois bem, e onde entra o filossemitismo e os cristãos-novos nisso?

Saiu recentemente uma matéria no El País, edição brasileira, que toca nesse tipo de assunto (filossemitismo) sem citar o termo filossemitismo. Antes de prosseguir, adianto que não acho que tenha havido qualquer má fé na matéria e a matéria foi informativa (cumpriu o que pretendia), mas há alguns erros sobre essas questões e há uma não citação do que ocasiona esse problema do filossemitismo no Brasil no texto e da disseminação dessa ideia em torno de sobrenomes na internet, pois ficou incompleto comentar o fato na matéria (a procura de nacionalidade espanhola por descendência sefardita), sem apontar de onde surgiu esse "interesse" dessas pessoas. Mas isso poderia ser tratado noutra matéria.

A matéria a que me refiro é essa: Seu sobrenome também está na lista (falsa) para obter o passaporte espanhol? .O assunto circulou muito no Facebook, não propriamente esta matéria do El País mas matérias correlatas (com o mesmo assunto).

Por curiosidade, quando a gente procura por genealogia na web ou mesmo o assunto cristãos-novos, logo de cara se depara com sites evangélicos (alguns até se passam por "judeus", são o que chamam ou se autodenominam como "judeus messiânicos", mas são seitas evangélicas) com sobrenomes supostamente de cristãos-novos (sobrenomes portugueses e espanhóis, alguns sobrenomes são comuns aos dois países) relatando erroneamente que quem tem sobrenome tal pode ser ou é descendente de judeus, cristãos-novos etc. Sem nem contextualizar a História. Da primeira vez que vi isso havia muitos sites religiosos (evangélicos) com isso, agora a coisa se proliferou.

A procura em demasia em torno disso se deu por conta dessa divulgação na web de forma equivocada desses sites. Isso não foi mencionado na matéria. Como eu disse acima, não era tema central dizer a origem do problema por isso pode ter sido deixado de lado essa informação que estou citando. Como a gente sabe disso? O que chegava de gente enchendo o saco no Orkut com esse bla bla bla era algo bizarro. É esse o problema da web, não dá pra se ter uma estimativa do alcance de um boato até surgir algo que atice a reação das pessoas em torno disso. Pela quantidade de procura (narrada na matéria) dá pra ver que o percentual de gente que andou lendo isso não é tão pequeno, leem e disseminam.

Há pilhas de erros nestes sites, além de raramente surgir um esclarecimento bom ao alcance de muita gente, daí a perpetuação do boato. Um dos erros desses sites é o de não comentar que muitos cristãos-novos que se converteram, ficaram de vez no cristianismo (a maioria) não retornando ao judaísmo. Sentiam-se portugueses ou espanhóis ou nativos das colônias onde se alojaram e estavam totalmente assimilados culturalmente a esses países não retornando ao judaísmo e nem se denominavam marranos, porque não seguiam o judaísmo escondidos.

Curiosamente este erro é repetido por antissemitas e neofascistas "revis", com a distorção habitual deles vendo "judeus" em tudo. Não preciso repetir que "revis" são obcecados com judeus e com as crendices antissemitas em torno desses mitos cultuados pelos "revis".

Mas voltando ao assunto. Qual a razão pros cristãos-novos ou convertidos não retornarem ao judaísmo? A principal seria: qual o interesse de uma pessoa, numa época de perseguição intensa a judeus, por motivos religiosos predominantemente, de continuar a seguir um credo religioso só por tradição, quando estas pessoas poderiam se integrar a esses países totalmente se tornando um cristão numa sociedade profundamente cristã (carola)? É isto que ocorre em Portugal e Espanha na época da expansão marítima e na colonização das Américas quando eram Impérios mercantis e marítimos (militares).

A mudança de visão de boa parte das pessoas (brasileiros) sobre judeus e judaísmo em relação a essas questões (cristãos-novos) é algo recente, não é algo antigo, por sinal, antes da internet esse tipo de assunto não devia causar qualquer "fascínio" no povo. Passaram-se séculos reprimindo a história por conta da própria assimilação, por isso é errado dizer que esse assunto era algo oculto, apenas não chamava atenção. Boa parte das pessoas não tinha acesso ou interesse nisso porque não via nada de relevante em ser ou não judeu.

Eu só ouvi falar nessa questão desses grupos evangélicos explorando esse assunto na própria internet. Assusta a abordagem dele em torno disso pois há uma mistura de crença religiosa (já citei isso em outro post) com história, o que acaba mitificando as coisas já que essas pessoas não têm interesse histórico nos assuntos e só querem "confirmar" suas crendices através da História. Essa postura deles vem de uma pregação que ocorre nos EUA dessas denominações que misturam apoio político (com destaque a Israel) com credo religioso, alguns rotulam isso nos EUA de sionismo cristão. A meu ver uma mistura bem perigosa pois se este mesmo grupo que apoia ou idolatra judeus hoje, amanhã se enfezar por algum motivo banal qualquer (quem pensa que controla fanatismo religioso quase sempre quebra a cara), tornarão-se os inimigos mais cascas-grossas que poderão se deparar.

Voltando ao assunto, a presença de cristãos-novos nas Américas, não só no Brasil, é um fato. Acabei lendo sobre isso paralelamente, pois quando a gente lê sobre Holocausto acaba checando temas correlatos pra tentar entender a razão do ódio a judeus, sendo que esse assunto tem a ver com a formação do Brasil e acho relevante que o povo entenda a história do país pra não sair propagando abobrinha fascista datada da segunda guerra. A meu ver o ódio religioso (antissemitismo religioso) teve e tem um peso considerável (a maior parte dele) na propagação do antissemitismo e estereótipos racistas até hoje.

Já vi textos de cristãos-novos no México, Peru, Venezuela, Brasil, de memória me lembro disso. O autor antissemita integralista Gustavo Barroso adora fazer firula do assunto em livros dele como "História secreta do Brasil" como se fosse algo "escondido" ou que só ele soubesse disso (mais uma desonestidade intelectual dele) distorcendo pra criar um bode expiatório (judeus) pra "explicar" com coitadismo os insucessos do país. Não é algo original, os próprios nazis faziam isso pra alimentar o ódio, mediante crenças, entre o povo.

Voltando de novo ao assunto cristãos-novos, alguns desses conversos acabavam aderindo de vez à religião nova (catolicismo) e outros mantinham a crença no judaísmo de forma oculta, uma minoria, tanto que o grupo que se denomina como marranos até hoje é muito pequeno (eu pensei que nem existiam). Os que continuavam seguindo o judaísmo ocultamente eram rotulados de cripto-judeus e/ou marranos. Mas marranos eram os que continuavam seguindo o judaísmo (escondido) não os que deixaram de vez o judaísmo, são coisas distintas. Sempre "esquecem" deste "detalhe" quando fazem matérias sobre esses temas, pelo menos das que eu já li e lembro.

Caso alguém tenha preguiça de ver o link do El País: o que acaba ocorrendo e é citado na matéria do jornal espanhol é a procura exacerbada por passaportes espanhóis (nacionalidade espanhola), por brasileiros, por conta dessas abobrinhas (bobagens) espalhadas na internet sobre conversos e sobrenomes.

Esses sites apologéticos evangélicos sobre sobrenomes de cristãos-novos, difundem de forma errônea, como já comentei, esse tipo de assunto e acabam causando mais confusão com essa questão do que esclarecendo as pessoas, que hoje, pelo antissemitismo não ser o mesmo de décadas, séculos atrás, acham que ter alguma origem judaica ao invés da portuguesa causa algum tipo de distinção, o que é uma bobagem. Pelo menos eu considero.

Este comportamento de "vergonha de ter algo com Portugal" não é um fenômeno exclusivo de brasileiros descendentes de portugueses no Brasil, há um comportamento oriundo do complexo de vira-latas onde boa parte do povo parece que tem vergonha de se dizer ou ser descendente de português e eu diria que também em relação à ascendência espanhola, só que esse em menor escala. É um comportamento que beira a idiotice (e é um complexo de inferioridade) mas existe, a matéria do El País não errou quando comentou sobre esse comportamento.

Pra frustração dessas pessoas "adeptas" do complexo de vira-latas, é bom elas entenderem o Brasil como um "Grande Portugal" (culturalmente falando), pro "bem ou pro mal". Podem ralhar e chiar à vontade, essa falta de entendimento sobre o que seja o Brasil gera esse tipo de complexo doentio e auto-depreciativo com os famosos dizeres de "Eu odeio o Brasil" etc, algo que enche o saco, essa auto-piedade não "comove" ninguém. Há mais semelhanças entre o Brasil e Portugal do que muita gente pensa, não é só pelo idioma e pela cultura herdada e pelos milhões de brasileiros descendentes de portugueses, mas isso não é assunto do post, citei a questão pra mostrar o quão é tosco essa mentalidade alienada de parte do país procurando por "raízes nobres" pra ver se levantam a "auto-estima", algo ridículo. O outro extremo desse complexo de vira-latas é o ufanismo exacerbado, dois comportamentos repulsivos e idiotas.

Voltando ao assunto (de novo), nem toda pessoa que possui algum sobrenome nessas listas tem necessariamente um ancestral judeu (converso) pois os conversos adotavam algum sobrenome de "cristãos-velhos" pra esconder a origem judaica. Havia uma distinção de grupos cristãos na época em que ocorreu essas divisões, uma espécie de preconceito que deu origem a ideia de "pureza de sangue" que os nazis séculos depois adotaram, que era a divisão entre cristãos-velhos e cristãos-novos (agora entendem porque o termo surgiu). Os cristãos-novos acabavam sendo assimilados à sociedade como cristão caso adotassem de vez o catolicismo.

Esta "busca" por retorno ao judaísmo só vai interessar a quem de fato sente alguma "necessidade espiritual/cultural" ou "identitária" de procurar raízes judaicas em épocas remotas (na colonização do Brasil etc), não creio que a maioria das pessoas sinta isso. Grupos evangélicos que cultuam o filossemitismo acabam espalhando esse tipo de informação totalmente distorcida como comentei acima.


Como dizia acima, com o tempo as pessoas esqueciam a origem judaica, até porque o biotipo das pessoas (judeus, portugueses, espanhóis), dos ditos "povos do Mediterrâneo" (da região que abrange o Mar Mediterrâneo) é próximo/semelhante e ajuda nessa assimilação étnica (pelo biotipo, aparência física). Não é tão difícil que uma pessoa vinda dessa região se assimile a qualquer país do Mediterrâneo hoje ou numa época mais remota, um italiano não teria dificuldade em "virar" português e vice-versa, um judeu ou libanês idem. Fisicamente esses povos possuem biotipos semelhantes.

Então, resumindo, as pessoas que procuraram de forma tresloucada nacionalidade espanhola por conta desses leituras enviesadas de sobrenomes supostamente de "judeus convertidos", que leram nesse tipo de site evangélico, vão em geral quebrar a cara.

Eu acho essa procura algo repulsivo pois a maioria dessas pessoas só está indo atrás da nacionalidade espanhola, porque adquirindo a nacionalidade daquele país acabam tendo acesso à União Europeia (como é dito na matéria). O interesse é meramente mercantil/material e não de busca de raízes de antepassados sefarditas (judeus ibéricos) e bla bla bla.

Não acho só a demanda/procura por isso algo repulsivo, a própria "oferta" da Espanha não é algo que eu chamaria de 'louvável' ou "nobre", parece que está se prestando um favor ou um "ato nobre" quando não há favor ou ato nobre algum, não há reparo histórico algum com essa atitude (e nem creio nisso, a meu ver estão dando por outras razões) pois as vidas tiradas de pessoas por questões religiosas e de preconceito no passado (e põe passado nisso, mais de 500 anos) não serão recuperadas com um gesto com um "atraso" de mais de meio milênio. Demoraram muito pra "reparar" erros do passado, era melhor que ficasse num discurso de perdão e uma mudança de postura com o preconceito (que há também contra brasileiros), que já estaria de bom tamanho.

Essa questão de dupla-nacionalidade também ocorreu quando a Itália e outros países nos anos oitenta ou antes, atrás de mão-de-obra no Brasil (de gente "etnicamente semelhante"), começaram a fazer esse "resgate" dos descendentes daqueles (imigrantes) que foram "expelidos" desses países por serem o "excedente" da sociedade (ou seja, a sobra, o resto, o estorvo, eram um "peso" pra esses países lá pelos idos do século XIX e até século XX).

Essas questões sempre são curiosas pois acabam discutindo aspectos da nossa própria identidade como povo. Vê-se no Brasil muita gente com "orgulho" de ter origem em "país tal" (geralmente dos que estão em boa condição social e econômica hoje, pois quando não estavam ninguém sentia "orgulho" e queriam só ser "brasileiros"), ignorando o fato de que o vovô ou tataravô (ou avó, ou tataravó) foi "expelido" desses países como "excesso ou sobra". No lugar dessas pessoas eu teria asco ou nojo de um país desses que expulsou um antepassado meu como lixo se viessem "oferecer" esse "pacote de bondades", só por uma questão biológica (de cunho racista) por alguém ser descendente de alguém vindo desses países. Essa oferta de "excesso de carinho e bondade" é no mínimo algo repulsivo (opinião pessoal). É uma questão de orgulho, não vejo com bons olhos isso, até porque o intuito disso é meramente econômico, estão atrás de mão-de-obra "etnicamente" parecida com esses países pra evitarem choques culturais por não terem muita tolerância com imigrantes de outros países.

Há um erro na matéria quando cita um caso sobre procura de nacionalidade da Polônia como se houvesse uma comparação com essa busca pela nacionalidade espanhola (decorrente do caso dos cristãos-novos etc). São coisas distintas.

Não existiu a questão dos cristãos-novos/marranos e cripto-judeus na Polônia ou no leste europeu ou mesmo em outros países europeus, esta questão dos cristãos-novos é uma questão portuguesa e espanhola por conta de suas inquisições, formação de Estado-nação (nacionalismo exacerbado) e formação de Império transnacional quando judeus acabaram sendo expulsos desses países e os que se converteram foram assimilados (a grande maioria) e só uma minoria ínfima manteve ocultamente o credo judaico. Poucos países colonizaram as Américas, o destaque fica por conta de Portugal mas mais ainda a Espanha que tinha terra do Sul até a grande parte territorial do que hoje são os Estados Unidos.

O fenômeno dos marranos/cristãos-novos e cripto-judeus são parte da História de Portugal e Espanha e principalmente de suas respectivas colônias nas Américas. Alguns grupos de conversos também fugiram pra Turquia e Norte da África, caso alguém queira ler sobre isso e algum outro país, mas sem serem algo expressivo numericamente.

O fato é que a cultura judaica na Espanha e em Portugal praticamente se extinguiu. Não houve um extermínio físico em massa, mas houve um "extermínio" cultural. É tanto que se tem a impressão que esses países nunca tiveram judeus.

Outro trecho da matéria que destaco é esse:
"“Há uma crença, de que todos os judeus são gente culta e exitosa. Isto é: ter uma origem sefardita é muito valorizado, mais ainda se a isso se soma a possibilidade de adquirir a nacionalidade europeia [...] Há como que um sentimento de orgulho em se imaginar descendente de cristãos-novos". O professor adverte ainda, que se confunde ser sefardita ou descendente de sefarditas com ser descendente de cristãos-novos que assumiram o cristianismo enquanto professavam o judaísmo em segredo (os cripto-judeus), o que pode ter aumentado o alcance da proposta."
Isto é outro estereótipo reproduzido e perigoso, sendo que não há uma distinção por parte do povo de asquenazis e sefarditas, pro povo em geral (senso comum) são "tudo uma coisa só" (judeus).

Mas vou citar 'causos' que vi no Orkut que põe em cheque totalmente esse tipo de visão. Boa parte dos judeus que vi no Orkut participando de comunidades de discussão não eram "cultos" como diz o trecho acima, pelo contrário, era o extremo oposto disto. Não chega a ser algo que me espanta pois não dou a mínima pra estereótipos, sou cético com estereótipos mesmo, não acredito em mitificações sobre pessoas. Houve uma vez uma discussão entre mim e o ex-dono de uma comuna sobre Oriente Médio (o cara era pró-Israel e chegou a dizer que iria se converter ao judaísmo) em que ele desabafando atordoado porque só via os caras tomarem "toco" dos pró-palestinos na rede (quem puxou a discussão foi ele), isto se dava pelo fato de que essas pessoas não liam praticamente nada sobre Oriente Médio pra discutirem e mesmo assim iam pra discussão, eram "vidradas" nisso mas não liam nada a não ser folhetos e sites com viés político declarado. A maioria só repetia discursos que saem em sites ligados a essas questões e fica por aí, não vão muito além disso.

Essa afirmação dele procede? Infelizmente sim. O pessoal no site do Google (Orkut) meio que se escorava em quem rebatia, no geral ficavam nisso. Não liam nada de relevante sobre o assunto a não ser cartilha ideológica de jornais ou revistas manjadas (de alinhamento à direita) e um ou outro lia algum livro mas pra reforçar pregação política, não pra discutir de fato o assunto pois quem ignora os problemas do conflito não está discutindo e sim tentando criar uma nuvém de fumaça sobre o assunto.

O que se via é que as pessoas em geral não se interessavam em se aprofundar nos assuntos, ficavam em pânico com qualquer crítica a alguma "verdade" estabelecida (na cabeça deles) enquanto o lado pró-palestino geralmente lia boa parte dos livros que saia no Brasil sobre essas questões, sendo em grande maioria composto por alguns descendentes de árabes e outros não (engajados na coisa). Ou seja, a parte intelectualizada da "peleja" era do lado pró-palestino. Por isso que toda vez que leio algo com esse tipo de afirmação de "crença de que todos os judeus são cultos" isso e aquilo, fico perplexo como levam a sério estereótipos.

Esse mito de "judeus são cultos" (de forma genérica), é mito mesmo, o certo seria dizer "alguns judeus são cultos", como existe gente culta em todo tipo de grupo. Essa exacerbação de grupos como "especiais" acaba fatalmente provocando algum preconceito. Esse tratamento como "algo especial" resvala no filossemitismo que é o problema inicial citado no post. Quase toda a discussão e citações do post são atreladas à questão do filossemitismo e os problemas derivados dele no Brasil (principalmente), apesar deu não citar o termo muitas vezes no decorrer do post após a explicação inicial.

Vejam o problema que a disseminação de informações falsas ou distorcidas (com meias verdades) podem causar. Como já disse acima, acho vergonhosa a demanda de gente atrás desses passaportes ou nacionalidade como já comentei acima (não irei repetir o comentário).

E discordo de uma parte da matéria que fala da "vontade do brasileiro em ganhar uma nacionalidade europeia", eu não tenho vontade alguma disso. E já que falaram no assunto, eu não sou muito favorável e simpático à questão da dupla nacionalidade que há no Brasil (posso estar enganado, mas acho que foi a bancada fluminense que fez isso no congresso por conta das ligações de vários deles com Portugal e da mudança que houve quando Portugal passou a ser parte da União Europeia), mas isso só pode ser mudado com outra constituição. Encontrei o ano da modificação disso, 1994, governo Itamar Franco, ler a parte de dupla nacionalidade.

Acho um absurdo haver tratamento diferenciado (discriminatório) favorável a portugueses na Constituição/legislação como se fossem nacionais, brasileiros. Não é nada contra os portugueses ou a qualquer grupo estrangeiro, a culpa não é deles, quem fez essa legislação bizarra e étnica foram brasileiros, mas se trata de uma legislação racista feita por governos de caráter nacionalista de direita (Vargas e mantida após a saída dele do poder) e mantida na constituinte de 86-88 ou acrescentada depois (ler o caso da dupla nacionalidade acima), algo com um forte apego étnico/eugênico pois ao darem privilégios a um povo em detrimento de todos os outros, há uma conotação étnica implicada nisso.

O país costuma vender como imagem no exterior a imagem de "nação multiétnica" etc, tudo balela, basta ver esses "detalhes" pra ver como a História do Brasil, principalmente quando há o deslocamento do eixo econômico do país pro Rio e depois São Paulo (séculos XIX e XX), é muito apegada a essas questões étnicas (racistas), mais do que a população em geral pensa (a maioria no fundo tem noção sobre isso).

domingo, 6 de abril de 2014

Polêmica sobre papel da França ofusca aniversário do genocídio em Ruanda

AFP - Agence France-Presse
Publicação: 06/04/2014 15:40

Os preparativos para as cerimônias lembrando o 20º aniversário do genocídio em Ruanda foram ofuscados neste domingo por novas acusações contra a França por sua suposta cumplicidade nos massacres, levando Paris a rebaixar o nível de sua representação.

A França será representada segunda na capital ruandesa, Kigali, por seu embaixador Michel Flesh, informou neste domingo o Ministério das Relações Exteriores francês, que na véspera havia anunciado o cancelamento da viagem da ministra da Justiça, Christiane Taubira.

As cerimônias, que terão como tema "Lembrança, união, renovação", vão começar na segunda e vão durar 100 dias, tempo que bastou para que 800.000 pessoas fossem exterminadas, na maioria integrantes da etnia tutsi, entre abril e julho de 1994.

"O embaixador estará presente na cerimônia presidida por Paul Kagame", presidente de Ruanda, indicou à AFP o porta-voz do Ministério francês das Relações Exteriores, Romain Nadal. Ele ressaltou que "nunca esteve em questão um boicote", após as declarações do governante ruandês.

No sábado, a França havia lamentado "não poder participar" dos eventos e cancelou a viagem de Taubira, depois que Kagame voltou a acusar a França de ter desempenhado um "papel direto na preparação do genocídio" e de ter "participado em sua execução".

A França na época era aliada do regime extremista hutu e seu papel durante o genocídio continua sendo muito controverso.

O governo francês tinha decidido cancelar sua participação nas cerimônias depois de o presidente ruandês, Paul Kagame, ter acusado França e Bélgica, antiga potência colonial, de terem tido um "papel direto na preparação do genocídio" e de terem "participado de sua execução", em uma entrevista divulgada neste domingo pela revista Jeune Afrique (África Jovem).

"A França foi surpreendida pelas recentes acusações do presidente de Ruanda [...] em contradição com o processo de diálogo e de reconciliação iniciado há vários anos entre nossos dois países", reagiu o porta-voz do Ministério francês das Relações Exteriores, Romain Nadal.

"Nestas condições, a ministra da Justiça não viajará na segunda-feira para Kigali", acrescentou.

A decisão francesa representa um novo golpe nas já difíceis relações entre ambos os países, apesar de uma reconciliação oficial em 2010.

A Bélgica também rejeitou essas acusações, mas manteve sua participação nos atos oficiais. "O que nós faremos em Ruanda é lembrar um genocídio, ou seja, manter viva a memória das vítimas, de suas famílias", ressaltou neste domingo seu ministro das Relações Exteriores, Didier Reynders. "Não prestaremos homenagem ao governo ruandês atual", esclareceu.

Ruanda, que durante anos foi beneficiada em suas relações diplomáticas pelo sentimento de culpa da comunidade internacional devido à inação diante dos massacres, tem sido muito criticada há meses, inclusive por parte de seus aliados mais próximos, como os Estados Unidos.

As autoridades do país são acusadas de desestabilizar o leste da República Democrática do Congo e de estarem envolvidas nos assassinatos ou tentativas de assassinato de dissidentes ruandeses refugiados na África do Sul. Também é criticada pela ausência de uma verdadeira democracia.

A ONU, que em 1994 foi incapaz de impedir os massacres com apenas 2.500 capacetes azuis mal equipados presentes no país, será representada no aniversário por seu secretário-geral, Ban Ki-moon. Os Estados Unidos enviaram sua representante na ONU, Samantha Power.

"A escala de brutalidade em Ruanda continua escandalizando. Foi uma média de 10.000 mortos por dia, todos os dias durante três meses", lembrou Ban neste domingo, afirmando que o impacto dos massacres continua sendo sentido "na região dos Grandes Lagos e na consciência coletiva da comunidade internacional".

No Vaticano, o papa Francisco manifestou apoio aos esforços de reconciliação e de reconstrução do país.

"Desejo expressar ao povo ruandês meu sentimento paternal e estimulá-los a manter, com determinação e esperança, o processo de reconciliação que já rendeu frutos e o compromisso em favor da reconstrução humana e espiritual do país", declarou o Papa durante o tradicional Ângelus.

Vários chefes de Estado africanos devem chegar a Kigali nos próximos dias, mas não se sabe quem chefiará as delegações da Tanzânia e da República Democrática do Congo, que mantêm relações diplomáticas tensas com Ruanda há meses.

Fonte: AFP/em.com.br
http://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2014/04/06/interna_internacional,516048/polemica-sobre-papel-da-franca-ofusca-aniversario-do-genocidio-em-ruanda.shtml

Observação: uma vez no Orkut na comunidade destinada a esse tipo de discussão, a Holocausto x "Revisionismo", um antigo forista citou esse genocídio de Ruanda como um cheque-mate no bla bla bla "revisionista", que sempre alega (apelando) que seria impossível matar tanta gente em tão pouco tempo como se não tivessem a mínima noção de como uma máquina de guerra mata. O genocídio em Ruanda foi executado com facões, de forma rudimentar e vejam a quantidade de mortos em 100 dias (800 mil pessoas).

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Einsatzgruppen: Relatório de situação operacional na URSS No. 101

Berlim, 2 de outubro de 1941

Chefe da Polícia de Segurança e do Serviço de Segurança

48 cópias
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(36ª cópia)
Relatório de situação operacional na URSS No.101

Einsatzgruppe C
Localização: Kiev

Sonderkommando 4a em colaboração com o QG do Einsatzgruppe e mais dois Kommandos do regimento de polícia do Sul, executaram 33.771 judeus em Kiev de 29 a 30 de setembro de 1941.

Einsatzgruppe D
Localização: Nikolayev

Os Kommandos continuaram a liberação (limpeza) da área de judeus e elementos comunistas. No período citado pelo relatório, as cidades de Nikolayev e Kherson, em particular, foram libertadas de judeus. Os funcionários restantes foram devidamente 'tratados'. De 16 Setembro a 30, cerca de 22.467 judeus e comunistas foram executados. Num total de 35.782. Investigações novamente mostram que os altos funcionários comunistas em toda parte fugiram para local seguro. No total, os principais partisans ou líderes de destacamentos de sabotagem foram capturados.

(The Einsatzgruppen Reports, por Yitzak Arad, Shmuel Krakowski e Shmuel Spector, editores; pág. 168)

Para informações adicionais sobre as unidades móveis de extermínio (Einsatzgruppen), e o que os Aliados haviam descoberto sobre suas operações, ler Official Secrets: What the Nazis Planned, What the British and Americans Knew (Segredos Oficiais: o que os nazistas planejaram, o que britânicos e norte-americanos sabiam), de Richard Breitman, e Ordinary Men: Reserve Police Battalion 101 and the Final Solution in Poland (Homens comuns: Batalhão 101 de reserva da polícia e a Solução Final na Polônia), de Christopher R. Browning.

Fonte: Nizkor
Título: Einsatzgruppen. Operational Situation Report USSR No. 101
http://www.nizkor.org/hweb/orgs/german/einsatzgruppen/osr/osr-101.html
Tradução: Roberto Lucena

7,5 mil militares foram perseguidos pela ditadura. Sobre o brigadeiro Rui Moreira Lima

A matéria segue abaixo pois o título dela é outro e não foi possível colocar na época que saiu o falecimento do brigadeiro Rui Moreira Lima.

Como já comentei antes aqui (conferir tag), tópicos/posts sobre História do Brasil poderão (e deverão) ser colocados neste blog pois tem correlação com o fenômeno negacionista e também por ser algo de interesse civil amplo. A ignorância da população com o assunto é muito grande e por vezes o interesse o de menos (quando deveria ser muito maior), o que gera problemas de memória histórica com aceitação de versões distorcidas fornecidas pela extrema-direita na web.

Este pouco apreço do povo pela História do país é uma falha grave do ensino brasileiro, principalmente a não abordagem forte sobre a questão das ditaduras no país.

Penso que antes de se preocuparem "tanto" (como alguns "revis" fazem, por exemplo) com as ditaduras dos países dos outros o povo deveria se preocupar em saber o que se passou aqui no país, principalmente agora que existe uma Comissão esclarecendo (pondo a limpo) em definitivo o que houve, não só sobre a ditadura militar de 1964-1985 como também abrangerá a ditadura Vargas.
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Faleceu Rui Moreira Lima, o militar que recusou a ditadura

Faleceu na madrugada desta terça-feira (13), no Rio de Janeiro, o brigadeiro Rui Moreira Lima, aos 94 anos. Ele estava internado no Hospital Central da Aeronáutica, no Rio de Janeiro, há um mês e meio, em decorrência de complicações de um AVC sofrido este ano. Ele teve uma parada cardíaca às 4h30. O corpo do militar será velado no Instituto Histórico da Aeronáutica, às 14h, e o enterro será às 16h, no Cemitério São João Batista.

Fonte: http://goo.gl/OSqaam

A reportagem é publicada pelo portal Vermelho, 13-08-2013.

Em outubro de 2012, ele prestou depoimento à Comissão Nacional da Verdade, que iniciou então um grupo de trabalho sobre militares perseguidos pela Ditadura Militar.

Herói da 2ª Guerra Mundial, com 94 missões na Europa, Moreira Lima era coronel quando foi demitido, em 2 de abril de 1964, do comando da Base Aérea de Santa Cruz, e preso por ser contra o golpe militar.

O crime de Rui Moreira Lima foi resistir ao golpe. Depois disso, Rui passou a ser um militante pela Anistia aos militares perseguidos e escreveu o best-seller "Senta a Pua!", sobre os integrantes da FAB que participaram da 2ªGM.

Cerca de 7,5 mil militares teriam sofrido algum tipo de perseguição nos anos de chumbo, segundo consultor da Comissão Nacional da Verdade, Paulo Ribeiro da Cunha.

Os depoimentos e investigações continuam nas comissões Nacional e Estadual da Verdade do Rio de Janeiro que ouviram nesta segunda-feira (12) dois militares que sofreram perseguição política e tortura durante a ditadura militar (1964-1985) por causa das preferências políticas ou discordâncias em relação a crimes cometidos pelo regime.

No dia 15 de outubro de 2012, Rui Moreira Lima, o militar que se recusou a entregar a Base Aérea de Santa Cruz ao Regime Militar, deu depoimento à Comissão Nacional da Verdade. Segue abaixo:

O Grupo de trabalho iniciou atividades no último dia 11[outubro de 2012], no Rio de Janeiro, colhendo o depoimento do brigadeiro Rui Moreira Lima, de 93 anos.

Quando o golpe militar eclodiu, em 31 de março de 1964, a quebra da ordem institucional vigente, causada pela deposição do presidente João Goulart, legalmente no poder, não foi aceita por unanimidade nos quartéis. Várias vozes se levantaram na caserna e militares que se opuseram ao golpe foram cassados, perderam salários, patentes ou foram presos por expressarem sua discordância.

Afim de recuperar essa história, a Comissão Nacional da Verdade criou um grupo de trabalho para apurar as violações de direitos humanos sofridas pelos militares que se opuseram ao golpe militar.

As atividades do GT começaram com a colheita do depoimento do brigadeiro Rui Moreira Lima, de 93 anos, herói da 2ª Guerra Mundial, que participou de 94 missões com aviões de caça na Itália. Lima contou aos membros da Comissão Nacional da Verdade José Carlos Dias e Rosa Cardoso detalhes da repressão sofrida por ele e outros colegas de farda que se opuseram ao regime. Especialistas no tema também já estão sendo ouvidos pela CNV para indicar informações sobre essa linha pesquisa.

Em seu depoimento, Moreira Lima também foi questionado a respeito dos antecedentes do golpe. Para ele, o grupo que tomou o poder à força era uma minoria dentro das Forças Armadas. Perguntado se a tese apresentada no livro "1964 – O DNA da Revolução" (dos ex-oficiais Jônathas de Barros Nunes e Gastão Rúbio de Sá Weyne), que afirma que todo o golpe foi engendrado por cerca de 300 oficiais, o brigadeiro não teve dúvidas: "não li o livro, mas os autores devem estar com a razão. Foram poucos".

Antecedentes do Golpe - "Esse golpe de 64 veio andando, andando", afirmou o brigadeiro, lembrando seguidas quebras da ordem institucional, como a junta militar que, em 1961, assumiu o poder enquanto o cargo de presidente ficou vago após a renúncia de Jânio Quadros, uma vez que João Goulart estava em visita oficial à China.

Moreira Lima foi preso três vezes: a primeira delas em 2 de abril de 1964, quando o brigadeiro foi deposto do comando da Base Aérea de Santa Cruz, pois Moreira Lima se opôs ao golpe. "Vários colegas foram presos, acusados de serem comunistas. Sempre prenderam os comunistas, desde 1930. Eu trabalhei com comunistas, na Petrobras, mas sempre fui um homem de pensamento livre. Em 64, eu fui o primeiro a ser preso que não foi os de sempre", afirmou.

Depois de ser processado, ser preso mais uma vez em 1964, e ser aposentado compulsoriamente, Moreira Lima partiu para iniciativa privada. Trabalhava com patentes em 1970, quando foi seqüestrado por uma equipe da Policia do Exército a serviço do Doi-Codi. "Quando cheguei lá, meu filho Pedro já estava sequestrado. Ordenei que ele fosse embora", disse o brigadeiro.

O filho foi liberado, mas o brigadeiro ficou três dias preso sem acusação formal, numa cama de três pernas, com colchão fino e equilíbrio precário, o que lhe causou privação do sono. "Foi tortura", afirmou o filho. "Quando eu precisava fazer necessidades, era vigiado por um soldado o tempo todo, apontando uma metralhadora", contou Moreira Lima.

Ao todo, Moreira Lima afirma que ficou 200 dias preso nos três episódios de prisão, dois em 1964 e o de 1970, além de constantes ameaças de prisão e convites para "visitar" dependências do setor de inteligência, além do constante monitoramento que causava terror à família e vizinhos.

Além do depoimento, gravado em áudio e vídeo pela Comissão Nacional da Verdade, o brigadeiro Rui Moreira Lima entregou à CNV cópias de documentos relacionados aos processos e prisões que sofreu durante o regime militar.

"Esperava muito do depoimento do brigadeiro e ficou comprovado que muitos militares sofreram violências em razão da Ditadura", afirmou o membro da Comissão Nacional da Verdade José Carlos Dias. "O depoimento do brigadeiro certamente fará parte do relatório final da Comissão e abriu vários caminhos para a investigação do GT que apurará as violações de direitos humanos sofridas por militares que se opuseram ao regime", disse Rosa Cardoso.

Na abertura da sessão desta terça (13) do grupo da Comissão da Verdade, o consultor Paulo Ribeiro da Cunha lamentou a morte e disse que o militar era uma pessoa extraordinária, que inspira o processo de luta pela verdade. "Hoje nossos trabalhos serão permeados pela emoção dessa perda".

Fonte: site Instituto Humanitas Unisinos
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/522742-faleceu-rui-moreira-lima-o-militar-que-recusou-a-ditadura

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Cordão humano no domingo para "salvar da ruína" casa de Aristides de Sousa Mendes

O objetivo é sensibilizar para o restauro do patrimônio edificado que se encontra perto da ruína total. 03/04/2014 - 11:16

A casa de Aristides de Sousa Mendes está muito degradada Nuno Alexandre Mendes
Um movimento de cidadãos está a preparar para domingo um cordão humano para "salvar da ruína" a Casa do Passal, em Cabanas de Viriato, que pertenceu ao antigo cônsul português Aristides de Sousa Mendes.

Em declarações à agência Lusa, António Gallobar, um dos impulsionadores do movimento de cidadãos que se uniu e formou nas redes sociais, explicou que esta iniciativa surge para "acordar consciências", recordando que "a Casa do Passal continua a desmoronar-se com o tempo".

"Trata-se de um grito dos cidadãos, que pretende dizer que isto não pode continuar a acontecer. A casa de Aristides de Sousa Mendes foi classificada como edifício de interesse público. No entanto, vai caindo aos pedaços", alegou.

Para António Gallobar, concretizar a recuperação da Casa do Passal é a melhor homenagem que pode ser prestada ao antigo cônsul português em Bordéus, durante a Segunda Guerra Mundial, e que resgatou 30 mil pessoas do Holocausto.

"O objetivo é sensibilizar para o restauro do patrimônio edificado que se encontra perto da ruína total, transformando a casa num museu, aproveitando a data em que se comemora a passagem do 60.º aniversário sobre a morte de Aristides de Sousa Mendes", evidenciou.

Para além do cordão humano, para a tarde de domingo, entre as 13h30 e às 17h00, está a ser preparado um conjunto de discursos alusivos à vida e obra do antigo diplomata e ainda uma homenagem com colocação de coroas de flores junto ao seu túmulo, no cemitério de Cabanas de Viriato, no concelho de Carregal do Sal, distrito de Viseu.

"Estimamos que estejam presentes cerca de duas mil pessoas, vindas de vários pontos do país e até do estrangeiro. Contamos ter no evento familiares descendentes directos do cônsul, bem como algumas figuras públicas e órgãos administrativos e de Estado", informou.

António Moncada, neto de Aristides de Sousa Mendes, confirmou que vai marcar presença na iniciativa da sociedade civil, que considera ser "uma prova espontânea de vários cidadãos que têm memória".

O familiar do antigo cônsul de Bordéus realçou que é urgente avançar com as obras na Casa do Passal, lamentando que "a dívida que o Estado tem" com o seu avô esteja a arrastar-se por tanto tempo.

"Mais do que fazer da Casa do Passal um museu, gostaríamos que fosse muito mais do que um lugar para ver fotografias. A ideia é ser também um espaço onde se debatam os direitos humanos", concluiu.

Em Setembro de 2013, foi anunciado que a Casa do Passal iria ser alvo, em breve, de obras de recuperação orçadas em 360 mil euros, para evitar a sua ruína.

Este foi um dos projetos de recuperação de patrimônio apresentados pela Direção Regional de Cultura ao Programa Mais Centro, da Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional do Centro, no âmbito do Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN).

Fonte: Público (Portugal)
http://www.publico.pt/local/noticia/cordao-humano-no-domingo-para-salvar-da-ruina-casa-de-aristides-de-sousa-mendes-1630821

quarta-feira, 2 de abril de 2014

O negacionismo e o trotskismo

O Negacionismo.
(Extrato do Pequeno dicionário para lutar contra a extrema-direita, de Martin Aubry e Olivier Duhamel. Edições du Seuil).

Os partidários desta corrente preferem dizer "revisionismo", porque é mais apresentável. A audácia de revisar. Pretendem-se como historiadores e não são mais que neonazis, ou chegam a sê-lo. Pertencem à extrema-direita e vêm com frequência da extrema-esquerda. Tem uma obsessão: a negação do genocídio judeu.

O primeiro deles foi um homem curioso. Paul Rassinier, comunista em 1923, esquerdista no começo dos anos 30, socialista depois de 6 de fevereiro de 1934, secretário da federação de Belfort, próximo a Marceau Pivert e à extrema-esquerda do partido, pacifista, não partidário de Vichy diferente de outros socialistas, participante da resistência inclusive, detido pela Gestapo em 1943, torturado, deportado para Buchenwald de onde regressou inválido. Vencido nas eleições de 1946, escreverá em 1950 um livro contestando a existência das câmaras de gás. Excluído do SFIO (Partido Socialista francês), será apoiado pela extrema-direita, Maurice Bardéche, o antissemita Henry Coston e companhia.

Se evocamos aqui a este triste personagem é porque Rassinier, o primeiro negacionista, ilustra um rasgo essencial nesta seita, a paixão anticomunista. Em seu artigo de referência, "A negação do povo judeu" (L´Histoire, nº 106, dezembro de 1987), o historiador Henry Rousso recorda justamente que os negacionistas têm em comum "uma mistura híbrida de pacifismo, antissemitismo e anticomunismo". Para constranger melhor o stalinismo é preciso absolver o nazismo ou, pelo menos, reduzir o horror e negar sua especificidade. Enquanto o antissemitismo, foi também parte de uma certa esquerda trabalhista na primeira metade do século (XX), que evoluiu até uma certa extrema-esquerda pró-palestina primeiro, antissionista de imediato.

O negacionismo não mereceria nem sequer ser mencionado se não fosse a constatação do transtorno mental de algumas pessoas supostamente cultas; se não revelasse, uma vez mais, a fragilidade intelectual e moral de inteligências elevadas, como os casos do linguista norte-americano Noam Chomsky ou do filósofo Jean Beaufret, que assumiram a defesa de Robert Faurisson e de outros "revisionistas", como sempre em nome da liberdade de expressão; se não ilustrasse, de forma paroxística, a incapacidade da sociedade francesa para ajustar contas com o período da Ocupação nazista e do colaboracionismo.

Três importantes textos analisaram esta impostura: "Les redresseurs de morts", de Nadine Fresco (Les Temps Modernes, setembro de 1980), L´Avenir d´une négation, de Alain Finkielkraut (edições du Seuil, 1982) e Los asesinos de la memoria (Os assassinos da memória), de Pierre Vidal-Naquet (La Découverte, 1987).

Fonte: site clio.rediris.es (Espanha)
Título original: El Negacionismo
http://clio.rediris.es/fichas/Holocausto/negacionismo.htm
Tradução: Roberto Lucena

Observação: há alguns pontos no texto que são controversos como a citação do Chomsky que é tratada aqui. Na verdade ele não defende o conteúdo do que o Faurisson (negacionista, de mesma linha política do Rassinier) e sim o direito dele se expressar, mesmo que pra dizer besteira, e mesmo discordando dele. Adotar essa postura, por mais críticas que alguém tenha ao Chomsky, não é o mesmo que defender o conteúdo do que ele diz.

Fora que a questão acima é bem antiga. Digo isso porque vez ou outra chega gente falando de negacionismo como se a gente tivesse lido sobre isso há uma semana e não tivesse ideia do que seja ou dessa pilha de baboseiras que esses caras soltam. Sinceramente, eu não entendo essa postura de pregação que o brasileiro (generalizando) anda adotando.

Mas voltando ao assunto (ao que interessa de fato), não traduzi o texto por isso ou por outras passagens dele e sim por conta de um problema citado no texto que descreve com perfeição uma extrema-esquerda trotskista francesa, que já foi citada aqui antes (a Velha Toupeira), visivelmente alinhada com a negação do Holocausto, antissemitismo e afins por conta da briga 'religiosa' dela (uso o termo pelo comportamento religioso, dogmático e fanático desse grupo) com o que considera 'stalinismo' ou qualquer coisa que eles relacionem a isso (remonta a briga entre Stalin e Trotsky).

Há algum tempo atrás eu não conseguia entender o real motivo da ação dessa extrema-esquerda pois não associava o trotskismo a ela, era sempre obscura a razão da ação desses elementos, mas hoje dá pra entender claramente qual a razão disso (não havia lido o texto traduzido acima antes, pelo menos se li não me lembrava dele).

Os trotskistas querendo atacar o inimigo mortal deles (que por mais absurdo que pareça, não é Hitler, os caras são tão sectários que sentem mais ódio de Stalin que de Hitler, já vi trotskista dizer isso e não me tocava do sectarismo deles), tentam atenuar os crimes dos nazis.

Agora é possível entender o comportamento de seita dessa extrema-esquerda trotskista francesa e a razão desse negacionismo dela pra tirar o caráter genocida do nazismo e jogar tudo no que eles rotulam de stalinismo, e de quebra ainda dão discurso pra extrema-direita (fascistas, neonazis etc), isso quando não mudam de lado (migram pra extrema-direita) como os Horst Mahler, Faurisson, Rassinier e cia.

Tem uma parte do texto que retrata bem o problema que é o fato desses grupos trotskistas estimularem até o ódio anticomunista pra atenuar os crimes do nazismo. Não todos, mas boa parte dos que se denominam anticomunistas, ou mais precisamente os que têm uma forte obsessão com isso, possuem fortes tendências autoritárias e sectárias.

No Brasil se vê esse tipo de extrema-esquerda que segue esse alinhamento trotskista ter quase o mesmo comportamento dessa facção francesa. Por sinal, alguns dos indivíduos mais autoritários ou 'surtados' da direita atual brasileira foram trotskistas.

Quem quiser ler mais sobre essa questão, mas não está traduzido (obviamente), em inglês, confira na página:
http://www.anti-rev.org/textes/VidalNaquet92b/part-4.html

terça-feira, 1 de abril de 2014

Morreu Jacques Le Goff, o historiador que nos explicou a invenção do Purgatório

Luís Miguel Queirós e Isabel Salema
01/04/2014 - 12:16
Mudou a percepção que tínhamos da Idade Média e escreveu várias obras que se tornaram clássicos.

Jacques Le Goff numa fotografia não datada AFP
O historiador francês que revolucionou a historiografia moderna e reabilitou a imagem da Idade Média europeia, mostrando-a como um período bastante mais dinâmico do que o humanismo renascentista quis fazer crer, morreu esta terça-feira em Paris, aos 90 anos, noticiou o jornal Le Monde.

Além de centenas de artigos, Jacques Le Goff tinha mais de 40 livros publicados, desde Os Intelectuais na Idade Média e Mercadores e Banqueiros na Idade Média, ambos de 1957 (as edições portuguesas são da Gradiva), até ao recente À la recherche du temps sacré, Jacques de Voragine et la Légende Dorée, de 2011.

Bernardo Vasconcelos e Sousa, autor da obra História de Portugal, juntamente com Rui Ramos e Nuno Monteiro, diz que Le Goff “é um dos historiadores mais importantes da segunda metade do século XX à escala mundial, sem dúvida e sem favor nenhum”. Com George Duby, outro grande historiador francês falecido em 1996, “mudou de forma radical e muito profunda a maneira de ver a Idade Média ocidental”.

O historiador francês pertencia à terceira geração de historiadores da escola dita dos Annales. A sua concepção de antropologia histórica e o seu interesse pela história da cultura e das mentalidades, de O Nascimento do Purgatório à monumental biografia do rei São Luís, distinguem-no dos modelos de interpretação social e económica de Fernand Braudel, representando um modo criativo de retomar o legado da revista fundada em 1929 por Marc Bloch e Lucien Febvre.

Sucessor de Braudel na direcção da École des Hautes Études en Sciences Sociales, publica em 1964 A Civilização do Ocidente Medieval (edição portuguesa da Estampa), uma obra que toma como objecto de estudo um vasto âmbito geográfico e um período de tempo longo e nos dá, diz Bernardo Vasconcelos e Sousa, uma nova Idade Média “combatendo quer a visão negra de uma Idade Média de ‘feios, porcos e maus’, que ainda hoje tem uma representação no discurso político ou jornalístico, quer uma imagem dourada e cor-de-rosa”, alimentada pelo romantismo. Na Idade Média que construiu, juntamente com a sua geração, “estudam-se as estruturas, as mentalidades, os valores, as representações do quotidiano”.

Se tivesse que escolher uma obra para um leitor leigo, Vasconcelos e Sousa destacaria A Civilização do Ocidente Medieval, “um livro de carácter científico que se lê como um bom romance”, um manual de história geral onde Le Goff defende a existência “de uma civilização do Ocidente medieval”, uma civilização que sucede à Antiguidade Greco-Romana e antecede o mundo moderno.

O historiador da Universidade Nova de Lisboa cita também O Nascimento do Purgatório (a obra que o próprio Le Goff preferia entre as outras) como “um livro magistral”, onde se analisa a criação, a invenção, do Purgatório, sobretudo a partir do século XII, como lugar intermédio entre o céu e o inferno: “Mesmo que não se esteja em condições de aceder de imediato à harmonia celestial há uma lugar intermédio, de esperança, que possibilita que se venha a aceder ao céu. É uma sociedade que se está a diversificar, a complexificar e isso teve consequência na estruturação do pensamento e da devoção cristãos.”

Na obra Para um Novo Conceito da Idade Média, onde junta vários pequenos estudos, Vasconcelos e Sousa destaca um intitulado “O tempo da Igreja e o tempo do mercador”, em que o historiador francês compara e contrapõe uma representação da vivência do tempo por parte da Igreja, de um tempo cíclico das horas litúrgicas, dos ciclos naturais, a um tempo quantificado dos mercadores, um tempo linear, um tempo que é dinheiro: “Esse tempo começa a fazer a sua afirmação a partir do século XIII e XIV, passando pela sua materialização, quantificado já não pela sucessão das horas diárias, pelo bater do sino das igrejas, mas pelo relógio mecânico que começa a surgir precisamente nas cidades ao longo do século XIV.”

Na sua abordagem antropólogica, na sua ambição de abarcar o homem em todas as suas dimensões, Le Goff construiu uma história das mentalidades medievais em que mostrou como estavam então interligados domínios aparentemente tão distantes como a teologia ou o comércio.

Esta diversificação dos temas, que abriu muitas linhas de investigação, dá uma ideia, diz Vasconcelos e Sousa, “da revolução que houve nos estudos medievais, de que Le Goff e Duby foram mais directamente responsáveis”.

A nova história

Nos anos 70, coordena duas obras colectivas de grande envergadura que se tornarão as referências teóricas da Nouvelle Histoire, a corrente historiográfica que funda com Pierre Nora, e que procurará levar mais longe a herança dos Annales: os três volumes de Fazer História (1974), e A Nova História, em colaboração com Jacques Revel (1978). A primeira foi traduzida pela Bertrand e a segunda pelas Edições 70.

Num artigo de 2010 que a edição on line do jornal Le Nouvel Observateur recuperou a propósito da morte de Le Goff, André Burguière defende a tese de que, tal como os alemães têm de ter, em cada época, um grande filósofo, os franceses “querem ter um grande historiador que o mundo inteiro lhes inveje”. E acrescenta que desde a morte de Fernand Braudel esse historiador era Jacques Le Goff.

Burguière lembra que Le Goff sempre se reclamou da lição de Marc Bloch, co-fundador da revista Annales e pioneiro em contrapor à historiografia convencional do feudalismo uma abordagem sociológica. Mas as investigações de Bloch e dos seus discípulos focavam-se essencialmente na história rural e agrícola. Caberá a Le Goff propor uma história da cidade medieval, já anunciada nos títulos dos seus primeiros livros, que evocam, com um sabor deliberadamente anacrónico, os intelectuais e banqueiros da Idade Média. Le Goff, diz Burguière, “combate o lugar-comum que identifica a herança da Idade Média com o mundo rural”.

Quando recebeu, em 2004, o prestigiado prémio Dr. A. H. Heineken de História, atribuído pela Academia Real das Artes e Ciências dos Países Baixos, a declaração do júri dizia que Le Goff “mudou a nossa percepção da Idade Média”.

Le Goff punha mesmo em causa as cronologias tradicionais, defendendo que a Idade Média correspondia a todo o período durante o qual a Igreja e a respectiva doutrina tinham sido consideradas como a fonte da verdade, um estado de coisas que só teria verdadeiramente sido posto em causa, na efera económica, com a revolução industrial iniciada em Inglaterra em meados do século XVIII, e também, na ordem das mentalidades, com a Revolução Francesa.

Ou seja, teríamos uma Idade Média que se estenderia até à primeira metade do século XVIII e que, desde o século IV teria tido, diz Le Goff numa entrevista ao mesmo André Burguière, “várias fases de progresso que se podem qualificar como renascenças”, do desenvolvimento das cidades à criação das universidades. Le Goff crê ainda que uma das mais fundas dívidas do sujeito moderno ao cristianismo medieval é o reconhecimento da “noção de interioridade”, que este favoreceu.

De Ivanhoe aos Annales

Filho de um professor de inglês, Jacques Le Goff nasceu no dia 1 de Janeiro de 1924 em Toulon, no sul de França, onde fez os estudos liceais e teve como professor o historiador Henri Michel, que depois se tornaria um especialista na história da Segunda Guerra. Le Goff referir-se-ia sempre com veneração a Henri Michel, cujo magistério terá contribuído para que se tornasse historiador.

Mas Toulon, dirá mais tarde Le Goff, era uma cidade profundamente racista, e o estudante ficou satisfeito quando teve de se mudar para a mais cosmopolita Marselha, com o seu porto de mar e a sua população multiétnica.

Frequenta em Marselha os estudos preparatórios de acesso ao ensino superior, mas vai pouco às aulas. Convocado para o “serviço de trabalho obrigatório”, vulgo STO, imposto pela Alemanha nazi ao governo de Vichy, foge e junta-se à Resistência. Leitor compulsivo e omnívoro, devora os romances históricos de Walter Scott, como Ivanhoe, cuja influência na sua decisão de se tornar medievalista ele próprio não descartará.

No pós-guerra, estuda literatura, mas acabará por se licenciar em História. Em 1947, prossegue os seus estudos na universidade de Praga, onde assiste, no ano seguinte, à invasão soviética que poria fim à Primavera de Praga. Le Goff dirá mais tarde que foi esta “vacina” que o imunizou definitivamente contra o comunismo.

Concluídas as provas de agregação em 1950, torna-se professor e começa por dar aulas num liceu de Amiens, vai depois para a Universidade de Oxford como bolseiro, e em 1954 assume funções docentes na universidade de Lille.

Em 1958 conhece o historiador Maurice Lombard, especialista no Islão medieval, um encontro que se revelará. Le Goff dirá sempre que foi com Lombard que mais aprendeu, e foi também ele que o apresentou a Braudel, que após ter lido as primeiras obras do jovem historiador, lhe arranja um lugar de assistente na prestigiada VI secção (ciências económicas e sociais) da École Pratique d’Hautes Études, que então dirigia.

Em 1969, Le Goff torna-se co-director da revista Annales e, em 1972, sucede a Braudel na presidência da VI secção da École Pratique d’Hautes Études.

Grande comunicador, estreia-se em 1968 no programa radiofónico Les Lundis de l’Histoire, que ainda hoje é emitido pela France Culture, e com o qual Le Goff colaborou até ao final da vida.

Fonte: Público (Portugal)
http://www.publico.pt/cultura/noticia/morreu-o-historiador-jacques-le-goff-1630555

Extrema direita avança, e socialistas veem derrota como 'tapa na cara' na França

Daniela Fernandes
De Paris para a BBC Brasil
Atualizado em 31 de março, 2014 - 18:20 (Brasília) 21:20 GMT

Marine Le Pen (à esq.), líder da Frente Nacional
(extrema direita), disse que demonização do partido acabou
Steeve Briois (à direita), o prefeito recém-eleito de Henin-Beuamong, abraça Marine Le Pen, a líder da Frente Nacional, de extrema direita, na França; cidade é tradicional reduto socialista que enfrenta desemprego de 18%

Os socialistas franceses sofreram uma derrota histórica nas eleições municipais encerradas no domingo, marcadas por votos de protesto contra a política do presidente François Hollande.

A direita tradicional conquistou bastiões históricos da esquerda na França. A Frente Nacional, da extrema direita, conseguiu eleger 13 prefeitos (entre eles o do distrito mais populoso de Marselha, uma vitória significativa) e quase 1,4 mil vereadores em todo o país, um recorde.

"Entramos em uma nova fase, a de acesso ao poder. O processo injusto de demonização do partido na sociedade acabou", disse Marine Le Pen, presidente da Frente Nacional.

O Partido Socialista (PS) perdeu o comando de 155 cidades com mais de 9 mil habitantes, sendo 68 delas com mais de 30 mil habitantes e dez cidades com mais de 100 mil habitantes, segundo dados do ministério do Interior.

'Tapa na cara'

"É um tapa na cara sob a forma de uma severa advertência", afirmou a socialista Ségolène Royale, que disputou as eleições presidenciais em 2007.

"Essa é a pior eleição municipal da história da esquerda francesa. É o desabamento de uma parte do socialismo na esfera municipal", disse Frédéric Dabi, diretor do instituto de pesquisas de opinião Ifop.

Na França, os prefeitos não são eleitos diretamente. A população elege listas de vereadores que, por sua vez, escolherão o prefeito. O país possui cerca de 36 mil municípios, e até mesmo vilarejos com algumas dezenas de habitantes elegem prefeitos e vereadores.

As listas que obtêm pelo menos 10% no primeiro turno têm o direito de disputar o segundo, o que permite haver vários candidatos na disputa final.

O PS do presidente François Hollande conseguiu manter algumas grandes cidades, como Paris (que será pela primeira vez comandada por uma mulher, a socialista Anne Hidalgo), Lyon, Lille, Estrasburgo e Rennes, e conquistou apenas três prefeituras até então sob o poder da direita, entre elas Avignon.

Mas os socialistas perderam dezenas de municipalidades importantes para a direita e seus aliados do centro, como Toulouse, quarta maior cidade do país, e também bastiões históricos, como Limoges (comandada pela esquerda desde 1912) ou ainda Angers e Belfort, dirigidas pelos socialistas desde 1977.

Para analistas, o resultado em Paris é um "paradoxo nacional". A candidata socialista vai suceder o socialista Bertrand Delanoë, que criou os sistemas de aluguel de bicicletas e de carros elétricos, a chamada "praia de Paris", situada à beira do Sena, o evento da "noite em claro", onde os museus ficam abertos toda a madrugada e que deixa um balanço de governo, considerado, em geral, positivo.

'Derrota coletiva'

Vitória da socialista Anne Hidalgo, em Paris, foi um
dos poucos êxitos do partido do presidente François Hollande
A nova prefeita eleita de Paris, Anne Hidalgo, e o ex-prefeito Bertrand Delanoe (à esquerda) celebram a vitória em frente à Prefeitura de Paris (Getty Images)brate in front of the City Hall of Paris, after she won the second round of the French municipal elections on March 30, 2014

Em Quimper, na Bretanha, o prefeito socialista, que também atua como conselheiro de Hollande, não conseguiu se reeleger.

Os socialistas perderam ainda cidades para a própria esquerda, como Grenoble, onde a disputa foi vencida pelo Partido Verde, ou Montpellier, conquistada por um dissidente socialista.

"Essas eleições foram marcadas pelo desafeto significativo das pessoas que confiaram em nós em 2012 (nas presidenciais)", declarou no domingo o primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault, acrescentando que a derrota socialista "é uma responsabilidade coletiva".

"O presidente vai tirar as lições dessa eleição municipal", disse Ayrault, que foi substituído no cargo mais rápido do que o previsto. Hollande nomeou já nesta segunda-feira um novo primeiro-ministro: Manuel Valls, que era o ministro do Interior.

Hollande registra o pior índice de popularidade de um presidente em mais de 50 anos, com apenas 22% a 25%, segundo pesquisas.

Para complicar ainda mais as chances dos socialistas no segundo turno, foi anunciado na semana passada um novo aumento da taxa de desemprego na França.

"Por uma cruel ironia da história, Hollande se tornou o coveiro do que ele mesmo construiu", escreve o jornal Le Monde em um editorial intitulado "A queda do socialismo municipal".

"Durante os 11 anos em que Hollande dirigiu o partido (entre 1997 e 2008), os socialistas colecionaram vitórias em eleições cantonais e regionais, arrancaram Paris e Lyon da direita e conquistaram 44 cidades de mais de 20 mil habitantes", diz o jornal, acrescentando que a "poderosa rede de políticos municipais" constituída ao longo dos anos "desabou abruptamente".

Foi graças a essas rede de eleitos municipais que o Senado francês passou, em 2011, pela primeira vez em sua história, a ser comandado pela esquerda, já que os vereadores integram parte do colégio eleitoral que elege o senado (também é uma votação indireta).

Riscos no Senado

Além do remanejamento do gabinete de governo de Hollande nesta semana, a derrota nas municipais têm outro impacto importante: os socialistas correm o forte risco de perder o comando do Senado em setembro.

"O Senado deverá passar novamente para a direita", estima Jean-François Copé, secretário-geral do UMP (partido do ex-presidente Nicolas Sarkozy). Segundo ele, o UMP se tornou o "primeiro partido da França" após as municipais.

De acordo com o Ministério do Interior, a direita tradicional obteve 45,91% dos votos nas eleições municipais e, a esquerda, 40,57%.

A Frente Nacional (FN), de extrema direita, obteve 6,84%. O restante foi registrado por listas de candidatos sem filiação partidária.

A votação também foi marcada por uma taxa de abstenção recorde, de 36,3% no segundo turno, o que revela, segundo analistas, o "desafeto" dos franceses em relação à classe política.

Extrema direita

As eleições municipais também reforçaram a consolidação da extrema direita como terceira força política da França, na avaliação de analistas.

É certo que o avanço da FN não foi tão grande como inicialmente estimado após o primeiro turno. O partido participou de mais de 200 disputas de segundo turno no país, algo jamais visto.

Apenas 12 cidades mais um distrito de Marselha (o mais populoso, com 150 mil habitantes) foram conquistados, mas os resultados se inserem totalmente na nova estratégia do partido: se estabelecer em nível municipal para ampliar, progressivamente, suas chances na disputa presidencial (Marine Le Pen, a líder do partido, obteve 17% nas presidenciais de 2012, sendo a terceira colocada).

Como os cargos de vereadores são distribuídos proporcionalmente aos resultados na votação (mesmo derrotado para o comando da prefeitura, um partido pode eleger vários vereadores), a Frente Nacional conseguiu eleger 1,4 mil vereadores.

Em algumas cidades, o partido chegou a obter 30% dos votos no segundo turno. A FN conseguiu se firmar com vereadores em localidades onde jamais esteve presente, como na Bretanha, em cidades operárias com altas taxas de desemprego.

Fonte: BBC Brasil
http://www.bbc.co.uk/portuguese/ultimas_noticias/2014/03/140331_franca_eleicao_bg.shtml

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