Nas páginas 210 e seguintes do livro
Treblinka. Extermination Camp or Transit Camp? ("Treblinka. Campo de Extermínio ou Campo de Passagem?"), escrito pelos nossos clientes regulares Carlo Mattogno e Jürgen Graf, lê-se o seguinte (minha tradução):
d. Simferopol e o julgamento de Manstein
O General Marechal de Campo Erich von Manstein era Comandante do Décimo – Primeiro Exército e combatia no Mar Negro e na Crimeia. Em 1949, foi levado perante um tribunal militar britânico em Hamburgo sob acusação de cumplicidade com os massacres cometidos pelo Einsatzgruppe D. Seu advogado de defesa era o inglês Reginald T. Paget, quem escreveu um livro – traduzido para alemão no ano seguinte – sobre o julgamento em 1951. Nesse livro, reporta o seguinte a respeito das actividades do Einsatzgruppe D na Crimeia:
"A mim, os números declarados pelo SD pareciam-me completamente impossíveis. Companhias individuais de cerca de 100 homens com cerca de 8 veículos eram declarados como tendo morto 10.000 a 12.000 judeus em dois ou três dias. Uma vez que, como se recordará, os judeus acreditavam no seu realojamento e consequentemente levavam as suas pertenças consigo, o SD não pode ter transportado mais do que vinte ou trinta judeus respectivamente num camião. Por cada veículo, considerando o carregamento, 10 quilómetros de percurso, descarregamento e retorno, deve ter passado um tempo estimado de duas horas. O dia de Inverno na Rússia é curto e não se podia conduzir à noite. A fim de matar 10.000 judeus, teriam sido necessárias pelo menos três semanas.
Em um dos casos fomos capazes de verificar os números. O SD afirmava ter morto 10.000 judeus em Simferopol em Novembro e declarou a cidade livre de judeus em Dezembro. Através de uma séria de verificações, formos capazes de provar que o fuzilamento de judeus em Simferopol tinha ocorrido num único dia, especificamente em 16 de Novembro. Havia apenas uma única companhia do SD em Simferopol. O local de execução situava-se a 15 quilómetros da cidade. O número de vítimas não pode ter sido superior a 300, e esses 300 provavelmente não eram apenas judeus, mas uma colecção de diversos elementos que estavam sob suspeita de pertencer ao movimento de resistência. O caso de Simferopol foi amplamente difundido pelo público aquando do julgamento, uma vez que tinha sido mencionado pela única testemunha viva para esta acusação, um soldado austríaco com o nome de Gaffal. Este alegou que tinha ouvido a operação contra os judeus ser mencionada na cantina dos sapadores, onde era o homem da ordenança, e que tinha passado pelo local da execução perto de Simferopol. Depois de este depoimento recebemos uma quantidade de cartas e fomos capazes de apresentar várias testemunhas que tinham ficado junto de famílias judias no quarteirão e reportaram sobre os serviços religiosos na sinagoga bem como o mercado judeu, onde tinham comprado ícones e velharias – até à altura em que Manstein partiu da Crimeia e mesmo depois. Não havia qualquer dúvida de que a comunidade judaica em Simferopol tinha continuado a existir abertamente, e embora alguns dos nossos opositores tivessem ouvido rumores de violência contra os judeus em Simferopol, parecia mesmo assim que a comunidade judaica não estava consciente de nenhum perigo em particular."
Mattogno & Graf citam o advogado de defesa de Manstein, Reginald T. Paget, no contexto da sua tentativa de demonstrar que os "Relatórios de Situação Operacional URSS" dos
Einsatzgruppen, esquadrões da morte do
Sicherheitsdienst(Serviço de Segurança) de Reinhard Heydrich, que se contam entre a evidência mais directa e condenatória das chacinas em massa nazis e podem ser parcialmente lidas em tradução inglesa sob
este link, foram muito exagerados pelos seus autores e que o número real de execuções levado a cabo por estes esquadrões da morte era muito inferior do que aquele que resulta dos referidos relatórios. Os superiores dos comandantes dos
Einsatzgruppen, até ao nível dos próprios Heydrich e Himmler, devem ter sido fulanos muito ingénuos e confiantes que não consideraram necessário implementar qualquer mecanismo de controlo para verificar a exactidão daquilo que lhes era reportado sobre a execução das suas ordens, ou então não se importavam com a medida em que as suas ordens eram de facto executadas, enquanto os comandantes das
Einsatzgruppen, por outro lado, supostamente não levavam o seu trabalho muito a sério e rotineiramente enganavam os seus superiores alegando logros muita para além do que tinham realmente conseguido.
Paget, o advogado de Manstein, parece ter acreditado neste cenário bastante improvável, ou então foi o que contou aos seus leitores no livro que escreveu sobre o julgamento de Manstein. Seguidamente vamos examinar a consistência e exactidão das alegações de Paget.
Começamos pelas dúvidas gerais de Paget sobre a possibilidade logística de executar massacres do tamanho e dentro do tempo reportados.
Paget alega que existem relatórios em que
« cerca de 100 homens com cerca de 8 veículos eram declarados como tendo morto 10.000 a 12.000 judeus em dois ou três dias». Isto é impossível, afirma Paget, porque o transporte das vítimas para o local de execução era uma estreiteza que não podia ser ultrapassada já que os destacamentos especiais do SD tinham demasiado poucos veículos e não podiam enche-los até ao limite da sua capacidade com pessoas porque os judeus destinados a serem executados levavam consigo as suas pertenças, acreditando que iriam ser realojados.
O pressuposto subjacente a esta alegação de Paget é que as vítimas eram levadas com veículos motorizados das cidades ou aldeias onde viviam para locais de execução isolados a alguma distância daí. Isto não era necessariamente o caso. No
massacre de Babi Yar em 29/30 de Setembro de 1941, por exemplo, as mais de 30.000 vítimas tiveram que caminhar em longas filas para uma ravina perto da cidade de Kiev, onde foram abatidas a tiro. Em Kharkov, em meados de Dezembro de 1941, cerca de 15.000 judeus tiveram que marchar a pé até uma fábrica de tractores fora da cidade, na qual foram concentrados e perto da qual foram posteriormente abatidos a tiro, nos primeiros dias de Janeiro de 1942. No meu artigo
Neither the Soviets nor the Poles have found any mass graves with even only a few thousand bodies ... [
versão em português], é apresentada alguma evidência relativa a este massacre.
No entanto, mesmo quando as vítimas eram levadas em veículos motorizados para um local de matança fora da sua cidade ou vila e abatidos assim que chegavam àquele local, as limitações invocadas por Paget não se aplicavam necessariamente.
Por um lado, os
Einsatzgruppen, como veremos no que respeita ao massacre que será descrito mais detalhadamente neste artigo, podiam contar com veículos disponibilizados pela
Wehrmacht alemã, incluindo camiões inimigos capturados e autocarros civis requisitados, a fim de ter uma capacidade de transporte adequada ao tamanho e duração pretendidos da respectiva operação de matança.
O espaço de transporte disponível podia ainda ser alargado estipulando uma limitação ao montante de pertences que era permitido aos judeus levar consigo para a alegada deportação, ou ordenando-lhes que deixassem atrás todos os seus pertences, que alegadamente lhes seriam enviados mais tarde. Este procedimento foi aplicado nas matanças com camiões de gaseamento, vide Kogon, Langbein, Rückerl e outros,
Nationalsozialistische Massentötungen durch Giftgas ("Matanças em massa nacional-socialistas mediante gás tóxico"), página 91 (citação do depoimento de Ramasan Sabitovich Chugunov, comandante de pelotão de um batalhão da polícia auxiliar local, relativamente à liquidação do gueto de Minsk em Outubro de 1943) e página 121 (depoimento do trabalhador ferroviário polaco Vladyslav Dabrovski relativamente a transportes para o campo de extermínio de Chelmno). Como veremos mais adiante neste artigo, este procedimento também foi aplicado em pelo menos uma ocasião em que os judeus foram conduzidos para um local de matança fora da localidade e lá abatidos a tiro.
As versões maiores dos camiões de gaseamento utilizados pelos
Einsatzgruppen foram descritas por várias testemunhas como podendo levar 50, 60 ou até mais pessoas de cada vez (Kogon e outros, conforme supra, página 87, citação do depoimento do condutor de camião de gaseamento Erich Gnewuch; págima 91, citação do depoimento de Chugunov, acima mencionado; página 98, referência ao depoimento do condutor de camião de gaseamento Pauly; página 105, referência ao depoimento de Schiewer, membro do
Einsatzkommando 11a; página 128, citação do depoimento do condutor de camião de gaseamento Gustav Laabs, Chelmno; página 141, citação de relatório escrito pelo condutor de camião de gaseamento Walter Piller). As medidas do compartimento de gaseamento de um destes camiões foram descritas como tendo sido as seguintes, pelo condutor de camião de gaseamento Burmeister, Chelmno (citação do depoimento em Kogon e outros, página 125): 4 a 5 metros de comprimento, 2,2 metros de largura e 2 metros de altura – uma área de carga de pelo menos 8,8 metros quadrados, suficiente para acomodar pelo menos 70 pessoas. Portanto, podemos partir do princípio de que, se os camiões utilizados para transportar judeus aos locais de fuzilamento eram tão grandes como as versões maiores dos camiões de gaseamento aplicados em fase posterior do processo de extermínio, cada um destes camiões podia levar no mínimo 50 judeus para o respectivo local de fuzilamento.
No que respeita ao tempo de transporte necessário, é difícil entender por que razão um percurso de 10 quilómetros incluindo carregamento e descarregamento demoraria o
«tempo estimado de duas horas» que Paget considera. Sendo aplicada a pressão necessária, quinze minutos para cada uma das tarefas de carregamento no local de concentração, condução (a uma velocidade de apenas 40 quilómetros/hora), descarregamento e retorno parecem ser tempo suficiente. Portanto, os oito camiões que Paget menciona podiam, sob os meus pressupostos acima descritos, transportar 400 judeus para o local de matança cada hora e 2.800 num dia de trabalho de Inverno que se presume ter durado das 9:00 às 16:00 horas. Aumentando o número de veículos por recurso ao parque da
Wehrmacht e/ou a requisições, este número podia ser facilmente duplicado ou triplicado.
No que respeita às tarefas de isolar o local da matança, ordenar às vítimas a despir-se, leva-las à vala em massa ou ravina em que seriam abatidos e abate-los a tiro lá, os destacamentos especiais das
Einsatzgruppen não estavam sós, mas contavam com a assistência de outras forças, tais como a polícia de ordem e as unidades de
Feldgendarmerie (polícia militar) e
Geheime Feldpolizei (Polícia Secreta de Campo) da
Wehrmacht. Assim, por exemplo, o massacre de Babi Yar foi executado pelo
Sonderkommando 4a da
Einsatzgruppe C em cooperação
«com o quartel-geral da EGC e dois comandos do regimento de polícia Sul» (minha tradução). Segundo o historiador alemão Wolfram Wette ("Babij Yar 1941", em: Wolfram Wette / Gerd R. Ueberschär (editores),
Kriegsverbrechen im 20. Jahrhundert ("Crimes de Guerra no Século 20"), páginas 152-164), o
Sonderkommando 4a era composto por membros do
Sicherheitsdienst e da
Sicherheitspolizei (Polícia de Segurança), uma companhia de um batalhão da
Waffen-SS e um pelotão de um batalhão de polícia, e reforçado por outros dois batalhões de polícia e unidades da polícia auxiliar ucraniana. A tarefa de supervisionar e vigiar a marcha dos judeus de Kiev para a ravina em que teve lugar a matança foi executada por tropas da
Wehrmacht às ordens de Eberhard, comandante da cidade. O massacre dos judeus de Kharkov no início de Janeiro de 1942 foi efectuado conjuntamente pelo
Sonderkommando 4a e o Batalhão de Polícia 314, que estava a cargo de isolar o local da matança. No massacre que será descrito em mais detalhe neste artigo, o destacamento especial do
Einsatzgruppe D era reforçado por dois batalhões de reserva da polícia bem como membros do
Feldgendarmerieabteilung(FGA) 683 e a unidade 647 da
Geheime Feldpolizei (GFP).
Resumindo, se
« cerca de 100 homens com cerca de 8 veículos» (Paget) não eram suficientes para matar o número necessário de judeus dentro do tempo necessário, era possível obter recursos humanos e materiais adicionais na medida necessária para obter o resultado desejado.
Expostas assim as falácias das objecções logísticas de Paget, vamos ver a operação particular em relação à qual Paget alega ter sido capaz de
«verificar os números», a matança dos judeus de Simferopol.
Paget alega ter conseguido
« provar que o fuzilamento de judeus em Simferopol tinha ocorrido num único dia, especificamente em 16 de Novembro », que
«o número de vítimas não pode ter sido superior a 300», e que
«esses 300 provavelmente não eram apenas judeus, mas uma colecção de diversos elementos que estavam sob suspeita de pertencer ao movimento de resistência».
Uma reconstrução detalhada dos acontecimentos em Simferopol em Novembro e Dezembro de 1941, baseada em evidência documental e em numerosos depoimentos de testemunhas oculares recolhidos no decurso de várias investigações por autoridades de justiça penal da Alemanha Federal, encontra-se nas páginas 323 e seguintes do livro
Besatzungspolitk und Massenmord. Die Einsatzgruppe D in der südlichen Sowjetunion 1941-1943 ("Política de Ocupação e Assassínio em Massa. O
Einsatzgruppe D no sul da União Soviética, 1941 – 1943"), do historiador Andrej Angrick. Esta reconstrução, da qual fornecerei um resumo a seguir, mostra que são falsas as alegações de Paget, acima referidas.
No início de Novembro de 1941, Otto Ohlendorf, o comandante do
EinsatzgruppeD, transferiu o estado-maior da sua unidade de Nikolajev para Simferopol, a capital da Crimeia. Simferopol era uma importante base de tropas e mantimentos alemães, tendo lá os seus quartéis-gerais os estados maiores dos corpos do exército XXX e LIV e da 72ª e 22ª divisões de infantaria, o Encarregado de Logística Chefe, o Comandante da Força Aérea junto do 11º Exército e o Comando Económico competente. A administração da cidade estava a cargo do Posto de Comando Local (
Ortskommandantur) I/853 sob o mando do Capitão Kleiner, que efectuou um censo da população local segundo a sua etnia e constatou que, dos 156.000 habitantes originais, 120.000 de vários grupos populacionais tinham ficado em Simferopol, entre eles 11.000 de originalmente 20.000 judeus. Relativamente aos judeus, o relatório do posto de comando local, datado de 14 de Novembro de 1941 e guardado nos Arquivos Federais/Arquivos Militares da República Federal Alemã (
Bundesarchiv/Militärarchiv), indicou que seriam "executados pelo SD".
Embora este documento torne claro que havia a intenção de exterminar os judeus de Simferopol e que a Wehrmacht estava consciente deste facto, dois problemas impediram que a matança fosse efectuada em Novembro de 1941. Um desses problemas era ideológico, o outro de natureza prática.
O problema ideológico consistia em que, na península de Crimeia, havia três grupos populacionais diferentes que estavam potencialmente sujeitos às políticas nazis relativas aos judeus. Eram estes:
1. Os caraítas, um povo turco que aderia ao judaísmo;
2. Os krimchaks ou krymchaks: segundo Angrick, estes eram descendentes de judeus sefarditas espanhóis que já não aderiam à religião judaica (outra informação sobre os krimchaks pode ser encontrada
aqui);
3. Judeus ashkenazi emigrados da Europa Central e os seus descendentes.
Enquanto não havia dúvida de que o terceiro destes grupos seria aniquilado, havia incerteza entre os feitores das políticas nazis sobre como tratar os outros dois. Depois de consultar os seus especialistas "científicos" sobre "assuntos judaicos", o próprio Himmler – que mantinha ser o único a quem cabia decidir quem era judeu e quem não – finalmente decidiu que os caraítas seriam poupados, uma vez que não eram judeus de "raça". Os krimchaks, pelo outro lado, seriam mortos, porque em termos "raciais" eram judeus. A decisão de Himmler deve ter sido tomada entre os dias 5 de Dezembro de 1941 (a data do Relatório de Situação 142, que ainda menciona a "questão dos krimchaks") e 9 de Dezembro de 1941, a data em que, como veremos a seguir, os Krimchaks de Simferopol foram exterminados.
O problema prático que obstava ao extermínio dos judeus de Simferopol em Novembro de 1941 era que a actividade guerrilheira naquela área, grandemente exagerada em relatórios do exército alemão, fez com que o Comando Supremo do 11º Exército mandasse cada homem que tinha à sua disposição a combater os guerrilheiros, sendo o
Einsatzgruppe D utilizado em missões de reconhecimento sobre movimentos guerrilheiros.
No início de Dezembro de 1941, contudo, a ameaça tinha diminuído depois de terem sido mortos ou capturados cerca de mil guerrilheiros, e com a chegada de uma brigada de tropas de montanha romenas como reforço, Ohlendorf já não tinha que utilizar os seus homens em missões de reconhecimento contra a guerrilha. Ao mesmo tempo, a transferência de Odessa para Simferopol do
Sonderkommando 11b sob o comando de Werner Braune trouxe-lhe recursos adicionais para executar a sua principal tarefa, a de aniquilar os judeus. Os Quartel – Mestre Chefe da
Wehrmacht, Hauck, favoreceu esta medida e até insistiu nela, uma vez que via a "acção relativa aos judeus" (
Judenaktion) como forma de aliviar a dramática situação de alimentos em Simferopol, livrando-se de bocas para alimentar. O próprio comandante do 11º Exército, von Manstein, tinha dado o seu consentimento às matanças numa ordem que emitiu em 20 de Novembro de 1941, a qual continha a seguinte indicação (minha tradução de Angrick, como supra, página 338):
O soldado deverá mostrar compreensão perante a necessidade de submeter a uma dura retribuição o judaísmo, o portador espiritual do bolchevismo. Esta também é necessária para estrangular à nascença quaisquer revoltas, que são maioritariamente incitadas por judeus.
A "dura retribuição" começou em Simferopol em 9 de Dezembro de 1941, quando o
Sonderkommando 11b e o estado-maior da
Einsatzgruppe D exterminaram os krimchaks da cidade, provavelmente 1.500 pessoas no mínimo. Logo a matança parou durante dois dias porque Ohlendorf teve que resolver um problema de pessoal: os polícias da 4ª Companhia do Batalhão de Reserva da Polícia 9, que tinham assistido ao
Einsatzgruppe D nos seus massacres desde o início da campanha da Rússia, estavam cansados de matar e tinham solicitado que lhes fosse dada outra missão. O seu pedido foi atendido, e Ohlendorf teve que esperar até que a unidade de substituição, a 3ª Companhia do Batalhão de Reserva da Polícia 3, chegasse a Simferopol.
Quando a 3ª Companhia do Batalhão de Reserva da Polícia 3 chegou a Simferopol, não houve tempo para habituar os seus homens à matança de uma forma gradual. Com a ajuda de todos os homens disponíveis de outros destacamentos da
Einsatzgruppe D, os polícias e ambos batalhões de polícia e os membros destacados da FGA 683 e da GFP 647, o
Sonderkommando 11b de Braune e o estado maior da
Einsatzgruppe D de Ohlendorf continuaram a execução em 11 de Dezembro de 1941. Braune tinha dito aos seus homens que tinham um "grande dia de combate" (
Grosskampftag) pela frente e que até os médicos teriam que participar. A matança dos judeus durou três dias. Ordenou-se aos judeus que se reunissem na área do antigo edifício do partido comunista no centro da cidade e entregassem as suas bagagens e objectos de valor, uma vez que – assim os carrascos lhes disseram – caso contrário estes poderiam ser roubados durante o transporte que os levaria ao serviço de trabalho, e os receberiam posteriormente. Camiões do
Einsatzgruppe e o exército, autocarros e também veículos capturados menores foram utilizados para transportar a pessoas rapidamente para uma vala contra tanques fora de Simferopol. Os membros do Batalhão de Reserva da Polícia 3 tiveram que participar logo na chacina. Alguns tinham notado que colegas do Batalhão de Reserva da Polícia 9 estavam "pirados"; agora perceberam porque. Uma e outra vez, na presença de Ohlendorf e Braune, soou a ordem "Preparados, apontem, fogo!". 50 homens em linha disparavam em salvas. Os membros experientes da
Einsatzgruppe administravam chamados golpes de misericórdia. Soldados da
Wehrmacht também participaram no fuzilamento, não sendo possível estabelecer se estes eram exclusivamente polícias militares e membros da
Geheime Feldpolizei. No frio gelado prisioneiros escolhidos tinham que empilhar os corpos na vala de modo a que não fosse desperdiçado espaço, enquanto outros arrastavam cadáveres deitados fora da vala e atiravam-nos para dentro desta. Quem tentava escapar ou fingia estar morto era abatido por homens da
Einsatzgruppe com pistolas metralhadoras. O cinismo dos carrascos estava sempre presente, como quando foi dada instrução para não gastar outra bala numa judia ainda viva dentro da vala uma vez que um montão de terra seria atirado para cima dos cadáveres e ela então sufocaria de qualquer forma. Um judeu jovem tentou resistir, pelo que o comandante da acção ordenou que não fosse abatido a tiro mas espancado até à morte. Assim a chacina continuou nos próximos dias. Finalmente a
Einsatzgruppe também estendeu a sua acção aos ciganos, tendo um pedido do exército presumivelmente sido um dos factores que conduziram à decisão de eliminar também este grupo da população.
No Relatório de Situação Operacional URSS Nº 150 de 02.01.1942, Ohlendorf reportou que, com o fim a acção em 15 de Dezembro de 1941, Simferopol, junto com outras partes da Crimeia, tinha sido livrado de judeus. Esta afirmação revelou-se como errada, uma vez que muitos judeus ainda estavam escondidos. Massacres menores em toda a Crimeia continuaram até ao fim do ano.
Termina assim o meu resumo da reconstrução por Angrick dos acontecimentos em Simferopol em Novembro de Dezembro de 1941. Como disse antes, esta reconstrução baseia-se em evidência documental e em numerosos depoimentos de testemunhas oculares. A descrição supra do massacre que começou em 11 de Dezembro de 1941, por exemplo, é baseada nos depoimentos de testemunhas oculares registados em ficheiros de investigação de autoridades de justiça penal da Alemanha Federal, referidos nas páginas 340 a 342 do livro de Angrick: Paul Zapp, Sergej Myshekov, Georg Glück, Hermann Frenser, Georg Mandt, Hans Günther, Hans Kurz, Hans Fibiger, Walter Güsfeldt, Fritz Urbach, Kurt Wehrbein, Karl Jonas, Heinz Hoffmann, Harry Pilawski, Wilhelm Ickerott, Paul Lohmann, e outros. Estas testemunhas oculares, excepto provavelmente pela testemunha soviética Myshekov, tinham participado na matança como membros de uma ou outra unidade envolvida na mesma.
Passo a traduzir uma parte da Relatório de Situação Operacional URSS Nº 150, cuja tradução para inglês pode ser lida
aqui:
Simferopol, Yevpatoria, Alushta, Krasubasar, Kerch, Feodosia e outros distritos da Crimeia ocidental se encontram livres de judeus. Entre 16 de Novembro e 15 de Dezembro de 1941, 17.645 judeus, 2.504 Krimchaks, 824 ciganos, e 212 comunistas e guerrilheiros foram abatidos a tiro. Em total têm sido executadas 75.881 pessoas.
A última destas cifras refere-se ao número total de execuções pelo
Einsatzgruppe D desde o início da campanha da Rússia. A maior parte dos números relativos a Crimeia correspondem provavelmente aos massacres de Simferopol, seguidos pelos massacres de Kerch nos primeiros dias de Dezembro (cerca de 2.500 Jews) e em Feodosia por volta de 10 de Dezembro de 1941 (mais de 1.000 judeus e Krimchaks), também descritos em detalhe por Angrick.
Resulta claro, portanto, que a alegação de Paget sobre uma única massacre menor em Simferopol em 16 de Novembro de 1941 não tem nada a ver com o registo histórico do destino dos judeus e krimchaks de Simferopol, a maioria dos quais foram mortos nos massacres em 9 de Dezembro e a partir de 11 de Dezembro de 1941.
Ora, o que é que isto significa no que respeita à alegação de Paget de que houve
«várias testemunhas que tinham ficado junto de famílias judias no quarteirão e reportaram sobre os serviços religiosos na sinagoga bem como o mercado judeu, onde compraram ícones e velharias – até à altura em que Manstein partiu da Crimeia e depois»? Trata-se de uma alegação deliberadamente falsa, ou será que as testemunhas eram falsas testemunhas ansiosas por tirar Manstein do seu apuro?
Não necessariamente. Como vimos acima, Himmler decidiu poupar os caraítas porque não eram considerados judeus em termos "raciais". Os caraítas praticam o
caraísmo, e portanto o contacto com a população caraíta de Simferopol pode ter levado as testemunhas de Paget a descreve-los como judeus e a acreditar que os judeus de Simferopol não tinham sido aniquilados.
As alegações erróneas de Paget podem ser perdoadas a um advogado de defesa no fim da década de 1940, com acesso limitado a informação sobre os acontecimentos em questão e preocupado unicamente em defender o seu cliente tão bem quanto possível.
Mas pode também ser perdoado a Mattogno & Graf, que pretendem ser historiadores ou pesquisadores de história, o terem aceite como verídicas as alegações de Paget, sem verifica-las com base em outras fontes, e transcrito estas alegações no seu livro como se da narração de factos indisputáveis se tratasse?
Vejamos o que fez Angrick: recolheu toda a informação documental e de testemunhas oculares que conseguiu encontrar em vários arquivos e juntou as peças que encontrou numa descrição dos acontecimentos tão exacta quanto possível.
É isto o que fazem os historiadores.
Mattogno & Graf, por outro lado, basearam as suas conclusões relativamente aos massacres de Simferopol numa única fonte – e nem sequer uma fonte primária – que por acaso encaixava nas suas noções preconcebidas.
Isto não é o que fazem os historiadores. Isto é o que fazem charlatães desleixados com uma agenda ideológica. Mattogno & Graf não estão revisando noções aceites sobre um acontecimento histórico ou um conjunto de acontecimentos com base em evidência anteriormente desconhecida. O que fazem é ignorar ou rejeitar toda a evidência que contradiz as suas noções preconcebidas – e que, no caso das massacres de Simferopol, é bastante abundante – e basear as suas conclusões numa fonte secundária conveniente que está tão afastada da evidência quanto as noções preconcebidas de quem nela se baseia.
E esta, mais uma vez, é a razão pela qual o "revisionismo", conforme representado por Mattogno & Graf entre outros "estudiosos", não tem nada a ver com revisionismo no sentido estrito da palavra, o de um método que faz parte da historiografia. É apenas a negação de acontecimentos inconvenientes a certas noções preconcebidas e artigos de fé, propaganda com motivação ideológica.
[Tradução adaptada do meu artigo
The Simferopol Massacres no blog
Holocaust Controversies]
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Porque é negação e não revisionismo. Parte II: negadores e as valas de Marijampole
Porque é negação e não revisionismo. Parte III: negadores e o massacre de Babiy Yar (1)
Porque é negação e não revisionismo. Parte IV: negadores e o massacre de Babiy Yar (2)
Porque é negação e não revisionismo. Parte V: negadores e o massacre de Babiy Yar (3)
Porque é negação e não revisionismo. Parte VI: negadores e o massacre de Babiy Yar (4)
Porque é negação e não revisionismo. Parte VII: outras patéticas objeções aos relatórios dos Einsatzgruppen
Ver também: Técnicas dos negadores do Holocausto