O Negacionismo.
(Extrato do Pequeno dicionário para lutar contra a extrema-direita, de Martin Aubry e Olivier Duhamel. Edições du Seuil).
Os partidários desta corrente preferem dizer "revisionismo", porque é mais apresentável. A audácia de revisar. Pretendem-se como historiadores e não são mais que neonazis, ou chegam a sê-lo. Pertencem à extrema-direita e vêm com frequência da extrema-esquerda. Tem uma obsessão: a negação do genocídio judeu.
O primeiro deles foi um homem curioso. Paul Rassinier, comunista em 1923, esquerdista no começo dos anos 30, socialista depois de 6 de fevereiro de 1934, secretário da federação de Belfort, próximo a Marceau Pivert e à extrema-esquerda do partido, pacifista, não partidário de Vichy diferente de outros socialistas, participante da resistência inclusive, detido pela Gestapo em 1943, torturado, deportado para Buchenwald de onde regressou inválido. Vencido nas eleições de 1946, escreverá em 1950 um livro contestando a existência das câmaras de gás. Excluído do SFIO (Partido Socialista francês), será apoiado pela extrema-direita, Maurice Bardéche, o antissemita Henry Coston e companhia.
Se evocamos aqui a este triste personagem é porque Rassinier, o primeiro negacionista, ilustra um rasgo essencial nesta seita, a paixão anticomunista. Em seu artigo de referência, "A negação do povo judeu" (L´Histoire, nº 106, dezembro de 1987), o historiador Henry Rousso recorda justamente que os negacionistas têm em comum "uma mistura híbrida de pacifismo, antissemitismo e anticomunismo". Para constranger melhor o stalinismo é preciso absolver o nazismo ou, pelo menos, reduzir o horror e negar sua especificidade. Enquanto o antissemitismo, foi também parte de uma certa esquerda trabalhista na primeira metade do século (XX), que evoluiu até uma certa extrema-esquerda pró-palestina primeiro, antissionista de imediato.
O negacionismo não mereceria nem sequer ser mencionado se não fosse a constatação do transtorno mental de algumas pessoas supostamente cultas; se não revelasse, uma vez mais, a fragilidade intelectual e moral de inteligências elevadas, como os casos do linguista norte-americano Noam Chomsky ou do filósofo Jean Beaufret, que assumiram a defesa de Robert Faurisson e de outros "revisionistas", como sempre em nome da liberdade de expressão; se não ilustrasse, de forma paroxística, a incapacidade da sociedade francesa para ajustar contas com o período da Ocupação nazista e do colaboracionismo.
Três importantes textos analisaram esta impostura: "Les redresseurs de morts", de Nadine Fresco (Les Temps Modernes, setembro de 1980), L´Avenir d´une négation, de Alain Finkielkraut (edições du Seuil, 1982) e Los asesinos de la memoria (Os assassinos da memória), de Pierre Vidal-Naquet (La Découverte, 1987).
Fonte: site clio.rediris.es (Espanha)
Título original: El Negacionismo
http://clio.rediris.es/fichas/Holocausto/negacionismo.htm
Tradução: Roberto Lucena
Observação: há alguns pontos no texto que são controversos como a citação do Chomsky que é tratada aqui. Na verdade ele não defende o conteúdo do que o Faurisson (negacionista, de mesma linha política do Rassinier) e sim o direito dele se expressar, mesmo que pra dizer besteira, e mesmo discordando dele. Adotar essa postura, por mais críticas que alguém tenha ao Chomsky, não é o mesmo que defender o conteúdo do que ele diz.
Fora que a questão acima é bem antiga. Digo isso porque vez ou outra chega gente falando de negacionismo como se a gente tivesse lido sobre isso há uma semana e não tivesse ideia do que seja ou dessa pilha de baboseiras que esses caras soltam. Sinceramente, eu não entendo essa postura de pregação que o brasileiro (generalizando) anda adotando.
Mas voltando ao assunto (ao que interessa de fato), não traduzi o texto por isso ou por outras passagens dele e sim por conta de um problema citado no texto que descreve com perfeição uma extrema-esquerda trotskista francesa, que já foi citada aqui antes (a Velha Toupeira), visivelmente alinhada com a negação do Holocausto, antissemitismo e afins por conta da briga 'religiosa' dela (uso o termo pelo comportamento religioso, dogmático e fanático desse grupo) com o que considera 'stalinismo' ou qualquer coisa que eles relacionem a isso (remonta a briga entre Stalin e Trotsky).
Há algum tempo atrás eu não conseguia entender o real motivo da ação dessa extrema-esquerda pois não associava o trotskismo a ela, era sempre obscura a razão da ação desses elementos, mas hoje dá pra entender claramente qual a razão disso (não havia lido o texto traduzido acima antes, pelo menos se li não me lembrava dele).
Os trotskistas querendo atacar o inimigo mortal deles (que por mais absurdo que pareça, não é Hitler, os caras são tão sectários que sentem mais ódio de Stalin que de Hitler, já vi trotskista dizer isso e não me tocava do sectarismo deles), tentam atenuar os crimes dos nazis.
Agora é possível entender o comportamento de seita dessa extrema-esquerda trotskista francesa e a razão desse negacionismo dela pra tirar o caráter genocida do nazismo e jogar tudo no que eles rotulam de stalinismo, e de quebra ainda dão discurso pra extrema-direita (fascistas, neonazis etc), isso quando não mudam de lado (migram pra extrema-direita) como os Horst Mahler, Faurisson, Rassinier e cia.
Tem uma parte do texto que retrata bem o problema que é o fato desses grupos trotskistas estimularem até o ódio anticomunista pra atenuar os crimes do nazismo. Não todos, mas boa parte dos que se denominam anticomunistas, ou mais precisamente os que têm uma forte obsessão com isso, possuem fortes tendências autoritárias e sectárias.
No Brasil se vê esse tipo de extrema-esquerda que segue esse alinhamento trotskista ter quase o mesmo comportamento dessa facção francesa. Por sinal, alguns dos indivíduos mais autoritários ou 'surtados' da direita atual brasileira foram trotskistas.
Quem quiser ler mais sobre essa questão, mas não está traduzido (obviamente), em inglês, confira na página:
http://www.anti-rev.org/textes/VidalNaquet92b/part-4.html
quarta-feira, 2 de abril de 2014
terça-feira, 1 de abril de 2014
Morreu Jacques Le Goff, o historiador que nos explicou a invenção do Purgatório
Luís Miguel Queirós e Isabel Salema
01/04/2014 - 12:16
Mudou a percepção que tínhamos da Idade Média e escreveu várias obras que se tornaram clássicos.
O historiador francês que revolucionou a historiografia moderna e reabilitou a imagem da Idade Média europeia, mostrando-a como um período bastante mais dinâmico do que o humanismo renascentista quis fazer crer, morreu esta terça-feira em Paris, aos 90 anos, noticiou o jornal Le Monde.
Além de centenas de artigos, Jacques Le Goff tinha mais de 40 livros publicados, desde Os Intelectuais na Idade Média e Mercadores e Banqueiros na Idade Média, ambos de 1957 (as edições portuguesas são da Gradiva), até ao recente À la recherche du temps sacré, Jacques de Voragine et la Légende Dorée, de 2011.
Bernardo Vasconcelos e Sousa, autor da obra História de Portugal, juntamente com Rui Ramos e Nuno Monteiro, diz que Le Goff “é um dos historiadores mais importantes da segunda metade do século XX à escala mundial, sem dúvida e sem favor nenhum”. Com George Duby, outro grande historiador francês falecido em 1996, “mudou de forma radical e muito profunda a maneira de ver a Idade Média ocidental”.
O historiador francês pertencia à terceira geração de historiadores da escola dita dos Annales. A sua concepção de antropologia histórica e o seu interesse pela história da cultura e das mentalidades, de O Nascimento do Purgatório à monumental biografia do rei São Luís, distinguem-no dos modelos de interpretação social e económica de Fernand Braudel, representando um modo criativo de retomar o legado da revista fundada em 1929 por Marc Bloch e Lucien Febvre.
Sucessor de Braudel na direcção da École des Hautes Études en Sciences Sociales, publica em 1964 A Civilização do Ocidente Medieval (edição portuguesa da Estampa), uma obra que toma como objecto de estudo um vasto âmbito geográfico e um período de tempo longo e nos dá, diz Bernardo Vasconcelos e Sousa, uma nova Idade Média “combatendo quer a visão negra de uma Idade Média de ‘feios, porcos e maus’, que ainda hoje tem uma representação no discurso político ou jornalístico, quer uma imagem dourada e cor-de-rosa”, alimentada pelo romantismo. Na Idade Média que construiu, juntamente com a sua geração, “estudam-se as estruturas, as mentalidades, os valores, as representações do quotidiano”.
Se tivesse que escolher uma obra para um leitor leigo, Vasconcelos e Sousa destacaria A Civilização do Ocidente Medieval, “um livro de carácter científico que se lê como um bom romance”, um manual de história geral onde Le Goff defende a existência “de uma civilização do Ocidente medieval”, uma civilização que sucede à Antiguidade Greco-Romana e antecede o mundo moderno.
O historiador da Universidade Nova de Lisboa cita também O Nascimento do Purgatório (a obra que o próprio Le Goff preferia entre as outras) como “um livro magistral”, onde se analisa a criação, a invenção, do Purgatório, sobretudo a partir do século XII, como lugar intermédio entre o céu e o inferno: “Mesmo que não se esteja em condições de aceder de imediato à harmonia celestial há uma lugar intermédio, de esperança, que possibilita que se venha a aceder ao céu. É uma sociedade que se está a diversificar, a complexificar e isso teve consequência na estruturação do pensamento e da devoção cristãos.”
Na obra Para um Novo Conceito da Idade Média, onde junta vários pequenos estudos, Vasconcelos e Sousa destaca um intitulado “O tempo da Igreja e o tempo do mercador”, em que o historiador francês compara e contrapõe uma representação da vivência do tempo por parte da Igreja, de um tempo cíclico das horas litúrgicas, dos ciclos naturais, a um tempo quantificado dos mercadores, um tempo linear, um tempo que é dinheiro: “Esse tempo começa a fazer a sua afirmação a partir do século XIII e XIV, passando pela sua materialização, quantificado já não pela sucessão das horas diárias, pelo bater do sino das igrejas, mas pelo relógio mecânico que começa a surgir precisamente nas cidades ao longo do século XIV.”
Na sua abordagem antropólogica, na sua ambição de abarcar o homem em todas as suas dimensões, Le Goff construiu uma história das mentalidades medievais em que mostrou como estavam então interligados domínios aparentemente tão distantes como a teologia ou o comércio.
Esta diversificação dos temas, que abriu muitas linhas de investigação, dá uma ideia, diz Vasconcelos e Sousa, “da revolução que houve nos estudos medievais, de que Le Goff e Duby foram mais directamente responsáveis”.
A nova história
Nos anos 70, coordena duas obras colectivas de grande envergadura que se tornarão as referências teóricas da Nouvelle Histoire, a corrente historiográfica que funda com Pierre Nora, e que procurará levar mais longe a herança dos Annales: os três volumes de Fazer História (1974), e A Nova História, em colaboração com Jacques Revel (1978). A primeira foi traduzida pela Bertrand e a segunda pelas Edições 70.
Num artigo de 2010 que a edição on line do jornal Le Nouvel Observateur recuperou a propósito da morte de Le Goff, André Burguière defende a tese de que, tal como os alemães têm de ter, em cada época, um grande filósofo, os franceses “querem ter um grande historiador que o mundo inteiro lhes inveje”. E acrescenta que desde a morte de Fernand Braudel esse historiador era Jacques Le Goff.
Burguière lembra que Le Goff sempre se reclamou da lição de Marc Bloch, co-fundador da revista Annales e pioneiro em contrapor à historiografia convencional do feudalismo uma abordagem sociológica. Mas as investigações de Bloch e dos seus discípulos focavam-se essencialmente na história rural e agrícola. Caberá a Le Goff propor uma história da cidade medieval, já anunciada nos títulos dos seus primeiros livros, que evocam, com um sabor deliberadamente anacrónico, os intelectuais e banqueiros da Idade Média. Le Goff, diz Burguière, “combate o lugar-comum que identifica a herança da Idade Média com o mundo rural”.
Quando recebeu, em 2004, o prestigiado prémio Dr. A. H. Heineken de História, atribuído pela Academia Real das Artes e Ciências dos Países Baixos, a declaração do júri dizia que Le Goff “mudou a nossa percepção da Idade Média”.
Le Goff punha mesmo em causa as cronologias tradicionais, defendendo que a Idade Média correspondia a todo o período durante o qual a Igreja e a respectiva doutrina tinham sido consideradas como a fonte da verdade, um estado de coisas que só teria verdadeiramente sido posto em causa, na efera económica, com a revolução industrial iniciada em Inglaterra em meados do século XVIII, e também, na ordem das mentalidades, com a Revolução Francesa.
Ou seja, teríamos uma Idade Média que se estenderia até à primeira metade do século XVIII e que, desde o século IV teria tido, diz Le Goff numa entrevista ao mesmo André Burguière, “várias fases de progresso que se podem qualificar como renascenças”, do desenvolvimento das cidades à criação das universidades. Le Goff crê ainda que uma das mais fundas dívidas do sujeito moderno ao cristianismo medieval é o reconhecimento da “noção de interioridade”, que este favoreceu.
De Ivanhoe aos Annales
Filho de um professor de inglês, Jacques Le Goff nasceu no dia 1 de Janeiro de 1924 em Toulon, no sul de França, onde fez os estudos liceais e teve como professor o historiador Henri Michel, que depois se tornaria um especialista na história da Segunda Guerra. Le Goff referir-se-ia sempre com veneração a Henri Michel, cujo magistério terá contribuído para que se tornasse historiador.
Mas Toulon, dirá mais tarde Le Goff, era uma cidade profundamente racista, e o estudante ficou satisfeito quando teve de se mudar para a mais cosmopolita Marselha, com o seu porto de mar e a sua população multiétnica.
Frequenta em Marselha os estudos preparatórios de acesso ao ensino superior, mas vai pouco às aulas. Convocado para o “serviço de trabalho obrigatório”, vulgo STO, imposto pela Alemanha nazi ao governo de Vichy, foge e junta-se à Resistência. Leitor compulsivo e omnívoro, devora os romances históricos de Walter Scott, como Ivanhoe, cuja influência na sua decisão de se tornar medievalista ele próprio não descartará.
No pós-guerra, estuda literatura, mas acabará por se licenciar em História. Em 1947, prossegue os seus estudos na universidade de Praga, onde assiste, no ano seguinte, à invasão soviética que poria fim à Primavera de Praga. Le Goff dirá mais tarde que foi esta “vacina” que o imunizou definitivamente contra o comunismo.
Concluídas as provas de agregação em 1950, torna-se professor e começa por dar aulas num liceu de Amiens, vai depois para a Universidade de Oxford como bolseiro, e em 1954 assume funções docentes na universidade de Lille.
Em 1958 conhece o historiador Maurice Lombard, especialista no Islão medieval, um encontro que se revelará. Le Goff dirá sempre que foi com Lombard que mais aprendeu, e foi também ele que o apresentou a Braudel, que após ter lido as primeiras obras do jovem historiador, lhe arranja um lugar de assistente na prestigiada VI secção (ciências económicas e sociais) da École Pratique d’Hautes Études, que então dirigia.
Em 1969, Le Goff torna-se co-director da revista Annales e, em 1972, sucede a Braudel na presidência da VI secção da École Pratique d’Hautes Études.
Grande comunicador, estreia-se em 1968 no programa radiofónico Les Lundis de l’Histoire, que ainda hoje é emitido pela France Culture, e com o qual Le Goff colaborou até ao final da vida.
Fonte: Público (Portugal)
http://www.publico.pt/cultura/noticia/morreu-o-historiador-jacques-le-goff-1630555
01/04/2014 - 12:16
Mudou a percepção que tínhamos da Idade Média e escreveu várias obras que se tornaram clássicos.
Jacques Le Goff numa fotografia não datada AFP |
Além de centenas de artigos, Jacques Le Goff tinha mais de 40 livros publicados, desde Os Intelectuais na Idade Média e Mercadores e Banqueiros na Idade Média, ambos de 1957 (as edições portuguesas são da Gradiva), até ao recente À la recherche du temps sacré, Jacques de Voragine et la Légende Dorée, de 2011.
Bernardo Vasconcelos e Sousa, autor da obra História de Portugal, juntamente com Rui Ramos e Nuno Monteiro, diz que Le Goff “é um dos historiadores mais importantes da segunda metade do século XX à escala mundial, sem dúvida e sem favor nenhum”. Com George Duby, outro grande historiador francês falecido em 1996, “mudou de forma radical e muito profunda a maneira de ver a Idade Média ocidental”.
O historiador francês pertencia à terceira geração de historiadores da escola dita dos Annales. A sua concepção de antropologia histórica e o seu interesse pela história da cultura e das mentalidades, de O Nascimento do Purgatório à monumental biografia do rei São Luís, distinguem-no dos modelos de interpretação social e económica de Fernand Braudel, representando um modo criativo de retomar o legado da revista fundada em 1929 por Marc Bloch e Lucien Febvre.
Sucessor de Braudel na direcção da École des Hautes Études en Sciences Sociales, publica em 1964 A Civilização do Ocidente Medieval (edição portuguesa da Estampa), uma obra que toma como objecto de estudo um vasto âmbito geográfico e um período de tempo longo e nos dá, diz Bernardo Vasconcelos e Sousa, uma nova Idade Média “combatendo quer a visão negra de uma Idade Média de ‘feios, porcos e maus’, que ainda hoje tem uma representação no discurso político ou jornalístico, quer uma imagem dourada e cor-de-rosa”, alimentada pelo romantismo. Na Idade Média que construiu, juntamente com a sua geração, “estudam-se as estruturas, as mentalidades, os valores, as representações do quotidiano”.
Se tivesse que escolher uma obra para um leitor leigo, Vasconcelos e Sousa destacaria A Civilização do Ocidente Medieval, “um livro de carácter científico que se lê como um bom romance”, um manual de história geral onde Le Goff defende a existência “de uma civilização do Ocidente medieval”, uma civilização que sucede à Antiguidade Greco-Romana e antecede o mundo moderno.
O historiador da Universidade Nova de Lisboa cita também O Nascimento do Purgatório (a obra que o próprio Le Goff preferia entre as outras) como “um livro magistral”, onde se analisa a criação, a invenção, do Purgatório, sobretudo a partir do século XII, como lugar intermédio entre o céu e o inferno: “Mesmo que não se esteja em condições de aceder de imediato à harmonia celestial há uma lugar intermédio, de esperança, que possibilita que se venha a aceder ao céu. É uma sociedade que se está a diversificar, a complexificar e isso teve consequência na estruturação do pensamento e da devoção cristãos.”
Na obra Para um Novo Conceito da Idade Média, onde junta vários pequenos estudos, Vasconcelos e Sousa destaca um intitulado “O tempo da Igreja e o tempo do mercador”, em que o historiador francês compara e contrapõe uma representação da vivência do tempo por parte da Igreja, de um tempo cíclico das horas litúrgicas, dos ciclos naturais, a um tempo quantificado dos mercadores, um tempo linear, um tempo que é dinheiro: “Esse tempo começa a fazer a sua afirmação a partir do século XIII e XIV, passando pela sua materialização, quantificado já não pela sucessão das horas diárias, pelo bater do sino das igrejas, mas pelo relógio mecânico que começa a surgir precisamente nas cidades ao longo do século XIV.”
Na sua abordagem antropólogica, na sua ambição de abarcar o homem em todas as suas dimensões, Le Goff construiu uma história das mentalidades medievais em que mostrou como estavam então interligados domínios aparentemente tão distantes como a teologia ou o comércio.
Esta diversificação dos temas, que abriu muitas linhas de investigação, dá uma ideia, diz Vasconcelos e Sousa, “da revolução que houve nos estudos medievais, de que Le Goff e Duby foram mais directamente responsáveis”.
A nova história
Nos anos 70, coordena duas obras colectivas de grande envergadura que se tornarão as referências teóricas da Nouvelle Histoire, a corrente historiográfica que funda com Pierre Nora, e que procurará levar mais longe a herança dos Annales: os três volumes de Fazer História (1974), e A Nova História, em colaboração com Jacques Revel (1978). A primeira foi traduzida pela Bertrand e a segunda pelas Edições 70.
Num artigo de 2010 que a edição on line do jornal Le Nouvel Observateur recuperou a propósito da morte de Le Goff, André Burguière defende a tese de que, tal como os alemães têm de ter, em cada época, um grande filósofo, os franceses “querem ter um grande historiador que o mundo inteiro lhes inveje”. E acrescenta que desde a morte de Fernand Braudel esse historiador era Jacques Le Goff.
Burguière lembra que Le Goff sempre se reclamou da lição de Marc Bloch, co-fundador da revista Annales e pioneiro em contrapor à historiografia convencional do feudalismo uma abordagem sociológica. Mas as investigações de Bloch e dos seus discípulos focavam-se essencialmente na história rural e agrícola. Caberá a Le Goff propor uma história da cidade medieval, já anunciada nos títulos dos seus primeiros livros, que evocam, com um sabor deliberadamente anacrónico, os intelectuais e banqueiros da Idade Média. Le Goff, diz Burguière, “combate o lugar-comum que identifica a herança da Idade Média com o mundo rural”.
Quando recebeu, em 2004, o prestigiado prémio Dr. A. H. Heineken de História, atribuído pela Academia Real das Artes e Ciências dos Países Baixos, a declaração do júri dizia que Le Goff “mudou a nossa percepção da Idade Média”.
Le Goff punha mesmo em causa as cronologias tradicionais, defendendo que a Idade Média correspondia a todo o período durante o qual a Igreja e a respectiva doutrina tinham sido consideradas como a fonte da verdade, um estado de coisas que só teria verdadeiramente sido posto em causa, na efera económica, com a revolução industrial iniciada em Inglaterra em meados do século XVIII, e também, na ordem das mentalidades, com a Revolução Francesa.
Ou seja, teríamos uma Idade Média que se estenderia até à primeira metade do século XVIII e que, desde o século IV teria tido, diz Le Goff numa entrevista ao mesmo André Burguière, “várias fases de progresso que se podem qualificar como renascenças”, do desenvolvimento das cidades à criação das universidades. Le Goff crê ainda que uma das mais fundas dívidas do sujeito moderno ao cristianismo medieval é o reconhecimento da “noção de interioridade”, que este favoreceu.
De Ivanhoe aos Annales
Filho de um professor de inglês, Jacques Le Goff nasceu no dia 1 de Janeiro de 1924 em Toulon, no sul de França, onde fez os estudos liceais e teve como professor o historiador Henri Michel, que depois se tornaria um especialista na história da Segunda Guerra. Le Goff referir-se-ia sempre com veneração a Henri Michel, cujo magistério terá contribuído para que se tornasse historiador.
Mas Toulon, dirá mais tarde Le Goff, era uma cidade profundamente racista, e o estudante ficou satisfeito quando teve de se mudar para a mais cosmopolita Marselha, com o seu porto de mar e a sua população multiétnica.
Frequenta em Marselha os estudos preparatórios de acesso ao ensino superior, mas vai pouco às aulas. Convocado para o “serviço de trabalho obrigatório”, vulgo STO, imposto pela Alemanha nazi ao governo de Vichy, foge e junta-se à Resistência. Leitor compulsivo e omnívoro, devora os romances históricos de Walter Scott, como Ivanhoe, cuja influência na sua decisão de se tornar medievalista ele próprio não descartará.
No pós-guerra, estuda literatura, mas acabará por se licenciar em História. Em 1947, prossegue os seus estudos na universidade de Praga, onde assiste, no ano seguinte, à invasão soviética que poria fim à Primavera de Praga. Le Goff dirá mais tarde que foi esta “vacina” que o imunizou definitivamente contra o comunismo.
Concluídas as provas de agregação em 1950, torna-se professor e começa por dar aulas num liceu de Amiens, vai depois para a Universidade de Oxford como bolseiro, e em 1954 assume funções docentes na universidade de Lille.
Em 1958 conhece o historiador Maurice Lombard, especialista no Islão medieval, um encontro que se revelará. Le Goff dirá sempre que foi com Lombard que mais aprendeu, e foi também ele que o apresentou a Braudel, que após ter lido as primeiras obras do jovem historiador, lhe arranja um lugar de assistente na prestigiada VI secção (ciências económicas e sociais) da École Pratique d’Hautes Études, que então dirigia.
Em 1969, Le Goff torna-se co-director da revista Annales e, em 1972, sucede a Braudel na presidência da VI secção da École Pratique d’Hautes Études.
Grande comunicador, estreia-se em 1968 no programa radiofónico Les Lundis de l’Histoire, que ainda hoje é emitido pela France Culture, e com o qual Le Goff colaborou até ao final da vida.
Fonte: Público (Portugal)
http://www.publico.pt/cultura/noticia/morreu-o-historiador-jacques-le-goff-1630555
Extrema direita avança, e socialistas veem derrota como 'tapa na cara' na França
Daniela Fernandes
De Paris para a BBC Brasil
Atualizado em 31 de março, 2014 - 18:20 (Brasília) 21:20 GMT
Steeve Briois (à direita), o prefeito recém-eleito de Henin-Beuamong, abraça Marine Le Pen, a líder da Frente Nacional, de extrema direita, na França; cidade é tradicional reduto socialista que enfrenta desemprego de 18%
Os socialistas franceses sofreram uma derrota histórica nas eleições municipais encerradas no domingo, marcadas por votos de protesto contra a política do presidente François Hollande.
A direita tradicional conquistou bastiões históricos da esquerda na França. A Frente Nacional, da extrema direita, conseguiu eleger 13 prefeitos (entre eles o do distrito mais populoso de Marselha, uma vitória significativa) e quase 1,4 mil vereadores em todo o país, um recorde.
"Entramos em uma nova fase, a de acesso ao poder. O processo injusto de demonização do partido na sociedade acabou", disse Marine Le Pen, presidente da Frente Nacional.
O Partido Socialista (PS) perdeu o comando de 155 cidades com mais de 9 mil habitantes, sendo 68 delas com mais de 30 mil habitantes e dez cidades com mais de 100 mil habitantes, segundo dados do ministério do Interior.
'Tapa na cara'
"É um tapa na cara sob a forma de uma severa advertência", afirmou a socialista Ségolène Royale, que disputou as eleições presidenciais em 2007.
"Essa é a pior eleição municipal da história da esquerda francesa. É o desabamento de uma parte do socialismo na esfera municipal", disse Frédéric Dabi, diretor do instituto de pesquisas de opinião Ifop.
Na França, os prefeitos não são eleitos diretamente. A população elege listas de vereadores que, por sua vez, escolherão o prefeito. O país possui cerca de 36 mil municípios, e até mesmo vilarejos com algumas dezenas de habitantes elegem prefeitos e vereadores.
As listas que obtêm pelo menos 10% no primeiro turno têm o direito de disputar o segundo, o que permite haver vários candidatos na disputa final.
O PS do presidente François Hollande conseguiu manter algumas grandes cidades, como Paris (que será pela primeira vez comandada por uma mulher, a socialista Anne Hidalgo), Lyon, Lille, Estrasburgo e Rennes, e conquistou apenas três prefeituras até então sob o poder da direita, entre elas Avignon.
Mas os socialistas perderam dezenas de municipalidades importantes para a direita e seus aliados do centro, como Toulouse, quarta maior cidade do país, e também bastiões históricos, como Limoges (comandada pela esquerda desde 1912) ou ainda Angers e Belfort, dirigidas pelos socialistas desde 1977.
Para analistas, o resultado em Paris é um "paradoxo nacional". A candidata socialista vai suceder o socialista Bertrand Delanoë, que criou os sistemas de aluguel de bicicletas e de carros elétricos, a chamada "praia de Paris", situada à beira do Sena, o evento da "noite em claro", onde os museus ficam abertos toda a madrugada e que deixa um balanço de governo, considerado, em geral, positivo.
'Derrota coletiva'
A nova prefeita eleita de Paris, Anne Hidalgo, e o ex-prefeito Bertrand Delanoe (à esquerda) celebram a vitória em frente à Prefeitura de Paris (Getty Images)brate in front of the City Hall of Paris, after she won the second round of the French municipal elections on March 30, 2014
Em Quimper, na Bretanha, o prefeito socialista, que também atua como conselheiro de Hollande, não conseguiu se reeleger.
Os socialistas perderam ainda cidades para a própria esquerda, como Grenoble, onde a disputa foi vencida pelo Partido Verde, ou Montpellier, conquistada por um dissidente socialista.
"Essas eleições foram marcadas pelo desafeto significativo das pessoas que confiaram em nós em 2012 (nas presidenciais)", declarou no domingo o primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault, acrescentando que a derrota socialista "é uma responsabilidade coletiva".
"O presidente vai tirar as lições dessa eleição municipal", disse Ayrault, que foi substituído no cargo mais rápido do que o previsto. Hollande nomeou já nesta segunda-feira um novo primeiro-ministro: Manuel Valls, que era o ministro do Interior.
Hollande registra o pior índice de popularidade de um presidente em mais de 50 anos, com apenas 22% a 25%, segundo pesquisas.
Para complicar ainda mais as chances dos socialistas no segundo turno, foi anunciado na semana passada um novo aumento da taxa de desemprego na França.
"Por uma cruel ironia da história, Hollande se tornou o coveiro do que ele mesmo construiu", escreve o jornal Le Monde em um editorial intitulado "A queda do socialismo municipal".
"Durante os 11 anos em que Hollande dirigiu o partido (entre 1997 e 2008), os socialistas colecionaram vitórias em eleições cantonais e regionais, arrancaram Paris e Lyon da direita e conquistaram 44 cidades de mais de 20 mil habitantes", diz o jornal, acrescentando que a "poderosa rede de políticos municipais" constituída ao longo dos anos "desabou abruptamente".
Foi graças a essas rede de eleitos municipais que o Senado francês passou, em 2011, pela primeira vez em sua história, a ser comandado pela esquerda, já que os vereadores integram parte do colégio eleitoral que elege o senado (também é uma votação indireta).
Riscos no Senado
Além do remanejamento do gabinete de governo de Hollande nesta semana, a derrota nas municipais têm outro impacto importante: os socialistas correm o forte risco de perder o comando do Senado em setembro.
"O Senado deverá passar novamente para a direita", estima Jean-François Copé, secretário-geral do UMP (partido do ex-presidente Nicolas Sarkozy). Segundo ele, o UMP se tornou o "primeiro partido da França" após as municipais.
De acordo com o Ministério do Interior, a direita tradicional obteve 45,91% dos votos nas eleições municipais e, a esquerda, 40,57%.
A Frente Nacional (FN), de extrema direita, obteve 6,84%. O restante foi registrado por listas de candidatos sem filiação partidária.
A votação também foi marcada por uma taxa de abstenção recorde, de 36,3% no segundo turno, o que revela, segundo analistas, o "desafeto" dos franceses em relação à classe política.
Extrema direita
As eleições municipais também reforçaram a consolidação da extrema direita como terceira força política da França, na avaliação de analistas.
É certo que o avanço da FN não foi tão grande como inicialmente estimado após o primeiro turno. O partido participou de mais de 200 disputas de segundo turno no país, algo jamais visto.
Apenas 12 cidades mais um distrito de Marselha (o mais populoso, com 150 mil habitantes) foram conquistados, mas os resultados se inserem totalmente na nova estratégia do partido: se estabelecer em nível municipal para ampliar, progressivamente, suas chances na disputa presidencial (Marine Le Pen, a líder do partido, obteve 17% nas presidenciais de 2012, sendo a terceira colocada).
Como os cargos de vereadores são distribuídos proporcionalmente aos resultados na votação (mesmo derrotado para o comando da prefeitura, um partido pode eleger vários vereadores), a Frente Nacional conseguiu eleger 1,4 mil vereadores.
Em algumas cidades, o partido chegou a obter 30% dos votos no segundo turno. A FN conseguiu se firmar com vereadores em localidades onde jamais esteve presente, como na Bretanha, em cidades operárias com altas taxas de desemprego.
Fonte: BBC Brasil
http://www.bbc.co.uk/portuguese/ultimas_noticias/2014/03/140331_franca_eleicao_bg.shtml
De Paris para a BBC Brasil
Atualizado em 31 de março, 2014 - 18:20 (Brasília) 21:20 GMT
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Marine Le Pen (à esq.), líder da Frente Nacional (extrema direita), disse que demonização do partido acabou |
Os socialistas franceses sofreram uma derrota histórica nas eleições municipais encerradas no domingo, marcadas por votos de protesto contra a política do presidente François Hollande.
A direita tradicional conquistou bastiões históricos da esquerda na França. A Frente Nacional, da extrema direita, conseguiu eleger 13 prefeitos (entre eles o do distrito mais populoso de Marselha, uma vitória significativa) e quase 1,4 mil vereadores em todo o país, um recorde.
"Entramos em uma nova fase, a de acesso ao poder. O processo injusto de demonização do partido na sociedade acabou", disse Marine Le Pen, presidente da Frente Nacional.
O Partido Socialista (PS) perdeu o comando de 155 cidades com mais de 9 mil habitantes, sendo 68 delas com mais de 30 mil habitantes e dez cidades com mais de 100 mil habitantes, segundo dados do ministério do Interior.
'Tapa na cara'
"É um tapa na cara sob a forma de uma severa advertência", afirmou a socialista Ségolène Royale, que disputou as eleições presidenciais em 2007.
"Essa é a pior eleição municipal da história da esquerda francesa. É o desabamento de uma parte do socialismo na esfera municipal", disse Frédéric Dabi, diretor do instituto de pesquisas de opinião Ifop.
Na França, os prefeitos não são eleitos diretamente. A população elege listas de vereadores que, por sua vez, escolherão o prefeito. O país possui cerca de 36 mil municípios, e até mesmo vilarejos com algumas dezenas de habitantes elegem prefeitos e vereadores.
As listas que obtêm pelo menos 10% no primeiro turno têm o direito de disputar o segundo, o que permite haver vários candidatos na disputa final.
O PS do presidente François Hollande conseguiu manter algumas grandes cidades, como Paris (que será pela primeira vez comandada por uma mulher, a socialista Anne Hidalgo), Lyon, Lille, Estrasburgo e Rennes, e conquistou apenas três prefeituras até então sob o poder da direita, entre elas Avignon.
Mas os socialistas perderam dezenas de municipalidades importantes para a direita e seus aliados do centro, como Toulouse, quarta maior cidade do país, e também bastiões históricos, como Limoges (comandada pela esquerda desde 1912) ou ainda Angers e Belfort, dirigidas pelos socialistas desde 1977.
Para analistas, o resultado em Paris é um "paradoxo nacional". A candidata socialista vai suceder o socialista Bertrand Delanoë, que criou os sistemas de aluguel de bicicletas e de carros elétricos, a chamada "praia de Paris", situada à beira do Sena, o evento da "noite em claro", onde os museus ficam abertos toda a madrugada e que deixa um balanço de governo, considerado, em geral, positivo.
'Derrota coletiva'
Vitória da socialista Anne Hidalgo, em Paris, foi um dos poucos êxitos do partido do presidente François Hollande |
Em Quimper, na Bretanha, o prefeito socialista, que também atua como conselheiro de Hollande, não conseguiu se reeleger.
Os socialistas perderam ainda cidades para a própria esquerda, como Grenoble, onde a disputa foi vencida pelo Partido Verde, ou Montpellier, conquistada por um dissidente socialista.
"Essas eleições foram marcadas pelo desafeto significativo das pessoas que confiaram em nós em 2012 (nas presidenciais)", declarou no domingo o primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault, acrescentando que a derrota socialista "é uma responsabilidade coletiva".
"O presidente vai tirar as lições dessa eleição municipal", disse Ayrault, que foi substituído no cargo mais rápido do que o previsto. Hollande nomeou já nesta segunda-feira um novo primeiro-ministro: Manuel Valls, que era o ministro do Interior.
Hollande registra o pior índice de popularidade de um presidente em mais de 50 anos, com apenas 22% a 25%, segundo pesquisas.
Para complicar ainda mais as chances dos socialistas no segundo turno, foi anunciado na semana passada um novo aumento da taxa de desemprego na França.
"Por uma cruel ironia da história, Hollande se tornou o coveiro do que ele mesmo construiu", escreve o jornal Le Monde em um editorial intitulado "A queda do socialismo municipal".
"Durante os 11 anos em que Hollande dirigiu o partido (entre 1997 e 2008), os socialistas colecionaram vitórias em eleições cantonais e regionais, arrancaram Paris e Lyon da direita e conquistaram 44 cidades de mais de 20 mil habitantes", diz o jornal, acrescentando que a "poderosa rede de políticos municipais" constituída ao longo dos anos "desabou abruptamente".
Foi graças a essas rede de eleitos municipais que o Senado francês passou, em 2011, pela primeira vez em sua história, a ser comandado pela esquerda, já que os vereadores integram parte do colégio eleitoral que elege o senado (também é uma votação indireta).
Riscos no Senado
Além do remanejamento do gabinete de governo de Hollande nesta semana, a derrota nas municipais têm outro impacto importante: os socialistas correm o forte risco de perder o comando do Senado em setembro.
"O Senado deverá passar novamente para a direita", estima Jean-François Copé, secretário-geral do UMP (partido do ex-presidente Nicolas Sarkozy). Segundo ele, o UMP se tornou o "primeiro partido da França" após as municipais.
De acordo com o Ministério do Interior, a direita tradicional obteve 45,91% dos votos nas eleições municipais e, a esquerda, 40,57%.
A Frente Nacional (FN), de extrema direita, obteve 6,84%. O restante foi registrado por listas de candidatos sem filiação partidária.
A votação também foi marcada por uma taxa de abstenção recorde, de 36,3% no segundo turno, o que revela, segundo analistas, o "desafeto" dos franceses em relação à classe política.
Extrema direita
As eleições municipais também reforçaram a consolidação da extrema direita como terceira força política da França, na avaliação de analistas.
É certo que o avanço da FN não foi tão grande como inicialmente estimado após o primeiro turno. O partido participou de mais de 200 disputas de segundo turno no país, algo jamais visto.
Apenas 12 cidades mais um distrito de Marselha (o mais populoso, com 150 mil habitantes) foram conquistados, mas os resultados se inserem totalmente na nova estratégia do partido: se estabelecer em nível municipal para ampliar, progressivamente, suas chances na disputa presidencial (Marine Le Pen, a líder do partido, obteve 17% nas presidenciais de 2012, sendo a terceira colocada).
Como os cargos de vereadores são distribuídos proporcionalmente aos resultados na votação (mesmo derrotado para o comando da prefeitura, um partido pode eleger vários vereadores), a Frente Nacional conseguiu eleger 1,4 mil vereadores.
Em algumas cidades, o partido chegou a obter 30% dos votos no segundo turno. A FN conseguiu se firmar com vereadores em localidades onde jamais esteve presente, como na Bretanha, em cidades operárias com altas taxas de desemprego.
Fonte: BBC Brasil
http://www.bbc.co.uk/portuguese/ultimas_noticias/2014/03/140331_franca_eleicao_bg.shtml
segunda-feira, 31 de março de 2014
A aventura de Josef Mengele na América do Sul (filme)
No terceiro e penúltimo dia da Mostra de Cinema Judaico (29/03), o argentino Wakolda ("O Médico Alemão"), de Lucia Puenzo, é um dos pontos altos. O filme, que passou pela A Certain Regard do Festival de Cannes em 2012, mostra as experiências desenvolvidas por um estranho médico na Patagônia nos anos 60.
O filme remete a um contexto histórico muito familiar aos sul-americanos: o refúgio de nazis foragidos dos aliados após o fim da 2ª Guerra Mundial. Alguns, como Adolf Eichmann, não tiveram sorte e, no caso deste ex-administrador de Auschwitz, foi sequestrado em plena Buenos Aires pela Mossad e executado em Israel. Já o sinistro Mengele deu-se melhor: acusado de experiências abomináveis com seres humanos durante a guerra, acabou por conseguir fugir sempre e terminou seus dias a viver pacificamente no litoral do Brasil, onde viria a morrer afogado em 1979.
A Wakolda do título original é uma menina que tem um problema: é muito mais pequena do que todas as outras pré-adolescentes da sua idade. Após infiltrar-se no seio da família dela, um misterioso médico vai tentando convencê-los a deixar submete-la a um método supostamente científico para ajudá-la a crescer.
A exibição do filme é precedida pela singular curta-metragem da Bielorrússia Shoes, que em poucos minutos, sem diálogos e sem mostrar rostos, filmando apenas os pés e as pernas dos "personagens", recria uma tragédia da 2ª Guerra.
Outro destaque na programação deste sábado é o documentário Os Judeus e o Dinheiro – Investigação de um Mito, que será seguido de um debate. Partindo de um homicídio que chocou a França em 2006, quando foi encontrado o cadáver de um jovem que havia sido sequestrado e torturado brutalmente durante vários dias, o realizador Lewis Cohen vai investigar um dos mais duradouros mitos relacionados com os judeus – a sua riqueza.
Ligando presente e passado, Cohen evita a superficialidade dos telejornais e dá ao crime, aparentemente cometido contra aquele jovem porque pensavam que ele, por ser judeu, "tinha dinheiro" (na verdade era o proprietário de uma pequena loja de telemóveis*), uma dimensão diferente. Para isso mergulha no passado para encontrar a origem deste mito – contando para isso com comentários de Jacques Le Goff, um dos maiores medievalistas de sempre, além de outros historiadores.
Já O Casamenteiro, de Avi Nesher, que teve no ano passado o seu trabalho mais recente exibido em Portugal, The Wonders, foi um grande sucesso em Israel, enquanto o alemão Os Vivos e os Mortos traz uma jovem em peregrinação por vários países em busca da sua identidade – o que a vai levar até a 2ª Guerra Mundial e o holocausto.
Fora do âmbito do cinema, a Judaica terá uma homenagem a Jan Karski, que contará com a presença do embaixador da Polônia. Karski foi um judeu polaco que durante a 2ª Guerra teve como missão de um grupo de resistência aos nazis um périplo por diversos países para alertar seus governos de que o holocausto estava a acontecer na Alemanha.
Fonte: c7nema.net (site)
http://www.c7nema.net/artigos/item/41263-judaica-a-aventura-de-josef-mengele-na-america-do-sul.html
*telemóvel: é como chamam telefone celular em Portugal
Observação: coloquei mais este texto por conta da citação do documentário do Lewis Cohen "Os judeus e o dinheiro" que desconhecia até ler o texto acima. Gosto de documentários que abordam a origem dos preconceitos mostrando como se formam os estereótipos e o que há de "verdades" nos mesmos, o rapaz morto era um vendedor de celular na França e foi sequestrado e morto porque a gangue que o fez achava que ele seria rico por ser judeu, seguindo à risca um estereótipo sem nem se questionarem que o mesmo poderia ser falso.
Esse tipo de documentário também geraria uma discussão de como combater o preconceito, via repressão simplesmente, como muitos defendem ignorando que não se desacredita uma ideia errada simplesmente por caneta, ou se desconstruindo o preconceito mostrando as falácias e erros neste tipo de discurso, que é o que eu acho que funciona de fato embora no país o combate a preconceitos praticamente inexiste como prática do Estado brasileiro, unidades da federação e instituições, principalmente Universidades.
Ver mais:
Resenha Crítica: "Os Judeus e o Dinheiro" (Jews & Money)
Os Judeus e o Dinheiro: Investigação de um Mito
O filme remete a um contexto histórico muito familiar aos sul-americanos: o refúgio de nazis foragidos dos aliados após o fim da 2ª Guerra Mundial. Alguns, como Adolf Eichmann, não tiveram sorte e, no caso deste ex-administrador de Auschwitz, foi sequestrado em plena Buenos Aires pela Mossad e executado em Israel. Já o sinistro Mengele deu-se melhor: acusado de experiências abomináveis com seres humanos durante a guerra, acabou por conseguir fugir sempre e terminou seus dias a viver pacificamente no litoral do Brasil, onde viria a morrer afogado em 1979.
A Wakolda do título original é uma menina que tem um problema: é muito mais pequena do que todas as outras pré-adolescentes da sua idade. Após infiltrar-se no seio da família dela, um misterioso médico vai tentando convencê-los a deixar submete-la a um método supostamente científico para ajudá-la a crescer.
A exibição do filme é precedida pela singular curta-metragem da Bielorrússia Shoes, que em poucos minutos, sem diálogos e sem mostrar rostos, filmando apenas os pés e as pernas dos "personagens", recria uma tragédia da 2ª Guerra.
Outro destaque na programação deste sábado é o documentário Os Judeus e o Dinheiro – Investigação de um Mito, que será seguido de um debate. Partindo de um homicídio que chocou a França em 2006, quando foi encontrado o cadáver de um jovem que havia sido sequestrado e torturado brutalmente durante vários dias, o realizador Lewis Cohen vai investigar um dos mais duradouros mitos relacionados com os judeus – a sua riqueza.
Ligando presente e passado, Cohen evita a superficialidade dos telejornais e dá ao crime, aparentemente cometido contra aquele jovem porque pensavam que ele, por ser judeu, "tinha dinheiro" (na verdade era o proprietário de uma pequena loja de telemóveis*), uma dimensão diferente. Para isso mergulha no passado para encontrar a origem deste mito – contando para isso com comentários de Jacques Le Goff, um dos maiores medievalistas de sempre, além de outros historiadores.
Já O Casamenteiro, de Avi Nesher, que teve no ano passado o seu trabalho mais recente exibido em Portugal, The Wonders, foi um grande sucesso em Israel, enquanto o alemão Os Vivos e os Mortos traz uma jovem em peregrinação por vários países em busca da sua identidade – o que a vai levar até a 2ª Guerra Mundial e o holocausto.
Fora do âmbito do cinema, a Judaica terá uma homenagem a Jan Karski, que contará com a presença do embaixador da Polônia. Karski foi um judeu polaco que durante a 2ª Guerra teve como missão de um grupo de resistência aos nazis um périplo por diversos países para alertar seus governos de que o holocausto estava a acontecer na Alemanha.
Fonte: c7nema.net (site)
http://www.c7nema.net/artigos/item/41263-judaica-a-aventura-de-josef-mengele-na-america-do-sul.html
*telemóvel: é como chamam telefone celular em Portugal
Observação: coloquei mais este texto por conta da citação do documentário do Lewis Cohen "Os judeus e o dinheiro" que desconhecia até ler o texto acima. Gosto de documentários que abordam a origem dos preconceitos mostrando como se formam os estereótipos e o que há de "verdades" nos mesmos, o rapaz morto era um vendedor de celular na França e foi sequestrado e morto porque a gangue que o fez achava que ele seria rico por ser judeu, seguindo à risca um estereótipo sem nem se questionarem que o mesmo poderia ser falso.
Esse tipo de documentário também geraria uma discussão de como combater o preconceito, via repressão simplesmente, como muitos defendem ignorando que não se desacredita uma ideia errada simplesmente por caneta, ou se desconstruindo o preconceito mostrando as falácias e erros neste tipo de discurso, que é o que eu acho que funciona de fato embora no país o combate a preconceitos praticamente inexiste como prática do Estado brasileiro, unidades da federação e instituições, principalmente Universidades.
Ver mais:
Resenha Crítica: "Os Judeus e o Dinheiro" (Jews & Money)
Os Judeus e o Dinheiro: Investigação de um Mito
domingo, 30 de março de 2014
Suécia admite que durante 100 anos marginalizou e esterilizou o povo cigano
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Dois ciganos desalojados de um acampamento em Estocolmo em 14 de março. / Rikard Stadler (Cordon Press) |
Ana Carbajosa / Miguel Mora Madri / Paris 29 MAR 2014 - 15:20 BRT
Ao longo do último século, a Suécia esterilizou, perseguiu, retirou crianças de suas famílias e proibiu a entrada no país dos ciganos; e as pessoas dessa minoria étnica foram tratadas durante décadas pelo Estado como “incapacitados sociais”. Estes anúncios não foram feitos por uma ONG militante. Eles fazem parte do relato do Governo conservador sueco, que em um gesto inédito na Europa, tanto por sua honestidade intelectual como pela amplitude do respeito à verdade, decidiu olhar para o passado e a revirar seus arquivos mais obscuros.
A ideia é saldar as dívidas com o passado para procurar melhorar o presente: “A situação que vivem os ciganos hoje se devem à discriminação histórica a que ele foram submetidos”, afirma o chamado Livro Branco, que foi apresentado nesta semana em Estocolmo, e no qual se detalham os abusos cometidos com os ciganos a partir de 1900.
A coalizão de centro-direita vigia a ascensão da extrema direita
O ministro de Integração,Erik Ullenhag, definiu essas décadas de impunidade e racismo de Estado como “um período escuro e vergonhoso da história sueca”. Suas palavras coincidiram com um episódio que ilustra a situação atual: na quarta-feira, uma das mulheres ciganas convidadas a dar seu depoimento foi proibida pelos funcionários do hotel Sheraton de entrar na área do café da manhã.
Os abusos históricos, assinala o Livro Branco, seguiram um padrão criado há séculos pelas monarquias europeias: começaram com os censos que elaboraram organismos oficiais como o Instituto para Biologia Racial ou a Comissão para a Saúde e o Bem-estar, que identificaram os ciganos que viviam no país. Os primeiros documentos oficiais descreviam os ciganos como “grupos indesejáveis para a sociedade” e como “uma carga”. Entre 1934 e 1974, o Estado prescreveu às mulheres ciganas a esterilização apelando ao “interesse das políticas de população”, como fez Austrália com os aborígenes. Não há cifras de vítimas, mas no Ministério de Integração explicam que uma em cada quatro famílias consultadas conhece algum caso de abortos forçados e esterilização. Os órgãos oficiais ficaram com a custódia de crianças ciganas que foram arrancadas de suas famílias. O estudo também não oferece dados sobre este costume, mas Sophia Metelius, assessora política do ministério, explica que se tratava de “uma prática sistemática”, sobretudo no inverno.
Estocolmo admite que proibiu a entrada de ciganos na Suécia até 1964, apesar de se saber o destino que tinham as minorias em um cenários de expansão nazista: os especialistas calculam que ao menos 600.000 romas e sintis foram exterminados no Porrajmos (como é conhecido o holocausto cigano), nas mãos do regime hitlerista e outros similares.
O Livro Branco detalha as prefeituras suecas que proibiram que os ciganos se assentassem de forma permanente, e lembra que as crianças eram segregadas em sala de aulas especiais e que não podiam ser atendidas pelos serviços sociais. “A ideia era tornar a vida deles impossível para que fossem embora do país”, resume Metelius.
Algumas destas práticas acontecem ainda em diversos países europeus, e a ciganofobia permanece com força na França , Grã-Bretanha e Alemanha. Paris desalojou em 2013 mais de 20.000 ciganos. Berlim planeja uma lei para evitar que os migrantes romenos e búlgaros —a maioria, roma— sem trabalho fiquem mais de seis meses no país.
Na próxima semana, a União Europeia celebrará uma cúpula especial para avaliar o caminho das políticas de integração da minoria roma. O panorama geral é desolador, com mostras de ódio racial na Hungria, Eslováquia e a República Tcheca.
Na Suécia, um país de cerca de nove milhões e meio de habitantes, vivem hoje mais de 50.000 ciganos. Por enquanto, as autoridades não contemplam a compensação aos familiares das vítimas de abusos, embora o Livro Branco abra porta para as demandas. O Governo estabeleceu a verdade histórica cruzando entrevistas pessoais de dúzias de ciganos com os arquivos oficiais. “Não são revelações novas. Os ciganos estão há anos contando estas histórias, mas ninguém dava atenção. Agora, simplesmente, reunimos os documentos oficiais e os cruzamos com depoimentos”, diz Sophia Metelius.
A coalizão de centro-direita enfrenta um forte crescimento nas pesquisas da extrema direita (10% das intenções de voto) e se propôs combater as mensagens xenófobas com uma firme defesa da tradição progressista sueca.
A aceitação em massa de refugiados sírios é uma das políticas com as quais liberais e conservadores querem demonstrar que o catastrofismo populista não deve irremediavelmente se converter em profecia autocumprida. O reconhecimento das selvagerias cometidas com os ciganos caminha nessa mesma direção. A ironia é que o civilizado e tolerante norte da Europa, ao final, não era tudo isso. A esperança se propaga com esse infrequente exercício de memória e respeito.
Fonte: El País (edição brasileira)
http://brasil.elpais.com/brasil/2014/03/28/internacional/1396032026_384483.html
sábado, 29 de março de 2014
A guerra que mudou o destino da Europa (Primeira Guerra Mundial)
Quase todos os países que participaram calcularam que o conflito que estourou em agosto de 1914 ia ser breve. Durou mais de quatro anos e deixou oito milhões de mortos, dos quais um terço foram civis.
Julián Casanova 2 JAN 2014 - 00:01 CET
"A primavera e o verão de 1914 estiveram marcados na Europa por uma tranquilidade excepcional", recordava anos mais tarde Winston Churchill, alimentando essa ideia nostálgica da estabilidade europeia em tempos da Alemanha Imperial de Guilherme II ou da Inglaterra de Eduardo VII, de contraste entre os "good times" e o período das grandes convulsões políticas e sociais inaugurado pelo começo da Primeira Guerra mundial em agosto de 1914.
Quando começou essa guerra, a Europa estava dominada por vastos impérios, governados - exceto a França, onde havia surgido uma República da derrota na guerra com a Prússia em 1870 - por monarquias hereditárias. A nobreza exercia todavia um notável poder econômico e político. Na Grã-Bretanha, França ou Alemanha, para citar as nações mais poderosas, uma oligarquia de ricos e poderosos, de boas famílias, de nobres e burgueses conectados através de matrimônios e conselhos de administração de empresas e bancos, mantinham seu poder social através do acesso à educação e às instituições culturais.
Muitos cidadãos europeus tinham restringida a liberdade para falar seu idioma ou praticar sua religião e sofriam notáveis discriminações de gênero, raça ou de classe a qual pertenciam. As mulheres não votavam, com exceções como a Finlândia que lhes havia concedido o voto em 1906, e em raras ocasiões lhes era permitido possuir propriedades ou conduzir seus próprios negócios. Antes de 1914, a democracia e a presença de uma cultura popular cívica, de respeito pela lei e da defesa dos direitos civis eram bem escassas, presentes em alguns países como a França e Grã-Bretanha e ausentes na maior parte do resto da Europa.
Esperavam que a guerra fosse curta porque sabiam que se entrassem em guerra todos de uma vez, algo que possibilitava o sistema de alianças pactuado alguns anos antes, o dinheiro e as energias gastas podiam conduzir à bancarrota da indústria e do crédito na Europa. Ao declarar a guerra em agosto de 1914, argumenta a historiadora Ruth Henig, "As potências europeias contemplavam uma série de encontros militares curtos e incisivos, seguidos presumivelmente de um congresso geral dos beligerantes no que confirmariam os resultados militares mediante um arranjo político e diplomático". Guilherme, o príncipe herdeiro da coroa alemã, ansiava que a guerra fosse "radiante e prazerosa". O ministro russo da Guerra, o general V.A. Sukhomlinov, preparava-se para uma batalha de dois a seis meses e as expectativas britânicas eram de que suas forças expedicionárias estivessem em casa para o Natal.
A guerra, contudo, durou quatro anos e três meses e o entusiasmo que exibiram a favor dela a maior parte das populações dos países beligerantes, incluídas as classes trabalhadoras, evaporou-se relativamente logo, especialmente na Europa central e a do leste. A escassez de comida e de matérias primas e os numerosos conflitos que se derivaram das duras condições em que se desenvolveu a guerra formaram o pano de fundo das revoluções de 1917 na Rússia que sucessivamente derrubaram o regime czarista e levaram os bolcheviques ao poder, a mudança revolucionária mais súbita e ameaçante que conheceu a história do século XX. Em 1919, só restavam os impérios britânicos e francês. Todos os demais haviam desaparecido e com eles, um amplo exército de oficiais, soldados, burocratas e proprietários de terras que os haviam sustentado.
No século que transcorreu entre o Congresso de Viena em 1815, que pôs fim à era de Napoleão, e o estouro da Primeira Guerra Mundial, a Europa foi o cenário de duas grandes guerras que se destacaram sobre outros conflitos mais localizados: a guerra da Crimeia, de 1854-56, deixou uns 400.000 mortos; a que enfrentou a França e a Prússia, em 1870-71, causou 184.000 vítimas. Mais de oito milhões de pessoas morreram na Grande Guerra de 1914-1918, uma cifra a qual se deveria acrescentar as vítimas da pandemia de gripe de 1918-19, que golpeou com severidade uma população debilitada pelos efeitos da contenda.
Com o começo da Primeira Guerra Mundial, o destino da Europa começou a ser decidido pela força das armas. Foi um conflito de uma escala sem precedentes, uma ocidental e outra oriental, com a aparição pela primeira vez na história dos bombardeios aéreos, depois que batalhas por terra e por mar houveram sido durante muito tempo as principais manifestações da guerra. Já no começo de 1915 houve ataques com bombas vindas do céu, executadas pelos britânicos e alemães. As atrocidades cometidas sobre a população civil demonstram que essa guerra inaugurou uma nova época na violência entre Estados, que alcançou seu zênite na Segunda Guerra Mundial.
Segundo a investigação de John Horme e Alan Kramer, 6.427 civis belgas e franceses foram assassinados pelas tropas alemãs invasoras de 1914, apenas começada a guerra, e a perseguição e morte de civis foi também comum no front leste, protagonizada pelos soldados alemães, austríacos e russos. Centenas de milhares de lituanos, letões, poloneses e judeus foram deportados para o interior da Rússia. Ainda que o exemplo mais claro desse "embrutecimento" alimentado pela Grande Guerra, um claro precedente do genocídio nazi, foi o assassinato a sangue frio de cerca de 800.000 armênios, entre 1915 e 1916, pelas forças armadas otomanas, uma ação deliberadamente planejada e levada a cabo pelas elites do Estado otomano.
A Primeira Guerra Mundial, que decidiu o destino da Europa pela força, depois de décadas de primazia da política e da diplomacia, é considerada por muitos autores a autêntica linha divisória da história europeia do século XX, a ruptura traumática com as políticas então dominantes. Marcou o começo da escalada da violência nessa era que se estendeu até 1945, porque apagou a linha entre o inimigo interno e o externo, a fronteira entre a população civil e militar, foi o cenário dos primeiros exemplos de extermínio em massa da história e dela saíram o comunismo e o fascismo, os movimentos paramilitares e a militarização da política.
A maioria dos dirigentes das grandes potências no momento do estouro da Primeira Guerra Mundial pertenciam a esse mundo exclusivo e elitista, estreitamente vinculado à cultura aristocrática do Antigo Regime, com escassos conhecimentos sobre a sociedade industrial e as mudanças sociais que isto estava provocando. Depois dela nada foi igual. Para intelectuais e artistas ficou quase impossível estar à margem dos grandes debates públicos. O comunismo e o fascismo converteram-se em alternativas à democracia liberal, veículos para a política de massas, viveiros de novos líderes que, subindo do nada, saltando de fora do establishment e da velha ordem monárquica e imperial, propuseram rupturas radicais com o passado. Como declarou Sir Edward Grey, ministro de Assuntos Externos da Grã-Bretanha, as luzes estavam se apagando na Europa.
Julián Casanova é autor de Europa contra Europa, 1914-1945 (Editora Crítica).
Fonte: El País (edição espanhola)
Título original: La guerra que cambió el destino de Europa
http://elpais.com/elpais/2013/12/23/opinion/1387813667_675098.html
Tradução: Roberto Lucena
Observação: só pra deixar registrado, há uma versão do El País agora em português (versão brasileira), como não saiu esse texto em português (e eu achei interessante), eu traduzi. Não sei se daqui pra frente vai ter problema pois o jornal também faz versões em português de textos sobre a segunda guerra e o texto é obviamente do jornal conforme indicado acima (no link da parte Fonte).
A parte sobre segunda guerra do El País merece elogio, é muito boa e uma alternativa a quem não quer ler o "amontoado" de textos de qualidade duvidosa que é publicado na mídia nativa por 'problemas' que não sei se cabe destacar aqui (mas que todo mundo sabe como anda a "reputação" da imprensa brasileira de anos pra cá, e pelo visto a imprensa brasileira continua querendo chegar ao fundo do poço, um dia chega, fica subentendido).
Julián Casanova 2 JAN 2014 - 00:01 CET
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ENRIQUE FLORES (desenho) |
Quando começou essa guerra, a Europa estava dominada por vastos impérios, governados - exceto a França, onde havia surgido uma República da derrota na guerra com a Prússia em 1870 - por monarquias hereditárias. A nobreza exercia todavia um notável poder econômico e político. Na Grã-Bretanha, França ou Alemanha, para citar as nações mais poderosas, uma oligarquia de ricos e poderosos, de boas famílias, de nobres e burgueses conectados através de matrimônios e conselhos de administração de empresas e bancos, mantinham seu poder social através do acesso à educação e às instituições culturais.
Muitos cidadãos europeus tinham restringida a liberdade para falar seu idioma ou praticar sua religião e sofriam notáveis discriminações de gênero, raça ou de classe a qual pertenciam. As mulheres não votavam, com exceções como a Finlândia que lhes havia concedido o voto em 1906, e em raras ocasiões lhes era permitido possuir propriedades ou conduzir seus próprios negócios. Antes de 1914, a democracia e a presença de uma cultura popular cívica, de respeito pela lei e da defesa dos direitos civis eram bem escassas, presentes em alguns países como a França e Grã-Bretanha e ausentes na maior parte do resto da Europa.
Em 1919, só restavam os impérios britânico e francês. Todos os demais haviam desaparecido.Foi essa ordem o que começou a se desmoronar quando a Áustria declarou guerra à Sérvia em 28 de julho de 1914, um mês depois do assassinato em Sarajevo do herdeiro do trono austríaco, o arquiduque Francisco Fernando. A partir daí, as tensões e rivalidades entre os diferentes Estados a converteram em uma guerra geral, primeiro europeia e, depois com a entrada dos Estados Unidos em 6 de outubro de 1917, mundial. E ainda que os governos das principais potências, da Rússia à Grã-Bretanha, passando pela Alemanha e Áustria-Hungria, contribuíram para pôr em risco a paz com suas mobilizações militares, nenhum deles havia feito planos militares ou econômicos para um prolongado combate.
Esperavam que a guerra fosse curta porque sabiam que se entrassem em guerra todos de uma vez, algo que possibilitava o sistema de alianças pactuado alguns anos antes, o dinheiro e as energias gastas podiam conduzir à bancarrota da indústria e do crédito na Europa. Ao declarar a guerra em agosto de 1914, argumenta a historiadora Ruth Henig, "As potências europeias contemplavam uma série de encontros militares curtos e incisivos, seguidos presumivelmente de um congresso geral dos beligerantes no que confirmariam os resultados militares mediante um arranjo político e diplomático". Guilherme, o príncipe herdeiro da coroa alemã, ansiava que a guerra fosse "radiante e prazerosa". O ministro russo da Guerra, o general V.A. Sukhomlinov, preparava-se para uma batalha de dois a seis meses e as expectativas britânicas eram de que suas forças expedicionárias estivessem em casa para o Natal.
A guerra, contudo, durou quatro anos e três meses e o entusiasmo que exibiram a favor dela a maior parte das populações dos países beligerantes, incluídas as classes trabalhadoras, evaporou-se relativamente logo, especialmente na Europa central e a do leste. A escassez de comida e de matérias primas e os numerosos conflitos que se derivaram das duras condições em que se desenvolveu a guerra formaram o pano de fundo das revoluções de 1917 na Rússia que sucessivamente derrubaram o regime czarista e levaram os bolcheviques ao poder, a mudança revolucionária mais súbita e ameaçante que conheceu a história do século XX. Em 1919, só restavam os impérios britânicos e francês. Todos os demais haviam desaparecido e com eles, um amplo exército de oficiais, soldados, burocratas e proprietários de terras que os haviam sustentado.
No século que transcorreu entre o Congresso de Viena em 1815, que pôs fim à era de Napoleão, e o estouro da Primeira Guerra Mundial, a Europa foi o cenário de duas grandes guerras que se destacaram sobre outros conflitos mais localizados: a guerra da Crimeia, de 1854-56, deixou uns 400.000 mortos; a que enfrentou a França e a Prússia, em 1870-71, causou 184.000 vítimas. Mais de oito milhões de pessoas morreram na Grande Guerra de 1914-1918, uma cifra a qual se deveria acrescentar as vítimas da pandemia de gripe de 1918-19, que golpeou com severidade uma população debilitada pelos efeitos da contenda.
Ao menos 800.000 armênios foram assassinados pelas forças armadas otomanasAntes de 1914, os civis mortos nas guerra eram poucos comparados com quem as combatiam (militares). Na Primeira Guerra Mundial, as vítimas civis mortais já representaram um terço do total; na Segunda, superaram a dois terços. O "embrutecimento" causado pela primeira dessas guerras, com terríveis consequências, deu o passo para que populações civis se convertessem em objeto de acosso e destruição.
Com o começo da Primeira Guerra Mundial, o destino da Europa começou a ser decidido pela força das armas. Foi um conflito de uma escala sem precedentes, uma ocidental e outra oriental, com a aparição pela primeira vez na história dos bombardeios aéreos, depois que batalhas por terra e por mar houveram sido durante muito tempo as principais manifestações da guerra. Já no começo de 1915 houve ataques com bombas vindas do céu, executadas pelos britânicos e alemães. As atrocidades cometidas sobre a população civil demonstram que essa guerra inaugurou uma nova época na violência entre Estados, que alcançou seu zênite na Segunda Guerra Mundial.
Segundo a investigação de John Horme e Alan Kramer, 6.427 civis belgas e franceses foram assassinados pelas tropas alemãs invasoras de 1914, apenas começada a guerra, e a perseguição e morte de civis foi também comum no front leste, protagonizada pelos soldados alemães, austríacos e russos. Centenas de milhares de lituanos, letões, poloneses e judeus foram deportados para o interior da Rússia. Ainda que o exemplo mais claro desse "embrutecimento" alimentado pela Grande Guerra, um claro precedente do genocídio nazi, foi o assassinato a sangue frio de cerca de 800.000 armênios, entre 1915 e 1916, pelas forças armadas otomanas, uma ação deliberadamente planejada e levada a cabo pelas elites do Estado otomano.
A Primeira Guerra Mundial, que decidiu o destino da Europa pela força, depois de décadas de primazia da política e da diplomacia, é considerada por muitos autores a autêntica linha divisória da história europeia do século XX, a ruptura traumática com as políticas então dominantes. Marcou o começo da escalada da violência nessa era que se estendeu até 1945, porque apagou a linha entre o inimigo interno e o externo, a fronteira entre a população civil e militar, foi o cenário dos primeiros exemplos de extermínio em massa da história e dela saíram o comunismo e o fascismo, os movimentos paramilitares e a militarização da política.
A maioria dos dirigentes das grandes potências no momento do estouro da Primeira Guerra Mundial pertenciam a esse mundo exclusivo e elitista, estreitamente vinculado à cultura aristocrática do Antigo Regime, com escassos conhecimentos sobre a sociedade industrial e as mudanças sociais que isto estava provocando. Depois dela nada foi igual. Para intelectuais e artistas ficou quase impossível estar à margem dos grandes debates públicos. O comunismo e o fascismo converteram-se em alternativas à democracia liberal, veículos para a política de massas, viveiros de novos líderes que, subindo do nada, saltando de fora do establishment e da velha ordem monárquica e imperial, propuseram rupturas radicais com o passado. Como declarou Sir Edward Grey, ministro de Assuntos Externos da Grã-Bretanha, as luzes estavam se apagando na Europa.
Julián Casanova é autor de Europa contra Europa, 1914-1945 (Editora Crítica).
Fonte: El País (edição espanhola)
Título original: La guerra que cambió el destino de Europa
http://elpais.com/elpais/2013/12/23/opinion/1387813667_675098.html
Tradução: Roberto Lucena
Observação: só pra deixar registrado, há uma versão do El País agora em português (versão brasileira), como não saiu esse texto em português (e eu achei interessante), eu traduzi. Não sei se daqui pra frente vai ter problema pois o jornal também faz versões em português de textos sobre a segunda guerra e o texto é obviamente do jornal conforme indicado acima (no link da parte Fonte).
A parte sobre segunda guerra do El País merece elogio, é muito boa e uma alternativa a quem não quer ler o "amontoado" de textos de qualidade duvidosa que é publicado na mídia nativa por 'problemas' que não sei se cabe destacar aqui (mas que todo mundo sabe como anda a "reputação" da imprensa brasileira de anos pra cá, e pelo visto a imprensa brasileira continua querendo chegar ao fundo do poço, um dia chega, fica subentendido).
quinta-feira, 27 de março de 2014
"Acredite e destrua. Os intelectuais da máquina de guerra da SS" (livro, Christian Ingrao)
Le Monde | 30.09.2010 às 11:33 • 30.09.2010 Atualizado às 11:33 | Por Thomas Wieder
Erich Ehrlinger. Um nome bastante esquecido. É interessante ver tudo o que foi feito por ele. Com 34 anos de idade em 1944, ou seja, com a vida pela frente, passou a guerra no Einsatzgruppen cruzando a Europa Oriental para abater judeus, com a vantagem de ser discreto. O ex-oficial da SS não se saiu mal. Servindo como croupier no cassino de Constança, em 1950, ele certamente acertará contas com seu passado em 1963 sendo condenado a 12 anos de prisão. Mas a Corte de Apelação seria favorável a ele e ele será solto em 1965, muito antes de morrer em 2004, às vésperas de seus 84 anos.
Se Christian Ingrao, diretor do Instituto de História Contemporânea (CNRS), ficou interessado na trajetória de Erich Ehrlinger, não foi só porque ele ilustra perfeitamente os erros da justiça alemã pós-guerra. Nem porque esclarece as "estratégias" desenvolvidas pelos algozes para enfrentarem seus juízes - estratégias variadas, que variaram da simples "negação" de seus crimes, passando pela "justificação", através da "fuga" de várias formas (rejeição da responsabilidade sobre os outros, manobras processuais etc.).
Não, o interesse de Christian Ingrao está em outro lugar/período. Antes do pós-1945 e antes do pré-1939. O que fascina em Ehrlinger, não é que ele fora um bruto sanguinário. É que ele também fora um advogado brilhante. E mostra, a partir deste ponto de vista, um perfil muito comum: como o autor destaca, e cuja a originalidade do estudo é descrever as trajetórias de 80 executores da aplicação da lei do Terceiro Reich, 60% deles estudaram em universidade. 30% eram doutores - de direito ou economia, muitas vezes.
Um intelectual pode ser um carrasco, isto não é uma novidade. Mas a maior parte dos "arquitetos da aniquilação", nas palavras dos historiadores Götz Aly e Susanne Heim, vieram das fileiras da "excelência", o que rompe com a crença convencional enquanto forma outro problema real. A crença, herdada da historiografia e dos desejos populares do pós-guerra, mostra que líderes nazistas eram desclassificados, loucos ou rebaixados. Agora sabemos que a realidade é mais complexa: o estudo de Christian Ingrao é parte de uma tendência recente de pesquisa que enfatiza o envolvimento dos líderes tradicionais na política nazista de repressão. Suas conclusões são, por exemplo, semelhantes às de Wolfram Wette que, em um livro recente, lembrou que o exército não tinha sido uma espécie de casta aristocrática imunizada contra o veneno nazista, mas tinha voluntariamente participado dos piores abusos do regime (The crimes da Wehrmacht , Perrin, 2009) .
A questão colocada por Ingrao é esta: houve ruptura ou continuidade entre a formação do futuro SS e seu compromisso com as autoridades policiais do Reich? Para o historiador a resposta é clara. Alguns, é claro, agiram de forma oportunista, mas isto não foi um fator determinante - ou nós não entendemos porque eles passaram a integrar a SD, o serviço de inteligência da SS, quando este ainda era embrionário ...
Portanto, não havia outra coisa. E esta outra coisa é o que Ingrao, usando uma noção de seu supervisor de tese Stéphane Audoin-Rouzeau, chama de sua "guerra cultural". A cultura surgida após o "trauma" de 14-18, caracterizando-se pelo que o autor descreve como "ansiedade escatológica": a idéia de que a Alemanha estava em eminência de morte, sua integridade territorial e sua pureza racial estavam ameaçadas, e que, portanto, deve-se eliminar aqueles que trabalham por sua destruição.
Esta cultura chamada "völkisch", tanto nacionalista quanto racista, não espera pelo advento de Hitler para se cristalizar. Através de um estudo cuidadoso da universidade alemã da década de 1920, Christian Ingrao mostra como a 'nazistificação' de espíritos precedeu a do Estado. E a habilidade com que os fundadores do Reich foram capazes de confiar a essas jovens elites intelectuais para promoverem seu trabalho e satisfazerem suas ambições para implementar seus projetos sinistros. Elites que se juntaram totalmente ao projeto de Hitler. E, portanto, não eram burocratas desprovidos dessas crenças, que é uma imagem presente nas reflexões sobre a "banalidade do mal" da filósofa Hannah Arendt.
Isto é o que levanta grande interesse nesta biografia coletiva -, mas algo que a torna profundamente perturbadora: lembre-se que o nazismo provocou uma enorme "fervor". Não só entre as massas embrutecidas mas também entre aqueles que podem ter a esperança de que a inteligência e a cultura sejam baluartes contra a abjeção.
CROIRE ET DÉTRUIRE. LES INTELLECTUELS DANS LA MACHINE DE GUERRE SS (tradução livre: "Acredite e destrua. Os intelectuais da máquina de guerra da SS"), de Christian Ingrao. Fayard, 522 p.,.
Destacando também a publicação da pesquisa de Michael Prazan com os Einsatzgruppen (Seuil, 572 p.,), e a extensão do livro com um excelente documentário transmitido no canal France 2 em 2009.
"Croire et détruire. Les intellectuels dans la machine de guerre SS", de Christian Ingrao. Quando o nazismo fascinou os intelectuais. Thomas Wieder
Título da versão em inglês: Believe and Destroy: Intellectuals in the SS War Machine (Link)
Fonte: Le Monde (França)
http://www.lemonde.fr/livres/article/2010/09/30/croire-et-detruire-les-intellectuels-dans-la-machine-de-guerre-ss-de-christian-ingrao_1418097_3260.html
Tradução: Roberto Lucena
Observação: depois de achar este texto acabei achando outros (críticas) com mais detalhes sobre esse livro que trata de um problema relevante sobre o nazismo pois a imagem reproduzida do mesmo aponta que quem participou da máquina de extermínio nazi era gente com pouca instrução, perturbada etc, e isso é só um estereótipo e senso comum. A máquina de matar nazi era composta por gente com curso superior e boa formação, Mengele, por exemplo, era médico, Goebbels era formado em filosofia, e isso é que é o mais perigoso e intrigante pois põe por terra o pessoal que repete crenças de que os nazis e seus apoiadores eram formados por gente simplória etc pois a repetição desse senso comum cria uma névoa perigosa sobre os bandos que professam essa coisa, há gente muito estúpida no meio desses bandos mas nem todo fascista é propriamente estúpido (na acepção do termo). Como eu já havia começado a traduzir o texto acima, paciência, fica pruma próxima se eu conseguir colocar outro texto com mais detalhes desse livro, que obviamente não foi traduzido e lançado no Brasil.
Muitas editoras no Brasil estão mais preocupadas em fazer politicagem (ficar promovendo o que os donos delas seguem politicamente e ideologicamente) lançando "livros toscos" panfletários do que dar atenção a lançar livros de peso geralmente lançados em outros idiomas. Eu já comentei sobre isso antes em outros posts mas vou sempre enfatizar o problema pois como a coisa persiste não há que ter "meio termo" com isso, ou mudam de postura ou vão sempre receber crítica pesada.
Lançam panfletos da guerra fria como o panfleto do Suvorov (pseudônimo de Vladimir Rezun, assunto a ser tratado noutra oportunidade, tem muito texto sobre esse picareta) sobre a segunda guerra (livro de cabeceira de muito neonazi), ajudando a forjar ainda mais um ambiente de extremismo político no Brasil, já que o país é carente de publicações de peso sobre esses temas (segunda guerra, história militar etc), educação humanista e de qualidade, enquanto o lançamento de panfletos em forma de livros e de livros de conteúdo duvidoso(ruins, de baixa qualidade, conspiratórios, de crendices) abundam formando uma massa alienada, intolerante, raivosa e dogmática, que vivem numa espécie de bolha, com 'opinião formada' sobre tudo, mesmo que não entendam coisa alguma do que comentam. Ou se entendem ficam tentando promover cartilhas políticas pra doutrinação de extrema-direita principalmente (em suas vertentes, neoliberal, fascista etc) com um forte viés anti-democrático e paranoico com discurso datado (e mofado) da guerra fria.
Eu finco posição (finco o pé) contra isso abertamente, quem não gostar que se exploda ou que critique ou rebata isso com argumentos e não com chiliques ou contorcionismo retórico. Quem achar que virá aqui levar as pessoas na conversa com pregação política via retórica, quebra a cara, dá pra desmontar esse tipo de discurso fácil embora seja um saco, é o tipo de discussão estúpida e idiota. Deveriam entender que não é tão difícil (embora seja extremamente idiota como eu disse antes) discutir política com gente que fica presa a cartilhas, esquemões e literatura questionável tentando fazer pregação dogmática de política sem entender o significado dos termos e contexto histórico do que é discutido.
Erich Ehrlinger. Um nome bastante esquecido. É interessante ver tudo o que foi feito por ele. Com 34 anos de idade em 1944, ou seja, com a vida pela frente, passou a guerra no Einsatzgruppen cruzando a Europa Oriental para abater judeus, com a vantagem de ser discreto. O ex-oficial da SS não se saiu mal. Servindo como croupier no cassino de Constança, em 1950, ele certamente acertará contas com seu passado em 1963 sendo condenado a 12 anos de prisão. Mas a Corte de Apelação seria favorável a ele e ele será solto em 1965, muito antes de morrer em 2004, às vésperas de seus 84 anos.
Se Christian Ingrao, diretor do Instituto de História Contemporânea (CNRS), ficou interessado na trajetória de Erich Ehrlinger, não foi só porque ele ilustra perfeitamente os erros da justiça alemã pós-guerra. Nem porque esclarece as "estratégias" desenvolvidas pelos algozes para enfrentarem seus juízes - estratégias variadas, que variaram da simples "negação" de seus crimes, passando pela "justificação", através da "fuga" de várias formas (rejeição da responsabilidade sobre os outros, manobras processuais etc.).
Não, o interesse de Christian Ingrao está em outro lugar/período. Antes do pós-1945 e antes do pré-1939. O que fascina em Ehrlinger, não é que ele fora um bruto sanguinário. É que ele também fora um advogado brilhante. E mostra, a partir deste ponto de vista, um perfil muito comum: como o autor destaca, e cuja a originalidade do estudo é descrever as trajetórias de 80 executores da aplicação da lei do Terceiro Reich, 60% deles estudaram em universidade. 30% eram doutores - de direito ou economia, muitas vezes.
Um intelectual pode ser um carrasco, isto não é uma novidade. Mas a maior parte dos "arquitetos da aniquilação", nas palavras dos historiadores Götz Aly e Susanne Heim, vieram das fileiras da "excelência", o que rompe com a crença convencional enquanto forma outro problema real. A crença, herdada da historiografia e dos desejos populares do pós-guerra, mostra que líderes nazistas eram desclassificados, loucos ou rebaixados. Agora sabemos que a realidade é mais complexa: o estudo de Christian Ingrao é parte de uma tendência recente de pesquisa que enfatiza o envolvimento dos líderes tradicionais na política nazista de repressão. Suas conclusões são, por exemplo, semelhantes às de Wolfram Wette que, em um livro recente, lembrou que o exército não tinha sido uma espécie de casta aristocrática imunizada contra o veneno nazista, mas tinha voluntariamente participado dos piores abusos do regime (The crimes da Wehrmacht , Perrin, 2009) .
A questão colocada por Ingrao é esta: houve ruptura ou continuidade entre a formação do futuro SS e seu compromisso com as autoridades policiais do Reich? Para o historiador a resposta é clara. Alguns, é claro, agiram de forma oportunista, mas isto não foi um fator determinante - ou nós não entendemos porque eles passaram a integrar a SD, o serviço de inteligência da SS, quando este ainda era embrionário ...
Portanto, não havia outra coisa. E esta outra coisa é o que Ingrao, usando uma noção de seu supervisor de tese Stéphane Audoin-Rouzeau, chama de sua "guerra cultural". A cultura surgida após o "trauma" de 14-18, caracterizando-se pelo que o autor descreve como "ansiedade escatológica": a idéia de que a Alemanha estava em eminência de morte, sua integridade territorial e sua pureza racial estavam ameaçadas, e que, portanto, deve-se eliminar aqueles que trabalham por sua destruição.
Esta cultura chamada "völkisch", tanto nacionalista quanto racista, não espera pelo advento de Hitler para se cristalizar. Através de um estudo cuidadoso da universidade alemã da década de 1920, Christian Ingrao mostra como a 'nazistificação' de espíritos precedeu a do Estado. E a habilidade com que os fundadores do Reich foram capazes de confiar a essas jovens elites intelectuais para promoverem seu trabalho e satisfazerem suas ambições para implementar seus projetos sinistros. Elites que se juntaram totalmente ao projeto de Hitler. E, portanto, não eram burocratas desprovidos dessas crenças, que é uma imagem presente nas reflexões sobre a "banalidade do mal" da filósofa Hannah Arendt.
Isto é o que levanta grande interesse nesta biografia coletiva -, mas algo que a torna profundamente perturbadora: lembre-se que o nazismo provocou uma enorme "fervor". Não só entre as massas embrutecidas mas também entre aqueles que podem ter a esperança de que a inteligência e a cultura sejam baluartes contra a abjeção.
CROIRE ET DÉTRUIRE. LES INTELLECTUELS DANS LA MACHINE DE GUERRE SS (tradução livre: "Acredite e destrua. Os intelectuais da máquina de guerra da SS"), de Christian Ingrao. Fayard, 522 p.,.
Destacando também a publicação da pesquisa de Michael Prazan com os Einsatzgruppen (Seuil, 572 p.,), e a extensão do livro com um excelente documentário transmitido no canal France 2 em 2009.
"Croire et détruire. Les intellectuels dans la machine de guerre SS", de Christian Ingrao. Quando o nazismo fascinou os intelectuais. Thomas Wieder
Título da versão em inglês: Believe and Destroy: Intellectuals in the SS War Machine (Link)
Fonte: Le Monde (França)
http://www.lemonde.fr/livres/article/2010/09/30/croire-et-detruire-les-intellectuels-dans-la-machine-de-guerre-ss-de-christian-ingrao_1418097_3260.html
Tradução: Roberto Lucena
Observação: depois de achar este texto acabei achando outros (críticas) com mais detalhes sobre esse livro que trata de um problema relevante sobre o nazismo pois a imagem reproduzida do mesmo aponta que quem participou da máquina de extermínio nazi era gente com pouca instrução, perturbada etc, e isso é só um estereótipo e senso comum. A máquina de matar nazi era composta por gente com curso superior e boa formação, Mengele, por exemplo, era médico, Goebbels era formado em filosofia, e isso é que é o mais perigoso e intrigante pois põe por terra o pessoal que repete crenças de que os nazis e seus apoiadores eram formados por gente simplória etc pois a repetição desse senso comum cria uma névoa perigosa sobre os bandos que professam essa coisa, há gente muito estúpida no meio desses bandos mas nem todo fascista é propriamente estúpido (na acepção do termo). Como eu já havia começado a traduzir o texto acima, paciência, fica pruma próxima se eu conseguir colocar outro texto com mais detalhes desse livro, que obviamente não foi traduzido e lançado no Brasil.
Muitas editoras no Brasil estão mais preocupadas em fazer politicagem (ficar promovendo o que os donos delas seguem politicamente e ideologicamente) lançando "livros toscos" panfletários do que dar atenção a lançar livros de peso geralmente lançados em outros idiomas. Eu já comentei sobre isso antes em outros posts mas vou sempre enfatizar o problema pois como a coisa persiste não há que ter "meio termo" com isso, ou mudam de postura ou vão sempre receber crítica pesada.
Lançam panfletos da guerra fria como o panfleto do Suvorov (pseudônimo de Vladimir Rezun, assunto a ser tratado noutra oportunidade, tem muito texto sobre esse picareta) sobre a segunda guerra (livro de cabeceira de muito neonazi), ajudando a forjar ainda mais um ambiente de extremismo político no Brasil, já que o país é carente de publicações de peso sobre esses temas (segunda guerra, história militar etc), educação humanista e de qualidade, enquanto o lançamento de panfletos em forma de livros e de livros de conteúdo duvidoso(ruins, de baixa qualidade, conspiratórios, de crendices) abundam formando uma massa alienada, intolerante, raivosa e dogmática, que vivem numa espécie de bolha, com 'opinião formada' sobre tudo, mesmo que não entendam coisa alguma do que comentam. Ou se entendem ficam tentando promover cartilhas políticas pra doutrinação de extrema-direita principalmente (em suas vertentes, neoliberal, fascista etc) com um forte viés anti-democrático e paranoico com discurso datado (e mofado) da guerra fria.
Eu finco posição (finco o pé) contra isso abertamente, quem não gostar que se exploda ou que critique ou rebata isso com argumentos e não com chiliques ou contorcionismo retórico. Quem achar que virá aqui levar as pessoas na conversa com pregação política via retórica, quebra a cara, dá pra desmontar esse tipo de discurso fácil embora seja um saco, é o tipo de discussão estúpida e idiota. Deveriam entender que não é tão difícil (embora seja extremamente idiota como eu disse antes) discutir política com gente que fica presa a cartilhas, esquemões e literatura questionável tentando fazer pregação dogmática de política sem entender o significado dos termos e contexto histórico do que é discutido.
terça-feira, 25 de março de 2014
Prisioneiros da guerra: os súditos do Eixo dos campos de concentração (1942-1945)

Autor: Priscila Ferreira Perazzo
Editora: Humanitas: Fapesp
ISBN: ISBN (Humanitas) 978-85-7732-008-0 e ISBN (Imprensa Oficial) 978-85-7060-519-1
Ano: 2009
Prefácio:
Este é um livro que perturba. Ele segue a trilha aberta pela nova historiografia brasileira sobre a participação do país na Segunda Guerra Mundial, contrapondo-se à visão apologética que construiu uma mitologia no imediato pós-guerra. Durante várias décadas, o envolvimento brasileiro permaneceu encoberto por espesso véu de ignorância e de condescendência.
Concomitantemente ao vazio na historiografia brasileira, os estudos históricos sobre o episódio multiplicaram-se através de departamentos, institutos e centros de pesquisas em muitos países, partícipes ou não, da terrível hecatombe. Uma dupla obrigação sustenta estes esforços: por um lado o direito e o dever de memória. Todo povo detém o direito fundamental e inalienável de saber o que foi feito em seu nome. Por outro lado, a capacidade de lembrança constitui importante instrumento para tentar evitar os erros e renovar os acertos do passado.
Cada geração tem a obrigação de reconstruir a memória sobre a trajetória das gerações que a antecederam. Neste sentido, reveste-se de fundamental importância o papel do historiador na renovação temática, instrumental, metodológica e, sobretudo, na luta para ter acesso a novas fontes documentais. Esta é, certamente, a maior contribuição do livro que tenho o prazer de apresentar. A presente tese atinge plenamente o objetivo que deveria ser de toda tese: uma contribuição original sobre um tema obscuro ou desconhecido. Ressalte-se que as fontes utilizadas são inéditas e a trabalhosa pesquisa de campo fornece resultados extraordinários.
No final da década de 1970, começou a surgir uma série de estudos que renovaram a historiografia brasileira. Alguns orientados informalmente por José Honório Rodrigues como os de Stanley Hilton (1) e os meus, outros como do sempre lembrado Gerson Moura (2) e posteriormente Tullo Vigevani (3), todos eles tratando essencialmente das relações exteriores do país. A memória sobre o Brasil, partícipe marginal do conflito, começava a ser construída.
Muitos outros estudos se seguiram sobre essa área que desperta, ainda hoje, um grande interesse junto a parte ponderável da opinião publica.
Todavia, os aspectos internos decorrentes do conflito internacional ainda permaneciam à sombra. Foi novamente Stanley Hilton, num texto provocativo que causou grande impacto (4), o iniciador de uma reflexão sobre temas considerados secundários do conflito. O livro de Priscila Ferreira Perazzo inscreve-se nessa perspectiva. Ele decorre de um trabalho consistente e abrangente desenvolvido no Programa de História Social da FFLCH da Universidade de São Paulo e do Projeto Integrado Arquivo do Estado/Universidade de São Paulo, que resultou na preparação e publicação de um conjunto de trabalhos fundamentais sobre a política das autoridades brasileiras com relação às supostas minorias vinculadas de alguma maneira ao Eixo (5).
O tratamento dispensado aos prisioneiros de guerra capturados junto ao inimigo e sobretudo aos que poderíamos denominar reféns das circunstâncias (supostos membros de quinta-coluna ou simplesmente detentores de vínculos com o inimigo, sejam eles de nacionalidade, de descendência ou de simpatia por sua causa), denominados neste trabalho de «prisioneiros da guerra», constitui um dos temas historiográficos de maior aridez e que impõem uma série de dificuldades de abordagem.
Em primeiro lugar, trata-se de um tema que é marginal no conjunto da historiografia dos conflitos. Se tomarmos como exemplo as centenas de obras escritas sobre a Segunda Guerra Mundial veremos que são escassos os trabalhos dedicados a estes reféns das circunstâncias. Assim, durante décadas permaneceu escondido, em razão de um misto de indiferença e de pruridos mal avaliados, o tratamento imposto, durante os anos de conflito, às minorias oriundas do Eixo estabelecidas nos Estados Unidos.
Convidado pela Professora Maria Luiza Tucci Carneiro, orientadora, participei da banca de defesa da tese de doutoramento de Priscila que resultou no presente livro. Constatada a importância da pesquisa, a metodologia, o tratamento das fontes e inovação – bases de uma boa tese – a banca discutiu longamente a natureza e, por conseguinte, a caracterização dos espaços destinados pelo Estado brasileiro para reunir os prisioneiros de guerra. Este é o segundo grande desafio da obra. Ora, a autora designa estes espaços como sendo «campos de concentração», contrariando outros especialistas que os consideram como simples prisões onde as regras eram de tal modo elásticas, a ponto de ser identificadas como verdadeiras «colônias de férias» (6).
De fato, o debate deve orientar-se pela definição da expressão «campo de concentração». Considero que, etimologicamente, trata-se de um espaço físico delimitado por barreiras (físicas, normativas e de autoridade) que separam os internos do restante da população. Não é necessária a constatação de maus tratos para caracterizar a existência de um campo de concentração. Nesse caso, muitas prisões e delegacias policiais brasileiras deveriam mudar de denominação … Por outro lado, não deve haver confusão de gênero entre os campos de concentração e os famigerados campos de extermínio. Neste sentido, o auxílio de que se vale Priscila junto aos trabalhos de Hannah Arendt são muito úteis pois o sistema concentracionário brasileiro pode ser efetivamente considerado como integrante do «limbo» cujas formas são «relativamente benignas, que já foram populares mesmo em países não-totalitários, destinados a afastar da sociedade todo tipo de elementos indesejáveis» (7).
A ocorrência de dois fenômenos contraditórios nos campos de concentração brasileiros torna mais complexa a escolha correta de sua denominação. Priscila constata que os internos de certos campos eram autorizados a manter uma vida social fora dele. Portanto, estamos diante de situações nas quais os internos gozavam de uma semi-liberdade. De outra parte, as condições de higiene, a falta de qualidade e de regularidade do atendimento médico, bem como a própria localização do campo, muitas vezes situado em lugares insalubres, fez com que muitos internos padecessem de moléstias evitáveis e viessem a falecer.
O presente livro, ao contestar uma visão idílica da história, desperta consciências e provoca desconforto. Redigido em uma linguagem coloquial, na primeira pessoa do plural, ele aborda um tema pungente. Trata-se, sem sombra de dúvida, de uma tentativa de resgate dos marginais da história e da construção de uma visão dos vencidos. Mas não unicamente isso, pois a autora opera a historia através do homem e sua condição, extraindo dela lições sobre sua natureza. Surge então o homem em sua (des)humanidade, pouco importando o que o Estado tente fazer com ele através das normas da nacionalidade que separam e opõem os humanos.
Outra importante contribuição de Priscila advém do enfoque metodológico. Uma primeira lição deve ser retida e conservada pelos leitores, especialmente aqueles que se dedicam à pesquisa. Por trás de um excelente livro como este, esta (e sempre estará em todas as grandes obras), muita dedicação, trabalho, sacrifício e espírito de equipe. Não se constrói uma obra científica somente com inspiração e ideias, mesmo que sejam pertinentes. A autora não somente percorre uma trajetória intelectual através da qual ela renova, contesta e afina seus pressupostos, mas também percorre um trajetória física que a conduz aos quatro cantos do país. A fazê-lo, demonstra que as fontes constituem a matéria-prima imprescindível do bom historiador. Mas sobretudo aproxima a História da vida e do homem. Para avaliar de maneira adequada a contribuição de Priscila, é indispensável imaginar que em cada etapa da pesquisa de campo e dos arquivos, a autora organizava as ideias, as fichas e as informações acumuladas para tentar tirar o maior proveito possível da investida. Ora, a sempre possível incompreensão dos guardiões dos arquivos paira como uma espada de Dâmocles sobre os pesquisadores, assim como a precária preparação para o trabalho de campo pode torná-lo inútil.
Apesar de ser tratado marginalmente nos estudos sobre a repressão ao comunismo e sobre o controle social no Brasil, objetos de vários estudos recentes(8), o tema da repressão às minorias originárias do Eixo constitui um vasto campo ainda a ser explorado. Trabalhos pontuais foram publicados enfocando a realidade estadual ou a micro-realidade municipal (9). Todavia falta uma sistematização e uma abrangência que somente trabalhos que se espelhem no exemplo da tese de Priscila poderão responder. Certamente se trata de uma história dolorosa mas indispensável para a construção da memória nacional.
A tese acadêmica ora apresentada ao grande público reúne grande valor para a historiografia brasileira. Posso não concordar com a utilização de um vocabulário por vezes pouco científico e com conclusões apressadas como, por exemplo, a que identifica a existência de um projeto étnico-político marcado pela xenofobia da política governamental brasileira. Todavia, o mérito do livro consiste em nos fazer entender como o governo autoritário de um pais povoado essencialmente por imigrantes enfrenta o desafio que poderia ter mudado a face das relações internacionais. Imaginando que a distância dos principais palcos de operações militares pudesse também nos manter afastados dos dramas da guerra, as nossas riquezas naturais e a forte presença de contingentes populacionais oriundos do Eixo, jogaram por terra qualquer esperança de neutralidade. O tributo que pagamos para reconquistar a paz deve ser compensado pela construção da memória. As páginas que seguem constituem inconteste contribuição.
(1). Conforme O Brasil e a as grandes potências. Aspectos políticos da rivalidade comercial (1930-1939 e O Brasil e a crise internacional (1930-1945), ambos publicados pela Civilização Brasileira em 1977.
(2). in Autonomia na dependência : a política externa brasileira de 1935 à 1942, Nova Fronteira, 1980.
(3). in Questão nacional e política exterior. Um estudo de caso: formulação da política internacional do Brasil e motivações da FEB, FFLCH-USP, 1989.
(4). Conforme A guerra secreta de Hitler no Brasil : a espionagem alemã e a contra-espionagem aliada no Brasil (1939-1945), Nova Fronteira, 1983.
(5). A primeira publicação da Coleção Teses e Monografias resultante do programa é justamente a dissertação de Mestrado de Priscila sob o titulo O perigo alemão e a repressão policial no Estado Novo, Arquivo do Estado de São Paulo, 1999.
(6). Consultar, por exemplo,CYTRYNOWICZ, R., Guerra sem guerra : a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial, Edusp, 2000.
(7). Cf. Origens do totalitarismo : anti-semitismo, imperialismo e totalitarismo, Cia das Letras, 1989, p. 496.
(8). As obras de Paulo Sérgio Pinheiro e mais recentemente o livro de R. S. Rose, Uma das coisas esquecidas : Getúlio Vargas e controle social no Brasil/ 1930-1954, Cia. das Letras, 2001.
(9) Cf. a obra pioneira de René Gertz no Rio Grande do Sul e as mais recentes de Maria Hoppe Kipper sobre o impacto da política de nacionalização em Santa Cruz do Sul e o interessante livro de SGANZERLA, C., A lei do silêncio : repressão e nacionalização no Estado Novo em Guaporé (1937-1945), Ed. UPF, 2001.
Ricardo Seitenfus
Doutor em Relações Internacionais pelo Institut Universitaire des Hautes Etudes Internationales (Genebra) e autor, entre outras, da obra O Brasil vai à Guerra, São Paulo, Editora Manole, 2003, 3a. edição, 365 p.
Fonte: site da USP
http://www.usp.br/proin/publicacoes/detalhes_publicacoes.php?idLivro=32&idCategoriaLivro=5
domingo, 23 de março de 2014
Sobre o livro "...e a guerra continua", N. Toedter - parte 01
A quem quiser ler mais comentários sobre esse livro, conferir nesta tag os textos anteriores que o Leo escreveu. Mas como nunca havia parado pra ver esse livro com atenção, a primeira constatação negativa e óbvia em relação ao mesmo é que: não possui notas ou indicação de fontes, algo básico prum livro de História.
Todas as citações de fatos históricos etc não possuem fonte e contém pilhas de erros (conceituais, distorções) em virtude do posicionamento ideológico do autor do livro.
Mas, algum "revi" tentando desqualificar a afirmação acima pode chegar e dizer: "Ah, mas isto é um livro de memórias"... bem, as partes de memórias são uma coisa, e são enviesadas com a opinião política do autor, mas a parte que cita episódios/fatos pra se chegar a alguma conclusão não são "memórias", é a isso que me refiro. Faço questão de ressaltar o problema me antecipando antes que algum "revi" venha fazer esse sofisma pra desqualificar a constatação.
Mas prosseguindo, não vai dar pra citar o livro inteiro obviamente (por isso o destaque no título pra "parte 01" pois provavelmente poderá haver uma "parte 02", "03" etc), mas só pra dar uma ideia do tipo de erro que tem no livro a gente separa trechos.
Começamos primeiro por um erro conceitual do autor que mistura ou não distingue a questão da nacionalidade (algo não opcional exceto quando alguém se naturaliza) da questão de ideologia política (que é uma opção, escolha), pois são duas coisas distintas apesar do nazismo ter alimentado a ideia de que nazismo seria o equivalente à "Alemanha" e "alemão" por ser uma ideologia política ultranacionalista xenófoba, um tipo de fascismo com apego desmedido à questão de "etnia" ou como eles chamavam, "raça".
Ao contrário do que o Sr. Toedter afirma no livro, não foi a propaganda contra o nazismo quem "inventou" essa associação, eram os próprios nazis que intencionalmente faziam a "confusão", pois agiam de acordo com a ideologia ultranacionalista que defendiam fazendo essa deturpação e mistura dos conceitos de nacionalidade e ideologia.
Destaco o trecho sobre neonazis/skinheads, páginas 139-140 (da edição do PDF, na edição da página consta como tendo sendo uma página a menos, cada):
1. Como já disse lá acima, quem fazia a associação 'alemão = nazista' eram os próprios nazis tanto que a bandeira adotada na Alemanha nazista foi esta (link2) com a suástica do regime nazista. Então quem estabeleceu o quê, afinal? Querer acusar os outros de terem "criado" o que os próprios nazis fizeram é inversão (distorção), pura e simples.
É outra afirmação falsa quando afirma que quando pessoas acusam outros bandos ultranacionalistas xenófobos de serem nazistas estão associando isso a alemães. A maioria das pessoas sabe diferenciar ideologia política (opção, escolha) de nacionalidade. Curioso ler tanto vitimismo nesses livros "revis" já que é uma acusação recorrente entre "revis" de que judeus fazem uso de vitimismo pra angariar simpatias em torno do Holocausto. Os "revis" partem do pressuposto de que as pessoas não conseguem separar fatos como a segunda guerra, nacionalidade etc. Haja presunção e chute.
A Ucrânia foi "aliada", em termos, dos nazis, como já foi destacado aqui blog (checar a tag Ucrânia), havia grupos fascistas xenófobos na Ucrânia e esses além de declararem um Estado independente na Ucrânia em 1941, foram colaboracionistas dos nazis inclusive na limpeza étnica (genocídio) na Ucrânia exterminando judeus e outras minorias, mas a própria Ucrânia retornaria a ser uma das Repúblicas soviéticas quando os soviéticos retomaram seu controle.
A Ustasha (movimento fascista croata) é retratada aqui (checar todos os links relacionados à Ustasha nesta tag), e não há confusão alguma com alemães. Inclusive o fascismo da Ustasha (que há contestação se era um regime fascista de fato ou nacionalismo de direita) era muito semelhante ao nazismo nas ideias de limpeza étnica que praticou na Croácia independente contra as minorias da Croácia (sérvios, judeus, ciganos etc).
2. Sobre rotularem grupos como neonazistas e a afirmação de que "nada representam de ideológico ou de político", é outra afirmação falsa ou vazia pois sim, eles representam algo ideológico e político, mesmo que seja possível afirmar que vários deles são completamente débeis até pros padrões políticos daquilo que supostamente defendem.
Pegando o caso brasileiro já que é um dos mais bizarros, mas não o único caso bizarro, muitos neonazis brasileiros repetem ideias de "superioridade racial" e se dizem nazistas ignorando que o nazismo original era só pra alemães (ou alemães étnicos) sem fazer qualquer adaptação ao país, já que muitos destes nem descendentes de alemães são e usam essa simbologia do nazismo original (alemão) sendo que vários se encaixariam em grupos que os nazis originais sentiriam certo desprezo como descendentes de portugueses, espanhóis, italianos etc, apesar da aliança entre Alemanha nazi e Itália fascista, os nazis nunca nutriram simpatias abertas pela Itália. Destaco o grupo dos portugueses e italianos pois são os maiores grupos étnicos europeus no Brasil, e o português o maior e com presença desde a primeira colonização do país sem interrupção.
A ideia de "supremacia branca" não é original do nazismo, já era uma ideia disseminada na própria Europa pra justificar a ideia de "supremacia europeia" com seus colonialismos praticados por vários países (Portugal, Espanha, Inglaterra, França etc) em várias regiões (continente americano, asiático, oriente médio, África), só que essas ideias racistas que surgiram na Europa logo conseguiram criar outras subdivisões racistas ou classificações hierárquicas de "raças" mesmo entre povos europeus, por isso que muita gente cria confusão com essas ideias (furadas, por sinal) que eram tidas como algo absoluto em outros tempos quando surgiram e foram disseminadas pela imprensa, ciência etc.
Nessas subdivisões do racismo europeu surge uma corrente chamada "nordicismo" que é mais ou menos de onde vem a ideia de "supremacia ariana" que os nazis adotaram e defenderam como ideário/meta biológica a se atingir em relação ao tipo nórdico da Escandinávia (loiro, de olho azul etc). Isso não quer dizer que outros países europeus não fossem bastante racistas e que não tivessem seus próprios "conceitos racistas" adequados a seus biotipos ou estereótipos (é mais um dos absurdos das crenças racistas, elas conseguem ser destrutivas entre si). Um exemplo claro disso (puxando mais pro século XX, mas a ideia é bem anterior a esse século) é o do programa "racial" do Partido Fascista italiano pois há o mito de que os demais fascismos não eram racistas, confiram o link: Italian Fascism and racism.
3. Não entendo o porquê da cisma das pessoas com o termo "neo", parece que não sabem o que significa: "neo" nada mais é, ou quer dizer, "novo". Todo movimento com roupagem ou características políticas do nazismo no pós-segunda guerra é geralmente chamado de neonazista (que literalmente seria "novo nazismo"). Embora as diferenças entre neofascismo e neonazismo na Europa atual sejam cada vez mais tênues (e ambos são fascismos).
O autor faz uma mera confusão semântica pra negar a natureza desses bandos, que na maioria absoluta dos casos não se denominam neonazis ou nazis e sim "nacional-socialistas" pois nazistas em geral têm cisma com o termo "nazi" (acham-no que ofensivo) mas não têm cisma com o termo "nacional-socialista".
4. Mais um adendo à questão das gangues de skinheads de direita (neonazis) pois a afirmação acima do livro diz que "nada representam politicamente ou ideologicamente", pois bem, pelo visto o autor do livro não é muito informado sobre o próprio movimento nazista e seu início com suas SA (Sturmabteilung), milícia nazista comandada por Ernst Röhm, que era homossexual e que chegou a rivalizar com Hitler porque queria uma revolução nazi total e radical na Alemanha (fonte: livro Hitler, Joachim Fest) e como o 'cabo Adolfo' queria consolidar o poder com a elite alemã e as forças armadas, por esta razão Röhm foi assassinado no episódio que ficou conhecido como Noite dos Longos Punhais e as SA dissolvidas com a SS tomando seu lugar em definitivo como organização paramilitar (milícia) do partido nazi.
As SA hoje seria algo bem parecido com esses grupos de neonazis carecas tocando o terror (fazendo baderna) pois era exatamente isso que elas faziam na ascensão do partido nazista na Alemanha pra intimidar os partidos rivais. A diferença daquela época pros dias atuais é que hoje não possuem um líder ou partido político com força de aglutinar esse terrorismo intencional deles pra tirar dividendos políticos como Hitler fez, mas representam sim algo ideológico e político não muito diferente das SA originais.
Curioso é que a literatura "consumida" por essas gangues são justamente publicações de extrema-direita.
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Destaco mais outro trecho, página 139 (edição digital):
2. Eu nunca assisti essa minissérie "Holocausto" na TV aberta, não lembro que rede de TV do Brasil exibiu isso, se exibiu. Não estou duvidando que possam ter exibido, mas exibir ano após ano? Fatalmente eu e muita gente teria assistido e simplesmente não lembro dessa série (e tenho boa memória), que só assisti (pulando partes, pois não gosto desse tipo de produção) graças à internet pois ela está fora de catálogo. Lembro que ela chegou a ser exibida em algum canal por assinatura, mas eu não cheguei a assistir aí também.
Por ironia pura, pois acho engraçado quando fazem essas afirmações vitimistas sobre filmes, eu demorei pra assistir o filme "A Lista de Schindler", e não lembro de ter visto mais que duas vezes. Também não vejo a TV brasileira (canais abertos) passando mais filmes de segunda guerra ou sobre o Holocausto (será que "nazistificaram" as TVs do Brasil? rs). Como também não passam mais muitos filmes sobre a Guerra Fria ou documentários sobre as ditaduras brasileiras ou mesmo políticos e históricos.
Por sinal, eu tenho certa cisma com esse filme do Spielberg e há várias críticas (link1, link2, link3) sobre como o Schindler é retratado no filme (em detrimento do Schindler real). Não gosto do Spielberg fazendo filme de drama, o melhor filme sobre o Holocausto que eu vi se chama O Pianista, do Roman Polanski, que é um filme europeu (com uma visão mais europeia da guerra) e não norte-americano. Há um documentário não novo sobre o Schindler que aponta as distorções feitas no filme (sobre o caráter dele), não sei se é este, mas vale a pena assistir (não se trata de documentário "revisionista").
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Mais outro trecho (página 141, edição digital):
2. Não, minisséries como "Holocausto" não incitam discriminação e preconceito a etnias, afirmar isso é choradeira. Essa é uma afirmação que beira a idiotice. Eu queria entender o que se passa na cabeça de uma pessoa pra achar que uma pessoa só por ter sobrenome alemão hoje em dia seria discriminado por isso no Brasil. A afirmação é decorrente de algum trauma de guerra? É bastante provável, mas até trauma tem cura, já faz décadas da guerra e muita gente que passou por ela não ostenta esse pensamento paranoico.
Há sim relatos de perseguição a descendentes de alemães (italianos e japoneses) no Brasil no período varguista, alguns foram presos em campos de concentração do Estado Novo como inimigos do Estado (brasileiro) pois o governo getulista considerava que alguns poderiam ser quinta-coluna operando pra Estados inimigos (da trinca do Eixo, Japão, Itália e Alemanha), principalmente quando o Brasil rompeu relações diplomáticas com o eixo em 1942. O resto da afirmativa (até porque não entra em detalhes, quem detalhou fui eu) é vitimismo e retórica que carece de fundamento.
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Outro trecho, página 143 (edição digital):
2. O resto do trecho é uma tentativa de inversão ridícula ignorando quem foi a parte agressora do evento segunda guerra (o regime nazista e sua ideologia de expansão territorial, genocídio etc) como se a Alemanha tivesse sido vítima dessa guerra e não a parte agressora. Ao afirmar isso não estou afirmando que há santos em guerra, só que agressores existem sim (responsáveis), é como alguém negar que os Estados Unidos tenham sido agressores na invasão do Iraque em 2003 que dura até hoje (2014), 11 anos praticamente.
Civis são vítimas de uma guerra, mas a parte agressora costuma ser responsabilizada pelo conflito, não é "privilégio" (entre aspas) da Alemanha vide a Guerra do Paraguai e a quem recai a culpa pelas mazelas do conflito (o Brasil). Eu não vejo nenhum brasileiro por aí ficar de choro com isso.
Por que não se tem diários de "Marianne Müller"? Será que por que nenhuma Marianne Müller escreveu um diário? (rs). E supondo que alguma tivesse escrito, vai ver ela não possui essa ideia vitimista que o autor do livro acima repassa, além da posição dele no livro ser uma posição pessoal e não coletiva, calcada num forte apego étnico?
Mas vem uma pergunta disso: por que tem que haver um diário de uma garota alemã por que existe um diário conhecido de uma garota judia holandesa morta em campos de concentração decorrente da política racista dos nazis? Qual a lógica dessa afirmação afinal? Não se sabia que um diário de uma garota judia holandesa iria fazer tanto sucesso editorial como esse diário fez. O Sr. Toedter parte de um pressuposto determinista como se as coisas tivessem sido preconcebidas de forma "mágica" (algo fantasioso e crendice pura) como se se pudesse determinar o que fará ou não sucesso, deve ter alguma bola de cristal. O acaso não existe mais, tudo está "determinado", a gente já "sabe" até o que fará sucesso amanhã, hoje e sempre (conteúdo irônico, mas a ironia é em cima desse determinismo fantasioso que critiquei acima).
O diário citado poderia ter ficado obscuro e sem sucesso algum, nunca pensou nessa possibilidade? Não existe uma explicação ou fórmula pra saber porque livro "x" faz mais sucesso e outros não, por que Paulo Coelho vende muito e Servantes não?
É provável que por ser uma garota com idade "x", com certo carisma, tenha causado uma empatia com o público geral com este fato. E não só existe esse diário, caso recente também de repercussão é esse diário da garota paquistanesa Malala ("Eu sou Malala"). Não é o tipo de leitura que me agrada, mas esse fatalismo do trecho acima é tétrico. "Teriam sido esquecidos", "não tenham sido editados", quanto drama, quanto achismo, quanto chute. Opinião não é História (é o caso desse livro "revisionista" citado no post pra análise), opinião é só opinião mesmo, não quer dizer que algo por ser opinião seja algo correto.
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Vou ficando por aqui nessa primeira parte, mas já deu pra ver o 'nível' do texto... é tanto erro, é tanta coisa que é visivelmente banal, é tanta coisa citada sem fonte alguma que eu ia começar falando das partes sobre a Áustria (da rivalidade que havia entre Áustria católica e Alemanha de maioria protestante, fora outras questões da Unificação da Alemanha no século XIX) mas acabei começando pelas partes acima só pra mostrar o "tipo" de texto do livro.
Como sempre faço, eu sempre leio depois o texto do post, pois não fiz correção. Por isso costumo acrescentar links se achar que faltou algo ou mesmo corrigir alguma parte. Gostaria de fazer algo mais elaborado, mas paciência, escrever em cima de coisas (afirmações) nitidamente tolas é dose (algo bem chato). É isso que os ditos "revisionistas" repassam como "grande contestação" do genocídio da Segunda Guerra, sobre o nazismo etc em português.
P.S. importante, mas já comentei antes mas faço questão de repetir: eu não uso fakes pra comentar em blogs "revis". Por que digo isso? Porque há vários fakes comentando em blogs "revis" e que alguns desses "revis" os deixam comentando pra ter com quem "discutir". Algo bem óbvio que qualquer pessoa nota logo de cara, além das insinuações que os fakes possam ser das pessoas que têm posição contrária a deles. A questão é que não uso fake pra discutir, é só ver o post acima. Inclusive já indiquei o RODOH (fórum) como local de discussão se quisessem e nada. Além deu achar imbecis os comentários de vários desses fakes e uma atitude idiota da parte dessas pessoas pois demonstram ter um medo profundo desses "revis", senão não usariam fakes pra discutir (quando não, xingar). E digo isso porque parte desses blogs têm moderação de comentários, ou seja, o moderador do blog tem como aprovar ou rejeitar um comentário, se deixa passar é porque quis. Mas não deixa de ser engraçado eles deixarem passar isso, pois se de fato se sentissem tão "irritados", como alegam, com esses comentários, por que deixam os comentários passarem já que são de fakes? Patético.
Todas as citações de fatos históricos etc não possuem fonte e contém pilhas de erros (conceituais, distorções) em virtude do posicionamento ideológico do autor do livro.
Mas, algum "revi" tentando desqualificar a afirmação acima pode chegar e dizer: "Ah, mas isto é um livro de memórias"... bem, as partes de memórias são uma coisa, e são enviesadas com a opinião política do autor, mas a parte que cita episódios/fatos pra se chegar a alguma conclusão não são "memórias", é a isso que me refiro. Faço questão de ressaltar o problema me antecipando antes que algum "revi" venha fazer esse sofisma pra desqualificar a constatação.
Mas prosseguindo, não vai dar pra citar o livro inteiro obviamente (por isso o destaque no título pra "parte 01" pois provavelmente poderá haver uma "parte 02", "03" etc), mas só pra dar uma ideia do tipo de erro que tem no livro a gente separa trechos.
Começamos primeiro por um erro conceitual do autor que mistura ou não distingue a questão da nacionalidade (algo não opcional exceto quando alguém se naturaliza) da questão de ideologia política (que é uma opção, escolha), pois são duas coisas distintas apesar do nazismo ter alimentado a ideia de que nazismo seria o equivalente à "Alemanha" e "alemão" por ser uma ideologia política ultranacionalista xenófoba, um tipo de fascismo com apego desmedido à questão de "etnia" ou como eles chamavam, "raça".
Ao contrário do que o Sr. Toedter afirma no livro, não foi a propaganda contra o nazismo quem "inventou" essa associação, eram os próprios nazis que intencionalmente faziam a "confusão", pois agiam de acordo com a ideologia ultranacionalista que defendiam fazendo essa deturpação e mistura dos conceitos de nacionalidade e ideologia.
Destaco o trecho sobre neonazis/skinheads, páginas 139-140 (da edição do PDF, na edição da página consta como tendo sendo uma página a menos, cada):
Outro elemento importante da campanha é a identidade que conseguiu estabelecer através dos anos entre "nazista" e "alemão"' Mesmo quando acusam algum croata ou ucraniano (eram aliados do Eixo) de alguma coisa que teria acontecido naqueles tempos nunca esquecem o qualificativo de "nazista", por conseguinte "alemão" para o grande público' Sempre existiram os inconformados, os rebeldes, os anarquistas. Sua associação em bandos, formando as temidas "gangues", também é comum. Sempre escolheram símbolos, tais como a caveira ou o diabo, capazes de aterrorizar as pessoas. Pelo mesmo motivo vestem-se ou caracterizam-se de forma diferente. A cabeça raspada lembra a imagem sombria do criminoso (que, quando preso, tinha os cabelos raspados para evitar os piolhos). É claro que estes skin heads hoje em dia se enfeitam com a suástica e dizem ser discípulos de Hitler. É mais do que lógico que busquem se identificar com o inimigo público número 1, e, consequentemente, são classificados e chamados de "neonazistas". Na verdade nada representam de ideológico ou de político, como o são ou foram os movimentos nacional-socialista, fascista, falangista, integralista ou comunista. Mas cada ação destes baderneiros e terroristas é bem vinda á campanha de difamação do alemão.Vamos aos erros do trecho acima.
1. Como já disse lá acima, quem fazia a associação 'alemão = nazista' eram os próprios nazis tanto que a bandeira adotada na Alemanha nazista foi esta (link2) com a suástica do regime nazista. Então quem estabeleceu o quê, afinal? Querer acusar os outros de terem "criado" o que os próprios nazis fizeram é inversão (distorção), pura e simples.
É outra afirmação falsa quando afirma que quando pessoas acusam outros bandos ultranacionalistas xenófobos de serem nazistas estão associando isso a alemães. A maioria das pessoas sabe diferenciar ideologia política (opção, escolha) de nacionalidade. Curioso ler tanto vitimismo nesses livros "revis" já que é uma acusação recorrente entre "revis" de que judeus fazem uso de vitimismo pra angariar simpatias em torno do Holocausto. Os "revis" partem do pressuposto de que as pessoas não conseguem separar fatos como a segunda guerra, nacionalidade etc. Haja presunção e chute.
A Ucrânia foi "aliada", em termos, dos nazis, como já foi destacado aqui blog (checar a tag Ucrânia), havia grupos fascistas xenófobos na Ucrânia e esses além de declararem um Estado independente na Ucrânia em 1941, foram colaboracionistas dos nazis inclusive na limpeza étnica (genocídio) na Ucrânia exterminando judeus e outras minorias, mas a própria Ucrânia retornaria a ser uma das Repúblicas soviéticas quando os soviéticos retomaram seu controle.
A Ustasha (movimento fascista croata) é retratada aqui (checar todos os links relacionados à Ustasha nesta tag), e não há confusão alguma com alemães. Inclusive o fascismo da Ustasha (que há contestação se era um regime fascista de fato ou nacionalismo de direita) era muito semelhante ao nazismo nas ideias de limpeza étnica que praticou na Croácia independente contra as minorias da Croácia (sérvios, judeus, ciganos etc).
2. Sobre rotularem grupos como neonazistas e a afirmação de que "nada representam de ideológico ou de político", é outra afirmação falsa ou vazia pois sim, eles representam algo ideológico e político, mesmo que seja possível afirmar que vários deles são completamente débeis até pros padrões políticos daquilo que supostamente defendem.
Pegando o caso brasileiro já que é um dos mais bizarros, mas não o único caso bizarro, muitos neonazis brasileiros repetem ideias de "superioridade racial" e se dizem nazistas ignorando que o nazismo original era só pra alemães (ou alemães étnicos) sem fazer qualquer adaptação ao país, já que muitos destes nem descendentes de alemães são e usam essa simbologia do nazismo original (alemão) sendo que vários se encaixariam em grupos que os nazis originais sentiriam certo desprezo como descendentes de portugueses, espanhóis, italianos etc, apesar da aliança entre Alemanha nazi e Itália fascista, os nazis nunca nutriram simpatias abertas pela Itália. Destaco o grupo dos portugueses e italianos pois são os maiores grupos étnicos europeus no Brasil, e o português o maior e com presença desde a primeira colonização do país sem interrupção.
A ideia de "supremacia branca" não é original do nazismo, já era uma ideia disseminada na própria Europa pra justificar a ideia de "supremacia europeia" com seus colonialismos praticados por vários países (Portugal, Espanha, Inglaterra, França etc) em várias regiões (continente americano, asiático, oriente médio, África), só que essas ideias racistas que surgiram na Europa logo conseguiram criar outras subdivisões racistas ou classificações hierárquicas de "raças" mesmo entre povos europeus, por isso que muita gente cria confusão com essas ideias (furadas, por sinal) que eram tidas como algo absoluto em outros tempos quando surgiram e foram disseminadas pela imprensa, ciência etc.
Nessas subdivisões do racismo europeu surge uma corrente chamada "nordicismo" que é mais ou menos de onde vem a ideia de "supremacia ariana" que os nazis adotaram e defenderam como ideário/meta biológica a se atingir em relação ao tipo nórdico da Escandinávia (loiro, de olho azul etc). Isso não quer dizer que outros países europeus não fossem bastante racistas e que não tivessem seus próprios "conceitos racistas" adequados a seus biotipos ou estereótipos (é mais um dos absurdos das crenças racistas, elas conseguem ser destrutivas entre si). Um exemplo claro disso (puxando mais pro século XX, mas a ideia é bem anterior a esse século) é o do programa "racial" do Partido Fascista italiano pois há o mito de que os demais fascismos não eram racistas, confiram o link: Italian Fascism and racism.
3. Não entendo o porquê da cisma das pessoas com o termo "neo", parece que não sabem o que significa: "neo" nada mais é, ou quer dizer, "novo". Todo movimento com roupagem ou características políticas do nazismo no pós-segunda guerra é geralmente chamado de neonazista (que literalmente seria "novo nazismo"). Embora as diferenças entre neofascismo e neonazismo na Europa atual sejam cada vez mais tênues (e ambos são fascismos).
O autor faz uma mera confusão semântica pra negar a natureza desses bandos, que na maioria absoluta dos casos não se denominam neonazis ou nazis e sim "nacional-socialistas" pois nazistas em geral têm cisma com o termo "nazi" (acham-no que ofensivo) mas não têm cisma com o termo "nacional-socialista".
4. Mais um adendo à questão das gangues de skinheads de direita (neonazis) pois a afirmação acima do livro diz que "nada representam politicamente ou ideologicamente", pois bem, pelo visto o autor do livro não é muito informado sobre o próprio movimento nazista e seu início com suas SA (Sturmabteilung), milícia nazista comandada por Ernst Röhm, que era homossexual e que chegou a rivalizar com Hitler porque queria uma revolução nazi total e radical na Alemanha (fonte: livro Hitler, Joachim Fest) e como o 'cabo Adolfo' queria consolidar o poder com a elite alemã e as forças armadas, por esta razão Röhm foi assassinado no episódio que ficou conhecido como Noite dos Longos Punhais e as SA dissolvidas com a SS tomando seu lugar em definitivo como organização paramilitar (milícia) do partido nazi.
As SA hoje seria algo bem parecido com esses grupos de neonazis carecas tocando o terror (fazendo baderna) pois era exatamente isso que elas faziam na ascensão do partido nazista na Alemanha pra intimidar os partidos rivais. A diferença daquela época pros dias atuais é que hoje não possuem um líder ou partido político com força de aglutinar esse terrorismo intencional deles pra tirar dividendos políticos como Hitler fez, mas representam sim algo ideológico e político não muito diferente das SA originais.
Curioso é que a literatura "consumida" por essas gangues são justamente publicações de extrema-direita.
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Destaco mais outro trecho, página 139 (edição digital):
Hollywood produziu neste meio século um sem-número de filmes sobre a IIa Guerra Mundial, na maioria despretensiosos, mas sempre mostrando o alemão abobalhado, desengonçado, brutal, maldoso' Em síntese: o mau. É um filão que fascinou cineastas também de outros países. No Brasil o filme "Aleluia, Gretchen" deu aos nazistas tupiniquins o perfil e colorido ditado pela Meca do cinema mundial. Mas isto foi apenas "pára-quedismo". Embarcaram na onda. Foram outros os celulóides que formaram o poderoso núcleo desta campanha de pós-guerra.1. Novamente a "confusão" entre nacionalidade (no caso a nacionalidade alemã) com ideologia política (nazismo), causada pelo próprio nazismo. E pra variar, mais vitimismo, como se as pessoas não soubessem distinguir uma coisa da outra. Pode ser (ou muito provável que tenha ocorrido) que no pós-segunda guerra, pela memória fresca da guerra e as feridas abertas recentes, o povo de fato não fizesse questão de diferenciar uma coisa da outra pois a imagem do nazismo com a Alemanha ficou muito marcada, mas afirmar isso hoje em dia depois da reunificação da Alemanha e um monte de mudanças no mundo (queda da União Soviética, do Muro de Berlim etc) é uma bobagem sem tamanho.
Uma rede de televisão brasileira vem repetindo ano a ano a apresentação da série "Holocausto". Outro cavalo de batalha é a "Lista
de Schindler".
2. Eu nunca assisti essa minissérie "Holocausto" na TV aberta, não lembro que rede de TV do Brasil exibiu isso, se exibiu. Não estou duvidando que possam ter exibido, mas exibir ano após ano? Fatalmente eu e muita gente teria assistido e simplesmente não lembro dessa série (e tenho boa memória), que só assisti (pulando partes, pois não gosto desse tipo de produção) graças à internet pois ela está fora de catálogo. Lembro que ela chegou a ser exibida em algum canal por assinatura, mas eu não cheguei a assistir aí também.
Por ironia pura, pois acho engraçado quando fazem essas afirmações vitimistas sobre filmes, eu demorei pra assistir o filme "A Lista de Schindler", e não lembro de ter visto mais que duas vezes. Também não vejo a TV brasileira (canais abertos) passando mais filmes de segunda guerra ou sobre o Holocausto (será que "nazistificaram" as TVs do Brasil? rs). Como também não passam mais muitos filmes sobre a Guerra Fria ou documentários sobre as ditaduras brasileiras ou mesmo políticos e históricos.
Por sinal, eu tenho certa cisma com esse filme do Spielberg e há várias críticas (link1, link2, link3) sobre como o Schindler é retratado no filme (em detrimento do Schindler real). Não gosto do Spielberg fazendo filme de drama, o melhor filme sobre o Holocausto que eu vi se chama O Pianista, do Roman Polanski, que é um filme europeu (com uma visão mais europeia da guerra) e não norte-americano. Há um documentário não novo sobre o Schindler que aponta as distorções feitas no filme (sobre o caráter dele), não sei se é este, mas vale a pena assistir (não se trata de documentário "revisionista").
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Mais outro trecho (página 141, edição digital):
Há que se perguntar: filmes como "Holocausto', não incitam à discriminação e ao preconceito de etnias? Quanto não sofrem crianças até hoje no seu cotidiano nas escolas brasileiras só porque tem cara ou nome de alemão?1. Filme "Holocausto" não existe, fiz até post sobre isso. Mas não vou ser chato (pegar "tanto" no pé) e posso admitir que ele queria se referir à minissérie "Holocausto".
2. Não, minisséries como "Holocausto" não incitam discriminação e preconceito a etnias, afirmar isso é choradeira. Essa é uma afirmação que beira a idiotice. Eu queria entender o que se passa na cabeça de uma pessoa pra achar que uma pessoa só por ter sobrenome alemão hoje em dia seria discriminado por isso no Brasil. A afirmação é decorrente de algum trauma de guerra? É bastante provável, mas até trauma tem cura, já faz décadas da guerra e muita gente que passou por ela não ostenta esse pensamento paranoico.
Há sim relatos de perseguição a descendentes de alemães (italianos e japoneses) no Brasil no período varguista, alguns foram presos em campos de concentração do Estado Novo como inimigos do Estado (brasileiro) pois o governo getulista considerava que alguns poderiam ser quinta-coluna operando pra Estados inimigos (da trinca do Eixo, Japão, Itália e Alemanha), principalmente quando o Brasil rompeu relações diplomáticas com o eixo em 1942. O resto da afirmativa (até porque não entra em detalhes, quem detalhou fui eu) é vitimismo e retórica que carece de fundamento.
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Outro trecho, página 143 (edição digital):
Toda boa campanha tem que ter símbolos, bandeiras. Uma destas bandeiras é o "Diário de Anne Frank". É, certamente, e apesar de ter sua autenticidade contestada, um dos livros mais promovidos do mundo, senão o mais promovido, considerando os cinquenta anos que é mantido nas prateleiras. Não o li, nem pretendo fazê-lo, mas pergunto: Não existiram centenas de milhares de crianças vítimas de tragédias? Por que não há um livro duma Marianne Müller, que tenha sobrevivido ao horror dum bombardeio, assistindo seus pais sucumbirem no fogo qual tochas humanas? Ou duma Annemarie qualquer relatando os sofrimentos de quem viu a família dizimada em outra cena de terror na qual o causador não tenha sido exatamente um alemão? Se tivessem sido escritos, talvez não teriam sido editados. se editados, teriam sido esquecidos no fundo das prateleiras.1. Eis o primeiro trecho de fato abertamente negacionista (dos retratados acima). O autor não leu o diário, conforme cita. Mas pior que isso, não leu ou se leu não citou que tipo de "contestação" (e quem a faz) que é feita diário, bem como as críticas a este grupo que "contesta" e as refutações aos mesmos. Podem ler os links relativos a essa discussão aqui e aqui (já publicado no blog, clicar na tag do diário).
2. O resto do trecho é uma tentativa de inversão ridícula ignorando quem foi a parte agressora do evento segunda guerra (o regime nazista e sua ideologia de expansão territorial, genocídio etc) como se a Alemanha tivesse sido vítima dessa guerra e não a parte agressora. Ao afirmar isso não estou afirmando que há santos em guerra, só que agressores existem sim (responsáveis), é como alguém negar que os Estados Unidos tenham sido agressores na invasão do Iraque em 2003 que dura até hoje (2014), 11 anos praticamente.
Civis são vítimas de uma guerra, mas a parte agressora costuma ser responsabilizada pelo conflito, não é "privilégio" (entre aspas) da Alemanha vide a Guerra do Paraguai e a quem recai a culpa pelas mazelas do conflito (o Brasil). Eu não vejo nenhum brasileiro por aí ficar de choro com isso.
Por que não se tem diários de "Marianne Müller"? Será que por que nenhuma Marianne Müller escreveu um diário? (rs). E supondo que alguma tivesse escrito, vai ver ela não possui essa ideia vitimista que o autor do livro acima repassa, além da posição dele no livro ser uma posição pessoal e não coletiva, calcada num forte apego étnico?
Mas vem uma pergunta disso: por que tem que haver um diário de uma garota alemã por que existe um diário conhecido de uma garota judia holandesa morta em campos de concentração decorrente da política racista dos nazis? Qual a lógica dessa afirmação afinal? Não se sabia que um diário de uma garota judia holandesa iria fazer tanto sucesso editorial como esse diário fez. O Sr. Toedter parte de um pressuposto determinista como se as coisas tivessem sido preconcebidas de forma "mágica" (algo fantasioso e crendice pura) como se se pudesse determinar o que fará ou não sucesso, deve ter alguma bola de cristal. O acaso não existe mais, tudo está "determinado", a gente já "sabe" até o que fará sucesso amanhã, hoje e sempre (conteúdo irônico, mas a ironia é em cima desse determinismo fantasioso que critiquei acima).
O diário citado poderia ter ficado obscuro e sem sucesso algum, nunca pensou nessa possibilidade? Não existe uma explicação ou fórmula pra saber porque livro "x" faz mais sucesso e outros não, por que Paulo Coelho vende muito e Servantes não?
É provável que por ser uma garota com idade "x", com certo carisma, tenha causado uma empatia com o público geral com este fato. E não só existe esse diário, caso recente também de repercussão é esse diário da garota paquistanesa Malala ("Eu sou Malala"). Não é o tipo de leitura que me agrada, mas esse fatalismo do trecho acima é tétrico. "Teriam sido esquecidos", "não tenham sido editados", quanto drama, quanto achismo, quanto chute. Opinião não é História (é o caso desse livro "revisionista" citado no post pra análise), opinião é só opinião mesmo, não quer dizer que algo por ser opinião seja algo correto.
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Vou ficando por aqui nessa primeira parte, mas já deu pra ver o 'nível' do texto... é tanto erro, é tanta coisa que é visivelmente banal, é tanta coisa citada sem fonte alguma que eu ia começar falando das partes sobre a Áustria (da rivalidade que havia entre Áustria católica e Alemanha de maioria protestante, fora outras questões da Unificação da Alemanha no século XIX) mas acabei começando pelas partes acima só pra mostrar o "tipo" de texto do livro.
Como sempre faço, eu sempre leio depois o texto do post, pois não fiz correção. Por isso costumo acrescentar links se achar que faltou algo ou mesmo corrigir alguma parte. Gostaria de fazer algo mais elaborado, mas paciência, escrever em cima de coisas (afirmações) nitidamente tolas é dose (algo bem chato). É isso que os ditos "revisionistas" repassam como "grande contestação" do genocídio da Segunda Guerra, sobre o nazismo etc em português.
P.S. importante, mas já comentei antes mas faço questão de repetir: eu não uso fakes pra comentar em blogs "revis". Por que digo isso? Porque há vários fakes comentando em blogs "revis" e que alguns desses "revis" os deixam comentando pra ter com quem "discutir". Algo bem óbvio que qualquer pessoa nota logo de cara, além das insinuações que os fakes possam ser das pessoas que têm posição contrária a deles. A questão é que não uso fake pra discutir, é só ver o post acima. Inclusive já indiquei o RODOH (fórum) como local de discussão se quisessem e nada. Além deu achar imbecis os comentários de vários desses fakes e uma atitude idiota da parte dessas pessoas pois demonstram ter um medo profundo desses "revis", senão não usariam fakes pra discutir (quando não, xingar). E digo isso porque parte desses blogs têm moderação de comentários, ou seja, o moderador do blog tem como aprovar ou rejeitar um comentário, se deixa passar é porque quis. Mas não deixa de ser engraçado eles deixarem passar isso, pois se de fato se sentissem tão "irritados", como alegam, com esses comentários, por que deixam os comentários passarem já que são de fakes? Patético.
sábado, 22 de março de 2014
Von Rundstedt, o Marechal profissional
![]() |
Von Rundstedt em Nuremberg |
Comando SupremoThe Good Old Days. The Holocaust as Seen by Its Perpetrators and Bystanders. Klee, E; Dressen, W; e Riess, V., editores. (traduzido do alemão por Deborah Burnstone). Konecky e Konecky Old Saybrook, 1991. pág. 116. Referência de arquivo pág. 285 NOKW-541.
Quartel General
Grupo de Exércitos Sul
24 de setembro de 1941.
Ic/AO (Abw. III)
Ref: Combatendo elementos anti-Reich.
A investigação e o combate contra os elementos inimigos do Reich (comunistas, judeus e seus simpatizantes) na medida em que não tenham se incorporado ao exército inimigo, são só de responsabilidade dos Sonderkommandos, da Polícia de Segurança e do SD nas áreas ocupadas. Os Sonderkommandos têm a responsabilidade exclusiva para tomar as medidas necessárias para seus fins.
As ações sem autorização por parte de membros individuais da Wehrmacht, ou a participação de membros da Wehrmacht nos excessos da população ucraniana contra os judeus estão proibidas, assim como o ato de contemplar ou fotografar as ações dos Sonderkommandos.
Esta proibição deve ser comunicada a membros de todas as unidades. Os superiores de todos os rangos são responsáveis de se assegurar que se cumpra esta proibição. No caso que se viole esta ordem, a causa será examinada para determinar se o superior não cumpriu com seu dever de fazer cumprir esta ordem. Se em caso positivo, será castigado severamente.
(Assinado) Von Rundstedt.
Haverá quem seja capaz de ler nesta ordem algo "apolítico". Já é mais duvidoso que se siga dizendo que as matanças dos Einsatzgruppen não ocorriam à vista de todos, e que não havia pessoal na Werhmacht que gostava de olhar... e inclusive participar nos massacres por iniciativa própria, até o ponto do mesmíssimo comandante do Grupo de Exércitos ordenar que oficiais e suboficiais sejam impedidos de fazer isso. Porque em caso contrário ele lhes culpará.
O VI Exército de Von Reichenau estava sob seu comando quando emitiu sua famosa ordem de 10 de outubro, que Von Rundstedt distribuiu ao resto das tropas sob seu comando em 17 de outubro. Pelo visto, pode-se ser apolítico ao mesmo tempo em que se justifica e "compreende" o assassinato de civis suspeitos de ser comunistas ou judeus, ou bem simpatizar com eles. Sempre e quando não se comprometa a disciplina das unidades.
Foto Wikipedia.
Fonte: blog antirrevisionismo (Espanha)
http://antirrevisionismo.wordpress.com/2011/08/29/von-rundstedt-mariscal-profesional/
Tradução: Roberto Lucena
Ver mais:
Ordem de von Rundstedt - As ações da Wehrmacht e dos Einsatzgruppen: A luta contra elementos hostis ao Reich (blog Avidanofront)
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quinta-feira, 20 de março de 2014
Documentos sobre os fascistas ucranianos (em russo)
Antes que eu perca de novo o link, pra deixar registrado caso dê pra traduzir alguma coisa depois (algum dia), consegui encontrar o link do MRE russo. Então segue abaixo o link do MRE da Rússia com os documentos sobre os fascistas ucranianos colaboracionistas dos nazistas na segunda guerra mundial. Obviamente os textos estão em russo. Pra quem quiser ler sobre o que se trata, a matéria saiu aqui: Publicados documentos sobre colaboração de nacionalistas ucranianos com Alemanha nazista (post do blog Avidanofront, não deixem de visitar).
ATIVIDADES do UPA**. A partir dos documentos da NKVD-MGB. Desclassificado EM 2008. Gráficos escritos reproduzidos sem alteração
Link com os documentos: http://www.idd.mid.ru/inf/inf_01.html
UPA: sigla de Exército Insurgente da Ucrânia
Em inglês. Ver mais em português OUN-UPA
**OUN: Organização dos Nacionalistas Ucranianos
em inglês Organization of Ukrainian Nationalists.
Talvez não seja ou fosse o melhor momento de soltar isso (poderiam ter solto antes), mas é melhor que toda a documentação que não foi publicada relativa à segunda guerra seja publicada (torne-se publica) a ficar guardada em arquivos.
ATIVIDADES do UPA**. A partir dos documentos da NKVD-MGB. Desclassificado EM 2008. Gráficos escritos reproduzidos sem alteração
Link com os documentos: http://www.idd.mid.ru/inf/inf_01.html
UPA: sigla de Exército Insurgente da Ucrânia
Em inglês. Ver mais em português OUN-UPA
**OUN: Organização dos Nacionalistas Ucranianos
em inglês Organization of Ukrainian Nationalists.
Talvez não seja ou fosse o melhor momento de soltar isso (poderiam ter solto antes), mas é melhor que toda a documentação que não foi publicada relativa à segunda guerra seja publicada (torne-se publica) a ficar guardada em arquivos.
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