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quarta-feira, 15 de julho de 2015

O fotógrafo do horror. A história de Francisco Boix e as fotos roubadas das SS em Mauthausen

O fotógrafo do horror. A história de Francisco Boix e as fotos roubadas das SS em Mauthausen
Benito Bermejo

Prólogo de Javier Cercas. RBA. Barcelona, 2015. 267 páginas.

RAFAEL NUÑEZ FLORENCIO | 22/05/2015 | Edição impressa


As relações entre memória e história deram lugar nos últimos tempos a inflamados debates em muitos países. Se a controvérsia toma centro da chamada "memória histórica" - um oximoro, segundo reputados historiadores - as posições se fazem mais irredutíveis. Na Espanha a polêmica se concentra na repressão da guerra civil e no pós-guerra, mas não tem sido só uma discussão teórica ou acadêmica como mostram as disposições políticas adotadas sob o governo Zapatero e os diversos movimentos cidadãos que reivindicam a exumação de fossas comuns. Nesse ambiente pode se entender o impacto - não isento de ressentimentos e desaprovações - de uma obra inclassificável como "O impostor" (El impostor)), de Javier Cercas, que só de uma perspectiva modesta pode qualificá-la como novela.

Os leitores que conhecem o livro de Cercas sabem que de certo modo o personagem principal é o próprio autor, que se planta um desafio que, envolto em formas literárias, nada tem a ver com a ficção e sim muito com a maneira de recuperar o passado, real e conflitivo, que ainda gravita sobre nosso presente e nosso futuro. Do ponto de vista narrativo o protagonista do livro de Cercas é Enric Marco, mas este não tinha importância alguma nesse contexto senão fora porque foi desmascarado como impostor por alguém que toma a iniciativa de encaixar as peças do passado buscando algo tão sensível mas tão desacreditado nesses "tempos líquidos" como a verdade. Esse alguém é um modesto historiador chamado Benito Bermejo (Salamanca, 1963) que, paradoxo do mundo que vivemos e das promoções publicitárias, adquire por ele uma inesperada relevância. Até tal ponto que se reedita agora - com prólogo de Cercas - um velho livro seu de 2002, que havia passado inadvertido em seu momento, sobre um dos espanhóis de Mauthausen, Francisco Boix (1920-1951).

Se bem é verdade que a editora aposta agora no livro de Bermejo e os meios lhe prestam a atenção que antes negaram, não é menos certo - u deve ficar claro num exame crítico - que o volume que nos ocupa é um trabalho excelente que mostra sem veladuras o horror do campo de concentração no qual foram parar (e, numa porcentagem elevadíssima, a morrer) a maioria dos espanhóis que haviam atravessado os Pirineus depois da guerra civil. Para dissecar este aterrador panorama o autor põe seu foco de atenção nas andanças de Boix, de maneira que o volume pode ser lido ao mesmo tempo como uma biografia da curta trajetória deste fotógrafo catalão, um testemunho das personalidades que sofreram os reclusos (não só os espanhóis) e uma denúncia detalhada da crueldade da maquinária nazi.

Ainda que a fotografia pareça ser mero completo documental, neste caso e por tudo o que foi dito não deve se deixar num segundo plano, pois constitui o material mesmo que está na origem e no núcleo do testemunho histórico. Além disso, frente a outras fontes documentais, a fotografia (sobretudo quando falamos de milhares de fotos, como aqui sucede) nos mostra uma realidade que dificilmente se presta a interpretações interessadas e muito menos a banalizações. O horror em estado puro que se mostra nestas páginas está desnudo, como os esqueletos viventes, os olhos aterrorizados, os corpos exânimes empilhados para a incineração. Ainda que pareça incrível, a totalidade dos testemunhos da vida (o conceito é aqui um sarcasmo) no campo procede dos próprios guardas nazistas. Os carrascos, longe de esconder as serviçais realizaram milhares de instantâneas dos prisioneiros, das atrocidades e das mortes. O que fez Boix, pondo em risco seu status de privilegiado em Mauthausen, foi subtrair parte dessas fotografias (cerca de 20.000, ainda que se conservam muito menos) para que servissem de acusação. De fato, em Foix declarou nos processos contra os criminosos nazis de Nuremberg e Dachau por esses testemunhos. Parte dessas manifestações aparecem no livro.

Quando chegou a derrota alemã, Boix passou de ladrão de fotografias alheias a repórter gráfico da libertação. Com as fotos salvas clandestinamente da destruição e as tomadas por ele mesmo, documenta-se este magnífico volume, exemplo palpável de como é possível conjugar harmonicamente a recuperação da memória com o rigor historiográfico.

Fonte: El Cultural (Espanha)
http://www.elcultural.com/revista/letras/El-fotografo-del-horror-La-historia-de-Francisco-Boix-y-las-fotos-robadas-a-las-SS-en-Mauthausen/36502
Título original: El fotógrafo del horror. La historia de Francisco Boix y las fotos robadas a las SS en Mauthausen
Tradução: Roberto Lucena

sábado, 23 de maio de 2015

O espanhol que se dizia sobrevivente do Holocausto, mas foi desmascarado

Enric Marco nunca lutou contra o fascismo; pelo contrário, ele se inscreveu
como trabalhador voluntário na Alemanha nazista
Dos 7.532 espanhóis mantidos no campo de concentração nazista de Mauthausen (Áustria), só 2.335 sobreviveram.

Nesta terça-feira, completam-se 70 anos da liberação desses sobreviventes, uma data particularmente especial para a Espanha. Foi ali que terminaram a maioria dos 9 mil espanhóis deportados.

No entanto, a memória deles correu o risco de ser distorcida. Tudo devido a um impostor, Enric Marco, que até dez anos atrás foi presidente da principal associação de vítimas do nazismo na Espanha, a Amical Mauthausen.
Discurso de impacto

O historiador madrilenho Benito Bermejo, especialista em deportados da Espanha, interessou-se por Marco depois de conhecê-lo em uma conferência em 2002 – e achou a história dele muito intrigante.

Enric Marco contava que havia sido preso em Flossenbuerg, um campo de concentração na Baviera (Alemanha) e um destino atípico para um deportado espanhol.

Bermejo leu tudo o que pôde encontrar sobre o passado de Marco, a partir da versão deste - de que havia sido um anarquista obrigado a fugir de Barcelona, sua cidade natal, para a França no fim da Guerra Civil Espanhola (1936-39).

"Eu estava curioso, interessado em descobrir mais, mas logo fiquei perplexo", conta Bermejo à BBC.

"A versão de Marco para os acontecimentos mudava a cada vez que ele contava. Tanto sobre o campo de concentração quanto sobre como havia chegado ali."

Benito Bermejo também achou misterioso que nas poucas ocasiões que conseguiu falar com Marco cara a cara, ele se recusou a contar suas experiências na Alemanha nazista.

Enric Marco tem 94 anos e não se arrepende de ter mentido sobre sua presença no campo de concentração
Como presidente da Amical Mauthausen, Marco mostrou uma predileção por discursos de grande impacto, cheios de detalhes horríveis de sua suposta vida em Flossenbuerg.

Deixou vários deputados chorando ao se dirigir a eles no Dia Internacional da Comemoração em Memória das Vítimas do Holocausto, em janeiro de 2005.

Desmascarado

Buscando no arquivo do Ministério das Relações Exteriores, o historiador encontrou uma solicitação oficial do comando do Exército na Catalunha para obter informações sobre o paradeiro de Marco, já que ele não havia se apresentado para o serviço militar obrigatório em 1943.

O ministério respondeu que Marco era empregado de um estaleiro naval de Deutsche Werke, em Kiel, no norte da Alemanha.

Longe da luta contra o fascismo, Marco na verdade fez parte dos 20 mil espanhóis que trabalhavam para o Terceiro Reich sob um acordo de 1941 entre o general espanhol Francisco Franco e Adolf Hitler.

"Quando soube que Marco não foi deportado, e sim que foi à Alemanha voluntariamente, vi que algo muito estranho estava acontecendo", disse Bermejo.

Mas ele ainda tinha dúvidas quanto um possível engano de Marco, já que alguns trabalhadores voluntários que tiveram problemas com o regime nazista terminaram em campos de concentração.

Durante meses, o historiador buscou uma explicação de Marco.

Descobriu que Marco fora preso brevemente em Kiel, mas nunca foi condenado, e muito menos enviado a um campo de concentração.

Logo, durante o evento para comemorar o 60º aniversário da liberação do campo de Mauthausen, ele enviou um relatório sobre o caso ao escritório do governo espanhol e à associação Amical. E esperou.

"O que mais eu poderia fazer? Decidi que ir a público com o que eu sabia seria uma espécie de declaração de guerra e algo muito controverso naquele momento."

A caminho da Áustria, um dia antes da cerimônia de Mauthausen, Bermejo leu na imprensa que Marco havia tido que voltar à Barcelona por estar "indisposto". A farsa havia acabado.

O livro O Impostor, do escritor Javier Cercas, escrito com a colaboração de Marco, sugere que o próprio Marco foi confrontado por seus colegas da Amical a respeito das conclusões de Bermejo e confessou ter sido um voluntário do Terceiro Reich.

Perto do desastre

Marco finalmente admitiu abertamente que nunca havia estado em um campo de concentração. Passou a argumentar que foi preso brevemente "sob acusação de conspiração contra o Terceiro Reich" mas nunca foi liberado pelas tropas aliadas - como contava anteriormente - em 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial.

Aos 94 anos, não se arrependeu publicamente da mentira que contou por três décadas, alegando que o objetivo era manter viva a memória das vítimas espanholas de Hitler.

Marco ia participar de Comemoração oficial com o então premiê Zapatero (à dir.), mas acabou desmascarado
"Quem teria me escutado se eu não tivesse encarnado esse personagem?", disse recentemente.

"É assustador pensar que se eu não o tivesse conhecido, as coisas poderiam ter sido muito diferentes", afirmou Bermejo.

Para José Marfil, também de 94 anos e um dos poucos sobreviventes espanhós reais do campo de Mauthausen, a luta para manter as memórias do local vivas deve continuar.

"Temos que fazer tudo o que for possível para manter a memória da existência desses campos de concentração viva para as pessoas, já que nós sobreviventes vamos desaparecer."

James Badcock, De Madri para a BBC
5 maio 2015

Fonte: BBC Brasil
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/05/150505_espanhol_nazista_rm
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Observação: curioso que nos sites "revisionistas" (ao menos os lusófonos) esta matéria não tenha sido citada como "prova" da "não existência" do Holocausto (como eles costumam alegar) com o alarde de costume. Matéria recente, do mês de maio.

Críticas à parte ao já habitual 'mantra' "revi", a matéria destaca a importância dos pesquisadores que desbancaram essa fraude antes que os ditos negacionistas usassem o caso pra fazer o alarde habitual deles ignorando que, num evento deste porte, com a quantidade de pessoas envolvidas, pode haver impostores como o da matéria e outros casos recentes, por exemplo:
Caso Misha Defonseca. Mulher que inventou memórias do Holocausto condenada a devolver mais de 22 milhões de dólares
Livro que conta história falsa sobre o Holocausto causa polêmica nos EUA (Caso Herman Rosenblat)

Só que casos como este têm sido coisas pontuais, mas na narrativa negacionista o que é pontual vira "regra" em vez de exceção, pois a agenda política deles está acima do evento em si. Todos os três casos citados foram descobertos e denunciados.

Por essas e outras que vale a repetição do dito popular de que "de boas intenções o inferno está cheio", pois pessoas com supostas boas intenções (pelo menos alguns alegam) podem agir de má fé e provocar prejuízos.

Esses casos acima sempre me faz lembrar daquele pessoal "bem intencionado" (na visão deles, que ignoram totalmente o que os outros comentam ou criticam), misturando a questão de Israel com essa questão da segunda guerra, causam ao irem provocar "revisionistas" com discurso moralista achando, tolamente, que irão mudar a visão de mundo dos negacionistas sem entender o quão são arraigadas essas crenças obscuras nos "revis", ignorando a agenda fascista (na acepção do termo) por detrás do discurso.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

O negro catalão que os nazis utilizaram como criado em Mauthausen

Carlos Greykey, catalão de pele negra,
foi utilizado como criado pelos
nazis (Wikimedia commons)
Chamava-se José Carlos Grey-Molay (ainda que anos depois mudou seu nome para Carlos Greykey) nasceu em 4 de julho de 1913 e vivia em Barcelona junto de seus pais, de origem africana e procedentes da Ilha de Fernando Poo, uma das colônias que a Espanha teve na África.

Isto lhe conferia ter todos os documentos como qualquer outro espanhol, já que os pais não eram considerados imigrantes, e o único fato que o diferenciava das demais crianças na escola, vizinhos ou companheiros (quando teve idade suficiente para trabalhar) foi sua cor de pele. Por demais, era um jovem esperto, inteligente, com um grande engenho e capacidade para aprender idiomas, dominando entre eles o alemão.

Também tinha um marcado compromisso político (catalanista, republicano e de esquerda), daí até o estouro da Guerra Civil (que o impediu de terminar seus estudos de medicina) decidisse combater no grupo republicano e ao finalizar o conflito bélico preferir se exilar e não viver sob a ditadura de Franco.

Mas sua chegada à França veio acompanhada do início de outra guerra: a II Guerra Mundial, pela qual seu espírito aventureiro o levou a se alistar no exército galo para combater a invasão nazi, mas em junho de 1941 foi preso e levado para o campo de concentração de Mauthausen.

Tudo parecia indicar que o final de Carlos seria trágico e que pouco tardaria para ir até as duchas com as quais os nazis gaseavam negros, ciganos, homossexuais e judeus, mas não foi assim, já que sua aberta forma de ser o levou a saber se relacionar com os oficiais de campo, que viam nele a alguém divertido, engenhoso e muito diferente do resto da gente de pele negra.

Por ter nacionalidade espanhola e ser republicano, classificaram-no como preso político, motivo pelo qual ele levava cosido em suas roupas um triângulo invertido de cor vermelha com o número 5124.

O domínio do idioma alemão, assim como o inglês e francês, fizeram que vissem em Carlos Greykey a alguém que podia ser muito útil como servente e camareiro dos oficiais, que se divertiam e davam umas boas risadas depois das engenhosas ideias que lhes dizia de forma divertida.

Em certa ocasião, um oficial que havia bebido demais e havia ficado embriagado, perguntou-lhe porque era negro, ao que Carlos respondeu "é que minha mãe esqueceu de me lavar". Como estas, eram muitas das respostas que dava, ganhando a simpatia e confiança dos alemães. Sabia que se não fizesse isso seria enviado para fazer trabalhos forçados e, muito possivelmente, acabaria gaseado. Preferia ser humilhado, que o tratassem como um "macaco" de feira e se comportar como tal a não ter um trágico final.

E sua tática lhe serviu para salvar a pele e sair dali são e salvo quando terminou a guerra. Depois de sua libertação de Mauthausen, sabia que sua condição de republicano lhe impediria de poder voltar à Barcelona, motivo pelo qual decidiu se instalar e viver na França, onde contraiu matrimônio, formou uma família e passou o resto de seus dias, até seu falecimento em 1982 aos 71 anos.

Fonte: Yahoo! (em espanhol), usando como referências o blog Holocausto en español e o El País
https://es.noticias.yahoo.com/blogs/cuaderno-historias/negro-catalan-nazis-utilizaron-como-criado-mauthausen-143406201.html
Título original: El negro catalán que los nazis utilizaron como criado en Mauthausen
Tradução: Roberto Lucena

Observação: há textos melhores que esse, mais completos (com mais informações), tanto que o texto do Yahoo! foi feito em cima do texto contido no blog "Holocausto en español". Caso alguém se interesse, fica a dica.
É curioso ver a diferença do padrão do Yahoo! em outro idioma pro entulho que é esse portal em português. Colocam de forma proposital (baixam o nível).

domingo, 3 de maio de 2015

Os empresários de Hitler e o negócio dos campos de concentração

Se houve um grupo de cúmplices do nazismo que se "safou" de ter má imagem com o fim da Segunda Guerra Mundial, esse foi o dos empresários. Homens de negócios alemães, austríacos, franceses e também estadunidenses que se enriqueceram sob o capitalismo fascista que foi imposto pelo III Reich. Nomes tão conhecidos como Bayer, Ford, Standard Oil ou Siemens colaboram ativamente com Hitler e não tiveram dúvidas em utilizar como trabalhadores escravos a prisioneiros judeus, soviéticos ou espanhóis dos campos de concentração.
Prisioneiros de Mauthausen transportam pedras para a construção do campo
O adjetivo "fanático" é o que mais se tem utilizado na história para definir a Hitler e ao amplo grupo de suplentes que dirigiram o destino da Alemanha nazi. Contudo, há outro qualificativo muito menos utilizado e que se torna imprescindível para explicar sua estratégia política e militar. Hitler e o resto de sua camarilha eram grandes "homens de negócios".

Em suas mentes pesavam mais o dinheiro e as questões econômicas que seu desejo de exterminar judeus. Seu modelo de capitalismo fascista, pese a estar sob uma forte intervenção estatal, tornou-se muito atrativo para os empresários alemães e também para importantes magnatas estrangeiros, principalmente estadunidenses.

A SS criou suas próprias empresas para se beneficiar do trabalho escravo dos milhões de prisioneiros capturados pelo exército alemão. A DEST e a DAW foram as duas mais destacadas. O objetivo de Himmler era que, graças a essas companhias, a SS pode jogar um papel predominante na economia alemã, inclusive no cenário de paz que se abriria depois da guerra.

Fazer negócio a qualquer preço

As empresas de armamento, automotivas, produtos farmacêuticos e tecnologia não podiam contar com os jovens alemães para trabalhar em suas fábricas porque esses se encontravam nas frentes de batalha. Os prisioneiros dos campos e os trabalhadores forçados se converteram na melhor opção e também na mais barata. O negócio dos campos era redondo. A DEST administrava os trabalhadores, a SS oferecia a segurança e as empresas aportavam o resto. Na repartição dos papéis todos ganhavam. Todos menos os deportados, que morreriam aos milhares nas pedreiras e nas fábricas controladas pelo empório da SS e pelas empresas privadas alemães e norte-americanas.
O selo "Hollerith" indica que os dados deste prisioneiro espanhol foi processado pela IBM
A lista de firmas alemãs que colaboraram e se beneficiaram das políticas bélicas e genocidas do regime nazi é interminável. Desde gigantes da automotivas até pequenas empresas familiares e inclusive particulares que utilizaram prisioneiros dos campos de concentração para cultivar suas terras ou trabalhar em suas granjas. Essas são algumas das mais destacadas:

IG Farben - Este consórcio foi o que melhor exprimiu todas as opções de negócio que facilitava o regime nazi. Fabricou combustível e um tipo de borracha sintética chamada "Buna" para o exército alemão, fornecendo os produtos químicos para o extermínio em massa dos "inimigos" do Reich e se aproveitando do trabalho escravo de milhares de prisioneiros dos campos. Três empresas químicas e farmacêuticas constituíam o coração da IG Farben: Bayer, Basf e a Hoechst.

Audi - Empregou em sua cadeia de produção 20.000 trabalhadores forçados.

Daimler - Utilizou em grande escala trabalhadores forçados para a fabricação de automóveis.

Bosch - Empregou cerca de 20.000 trabalhadores forçados.

Volkswagen - Colocou em grande parte de sua produção trabalhadores forçados.

Krupp (atualmente Thyssenkrupp) - Krupp teve a honraria de ser a empresa modelo do nacional-socialismo e empregou mais de 75.000 trabalhadores forçados.

Deutsche Bank - o historiador Harold James analisou o período nazi em 1995. James rotulou a atitude do banco naquela época como "complacente".

Lufthansa - autorizou o historiador Lutz Budraß a realizar um estudo sobre sua participação na criação da Luftwaffe. Os dados oficiais do estudo não foram publicados ainda. A pergunta permanece no ar.

Bertelsmann - Encarregou o historiador Saul Friedländer um estudo que foi apresentado em 2002. A gigante dos meios de comunicação se aproveitou do regime nazi de forma massiva.

Quandt (proprietária da BMW) - Segundo a investigação levada a cabo pelo historiador Joachim Scholtyseck, Günther Quandt enriqueceu no período compreendido entre 1933 e 1945. A empresa do magnata utilizou 50.000 trabalhadores escravos.

Oetker - Abriu seus arquivos em 2007 depois da morte do patriarca, Rudolf August Oetker. O historiador Deren Erkenntnisse revelou que Rudolf A. havia pertencido à Waffen-SS e colaborado ativamente com o regime nazi.

Adidas e Siemens - Permitiram que se investigue seus arquivos. Sabe-se que, ambas empresas, empregaram milhares de trabalhadores escravos.

Cúmplices em Detroit e Nova Iorque

Historiadores e economistas coincidem na opinião de que para Hitler seria impossível se lançar à conquista de Europa sem o apoio de quatro grandes multinacionais estadunidenses: Standard Oil, General Motors, Ford e IBM.

General Motors. Fabricou milhares de caminhões militares em suas fábricas da Alemanha. Seu modelo batizado com o nome de Blitz, Relâmpago, serviu a Hitler para entrar com suas tropas na Áustria. A admiração do Führer pela tecnologia de Opel e seu agradecimento em contar com sua colaboração lhe levou a conceder a Grande Cruz da Ordem da Águia Alemã a seu diretor executivo, James Money. A GM utilizou prisioneiros dos campos de trabalhadores escravos.

Ford. O fundador da companhia, Henry Ford, já era conhecido em fins dos anos 20 por seu profundo antissemitismo. Hitler admirava profundamente a Ford, a ponto de chegar a dizer que era sua inspiração. Esse amor era mútuo e permitiu que a empresa automobilística estadunidense se convertesse no segundo produtor de caminhões para o exército alemão, superado unicamente pela Opel-General Motors. Henry Ford também foi distinguido por Hitler com a Grande Cruz da Ordem da Águia Alemã em 1938. Depois da invasão da França, a empresa estadunidense continuou trabalhando para o Reich e se negou a fabricar motores para os aviões da Royal Air Force britânica. Igual à GM, a Ford se aproveitou do trabalho escravo de milhares de deportados.

Standard Oil Proporcionou a Hitler o combustível e a borracha necessária para empreender a invasão da Europa. O governo nazi, consciente de que as importações de petróleo se reduziriam com o estouro da guerra, decidiu fabricar combustível sintético. O complexo processo de elaboração não havia sido possível sem a aliança entre o consórcio alemão IG Farben e a Standard Oil norte-americana. Os navios cisternas da Standard forneceram combustível a barcos alemães em Tenerife e outros portos da Espanha franquista.

IBM. Seu "mérito" foi dotar o regime nazi de seus ainda primitivos, mas eficazes, sistemas informáticos. Suas máquinas, que funcionavam com cartões perfurados, precursores dos ordenadores, resultaram em uma enorme utilidade para o governo alemão. Himmler era consciente das possibilidades que lhe oferecia a tecnologia da IBM para organizar, distribuir, explorar e eliminar milhões de judeus e prisioneiros de guerra que caíram em suas mãos durante a guerra. Realizaram censos da comunidade judaica que serviram para identificar e eliminar com maior facilidade seus membros. Na maioria dos campos de concentração se abriu um "departamento Hollerith" (nome da filial alemã da IBM) na qual se realizaram fichas de cada deportado, incluindo sua profissão, sua raça ou religião.

Escravos espanhóis

O grosso dos republicanos que passaram pelos campos de concentração trabalhou e morreu pelas ordens da DEST, a empresa de propriedade da SS. As pedreiras de Mauthausen e Gusen, assim como o moinho de pedra localizado junto a esta última, cobraram o maior número de vidas entre os espanhóis. O empório dirigidos pelos homens de Himmler também controlava a maior parte dos trabalhos que os republicanos realizaram em subcampos como Schlier-Redl-Zipf, Bretstein ou Vöcklabruck. Não obstante, houve algumas empresas privadas alemãs e austríacas que, especialmente depois de 1942, exploraram os republicanos que ficaram vivos.

A maior delas foi a Steyr-Daimler-Puch que empregou internos de Mauthausen, desde 1941, para trabalhos de construção em sua fábrica de Steyr. Em 1942 negociou com os altos mandatários do regime a utilização de prisioneiros no processo de fabricação de armamento e veículos para o exército. Fruto dessas conversas, Himmler aprovou a construção de um subcampo, dependente de Mauthausen, que dotasse a fábrica de operários. Meio milhão de espanhóis se viram obrigados a trabalhar em condições inumanas. Uns dez por cento deles morreu no próprio subcampo, assassinados violentamente ou por uma mortal combinação de fome, esgotamento e frio. A empresa também dirigiu fábricas nos túneis de Ebensee e Gusen, pelos quais passaram um menor número de republicanos.

A outra grande companhia armamentista que se aproveitou dos trabalhadores de Mauthausen foi a Masserschmit, que instalou uma de suas maiores plantas nos túneis da Bergkristall, próxima de Gusen. Foram poucos os espanhóis que trabalharam nela fabricando fuselagens e outras peças para diversos modelos de aviões de combate. Contudo, como ocorreu com a fábrica da Steyr-Daimler-Puch de Ebensee, dezenas de republicanos pereceram junto a milhares de soviéticos, poloneses, judeus e tchecos na perfuração das galerias subterrâneas em que se alojam suas fábricas.
Prisioneiras escravas do campo de concentração de Ravensbrück
As prisioneiras espanholas deportadas para Ravensbrück trabalharam em diversas empresas que fabricavam armamento e peças para veículos e aviões do Exército alemão. A mais conhecida delas foi a Siemens und Halske, que em 1942 construiu uma fábrica junto ao campo de produção de componentes eletrônicos destinados aos mísseis V1 e V2. A princípio, as mulheres seguiam dormindo em Ravensbrück e se deslocavam cada dia até a fábrica. Em fins de 1944, para poupar tempo, a Siemens construiu uns barracões na própria fábrica nos quais alojou suas trabalhadoras forçadas. As condições de vida eram igualmente duras como no campo central e capatazes se encarregavam de que as mulheres débeis e enfermas fossem devolvidas a Ravensbrück onde, geralmente, acabavam sendo executadas.

Junto a estas grandes companhias, houve também pequenas empresas que se aproveitaram do trabalho escravo dos prisioneiros. Em Mauthausen destacou, por cima do resto, a empresa local de materiais de construção Poschacher. Seu dono, Anton Poschacher, pagou à DEST para ter a sua disposição um grupo de reclusos. No total, em seu pequeno canteiro trabalharam 42 espanhóis menores de 18 anos. A empresa tirou um grande benefício do emprego desses jovens, pelo que pagava à DEST menos de 50% do salário que havia cobrado um trabalhador austríaco. Depois da guerra, seus responsáveis não foram perseguidos. A empresa não só conseguiu manter suas posses, como ainda ampliou e hoje em dia é a proprietária da maior parte dos terrenos que morreram 120.000 prisioneiros de Mauthausen, entre eles, 5.000 espanhóis.

Este artigo recolhe estratos do livro "Los últimos españoles de Mauthausen" (Os últimos espanhóis de Mauthausen) da Editora B. Nele são citados devidamente as diversas fontes consultadas.

Fonte: El Diario (Espanha)
http://www.eldiario.es/el-holocausto-espa%C3%B1ol/hitler-concentracion-deportado-mauthausen-gusen-ravensbruck-franco_6_369273071.html
Título original: Los empresarios de Hitler y el negocio de los campos de concentración
Tradução: Roberto Lucena

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Testemunhas de Jeová são homenageadas no memorial do campo de concentração de Gusen

SELTERS, Alemanha — No domingo, 13 de abril de 2014, uma placa comemorativa foi inaugurada no memorial do campo de concentração de Gusen. Ela foi feita em homenagem às 450 Testemunhas de Jeová que foram aprisionadas pelos nazistas nos campos de concentração de Mauthausen e Gusen. Mais de 130 convidados estiveram presentes para a cerimônia.

Placa comemorativa inaugurada durante cerimônia pública no memorial do campo de concentração de Gusen, em 13 de abril de 2014.

Quando as Testemunhas de Jeová chegaram ao campo de concentração de Mauthausen, o comandante as ameaçou, dizendo: “Nenhum Estudante da Bíblia sairá daqui vivo.” Martin Poetzinger sobreviveu a nove anos de prisão em Dachau, Mauthausen e Gusen. Mais tarde, ele também serviu como membro do Corpo Governante das Testemunhas de Jeová em Brooklyn, Nova York. Ele falou o seguinte sobre o tempo que passou em Mauthausen: “A Gestapo [polícia secreta alemã] tentou de todas as maneiras fazer com que renunciássemos à nossa fé.”

Maio de 1945: campo de concentração de Gusen. Martin Poetzinger (sentado na primeira fileira, o segundo da esquerda para direita) com outros 23 sobreviventes, logo após serem libertos.

Algumas das Testemunhas de Jeová em Mauthausen foram transferidas para o campo secundário em Gusen. O objetivo principal de Gusen era ser um “campo de extermínio”, onde assassinatos intencionais e planejados eram parte do dia a dia. Para manter forte a fé, as Testemunhas de Jeová se reuniam à noite em pequenos grupos para conversar sobre textos bíblicos que lembravam de cor. Certa vez, elas conseguiram uma Bíblia, que foi repartida para que cada Testemunha de Jeová pudesse ter algumas páginas para ler e compartilhar. Elas usavam o pouco tempo livre que tinham para se esconder embaixo da cama e ler.

As Testemunhas de Jeová também falavam discretamente da mensagem da Bíblia com outros. Elas estudaram a Bíblia com cinco prisioneiros poloneses que foram batizados secretamente em um tanque de madeira improvisado. Uma Testemunha de Jeová chamada Franz Desch falou da mensagem da Bíblia a um oficial nazista, que acabou sendo batizado mais tarde.

O porta-voz das Testemunhas de Jeová na Áustria, Wolfram Slupina, diz: “Ficamos felizes por se lembrarem da fé e da coragem que as Testemunhas de Jeová mostraram nos campos de Mauthausen e Gusen. A determinação delas em tratar a todos com bondade e empatia cristã foi uma vitória sobre o mal que merece ser celebrada e imitada.”

Contato(s) para a mídia:

Internacional: J. R. Brown, Departamento de Informações ao Público, tel. +1 718 560 5000

Áustria: Wolfram Slupina, tel. +49 6483 41 3110
21 DE JULHO DE 2014 | ÁUSTRIA

Fonte: jw.org (site das TJ); link indicado por M. Jorge Caetano no FB
http://www.jw.org/pt/noticias/noticias-2/por-regiao/austria/campos-de-concentracao-mauthausen-gusen/

sábado, 22 de setembro de 2012

Tribunal alemão arquiva caso do nazi mais procurado do mundo (Aribert Heim)

Aribert Heim é conhecido como o "Doutor Morte" e o "Carniceiro de Mauthausen"

Um tribunal de Baden Baden, na Alemanha, vai arquivar o caso do nazi mais procurado. Aribert Heim, o "Doutor Morte", é acusado de matar 300 judeus num campo de concentração, mas terá mudado de identidade assim que chegou ao Cairo .

O caso do nazi mais procurado vai ser arquivado, segundo noticia o jornal espanhol "El País", que garante a proveniência da informação de fontes próximas à investigação.

Aribert Heim, conhecido como o "Doutor Morte" ou o "Carniceiro de Mauthausen", é um médico nazi acusado de matar 300 judeus num campo de concentração durante a II Guerra Mundial.

A acusação foi feita por um tribunal criado pelos países Aliados especialmente para julgar os crimes relacionados com o Holocausto.

Na altura foi aplicada uma multa de elevado valor a Heim mas, em 50 anos de investigação, nunca foi conhecido o paradeiro do médico.

O filho do "Doutor Morte", Rudiger Heim, afirmou em tribunal que o pai tinha morrido em 1992 num hotel localizado no edifício 414 da rua Port Said, no Cairo, Egipto.

Rudiger disse ainda que esteve junto do pai quando este faleceu aos 78 anos devido a um cancro no cólon e que, a pedido de Heim, entregou o seu corpo para fins científicos.

No entanto, Rudiger confessou que, anos mais tarde quando voltou ao Cairo, verificou que o desejo do pai não tinha sido cumprido e que o corpo não tinha tido o fim pedido. Rudiger garantiu que não sabia em que cemitério o pai poderia estar sepultado.

Ainda assim, o advogado designado para defender Heim apresentou, há uns meses, uns documentos que negam esta versão da história.

Segundo a documentação reunida, Aribert Heim mudou de identidade quando chegou ao Cairo: passou a chamar-se Tarek Farid Hussein e converteu-se ao islamismo.

Para provar esta versão, foi apresentada uma carta de condução com a fotografia de Heim correspondente à sua nova identidade e uma certidão de óbito de Tarek Farid Hussein emitida pelas autoridades egípcias.

Para terminar a investigação, a justiça alemã pediu, há vários anos, às autoridades egípcias que fossem enviados os documentos a comprovar a morte de Aribert Heim, mas tal nunca aconteceu.

Fonte: Jornal de Notícias (Portugal)
http://www.jn.pt/PaginaInicial/Mundo/Interior.aspx?content_id=2782035

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Eliminação de Corpos em Auschwitz - O fim da negação - Parte 6 - Durabilidade dos fornos

(todos os grifos são do tradutor)

Mattogno argumentou que os fornos de Auschwitz não poderiam ter queimado tantos corpos como se tem afirmado, porque eles não têm vida útil suficientemente longa. Ele afirma que os fornos tinham uma vida útil relativamente curta, quando comparado ao que seria necessário para eliminar todos os corpos. Sua principal fonte para esta afirmação foi um artigo de 1941 de uma revista de engenharia do engenheiro alemão Rudolph Jakobskotter. Mattogno cita Jakobskotter “falando em 1941 dos fornos da Topf aquecidos a eletricidade no crematório de Erfurt [na Alemanha], [ele] afirma que o segundo forno foi capaz de executar 3.000 cremações, enquanto que a duração normal do refratário das paredes dos fornos é de 2.000 cremações.” De fato, lido em seu contexto, os 2.000 referidos no artigo foi para a quantidade que poderia ser cremada em uma versão anterior do forno, e esta não poderia ter desempenho de 3.000 cremações.

Os fornos que Jakobskotter se refere são fornos elétricos. Embora Mattogno mencionou este fato em sua monografia, ele é omitido em seu artigo quando discutindo o assunto. O tipo de forno utilizado em campos de concentração era aquecido a coque. Muitos destes fornos foram convertidos para queima de óleo.[84] O forno elétrico, como Jakoskotter observou, foi o primeiro a ser colocado em serviço, em 1933. Ele classificou esses fornos elétricos em gerações, a primeira geração teve duração até 1935. Após cremar 1.300 corpos, foi decidido que melhorias eram necessárias. Assim a primeira geração poderia cremar até 2.000 corpos. A segunda geração começa em 1935, tinha vida [útil(nt)] de 3.000 corpos e foi esperado um aumento para 4.000 corpos. A terceira geração entrou efetivamente em 1939. A durabilidade da terceira geração não foi especificada. Jakobskotter afirma que “eles esperam ter números ainda mais elevados para os fornos futuros.”[85] Não se sabe quais adicionais melhorias foram feitas no início dos nos 40. Tudo o que realmente se sabe é que esses fornos são foram utilizados em campos de concentração, e mesmo se fossem eles, poderiam ter tido vida útil substancialmente superior a 4.000 corpos nos anos 40. É evidente à partir da conversa de Jakobskotter que estavam sendo realizados rápidos progressos na melhoria da vida útil do forno elétrico. Além disso, conversas sobre o número de corpos que um forno pode queimar durante a sua vida útil, como no estudo de Jakobskotter, referem-se a queima de um único corpo de uma vez. Esta é a prática normal para as pessoas. Este método também utiliza um caixão. Como iremos mostrar adiante, múltiplos corpos eram cremados em um forno comum em Auschwitz e em outros campos, e caixões não eram utilizados para tais cremações.

Mattogno encontrou um arquivo que mostra que os dois fornos de Gusen tinham que ter as paredes substituídas após 3.200 óbitos, à partir do momento em que os fornos foram instalados em fevereiro de 1941. A revisão ocorreu em outubro de 1941. Ele concluiu à partir deste que os fornos da Topf realmente não tinham um tempo de vida útil.[86] O problema é que não é muito conhecido o que causou para que estes fornos fossem revistos. Mattogno não foi capaz de produzir qualquer informação de que a revisão nada tinha a ver com a capacidade de eliminações de corpos dos fornos. Em Auschwitz, os oito fornos do Krema IV estragaram dois meses depois que eles foram colocados em serviço, em março de 1943 e não poderiam ser utilizados novamente.[87] Topf admitiu que os fornos do Krema IV foram feitos com defeito.[88] Por outro lado, os 15 fornos do Krema II funcionaram muito bem. O Krema II ficou fechado por um breve período de um mês em 1943, mas que não tem nada a ver com a vida útil dos fornos.[89] É possível que os fornos de Gusen não foram originalmente construídos corretamente.

Mattogno argumentou que se os fornos de Auschwitz tivessem realmente queimado muitos corpos como seria necessário para dispor de todas as vítimas, eles teriam sido revistos várias vezes, mas que não hà nenhuma informação nos arquivos de Auschwitz, o que sugere que essas revisões geralmente ocorreram.[90] De fato, nenhuma informação foi à tona à partir desses arquivos, ou quaisquer outros arquivos, até mesmo que uma cremação teve lugar em Auschwitz. Em outras palavras, não tem um documento contemporâneo que surgiu a partir de qualquer fonte mostrando que ocorreu elo menos uma cremação em Auschwitz. Também não hà qualquer informação que descreva como qualquer um dos 52 fornos trabalhava, uma anomalia que será analisada posteriormente. Isso deve ser contrastado com Gusen que só havia dois fornos, mas para cada qual existe um arquivos descrevendo a efici6encia destes fornos durante um período de várias semanas.[91] Segundo a lógica de Mattogno, isso deve significar que as cremações não tiveram lugar em Auschwitz.

Mattogno falhou ao informar seus leitores que os seus próprios dados sobre os fornos da Topf, sugeriram que eles poderiam queimar muitos milhares de corpos sem revisão. A fonte a partir da qual Mattogno obteve suas informações sobre o número de mortes em Gusen, sendo 3.200 de fevereiro a outubro de 1941 também informa uma desagregação mensal que mostra que havia cerca de 18.500 mortes de novembro de 1941 até o final de 1944, e que havia um total de 30.000 cremações, à partir do momento que estes fornos foram instalados até maio de 1945.[92] Mas não hà qualquer evidência de que quaisquer revisões nesses fornos tenham ocorrido após outubro de 1941.

Na verdade, Mattogno havia examinado os arquivos do Mauthausen Memorial Museum na Áustria e na Bundesarchiv na Alemanha, onde encontrou informações que a revisão ocorreu em outubro de 1941. O autor também obteve os arquivos para a revisão dos fornos da Topf que ocorreram em 1941. O Bundesarchiv informou o autor que existem 290 páginas de informações neste arquivo.[93] Mattogno teve acesso a esse arquivo, que é rotulado como arquivo NS 4 Ma/54. Ele mesmo citou os documentos deste arquivo que datam de 1943 e 1944, sobre a instalação dos fornos de Mauhthausen.[94] No entanto, apesar da informação de arquivo, Mattogno foi incapaz de citar qualquer informação adicional de que as revisões dos fornos de Gusen, que de acordo com o argumento que ele estava fazendo, deve ter ocorrido pelo menos cinco vezes mais, a fim de eliminar o número de cadáveres de Gusen. Se estas revisões aconteceram, elas teriam sido certamente detalhadas neste arquivo, pois a informação sobre a revisão de 1941 inclui toda a correspondência com Topf e os materiais usados, informações de faturamento e de folhas de horas para dias trabalhados, incluindo horas extra-ordinárias.[95]

Infelizmente, parece que não aparece qualquer informação sobre a durabilidade dos fornos da Topf utilizados nos campos de concentração. Um arquivo detalhado sobre os fornos de Gusen incluem correspond6encias em a Topf e as autoridades do campo, bem como as instruções para os fornos que não resolvem esta questão.[96] Da mesma forma, ainda não surgiu nenhuma informação à partir dos arquivos de Auschwitz em Moscou. O número limitado de arquivos de Auschwitz examinados pelo autor, dá informações de faturamento e de instalação e não abordam a questão da durabilidade.[97]

Além das informações de Gusen, analisados anteriormente, hà também algumas indicações quanto à vida útil desses fornos de Mauthausen. De 1940 até meados de 1944, Mauthausen tinha uma única mufla simples. Foi construída pelo concorrente principal da Topf. Uma mufla com forno duplo foi adicionado em julho de 1944.[98] De 1940 até o final de 1943 cerca de 12.500 prisioneiros foram cremados em Mauthausen. De 1940 até abril de 1945, foram 27.556 cremações em Mauthausen.[99] No entanto, Mattogno fica argumentando que todos os 52 fornos de Auschwitz não poderiam ter eliminado mais de 162.000 corpos.[100]

Existem também informações sobre a durabilidade de fornos à partir do século 19 em Paris. Nos final de 1880, dois fornos foram instalados em um forno crematório no sul de Paris. Estes fornos foram concebidos para cremar cerca de 5.000 corpos por ano, ou 2.500 por forno.[101] Augustus Cobb, um líder especialista em cremação do período, aprendeu com o engenheiro que trabalhou no crematório que “[e]mbora quase quatrocentos corpos são queimados nestes fornos por mês, uma inspeção em suas paredes não mostraram fissuras, e a mesma observação aplica-se às paredes dos fornos crematórios de Milão [na Itália]”.[102] Informações adicionais sobre esses fornos, publicadas em 1893, mostram que, à partir de 1889 a 1892, 11.852 [corpos] foram cremados nestas instalações. Este número inclui 3.743 crianças natimortas, de modo que mais de 8.000 corpos desta população foram incinerados nestes dois fornos. O único problema mencionado no relatório que acompanha estas estatísticas é o transporte dos corpos para o crematório.[103] Como iremos ver, a Alemanha levou à Europa a tecnologia da cremação nos anos 30. Podemos logicamente concluir que a Alemanha da década de 40 tinha fornos mais duráveis do que a França de 50 anos antes.

Fonte: The Holocaust History Project
http://www.holocaust-history.org/auschwitz/body-disposal/
Tradução: Leo Gott

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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Eliminação de corpos em Auschwitz - O fim da negação - Parte 5 - Expansão do Campo

(todos os grifos do tradutor)
Mattogno e outros negadores muitas vezes argumentam que uma expansão planejada do campo para 200.000 foi o catalisador para o novo crematório. No entanto, o Bauleitung começou a negociar com as empresas para a construção de quatro crematórios em julho de 1942, enquanto que a primeira evidência do planejamento da expansão para 200.000 é no dia 15 de agosto.[80]
Conforme observado anteriormente, o planejamento da expansão do campo de Auschwitz, Auschwitz II para uma população de 125.000 foi anunciando pelo Bauleitung em Outubro de 1941. Ela coincidiu com o assassinato em massa de internos, especialmente prisioneiros de guerra soviéticos.(ver assunto entre as notas 45-53) No entanto, a primeira expansão planejada foi adiantada para 1º de março de 1941, antes do extermínio em massa dos POWs soviéticos. E passou para 130.000 prisioneiros. Na época, havia apenas 2 muflas duplas, ou quatro fornos em Auschwitz. O único plano complementar para fornos foi para outro fim, muflas duplas em setembro de 1941. Isso pode dar uma imagem fiel das reais necessidades de cremação do campo.[81]

A expansão planejada do campo para 200.000 pode não ter influenciado o Bauleitung para expandir a capacidade de cremação de 6 para 52 fornos. Como observado anteriormente, o memorando do Bauleitung de outubro de 1942 amarrou a construção de crematórios a “ações especiais”, tendo lugar (ver nota 55), sem qualquer planejamento de expansão. Além disso, a informação comparativa do campo de concentração de Mauthausen mostra que as autoridades de Auschwitz não teriam motivo para construir tantos fornos, mesmo com a expansão planejada.

Em 1942 Mauthausen teve uma redução de 50% na taxa de mortalidade dos prisioneiros registrados. Este percentual caiu para 15% em 1943. Em 1944 o campo de Mauthausen foi expandido a capacidade de 17.000 para 90.000, e teve um índice de mortalidade de 15% para o ano.[82] No entanto, o campo acrescentou apenas dois fornos a um já existente, em meados de 1944 para um total de três fornos. Do mesmo modo, em 1944 Gusen foi expandido de dois para três campos, mas não acrescentou nenhum forno.
Baseado nas informações de Mauthausen, Auschwitz não deveria ter expectativas superiores a 100.000 mortes anuais em uma população de 200.000 do campo, quando começou a construir os quatro novos crematórios em agosto de 1942. No entanto, não implicaria a taxa de mortalidade, os assassinatos em massa de prisioneiros registrados em curso, como em Mauthausen em 1942. A taxa de mortalidade anual mais razoável seria de 15% a 25% ao ano ou 30.000 a 50.000 para uma população do campo de 200.000. Mas isso significaria o assassinato de muitos prisioneiros. Seis fornos adicionais mais os seis fornos existentes em Auschwitz, poderiam ter facilmente capacidade suficiente para lidar com isso e muitas mortes anuais. Como observado anteriormente, a informação de Gusen mostra que um forno tinha a capacidade de incinerar 26 corpos por dia. Assim, 12 fornos tinham a capacidade de eliminar 300 corpos por dia. No entanto, como observado anteriormente, o Bauleitung já tinha ordenado 15 fornos adicionais em outubro de 1941. Quando adicionaram aos seis fornos existentes, havia mais capacidade para lidar com o número máximo de mortes que poderiam ser esperados na ausência de uma campanha de extermínio em massa. Até 50% da taxa anual de mortalidade de prisioneiros registrados no campo de Auschwitz com uma população de 200.000, facilmente poderiam ter sido tratados por 21 fornos. O argumento de Mattogno foi de que a elevada taxa de mortalidade que Auschwitz experimentou durante a epidemia de tifo foi conjugada com a expansão significativa da capacidade de cremação adicional de 46 fornos foi justificada. No entanto, o seu argumento assume que o Bauleitung estava esperando alguma coisa na ordem de 30.000 a 50.000 óbitos por mês, como resultado da presente proposta de expansão. Na realidade, o campo não teria sido capaz de funcionar sob estas circunstâncias e que a maioria certamente seria obrigada a acabar com a contínuas epidemias destas proporções.


As autoridades do campo devem ter imaginado que qualquer expansão iria acompanhar uma eventual colocação da epidemia de tifo sob controle. Em 15 de julho de 1942, doze dias após a epidemia de tifo ter atingido o campo, um memorando do Bauleitung afirma que, no momento a população do campo permaneceria em 30.000, embora eventual expansão não especificada seria esperada. Já em dezembro de 1942 não houve praticamente qualquer aumento da população do campo até 30.000. Os novos prisioneiros foram adicionados aos registrados existentes para substituir o trabalho de prisioneiros doentes que foram mortos pelas autoridades do campo. Pelo contrário, a população registrada do campo começou a aumentar em 1943, depois que a pior epidemia de tifo passou, e houve uma relativa diminuição substancial do número de mortes no campo. Em 31 de agosto de 1943 Auschwitz tinha 74.000 prisioneiros. Nos cinco meses, de abril a agosto de 1943 teve cerca de 10.300 mortes de prisioneiros registrados em Auschwitz. Embora alto, o número de mortes de prisioneiros registrados em 1943 compara muito favoravelmente com os 26.000 que morreram nos quatro meses, de julho a outubro de 1942.[82] Evidentemente, prisioneiros não-registrados foram levados para o campo para serem gaseados em massa durante a epidemia de tifo.
Fonte: The Holocaust History Project - http://www.holocaust-history.org/auschwitz/body-disposal/
Tradução: Leo Gott

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Eliminação de Corpos em Auschwitz - O fim da negação - Parte 4 - Necessidade dos Crematórios

(todos os grifos são do tradutor)
Conforme dito anteriormente, negadores atribuem a construção de mais 4 crematórios e 46 fornos novos à epidemia de tifo que varreu o campo no verão de 1942. Embora já tenha sido mostrado que o tifo foi responsável por muito poucas mortes, ainda é possível testar a necessidade de construção baseado na quantidade de mortes de prisioneiros registrados que tivessem morrido de tifo. Em outras palavras, partindo do princípio que todas as mortes dos prisioneiros foram registradas como morte por tifo, seria necessário construir mais 4 novos crematórios e mais 46 novos fornos para lidar com essas mortes? A única maneira de testar a necessidade é comparar com as mortes em outros campos de concentração e a capacidade de cremação destes campos. Embora tais comparações sejam difíceis porque elas dependem de saber a quantidade de mortes e capacidade de cremação de outros campos, existe um campo que oferece-nos as informações necessárias para se fazer esta comparação. Assim, no mais alto período de três meses, o total de mortes de prisioneiros registrados foi seis vezes o montante de Gusen.

Gusen era um campo do complexo de campos de concentração de Mauthausen. Mauthausen e Gusen ficavam localizados na Áustria. Gusen era constituído de três campos. Em fevereiro de 1941, Gusen tinha uma mufla dupla, dois fornos instalados afim de lidar com as mortes dali. Mais nenhum forno adicional foi incorporado durante a existência de Gusen.[66] Antes de março de 1943, Auschwitz tinha 3 muflas duplas, ou seja, três vezes a capacidade de cremação de Gusen. Em 1942 aconteceram 7.410 mortes em Gusen.[67] Em 1942 aconteceram 44.000 mortes de prisioneiros registrados e mais 1.100 prisioneiros de guerra soviéticos registrados nos livros do necrotério. Estas mortes não estão em disputa.[68] Prisioneiros não-registrados que foram mortos na chegada, não estão incluídos nestes números. Entretanto em 1942 registraram-se 6 vezes mais mortes em Auschwitz do que em Gusen, com três vezes a capacidade de cremação. Igualmente revelador é uma pesquisa de três meses consecutivos, dos meses mais elevados em ambos os campos. O maior óbito de prisioneiros registrados nestes três meses em Auschwitz foi 21.900, no período de agosto a outubro de 1942. O maior período de três meses em Gusen foi de Dezembro de 1942 à fevereiro de 1943, quando 3.851 prisioneiros morreram. A comparação destas estatísticas de mortes sugere que Auschwitz poderia ter acomodado o excesso de mortalidade de Gusen, duplicando a sua capacidade de cremação de 6 para 12 fornos. Se Auschwitz realmente precisava de 46 fornos adicionais, uma expansão quase nove vezes maior do que a sua capacidade existente, então para Gusen seriam necessários expandir pelo menos 12 fornos. No entanto esta expansão nunca foi realizada.

As evidências disto vêm à partir de dados disponíveis sobre os fornos de Gusen, que mostram que cada forno poderia queimar em média cerca de 26 corpos por dia, de modo que ambos os fornos poderiam queimar juntos, pelo menos, 52 corpos por dia ou cerca de 1.500 por mês.[69] No entanto, como será visto mais adiante, estes fornos também poderiam exceder substancialmente esse número. O mais alto número de mortes em um mês em Gusen foi de 1.719.[70] Isso significa que os seis fornos de Auschwitz poderiam ter consumido cerca de 4.500 por mês. Os maiores totais mensais de morte de prisioneiros registrados em Auschwitz foram de 9.000 em setembro de 1942. Porém, logo em outubro de 1941 o Bauleitung tinha encomendado mais 15 fornos adicionais. Mesmo se aceitarmos as baixas estimativas de Mattogno para a capacidade de cremação como sendo de 20 por dia, os seis fornos existentes no local até meados de 1942 mais o adicional de 15, as autoridades poderiam eliminar 420 corpos por dia ou cerca de 12.500 por mês.

Se podemos acreditar na explicação dos negadores sobre estes fornos, então as autoridades estavam prevendo incríveis 30.000 mortes por mês de prisioneiros registrados!
Isso, naturalmente, pressupõe que a baixa estimativa do negador sobre a capacidade destes fornos crematórios está correta. A única explicação é que a administração do campo previu muitas destas mortes, mas não de prisioneiros registrados. Verificando mais, temos uma tentativa no início de 1943 para investigar a possibilidade de construção de um sexto crematório. Como resultado de uma reunião com a Topf and Sons, os construtores dos fornos crematórios, em 29 de janeiro de 1943, o Bauleitung encarregou a empresa de produzir um esboço para um sexto crematório. O esboço foi entregue ao Bauleitung na primeira metade de fevereiro e o comandante do campo foi informado das discussões.[71]

Na altura em que estas discussões foram tendo lugar, Auschwitz foi experimentando uma baixa taxa de mortalidade de prisioneiros registrados quando comparado com o verão de 1942. Os livros de óbito mostram a morte de cerca de 3.000 prisioneiros registrados para janeiro de 1943. Um número similar de prisioneiros registrados tinham morrido nos meses de novembro e dezembro de 1942.[72] Portanto a morte de 9.000 prisioneiros registrados para o período de novembro de 1942 a janeiro de 1943 foi muito inferior aos 21.900 mortos de agosto a outubro de 1942. Os quatro novos crematórios foram programados para se tornarem operacionais num futuro próximo. O primeiro iria entrar em operação em Março de 1943. Assim, de acordo com as baixas estimativas dos negadores, a capacidade total dos fornos de 30.000 por mês poderia eliminar 10 vezes o número de mortes de registrados mensalmente, no momento em que estas conversas foram tendo lugar. Porque então pretendiam as autoridades do campo construir um crematório para além dos quatro que iriam entrar em operação em breve? A resposta reside na data em que o representante da Topf, engenheiro e construtor de fornos Kurt Prüfer, esteve no campo para as conversas relativas a esta nova proposta de crematório - (mas nunca foi construído) – em 29 de janeiro de 1943. Neste mesmo dia o Bauleitung: (1) emitiu um memorando dizendo que aconteceu no “porão de gaseamento” do Crematório II [73] e (2) emitiu outro memorando sobre corpos queimando e “tratamento especial” poderiam ocorrer simultaneamente.[74] Tratamento especial [Sonderbehandlung] era uma palavra usada para designar morte e desaparecimento de prisioneiros.[75] Algumas semanas mais tarde, em 2 de Março, Prüfer enviou uma carta ao Bauleitung em que sua empresa fazia perguntas sobre “aparelhagem que você quer para indicar os vestígios de ácido prússico” para o Crematório II.[76] Ácido prússico era o gás venenoso letal usado em câmaras de gás. No mesmo dia um relatório de trabalho afirmava que existia uma “câmara de gás” [Gaskammer] no Krema IV.[77]

Talvez a melhor evidência para o motivo dos crematórios foi o sigilo exigido das pessoas que estavam envolvidas na sua construção. A Diretiva 108 do Bauleitung emitida em 1943 é um lembrete da Diretiva 35 emitida em 19 de junho de 1942, ela afirma que “os planos dos crematórios devem ser estritamente controlados. Nenhum plano pode ser passado para a brigada de trabalho...e todos os planos devem ser guardados em local trancado a chave, quando não estiver em uso...” A parte fundamente do memorando afirma: “Além disso, temos de salientar que estamos lidando com tarefas econo-militares que devem ser mantidas em segredo [geheimzuhaltende]”[78] Este memorando levanta a questão de saber porque razão a construção de crematórios seria uma tarefa econo-militar e que exigia muito segredo se o grande objetivo dessas estruturas era o de eliminar cadáveres. No memorando as palavras-chave em alemão wehrwirtschaftliche und geheimzuhaltende são as únicas sublinhadas. O memorando somente faz sentido se estas estruturas estavam sendo utilizadas para fins secretos, além de eliminação de corpos. O memorando também ainda separa o edifício dos cematórios do [mito] do tifo, referindo-se a diretiva original como sendo emitida em 19 de junho de 1942. A epidemia de tifo não atacou Auschwitz até 3 de julho de 1942, duas semanas depois, a nota foi emitida.[79]
Fonte: The Holocaust History Project - http://www.holocaust-history.org/auschwitz/body-disposal/
Tradução: Leo Gott

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quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Os campos de internação do sul da França (Holocausto)

Os campos de internação do sul da França
Da exclusão ao extermínio


Na foto: Os campos de internação do sul da França
Löw e Bodek “Toujours la même chose”. Lavis. Camp de Gurs, 1940

Que a prática da xenofobia, da discriminação e da exclusão podem, sob certas condições, conduzir ao extermínio do outro é uma afirmação não só de ordem especulativa senão uma das mais duras lições do século XX. Um índice revelador de tal escalada que foi da “exclusão” até a “eliminação” massiva da população considerada indesejável é provido pelas transformações sofridas pelos campos de reclusão do sul da França. Efetivamente, estes locais destinados em princípio a serem centros de refugiados, especialmente de espanhóis republicanos e alemães social-democratas e comunistas, transformariam-se, no curso da guerra, de campos de deportação, à antessala dos centros de extermínio no centro da Europa.

A questão assume um viés particularmente espinhoso: aqueles centros de detenção foram localizados antes da chegada do governo pró-alemão de Vichy, precisamente foram construídas durante o período da República, sob o governo de Daladier em 1938. Esta nota singular dos campos do sul da França, o fato que remontam suas origens ao período republicano, os tem investido de caráter problemático que alcançam o coração da mesma memória histórica francesa. Contudo, nas últimas décadas, tem-se podido assistir a relevantes expressões por voltar-se sobre os passos daquele ignominioso lastro que nasceu durante a República. Uma das maiores expressões de retorno sobre o cenário dos campos do sul da França, anos depois do massacre, foi empreendida pela Biblioteca Municipal de Toulouse - fisicamente próxima a área onde se localizavam aqueles campos - sob a iniciativa e direção de Monique-Lise Cohen. De fato, a Biblioteca Municipal de Toulouse organizou diversas amostras sobre o antissemitismo no sul da França.

A abjeta lógica - a que vai da segregação ao extermínio - que testemunham estes campos, aquela que os levou a operar como centros de internação para estrangeiros e a chegar a serem campos de morte, é digno de uma revisão sobre sua existência.

Um traço singular no processo de deportação no sul da França concerne a anterioridade dos campos de internação referente ao governo de Vichy e a ocupação alemã. Mais precisamente, a origem destes campos remonta ao período da República, sob o governo de Daladier, em 1938. Esta “iniciativa” será herdada pelo governo pró-alemão de Vichy transformando o caráter e fim dos campos. Revela-se assim uma certa continuidade entra a obra do governo Republicano e o governo de Vichy sustentada, apesar de seus contrastes, no fino fio da xenofobia e da discriminação. Aqueles campos de refugiados destinados a comunistas, republicanos espanhóis e social-democratas alemães, converteram-se a partir de novembro-dezembro de 1940 em campos de judeus.

Na foto: Chegada dos refugiados espanhóis a França.
L’Illustration, 11 de fevereiro de 1939.

Com exatidão, os campos do sul da França nascem com o decreto-lei de 12 de novembro de 1938 do governo de Daladier. Aquele decreto já fazia referência aos “estrangeiros indesejáveis” um termo que evocava uma lei de 1849 que previa a expulsão de todos os estrangeiros julgados perigosos. O contexto destas medidas remetiam diretamente, durante este período, aos acontecimentos que por aqueles anos eram vividos no território espanhol, em especial Barcelona e outras zonas da Espanha próximas a França. Durante o mês de janeiro de 1939 um contingente numeroso de republicanos espanhóis, intimidados ante o avanço franquista, se dirigiam até a fronteira francesa.

Entre o 26 de janeiro - a um dia da queda de Barcelona - e o 9 de fevereiro - quando os nacionalistas fecharam definitivamente a fronteira catalã -, mais de 500.000 espanhóis, primeiro civis e militares feridos e depois os soldados republicanos, passaram pela aduana de Perthus. O primeiro “centro especial” destinado a internação de refugiados foi instalado por decreto em 21 de janeiro de 1939 em Rieucros perto de Mende(Lozère). Em pouco tempo esta “designação de residência” se tornaria em “internação administrativa”. Pouco depois, entre março e abril de 1939 se situam seis centros nas periferias dos Pirineus Orientais para o internamento de milicianos: em Bram(Aude) reservado aos anciãos; Agde (Hérault) e Riversaltes (Pirineus-Orientais)destinado aos catalães; Sepfonds (Tarn-et-Garonne) e Le Vernet (Ariège)para os trabalhadores e Gurs (Basses Pyrénées)onde esteve internada Hannah Arendt. Estes dois últimos centros foram os campos franceses mais importantes e funcionaram até 1944. Particularmente o campo de Le Vernet - onde permaneceu o escritor e ensaísta Arthur Koestler - teria como nota própria a ser “campo repressivo” onde deveriam ficar presos os “indivíduos perigosos para a ordem pública e a segurança nacional”, em geral comunistas e dirigentes das Brigadas Internacionais.

O destino dos internados nos campos do sul da França sofreria rapidamente as consequências das cada vez mais estreitas relações do governo de Vichy com o regime nazi. Seguindo os termos do tratado concluído em 22 de junho, o regime de Vichy entregou, na noite de 8 de fevereiro de 1941, algo em torno de vinte alemães antinazis reclusos nos campos para as autoridades do Reich. Entre estes alemães estavam os prestigiados Herschel Grynspan, Rudolf Hilferding e Rudolf Breitscheid, morto num campo nazi em 1944.

Pouco a pouco, os campos foram afetados pela coloratura particular das políticas antissemitas que impunham a aproximação do governo de Vichy ao regime nazi. Em 2 de outubro de 1940 o prefeito de Haute Garonne ordena que os ‘israelitas franceses sem recursos’ se dirijam ao campo de Clairfont. Sem nenhuma pressão alemã, Vichy estabeleceu uma discriminação jurídica que repousava sobre o postulado racial. O propósito do governo de Vichy era “limitar a influência judia” por uma série de interdições profissionais. Numa declaração promulgada em 18 de outubro o Conselho de Ministros adaptava o decreto anterior de 1938 relativo ao internamento de estrangeiros ao novo parâmetro racial e a perseguição antissemita. A nova lei permitia aos prefeitos internar nos “campos especiais” o estrangeiros de “raça judia”. A administração municipal começou, então, a revisar suas estatísticas segundo o novo critério racial. Em novembro, o prefeito de Haute Garonne indica a Vichy que os 53% dos 2000 internados de seu departamento eram da “raça judia” porcentagem que se elevaria a 70 % dos 40.000 estrangeiros internados da Zona Não-Ocupada.

A política fazia a população judia sofrer um virada crucial em outubro de 1940 quando se condena os judeus estrangeiros ao internamento e a vigilância especial em vilas distantes. O centro provincial maior, logo promovido a categoria de campo, foi o de Bouches du Rhône acerca de Aix, na carvoaria de Milles, onde foram reunidos 2.000 emigrados, entre os quais se encontrariam intelectuais de renome tais como Golo Mann, Walter Benjamin, Max Ernst e Lion Feuchtwanger que estampou num livro suas memórias do internamento sob o título de 'Diabo na França'.

Na foto: Monumento à Memoria dos deportados
(Cemitério do Campo de Noé)

Os mais notórios campos do sul da França foram Gurs, Argèles, Noé, Récébédou e Riversaltes. Vichy operou Vernet, Rieucros e a prisão de Brébant em Marselha como campo de punição. Os campos se caracterizaram, sobretudo, por suas condições de vida intoleráveis. Um informe do American Friends Service Comittee de janeiro de 1942 os chamava de locais para “esquálidos, apertados e enfermos com altas probabilidades de morrer”. André Jean-Faure, inspetor dos campos de Vichy e sem dúvida um não-crítico do regime descobriu condições chocantes nos campos. As crianças e os anciãos pereciam rapidamente entre a falta de vestimenta, o tifo e a tuberculose. Serge Klarsfeld calculou em 3000 os judeus mortos neste período.

De todos os campos da Zona Não-Ocupada, o de Gurs foi talvez o mais infame. Localizado em Basses-Pyré, sudoeste da cidade de Pau, Gurs foi apressadamente construído em 1939 como centro de detenção para 15.000 refugiados espanhóis. Durante os anos da guerra a população do campo, a maioria judeus mas também espanhóis e romenos, flutuou entre 6.000 a 29.000 pessoas. Em 1940, durante uma série de dramáticos traslados, as autoridades alemães expulsaram cerca de 7.000 judeus de Palatinado para Gurs em trens selados. Muitos daqueles que os nazis expulsaram de Baden, da Saarland e da Alsácia-Lorena hegaram a Gurs em 1940 só para aguardar a deportação em 1942. Cerca da metade dos judeus expulsos nesta operação estavam por chegar aos sessenta anos de idade(o mais velho foi um de 100 anos)e, naturalmente, não puderam sobreviver sob aquelas condições. Em novembro de 1940 uma média de oito pessoas por dia morriam no campo. Em novembro de 1943 haviam morrido 1.038 pessoas e cerca de 3900 haviam sido deportadas aos campos de morte nazi.

O campo de Riversaltes, a 20 quilômetros ao norte do povoado de Perpignan nos Pirineus Orientais, alojou cerca de 9.000 pessoas, a maioria judeus, incluindo até 3.000 crianças. Riversaltes abriu em 1941 para ‘atender’ o cada vez mais crescente número de internos judeus.

Até Riversaltes, foram orientadas uma série de esforços de diversas organizações judias para aliviar as penúrias dos que ali se encontravam: o rabino René Hirschler, capelão geral para os campos, intentou manter uma quantidade módica de vida cultural e religiosa judia para os prisioneiros, a Comissão Nîmes, um grupo de ajuda combinado, trabalhou para levar diversas formas de assistência as mães e crianças internados. As condições alimentares e de vestimenta em Riversaltes eram de tal grau de indigência que em 1942 o American Friends Service Comittee computava uma morte diária com maior incidência entre as crianças.

O campo de Noé com a metade de sua população judia e a outra dividida entre alemães e espanhóis foi outro campo de detenção onde os internos sofreram iguais condições inumanas durante sua permanência.

Entre os campos mais cruéis se encontra aquele de Le Vernet no que estaria internado o grande escritor Arthur Koestler junto a uma população que chegaria aos 3000 internos. Daquela população cerca de um quarto eram membros das Brigadas Internacionais e o resto judeus. Koestler pôde finalmente evadir-se, em 1940, mas o caráter de terror do campo ficaria bem retratado em seu livro de memórias 'A escória da terra'.

Como assinalamos mais acima estes campos sofreram pouco a pouco uma importante mudança de status. No começo entre 1939 e 1940, a maior parte deles eram campos para “estrangeiros perigosos” que persistiam como um corpo estranho à democracia, sendo sua existência amplamente debatida na câmara de deputados e na imprensa, sobretudo pelos diários de esquerda L’Humanite e o Populaire que em fevereiro de 1939 denunciavam a existência de “campos de concentração”. Mas a partir de 1942 os campos do sul da França, até esse momento herança assumida bem que mal pelo Estado francês, tornaram-se instrumentos naturais da política repressiva de Vichy.

Já em janeiro de 1940, 13.000 espanhóis haviam sido deportados desde os campos do sul até o campo nazi de Mauthausen onde pereceriam em número de 5.000.

Este caminho que recorreram os campos do sul da França, caminho impensado por aqueles a que na democracia os criaram seguramente sem imaginar sua transformação posterior, confrontam-nos com a periculosidade do gesto segregacionista ou xenófobo ainda quando se queira que este seja contido dentro das margens da lei. A sutil pátina que separa a exclusão do extermínio pode ser franqueada sob certas circunstâncias, certas mas não excepcionais circunstâncias segundo nos demonstra o século que deixamos."

Pablo M. Dreizik
Os campos de internação do sul da França.

Fonte: Fundación Memoria del Holocausto
Texto original(espanhol): http://www.fmh.org.ar/revista/18/delaex.htm
Tradução: Roberto Lucena

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Os que não foram heróis - parte 2

Os que não foram heróis - continuação
Por Renato Mezan

ensaio
HISTÓRIA

Arendt narra um fato que deixa isto absolutamente claro: em Amsterdã, em 1941, alguns judeus ousaram atacar um destacamento da Gestapo. A represália foi fulminante: 430 judeus foram presos e torturados, depois deportados para Buchenwald e Mauthausen. O mesmo aconteceu em outros lugares, com judeus e não-judeus que ousavam se rebelar ou sabotar instalações alemãs; a retaliação vinha logo, sobre centenas de inocentes, e com uma brutalidade aterradora. Não era viável resistir individualmente: esta é a verdade.

A Resistência francesa e os guerrilheiros que na Iugoslávia infernizavam a vida dos ocupantes foram constituídos a partir de bases preexistentes, especificamente o Partido Comunista, organizado já para a vida clandestina segundo as diretrizes de Lênin no famoso opúsculo Que Fazer?. Ora, os judeus como grupo eram bem organizados -as coletividades dispunham de escolas, orfanatos, órgãos assistenciais e, obviamente, sinagogas-, mas não se tratava de estruturas que pudessem ser convertidas do dia para a noite em entidades combatentes, sem falar no fato de que a maioria dos judeus não teria aderido a elas se por milagre pudessem escolher. Foi nas fileiras dos movimentos juvenis sionistas que finalmente se recrutaram os que podiam lutar, mas isto ainda estava longe, no horizonte distante, quando no verão de 1940 a Europa inteira se cobria de suásticas e o Terceiro Reich parecia mesmo poder durar mil anos.

Este poder se abate sobre os judeus com uma velocidade e com uma eficácia que os deixou completamente sem opção. No que se refere à Polônia, o processo Eichmann revelou que já em 21 de setembro de 1939, quando as ruínas de Varsóvia ainda fumegavam, Reinhard Heydrich -o “engenheiro da Solução Final”- convocou uma reunião em Berlim para tratar do destino dos três milhões de judeus que ali viviam. Os nazistas jamais esconderam seu anti-semitismo, mas agora ele não se limitava à discriminação legal ou a ocasionais episódios de brutalidade. Tratava-se de passar, como diz Heine na frase que tomei como epígrafe, das palavras aos atos. As diretivas do Führer eram: concentração imediata dos judeus poloneses em guetos, estabelecimento de Conselhos Judaicos (“Judenräte”) e deportação de todos os que viviam na parte ocidental do país para a área do Governo Geral da Polônia. Isto porque os territórios que faziam fronteira com a Alemanha haviam sido pura e simplesmente anexados ao Reich, com o nome de Warthegau (continham importantes reservas de minérios e petróleo); a parte oriental, até a fronteira do território anexado pela União Soviética, era conhecida como “Governo Geral”, e seria o palco do extermínio nos anos seguintes.

As ordens foram seguidas escrupulosamente, e a máquina pôs-se em marcha. O território do Reich deveria ser tomado “judenrein” o quanto antes: e isto significava deportar 400 mil judeus da Alemanha, da Áustria e dos Sudetos checos, além de 600 mil da nova província formada com a anexação da Polônia ocidental. Ainda não se falava em extermínio físico, mas é evidente que movimentar estas centenas de milhares de pessoas rumo a guetos na Polônia central, em trens de carga hermeticamente fechados, só podia acarretar conseqüências pavorosas. A concentração em guetos era uma etapa essencial neste esquema, e havia a diretriz bastante lógica de que eles fossem estabelecidos perto das estações ferroviárias, a fim de facilitar o transporte. Desta forma, em poucos meses se conduziram à Polônia e se trancaram em bairros superpovoados todos os judeus que tinham permanecido nos territórios do Reich.

Uma operação desta envergadura colocava problemas logísticos de extrema complexidade, e diversos departamentos do governo e das SS tiveram de trabalhar em conjunto -o Ministério dos Transportes, por exemplo, devia cuidar para que os horários dos trens de deportados não colidissem com o funcionamento dos trens normais, a polícia precisava garantir que os embarques se dessem em ordem etc. Mas tudo dependia, antes ainda, da boa vontade dos judeus em “cooperar”, como disse com convicção Eichmann em seus depoimentos. Ora, além dos motivos que já mencionei -a inércia natural a quem vive num país e obedece as suas leis, a dificuldade de opor resistência ativa à força inacreditável e à aparente invencibilidade dos alemães, mito que só foi abalado quando os russos impediram a conquista de Stalingrado e a maré da guerra começou a virar- há ainda um outro fator a ser considerado.

Trata-se do seguinte: a concentração -não em campos de prisioneiros, mas em guetos onde a vida prosseguia tão normalmente quanto possível- era ainda uma situação tolerável. Havia recursos para a iniciativa individual, desde a astúcia para conseguir alimentos ou remédios até a possibilidade de fugir, esconder-se com amigos ou no campo etc. A maioria dos judeus era de homens e mulheres com família, e julgavam, não sem razão, que seria melhor obedecer aos éditos do ocupante até que aquele pesadelo terminasse: não podiam suspeitar que a cúpula nazista já havia decidido seu extermínio.

Um outro elemento de enorme importância é o que chamei atrás de inércia. Não uso este termo num sentido moral: penso no fato de que as pessoas tendem naturalmente a se acomodar às circunstâncias da vida quando lhes parece que não há alternativa viável a elas. Em termos sociais, é preciso levar em conta que existiam governos nestes lugares, mesmo que títeres dos nazistas; havia leis a serem obedecidas, ainda que iníquas, uma polícia que vigiava as pessoas -infelizmente, uma polícia judaica que se somava às SS- e, sobretudo, o conhecimento de que na maior parte dos países a população apoiava, passiva ou ativamente, as medidas anti-semitas(1). Fugir em massa? Impossível. Resistir individualmente, só através da fuga ou do ocultamento por cristãos -foi o que aconteceu com a família de Anne Frank e com tantos outros. Indefesos, desarmados, tendo a perder o pouco que haviam conseguido salvar, e ordeiros por séculos de obediência à Lei, os judeus, nos primeiros dois anos da guerra, simplesmente não tinham outra opção exceto a de seguir vivendo.

A invasão da Rússia, em 22 de junho de 1941, marcou outro ponto de virada nessa história sinistra. Hitler, agora inteiramente tomado por sua megalomania, ordenou o extermínio físico de todos os judeus da Europa, como Heydrich contou a Eichmann numa reunião em novembro daquele ano. E, no Terceiro Reich, “Führerworte haben Gesetzkraft”, as palavras do Führer tinham força de lei. Por extraordinário que pareça, este era um dos princípios fundamentais da legalidade nazista –“l’Etat c’est moi”, literalmente e num sentido que nem mesmo Luís XIV podia suspeitar. Diversos textos jurídicos da época, citados por Hannah Arendt, não deixam qualquer dúvida a respeito.

Até então, havia na verdade dois métodos para lidar com a “Judenfrage”. A política de concentração atingia os judeus trazidos do Reich e os poloneses, assim como, nos diversos países ocidentais, as respectivas comunidades. Com a ocupação dos territórios da União Soviética, que incluíam os países bálticos com sua grande população judaica, entraram em cena os “Einsatzgruppen”, ou unidades de assalto, encarregadas de realizar fuzilamentos em massa. Havia quatro destes batalhões de assassinos, e seus alvos eram todos os funcionários soviéticos, além dos profissionais liberais, jornalistas, intelectuais e de modo geral a intelligentsia destas regiões, que, no radioso futuro traçado pelos nazistas, teriam a missão de fornecer trabalhadores escravos para a raça dominante. A estas categorias logo se somaram os judeus, os ciganos, os “rebeldes” de todo tipo, que pudessem representar alguma “ameaça” à “segurança do Reich”. Cerca de 300 mil pessoas foram assim fuziladas, não sem antes cavarem seus próprios túmulos coletivos, que em seguida eram cobertos de terra, às vezes com os corpos ainda se retorcendo nos últimos estertores da agonia.

Mas um método tão lento de matança não permitiria liqüidar com rapidez toda a população judaica do continente. A Solução Final veio para resolver este problema, e começou a ser delineada no outono de 1941, quando se decidiu ampliar o programa de eutanásia até então aplicado somente aos doentes mentais da própria Alemanha. Um decreto de Hitler datado de 1º de setembro de 1939 -o primeiro dia da guerra- ordenava dar a estes infelizes “uma morte misericordiosa”. O envenenamento por gás foi a fórmula encontrada, e até meados de 1941 foram mortos 50 mil internos em asilos alemães, austríacos e dos Sudetos.

Este foi o ensaio geral da “Endlösung”. Em janeiro de 1942, no subúrbio berlinense de Wannsee, Heydrich convocou uma reunião com os principais executivos do serviço público alemão e com os encarregados de todos os departamentos da SS. O objetivo era avaliar até que ponto a burocracia estatal de carreira estaria disposta a cooperar com o projeto de genocídio, a manter o segredo necessário para que as medidas fossem eficazes e de modo geral a considerar a ordem de extermínio como mais uma tarefa a ser executada. Não houve qualquer oposição da parte destes honrados funcionários, de quem dependia, na verdade, o bom funcionamento da máquina estatal; quanto às SS, era sua tarefa cumprir as ordens de Hitler.

Eichmann assistiu a esta reunião, assim como Oswald Pohl, encarregado do Wirtschafts und Verwaltungshauptamt -o WVHA, ou Escritório Central para a Economia e Administração da SS-, do qual passaria a depender a operação concreta dos campos. Matar pessoas em escala industrial tornava-se assim um assunto “econômico” e “administrativo”, pois havia problemas a serem resolvidos racionalmente -a capacidade de absorção dos campos, por exemplo, tinha de ser calculada em conjunto com as possibilidades de transporte de gente de toda a Europa, as “cargas” deviam lotar os trens para não desperdiçar combustível, havia questões de logística, produção do gás etc. O departamento de Eichmann foi encarregado de organizar o transporte, e durante os anos seguintes ele cumpriu com horrenda eficácia e infinita escrupulosidade essa tarefa.

Hannah Arendt reconstitui os procedimentos que conduziram à instalação dos campos de extermínio na região do Governo Geral da Polônia -Auschwitz, Treblinka, Sobibor, Maidanek, Belzek e outros. Todos conhecemos, depois de tantos livros e filmes, a seqüência macabra deste processo: como os deportados eram conduzidos no meio da noite em trens lacrados, como eram selecionados os mais aptos para os trabalhos necessários ao bom funcionamento dos campos, da cozinha dos oficiais às mulheres que deveriam servir de prostitutas e aos “Sonderkommandos”, encarregados de retirar os cadáveres dos galpões e de cuidar dos fornos crematórios; como os outros prisioneiros eram levados a crer que iriam tomar um banho, despindo-se e arrumando caprichosamente seus pertences; como eram trancadas as portas, ligado o gás e asfixiados os condenados; como eram em seguida queimados os seus corpos, produzindo colunas de fumaça que se podiam ver a quilômetros de distância; e, por fim, como eram arrancados os dentes de ouro, que, fundidos depois, viriam acabar nos cofres do Reichsbank. Estes horrores são por demais conhecidos para que nos demoremos neles, mas é preciso lembrá-los -o dever da memória- para que se tenha a medida da frieza e da naturalidade com que operava a indústria da morte.

3. Ilusão

Agora podemos tentar responder à pergunta que não cala: por que os judeus aceitaram morrer assim? Por que não se revoltaram nos trens, ou antes, ou depois, ao desembarcar no destino final?

A resposta é complexa. Em primeiro lugar, porque não sabiam o que ia lhes acontecer, ao menos nos primeiros tempos. Não havia informação precisa sobre nada na época da guerra, pois o rádio era censurado, a imprensa idem, e quem fosse apanhado ouvindo a BBC podia ter certeza de uma morte rápida como traidor. Para nós, que vivemos no tempo da internet e do mundo que cabe na palma da mão, é difícil imaginar o que anos de ocupação brutal, de propaganda mentirosa e de pavor constante podem provocar em matéria de ilusões ou de simples desconhecimento da realidade. Mesmo quando começaram a surgir os primeiros boatos do que se passava no Leste, poucos acreditaram que aquilo fosse mesmo possível -e o tamanho do seu engano só lhes era revelado quando o galpão se trancava e o Zyklon B começava a fazer efeito.
__________________________________________________
Notas:

1 - Nos países em que o governo ou a população boicotaram as medidas exigidas pelos nazistas, como a Dinamarca e a Bulgária, os judeus sofreram muitíssimo menos. Da Dinamarca, quase todos foram evacuados para a Suécia numa única noite, com a ajuda de barcos pesqueiros e muita audácia por parte da população local; da Bulgária, quase todos puderam emigrar para Israel depois de acabada a guerra. A própria França, onde o vergonhoso regime de Vichy endossava a política anti-semita, recusou-se a entregar os que eram cidadãos franceses para serem deportados, em virtude do que 250 mil dos 300 mil que ali viviam no início de 1940 puderam sobreviver.

Fonte: Revista Trópico(UOL)
http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/1619,2.shl
Início:
Os que não foram heróis - parte 1

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