terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Após 60 anos, legado do Tribunal de Nuremberg permanece

Por Alan Elsner

WASHINGTON (Reuters) - Transcorridos 60 anos do início dos julgamentos de nazistas pelo Tribunal de Nuremberg, seu legado ainda reverbera em alto e bom som no direito internacional e no julgamento do ex-presidente iraquiano Saddam Hussein.

O primeiro julgamento envolveu 22 nazistas -- entre eles Hermann Goering, Rudolf Hesse e Joachim von Ribbentrop -- a partir de 20 de novembro de 1945. Três dos réus foram totalmente absolvidos e 11 outros foram absolvidos de algumas das acusações. Houve 12 condenados à morte e algumas condenações a longas penas de prisão. Goering foi condenado, mas cometeu suicídio.

"Nuremberg introduziu o conceito de que indivíduos e Estados estão sujeitos à lei internacional, inclusive com limites à soberania", disse Henry King, um dos promotores de Nuremberg. Aos 86 anos, ele continua ativo como professor de Direito na Universidade Case Western Reserve, em Cleveland (EUA).

"Em certo sentido, marcou a chegada do direito internacional como uma força a ser reconhecida no nosso planeta", afirmou.

Um recente seminário na Universidade Georgetown (Washington) explorou outros legados duradouros de Nuremberg. O tribunal rejeitou de uma vez por todas os argumentos de que os réus estavam "apenas cumprindo ordens".

Estabeleceu o genocídio como um crime organizado e também definiu como crime o planejamento, preparação, início e desenrolar das guerras de agressão -- embora sem definir agressão.

"Nuremberg modernizou as leis da guerra e criou um denominador sob o qual todos os cidadãos do mundo deveriam viver e serem julgados. Ao fazê-lo, Nuremberg lançou o movimento internacional de direitos humanos", disse King.

Ben Ferencz, 85, que foi o chefe da promotoria no julgamento seguinte, em 1947, de 24 líderes dos "Einstatzgruppen" (unidades móveis de extermínio nazistas), lembra-se de ter perguntado ao réu Otto Ohlendorf, que comandou uma operação de extermínio na Criméia, como ele justificava a morte de 90 mil civis desarmados.

"Ohlendorf disse que foi em legítima defesa. Ele disse: 'Nós sabíamos que eles planejavam nos atacar e, portanto, era prudente para nós prevenir e atacá-los"', disse Ferencz, usando palavras que têm uma estranha ressonância nos dias de hoje.

E como Ohlendorf justificava a morte de bebês? "Ele disse que, um dia, eles iriam crescer e se tornariam uma ameaça. Era portanto necessário matá-los antes que o fizessem. Mas esta idéia de matar as pessoas em legítima defesa antecipada -- os juízes disseram que isso não era defesa", afirmou Ferencz.

O CASO SADDAM

Acadêmicos vêem no tribunal de Nuremberg o embrião de todos os demais julgamentos de direitos humanos, como o do ex-presidente sérvio Slobodan Milosevic, dos acusados de atrocidades em Serra Leoa, Ruanda e Timor Leste ou do ex-ditador iraquiano Saddam Hussein, iniciado formalmente em outubro.

Na verdade, Saddam foi a primeira pessoa desde Nuremberg a ser indiciada pelo crime de agressão, segundo Michael Scharf, também da Case Western Reserve, que participou do treinamento dos juízes no caso Saddam.

"Saddam terá direitos que nenhuma das suas vítimas teve, graças ao precedente de Nuremberg", disse Scharf. Ainda assim, esse julgamento continua sendo altamente problemático, pois dois advogados que defendiam outros réus do processo foram assassinados nas últimas semanas.

Saddam, a exemplo do que fizeram os réus de Nuremberg, contestou a legitimidade do tribunal, por se tratar de uma "justiça dos vencedores". A maioria dos alemães levou décadas para se convencer da legitimidade e imparcialidade do tribunal de Nuremberg. Segundo pesquisas anuais realizadas a partir da década de 1950 pelo governo, mas só divulgadas em 2002, até 1958 cerca de 90 por cento dos alemães achavam que os julgamentos tinham sido injustos. Foi apenas na década de 1970 a opinião popular mudou de maneira decisiva.

David Crane, ex-promotor-chefe do tribunal especial para Serra Leoa, onde nove indivíduos estão sendo julgados por atrocidades na guerra civil daquele país africano na década passada, disse que estava bastante ciente do legado de Nuremberg ao iniciar seu trabalho em Freetown, a capital, em 2002.

"Como Nuremberg e Freetown eram parecidas quando cheguei", disse ele, referindo-se à destruição física das duas cidades. "O cheiro da morte estava literalmente no ar, e foi assim nos três anos em que estive lá."

O julgamento de Serra Leoa incorporou ao léxico mais dois crimes contra a humanidade: o recrutamento obrigatório de crianças menores de 13 anos no conflito e o casamento forçado de mulheres.

Talvez a consequência mais importante de Nuremberg tenha sido a criação, em 1998, do Tribunal Penal Internacional, destinado a promover a justiça internacional e punir os responsáveis pelos crimes mais graves do mundo.

"Nuremberg criou o tribunal da Iugoslávia, que criou o tribunal de Ruanda, que criou a corte especial para Serra Leoa e Timor Leste, e agora o Tribunal Penal Internacional permanente", disse Scharf.

Ironicamente, os Estados Unidos, que insistiram na criação de Nuremberg, se opuseram veementemente ao Tribunal Penal Internacional, por verem nele uma afronta à sua soberania e independência.

Apesar da oposição norte-americana, o México tornou-se em 28 de outubro a centésima nação a ratificar o tratado que criou o tribunal.

"Essa corte não vai embora. Veio para ficar", disse David Scheffer, ex-embaixador especial dos EUA para questões de crimes de guerra. Seu conselho ao governo Bush: "Acostume-se ao tratado, supere isso e conviva com ele."

Fonte: Reuters/UOL(16.11.2005)
http://noticias.uol.com.br/ultnot/reuters/2005/11/16/ult729u52025.jhtm

Chiune Sugihara (1900-1986)

QUEM FOI CHIUNE SUGIHARA?
Por Eric Saul

Durante a última metade de século, as pessoas perguntaram, "Quem foi Chiune Sugihara?". Elas também perguntaram, 'Por que ele arriscou sua carreira, sua fortuna familiar, e as vidas de sua família para emitir vistos a refugiados judeus na Lituânia?". Estas não são questões fáceis de responder, e pode não haver um único conjunto de respostas que satisfarão nossa curiosidade e indagação.

Chiune (Sempo) Sugihara sempre fez as coisas à sua própria maneira. Ele nasceu em 1º de janeiro de 1900. Graduou-se no colégio com notas altas e seu pai insistiu que ele se tornasse médico. Mas o sonho de Chiune era estudar literatura e viver no exterior. Sugihara freqüentou a prestigiosa Universidade Waseda de Tóquio para estudar inglês. Ele pagou por sua própria educação com trabalho em meio-período, como estivador e tutor.

Um dia ele viu um anúncio nos classificados. O Ministério do Exterior estava em busca de pessoas que desejassem estudar no exterior e pudessem estar interessadas em carreira diplomática. Ele passou no difícil exame admissional e foi enviado para o intituto de língua japonesa em Harbin, China. Ele estudou russo e graduou-se com honras. Ele também converteu-se ao cristianismo ortodoxo grego. Em Harbin, ele conheceu e se casou com uma mulher caucasiana. Mais tarde eles se divorciaram. A natureza cosmopolitana de Harbin, China, abriu seus olhos para o quão diverso e interessante era o mundo.

Ele então serviu ao governo controlado pelos japoneses na Manchúria, no nordeste da China. Mais tarde ele foi promovido a Vice-Ministro do Departamento de Negócios Estrangeiros. Logo ele estava prestes a ser o Ministro de Negócios Estrangeiros na Manchúria.

Na Manchúria, ele negociou a compra do sistema ferroviário manchuriano, de propriedade russa, pelos japoneses. Isto poupou ao governo japonês milhões de dólares, e enfureceu os russos.

Sugihara ficou perturbado pela política de seu governo e pelo tratamento cruel dos chineses pelo governo japonês. Ele entregou seu cargo em protesto em 1934.

Em 1938, Sugihara foi enviado para o escritório diplomático japonês em Helsinque, Finlância. Com a Segunda Guerra Mundial ameaçando no horizonte, o governo japonês enviou Sugihara para a Lituânia para abrir um consulado em 1939. De lá ele reportaria os planos soviéticos e alemães. Seis meses depois, a guerra estourou e a União Soviética anexou a Lituânia. Os soviéticos ordenaram que todos os consulados fossem fechados. Foi neste contexto que Sugihara foi confrontado com pedidos de milhares de judeus poloneses fugindo da polônia ocupada pelos alemães.

SUGIHARA, O HOMEM

A história pessoal e o temperamento de Sugihara podem conter a chave de por que ele ter desafiado as ordens de seu governo e emitido os vistos. Sugihara puxou à personalidade da mãe. Ele se fez gentil, protetor e artista. Ele estava interessado em idéias do exterior, religião, filosofia e língua. Ele queria viajar o mundo e ver tudo o que havia, e experimentar o mundo. Tinha um forte senso de valor por toda a vida humana. Seus dotes linguísticos mostram que ele esteve sempre interessado em aprender mais sobre outros povos.

Sugihara foi um homem humilde e compreensivo. Ele era abnegado, retraídoe tinha um senso de humor muito bom. Yukiko, sua mulher, disse que ele achou muito difícil disciplinar as crianças quando elas não se comportavam. Ele nunca perdeu seu temperamento.

Sugihara também cresceu no rígido código de ética japonês de uma família samurai da virada do século. As virtudes mais importante de sua sociedades eram 'oya koko' (amor à família), 'kodomo na tamane' (pelo bem das crianças), ter 'gidi' e 'on' (dever e responsabilidade, ou obrigação de honrar uma dívida), 'gaman'(retenção das emoções), gambate (força interior e desenvoltura), e 'haji no kakate' (não trazer vergonha à família). Estas virtudes foram fortemente inculcadas pela família samurai de classes média rural de Chiune.

Foi preciso enorme coragem para Sugihara desafiar a ordem de seu pai para se tornar um médico, e em vez disso, seguir seu próprio caminho acadêmico. Foi preciso coragem para deixar o Japão e estudar no exterior. Foi preciso um homem japonês muito liberal para se casar com uma mulher caucasiana e se converter ao cristianismo. Foi preciso ainda mais coragem para se opor abertamente às políticas de expansão militar japonesas nos anos 30.

Assim, Sempo Sugihara não era um homem japonês comum e pode não ter sido um homem comum. No tempo em que ele e sua mulher Yukiko pensavam na má situação dos refugiados judeus, ele era assombrado pelas palavras de uma velha máxima samurai: "Nem mesmo um caçador pode matar um pássaro que voa para buscar refúgio nele".

Quarenta e cinco anos depois de ele assinar os vistos, Chiune foi questionado de por que ele o fez. Ele gostava de dar dois motivos:

"Eles eram seres humanos e eles precisavam de ajuda" ele dizia.
"Estou contente de ter encontrado força para tomar a decisão de os dar a eles."

Sugihara era um homem religioso e acreditava num deus universal de todas as pessoas. Ele gostava de dizer, "Eu posso ter que desobedecer meu governo, mas se eu não fizer, eu estaria desobedecendo a Deus."


A ESCOLHA DE SUGIHARA

O tempo começou a se esgotar para os refugiados à medida que Hitler estreitava a rede ao redor da Europa Oriental. Os refugiados descobriram uma idéia que eles apresentaram para Sugihara. Eles descobriram que as duas ilhas coloniais holandesas, Curaçao e Suriname, situadas no Caribe, não exigiam vistos formais de entrada, e o consul holandês informou-os que ele estaria disposto a carimbar seus passaportes com um visto holandês para aquele destino. Além disso, o cônsul holandês havia recebido permissão de seu superior em Riga para emitir tais vistos e eles estava disposto a emitir esses vistos a qualquer um que estivesse disposto a pagar uma taxa.

Para se chegar a essas duas ilhas, precisava-se passar através da União Soviética. O cônsul soviético, que era simpático à má situação dos refugiados, concordou em deixá-los passar sob uma condição: que além do visto holandês, eles também obtivessem um visto de trânsito dos japoneses, pois eles teriam que passar pelo Japão em seu caminho para Curaçao ou Suriname.

Sugihara tinha uma decisão difícil a tomar. Ele era um homem crescido na disciplina rígida e tradicional dos japoneses. Ele era um diplomata de carreira, que subitamente tinha que fazer uma escolha muito difícil. Por um lado, ele estava ligado à obediência tradicional que lhe foi ensinada por toda a sua vida. Por outro, ele era um samurai que recebera ordens para ajudar àqueles em necessidade. Ele sabia que se desafiasse as ordens de seus superiores, ele seria demitido e desonrado, e provavelmente não trabalharia novamente para o governo japonês. Isto resultaria numa enorme dificuldade financeira para sua família no futuro.

Chiune e sua esposa Yukiko Sugihara até mesmo temeram por suas vidas ao tomarem esta decisão. Eles concordaram que eles não tinham chance neste caso. O Sr. Sugihara disse, "Eu posso ter que desobedecer meu governo, mas se eu não fizer, eu estaria desobedecendo a Deus." A Sra. Sugihara lembrou que "os olhos dos refugi dos estavam tão intensos e desesperados - especialmente das mulheres e crianças. Elas eram centenas de pessoas em pé do lado de fora." Cinquenta anos depois da decisão deles, a Srª Sugihara disse: "a vida humana é muito importante, e ser virtuoso na vida também é importante." Esta foi a decisão que no final das contas salvaria o segundo maior número de judeus na Segunda Guerra Mundial. Eles escolheram ajudar os milhares que se aglomeravam em seu consulado em Kaunas.

A escolha encarada pelos Sugiharas foi um dilema moral que milhares de cônsules de todo o mundo enfrentavam todos os dias. Poucos perdiam o sono por fechar as portas na cara dos judeus. Esses cônsules seguiam as regras à risca e, em muitos casos, eram mais rígidos em emitir vistos do que seus governos exigiam. Incontáveis milhares poderiam ter sido salvos se outros cônsules tivessem agido mais como Sugihara. Se eles tivessem sido 2.000 cõnsules como Chiune Sugihara, um milhão de crianças judias poderiam ter sido salvas dos fornos de Auschwitz.

VISTOS PARA A VIDA

Por 29 dias, de 31 de julho a 28 de agosto de 1940, o Sr. e a Srª Sugihara incansavelmente sentaram-se por horas sem fim, assinando vistos com suas próprias mãos. Hora após hora, dia após dia, durante três semanas, eles escreveram vistos. Eles escreveram mais de 300 vistos por dia, o que normalmente seria mais de um mês de trabalho para o cônsul. Yukiko também o ajudou a registrar esses vistos. No fim do dia, ela massagearia as mãos fatigadas dele.

Ele nem mesmo parava para comer. Sua esposa lhe dava sanduíches. Sugihara escolheu não perder um minuto porque as pessoas estavam em fila em frente ao seu consulado, dia e noite, por estes vistos. Quando alguns começaram a subir a cerca para entrar no recinto, eles saíram e os acalmaram. Ele lhes prometeu que enquanto houvesse uma só pessoa de fora, ele não os abandonaria.

Depois de receber seus visas, os refugiados não perderam tempo em pegar o trem que os levou até Moscou, e pela ferrovia Trans-Siberiana para Vladivostok. De lá, a maioria deles seguiu para Kobe, Japão. Eles receberam permissão para ficar em Kobe por vários meses. Eles foram então enviados para Xangai, China. Todos os judeus poloneses que receberam vistos sobreviveram em segurança, sob a proteção do governo japonês em Xangai. Eles sobreviveram, graças à humanidade e coragem de Chiune e Yukiko Sugihara. Os vistos que eles emitiram tornaram-se passaportes para o mundo dos vivos. Quando Sugihara teve que deixar Kaunas para seu próximo posto em Berlim, ele entregou o carimbo de visto para um refugiado e a vida foi concedida a muitos outros judeus.

Em 1945, o governo japonês demitiu Chiune Sugihara sem cerimônia do serviço diplomático. Sua carreira como diplomata estava em pedaços. Ele tinha que começar sua vida de novo. Sugihara ficou sem emprego fixo por mais de um ano. Outrora uma estrela ascendente no serviço de exterior japonês, Chiune Sugihara trabalhou por meio período como tradutor e intérprete. Pelas últimas duas décadas de sua vida, ele trabalhou como gerente de uma companhia de exportações com negócios em Moscou. Este foi seu destino porque ele se atreveu a salvar milhares de seres humanos da morte certa.

Hoje, 50 anos após o evento, pode haver 40.000 pessoas ou mais que devem suas vidas a Chiune e Yukiko Sugihara. Duas gerações vieram depois dos sobreviventes de Sugihara, e eles devem suas vidas aos Sugiharas. Todos os sobreviventes o chamam de seu salvador, alguns o consideram um homem sagrado, e alguns acham que ele foi um santo. Yukiko Sugihara recordou que todas as vezes que ela e seu marido se encontraram ou ouviam falar das pessoas que eles salvaram, eles sentiam grande satisfação e felicidade. Eles não se arrependeram.

Depois da guerra, o Sr. Sugihara nunca mencionou ou falou a ninguém sobre seus feitos extraordinários. Foi só em 1969 que Sugihara foi encontrado por um homem que ele havia ajudado a salvar. Logo, muitos outros a quem ele tinha salvo apareceram e testemunharam ao Yad Vashem (Memorial do Holocausto) em Israel, sobre seus feitos salva-vidas. Os sobreviventes de Sugihara entregaram centenas de testemunhos em favor de seu salvador. Depois de coletar os depoimentos de todo o mundo, o comitê do Yad Vashem percebeu a enormidade da abnegação deste homem para salvar judeus. Antes de sua morte, ele recebeu a maior honraria de Israel. Em 1985, ele foi reconhecido como "Justo Entre as Nações" pela Yad Vashem Martyrs Remembrance Authority em Jerusalem. Ele também estava muito doente para viajar; sua esposa e filho receberam o título em seu nome. Depois, uma árvore foi plantada em seu nome, e um parque em Jerusalém foi batizado em sua homenagem.

Ele disse que estava muito feliz com as honras. "Eu acho que minha decisão foi humanamente correta."

Tradução: Marcelo Oliveira
Fonte: The Sugihara Project
http://www.eagleman.com/sugihara/story.html
http://www.eagleman.com/sugihara/
Publicado em: http://br.groups.yahoo.com/group/Holocausto-Doc/message/6085

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Narrador épico do Holocausto ganha Prêmio da Paz

Saul Friedländer recebe a premiação

Historiador Saul Friedländer recebe distinção do comércio livreiro alemão. Após perder a família no Holocausto, israelense de 74 anos quis contrapor a "memória mítica" judaica à "objetividade" da história alemã.

O Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão vai, em 2007, para o historiador israelense Saul Friedländer (74). Ele recebe a distinção neste domingo (14/10), na Feira do Livro de Frankfurt. Dotado com 25 mil euros, o Prêmio da Paz é concedido desde 1950 a personalidades da literatura, ciência e arte, que contribuem para a "concretização da idéia da paz".

Salvação aleatória

Certa vez, Saul Friedländer comentou que escolhera o pior momento possível para um judeu nascer: quatro meses antes da ascensão nacional-socialista, em outubro de 1932, em Praga. Quando contava apenas 6 anos e meio de idade, seus pais emigraram. Como ficaria constatado, para o país errado.

"Meus pais acreditavam que Hitler não chegaria à França. Outros membros da família foram para a Suécia e para a Palestina. Eles se salvaram."

A cadeia de más decisões dos Friedländer – trágicas, por serem sempre tomadas com as melhores intenções – teria continuação três anos mais tarde. Quando os alemães começaram a deportar os judeus residentes na França, o casal colocou o filho num internato católico, tentando escapar para a segura Suíça.

Eles haviam calculado mal, acreditando que, sem o menino, a fuga seria mais fácil. Porém os suíços os enviaram de volta à morte certa, justo por, supostamente, se tratar de um casal sem filhos. As famílias com crianças, ao contrário, as autoridades deixaram passar.

"Isto demonstra quão aleatória era a salvação. O que eles encaravam como decisão correta era, com freqüência, a errada", comenta o escritor.

Mito judaico x história alemã?

Friedländer (d) ao lado do presidente Horst Köhler e esposa(foto).

Como ocorre com grande parte dos sobreviventes do Holocausto, a bagagem do destino pessoal jamais abandonou Saul Friedländer. Após estudar Ciências Políticas e História, começou, na década de 1960, a pesquisar as circunstâncias sociais do genocídio dos judeus europeus.

Iniciou com o papel da Igreja Católica, o que, nos anos 60, lhe acarretou acusações de ingratidão perante a instituição que, afinal, salvara sua vida durante a guerra. Mais tarde foi uma declaração de Martin Broszat, o nestor da pesquisa histórica alemã, que o impulsionou a redigir sua obra principal.

"Ele me deu o último empurrão para começar este trabalho, ao afirmar que nós – portanto, as vítimas – temos uma espécie de memória mítica desse passado, o qual se opõe à historiografia alemã, mais racional."

Para rebater esta afirmativa depreciativa de Broszat, Friedländer lançou na década de 1990 O Terceiro Reich e os judeus.

Falta de solidariedade

O estudo em dois volumes recebeu elogios, pela forma como justapõe a perspectiva da comunidade judaica àquela dos criminosos alemães, dos coniventes e colaboradores, além de colocá-la no contexto internacional da época.

Tal opção resulta numa narrativa certamente dramática e empática, sem, contudo, torná-la apologética. Friedländer tampouco recua diante das verdades desagradáveis sobre as comunidades judaicas da época: faltou solidariedade com os companheiros de fé perseguidos.

Tome-se o exemplo da França. "Há uma linha divisória, que se estende até à tentativa dos judeus franceses de circunscrever a política de perseguição aos judeus estrangeiros. Há cartas do líder judeu Hellbronner a Pétain, o cabeça do governo Vichy: é preciso diferenciar, nós somos franceses, eles não", lembra o historiador.

Anti-semitismo obsessivo

Em um ponto, porém, Saul Friedländer é inflexível. Ele não aceita que pesquisadores de orientação social-histórica, como Götz Aly, tratem a perseguição anti-semita como mera variável, dependente de outras metas políticas. Na teoria de Aly, a meta principal é a suposta intenção dos nazistas de acalmar o próprio povo, através de boas ações sociopolíticas, às custas dos bens dos judeus.

"Aqui se coloca uma questão bem elementar: se a finalidade era roubar os judeus, por que assassiná-los?", argumenta Friedländer. Sua tese: o alvo final de Hitler não era dominar o mundo, mas sim a intenção, tornada obsessão, de exterminar os judeus. Este anti-semitismo obsessivo o perseguiu até as suas últimas anotações, no porão da Chancelaria do Reich, em 1945.

Ao lado da produção científica, Saul Friedländer é também conhecido por suas memórias: Wenn die Erinnerung kommt (Quando a lembrança vem). Na Alemanha, é editado pela C.H. Beck.

Reinhard Lauterbach (av)

Fonte: Deutsche Weller(Alemanha, 14.10.2007)
http://www.dw-world.de/dw/article/0,,2823119,00.html

sábado, 15 de dezembro de 2007

Testemunho de um brasileiro que sobreviveu ao Holocausto

Yaari relata como escapou da morte nos campos de concentração

O paulista Arie Yaari, 82 anos, é um dos poucos sobreviventes das barbáries nazistas a viver no Brasil. Sua autobiografia, publicada há pouco em português, será lançada também na Alemanha.

Com o título O Leão da Montanha: dos Campos da Morte aos Campos do Jordão, o brasileiro naturalizado Arie Yaari, 82 anos, lançou seu livro de memórias pela Editora e Livraria Sêfer de São Paulo. Na obra, ele relata suas experiências de prisioneiro em campos de trabalhos forçados durante a Segunda Guerra até sua aventurosa, mas bem-sucedida, emigração para o Brasil no pós-guerra.

Yaari visitou recentemente a Alemanha, mais de 50 anos após sua emigração para o Brasil, para falar sobre sua obra, que ganhará tradução para o alemão, o inglês e o polonês. Ele explica que começou a escrever sua história após os 70 anos e diz não ter sido fácil relembrar fatos quase apagados da memória. Na tarefa, teve a ajuda da esposa, Olívia Yaari, a quem dedica o livro.

O relato foi escrito ao longo de mais de dez anos e concluído em Campos do Jordão (SP), onde Yaari reside desde 1978. Ele conta que, embora sempre tenha falado de sua experiência aos filhos, escrever sua história foi um processo doloroso. "As lembranças viram pesadelos à noite“, afirma. "Eu pretendia deixar o relato de minha história apenas para meus filhos e netos. Mas compreendi a importância do meu testemunho como um legado às gerações futuras. Eu perdi minha família nos campos de concentração e o fato de ter sobrevivido me faz porta-voz de todos os que morreram sem poder contar o que viveram."

"Sobrevivi por milagre"
Prisioneiros considerados incapazes eram levados para Auschwitz.


O autor dividiu sua história em cinco partes. O segundo capítulo, de 1939 a 1945, compreende a ocupação nazista e o horror dos campos de concentração. “Em 1940, fui recrutado na minha aldeia para trabalhar na produção de guerra na Alemanha. Eu tinha 18 anos e deveria ser por três meses. Mas fui prisioneiro dos alemães por cinco anos, durante os quais passei por 11 campos, entre eles Brande, Blechhammer, Gross Sarne, Bunzlau, Wisau, Gross-Rosen. Alguns nomes eu já esqueci. Lá éramos forçados a trabalhar pesado até 14 horas por dia, no inverno rigoro, mal alimentados e mal vestidos. Os prisioneiros declarados incapazes para o trabalho eram enviados a Auschwitz-Birkenau.”

Yaari fala em milagre ao tentar explicar como sobreviveu. "Não sou religioso, mas creio na existência de Deus. Acho que consegui sobreviver porque Deus quis. Várias vezes senti Sua presença. Em Wisau, uma pedra de 100 quilos caiu no meu pé. Sobrevivi a um bombardeio em pleno pátio no campo de concentração de Bunzlau. Um amigo que correu para baixo da mesa da cozinha morreu. Na retirada final dos prisioneiros do campo, quando a guerra já estava perdida para os alemães, consegui escapar por milagre da 'marcha da morte' escondido no sótão de uma casa abandonada." Ele conta ter sido libertado pelo regimento russo a caminho de Berlim e diz que, até hoje, não sabe por que guardas alemães não o mataram.

De Leon Greenwald a Arie Yaari

Nascido em 1922 em Katowice, Silésia, hoje território polonês, seu Arie, como é conhecido, fala bem polonês, alemão, iídiche, hebraico e português. O texto original de suas memórias foi escrito em português, língua na qual ele diz ter mais facilidade de se expressar hoje.

O título está relacionado às várias mudanças no seu nome. Ele nasceu como Leon Greenwald, foi registrado como Leon Bookspan (seu pai adotava circunstancialmente esse sobrenome) e, aos 22 anos, assumiu a identidade falsa de Abraham Shtiglitz para poder emigrar para a Palestina em 1945, logo depois da guerra. Serviu no exército de Israel de 1948 a 1950 com essa identidade e, quando deu baixa, mudou seu nome para Arie Yaari, que em hebraico significa Leon Greenwald. Com esse nome se tornou brasileiro e paulista de coração.

Brasil não era o destino da família
Capa do livro 'O Leão da Montanha: dos Campos da Morte aos Campos do Jordão'

Em 1953, na esperança de emigrar para os Estados Unidos, Yaari deixou Israel com um visto para o Brasil. Aos 32 anos, aportou em Santos, São Paulo, com a mulher, dois filhos (Joseph, nascido na Alemanha, e Shoshana, em Israel. Uma terceira filha, Paulina, nasceria no Brasil) e 300 dólares em três notas de cem no bolso.

Segundo ele, a intenção era conseguir ajuda da comunidade judaica de São Paulo para uma viagem aos Estados Unidos. "Chegamos ao porto de Santos e tomamos o trem para São Paulo. Aí aconteceu algo que me emocionou muito e me fez ficar no Brasil. Um trabalhador estava sentado no chão do trem, comendo de sua marmita. Ao me olhar, ele me perguntou se eu estava servido. Nunca havia vivido isso antes, em lugar algum. Logo nas minhas primeiras horas no país vivi a hospitalidade e a bondade do povo brasileiro. E assim o Brasil, que deveria ter sido um país de trânsito, se tornou a minha pátria", conta Yaari.

Medo de reviver fatos do passado

Ele afirma que, durante muitos anos, temeu reviver os fatos do passado. "Desconfiava de que pudesse acontecer outra desgraça. Angustiava-me a assimilação cultural dos meus filhos e netos no Brasil. Quem conhece a história, sabe que, antes de Hitler, os judeus alemães eram os mais assimilados do mundo." Hoje, com mais de 80 anos, ele se considera um afortunado. "Criei três filhos e tenho netos e bisnetos. E meus laços com a Alemanha agora se renovam sob bons sentimentos na união de um neto com uma alemã não-judia. Sempre fui otimista e penso que com o tempo tudo acaba bem."

Jehovanira Chrysóstomo

Fonte: Deutsche Welle(Alemanha, 13.06.2005)
http://www.dw-world.de/dw/article/0,9137,1609810,00.html

Extrema-direita 'sub judice' em Portugal

Extrema-direita. 36 ativistas vão a julgamento

Os arguidos são acusados dos crimes de discriminação racial e outras infracções criminais conexas.

Os 36 arguidos da extrema-direita dos Hammerskin em Portugal vão a julgamento, acusados dos crimes de discriminação racial e outras infracções criminais conexas. Os arguidos foram pronunciados de todos os crimes que vinham acusados.

Esta quinta-feira à tarde, no Tribunal de Monsanto, a juíza Filipa Vasconcelos revelou que todos os arguidos foram pronunciados de todos os crimes que vinham acusados pelo Ministério Público, com excepção do crime de farmácia imputado a Mário Machado.

A decisão é contestada pelo advogado do líder da extrema-direita. Mário Machado vai manter-se em prisão preventiva e outros três arguidos vão continuar em prisão domiciliária.

De acordo com a Polícia Judiciária, que levou a cabo a investigação, as mensagens de carácter racista, xenófobo e anti-semita divulgadas na Internet e as concentrações do movimento apelavam à violência inter-étnica.

No decurso de 60 buscas domiciliárias, a PJ apreendeu, entre outras coisas, explosivos, armas brancas, de fogo e ainda mocas e bastões.

O julgamento dos 36 elementos de extrema-direita deverá começar dentro de meio ano.

Fonte: TVI (Portugal, 29.11.2007)
http://www.tvi.iol.pt/informacao/noticia.php?id=886414

Holocausto no olhar do filho de um nazista

Livro conta a história de um garoto de nove anos, filho do comandante do campo de concentração de Auschwitz

Antonio Gonçalves Filho/Agência Estado

Desde que a escritora alemã Christa Wolf lançou, há 31 anos, o autobiográfico Kindheitmuster, que narra a história de uma garota criada numa família pró-nazista, não se ouvia falar de um autor interessado em contar a história do Holocausto do ponto de vista alemão. Nada comparável a livros escritos pelas próprias vítimas do nazismo, como É Isto um Homem?, de Primo Levi, mas é preciso dizer que o best seller O Menino do Pijama Listrado (Companhia das Letras, 190 págs.), do escritor irlandês John Boyne, de 35 anos, surpreende.

Nele, Boyne conta a história de um garoto de nove anos, Bruno, filho do comandante do campo de concentração de Auschwitz que secretamente se torna amigo de um pequeno prisioneiro judeu com a mesma idade. Bruno quer descobrir a verdadeira identidade do pai, convocado pelo próprio Führer e, aos poucos, vai entendendo a realidade da Alemanha em 1942. O livro já vendeu 350 mil exemplares e foi transformado em filme pelo diretor Mark Herman (de Little Voice/ Laura e A Voz de uma Estrela), que estréia no início de 2008. Sobre o livro, publicado em mais de 30 países, Boyne fala nesta entrevista.

AE — Está claro que um livro sobre o Holocausto vendido como fábula e narrado pelo filho de nove anos de um comandante nazista está destinado a provocar polêmica, lembrando as palavras do Nobel sobrevivente Eli Wiesel, que recomenda a “quem não esteve lá” que não escreva sobre o assunto. O que o levou a escrever sobre o genocídio e por que classificou seu livro de fábula?

BOYNE — O que me levou ao livro foi o único motivo que leva alguém a escrever: uma boa idéia. Estudei por muitos anos a literatura do Holocausto, não com o intuito de escrever uma novela ambientada na época do nazismo, mas para me educar sobre um assunto que considero tocante. Quando surgiu a idéia - e, inicialmente, essa idéia era pouco mais que a imagem de dois meninos conversando, sentados em lados diferentes de uma cerca - senti que poderia sugerir uma nova perspectiva para a literatura do gênero. Chamei de fábula por ser um trabalho de ficção com moral transparente. Como sabia que teria de alterar alguns aspectos da vida num campo de concentração em função da história, decidi não usar a palavra Auschwitz em nenhuma página do livro. Com isso, o livro acabou se parecendo como uma fábula, mais que com qualquer outro gênero.

AE — A inocência de Bruno, o filho do comandante nazista do campo, faz lembrar muito o ingênuo filho de Roberto Benigni no filme A Vida é Bela. Em que medida ele serviu de inspiração para criar o personagem Bruno e por que você escolheu uma alegoria histórica em vez de recontar o Holocausto segundo relatos de sobreviventes do genocídio?

BOYNE — O filme de Benigni não inspirou meu livro de maneira nenhuma. Jamais pensei nele em qualquer estágio de produção da novela. Escolhi a alegoria histórica por sentir que, como um escritor de 30 anos, não-judeu, não poderia reproduzir a experiência dos judeus no Holocausto. Contudo, o que poderia fazer era criar um personagem como Bruno, que anda até a cerca todos os dias, olha através dela, vê pessoas e começa a questionar o que elas fazem do lado de lá. Acho que qualquer estudioso do Holocausto hoje enfrenta esse processo de tentar olhar e entender o que vê.

AE — A avó de Bruno representa a voz da razão na sociedade alemã ao criticar o arbítrio e a prepotência do regime hitlerista, mesmo correndo riscos e colocando seu filho, um oficial nazista, em situação perigosa. Mas ela morre no meio do livro. Essa foi a forma alegórica que encontrou para dizer que milhões de pessoas foram mortas na Alemanha sob os olhos de alemães diferentes da avó de Bruno, que não fizeram o menor esforço para salvar inocentes?

BOYNE — Queria ter no livro uma voz com autoridade moral e decência humana. A avó faz esse papel por ser o único personagem capaz de dizer, corajosamente, desafiando os demais, que as coisas andam erradas na Alemanha. Naturalmente, com seu filho sendo um membro destacado na hierarquia nazista, ela o coloca em risco e a ela própria cada vez que abre a boca. Mas a avó não liga para as conseqüências. Sabe que é mais importante não calar pois estaria dando aprovação tácita ao genocídio. Naturalmente, sua voz é silenciada cedo na novela porque é o que acontece a essas vozes. Elas param de ser ouvidas.”

Fonte: Agência Estado/Bem Paraná(Brasil, 10.12.2007)
http://www.bemparana.com.br/index.php?n=52253&t=holocausto-no-olhar-do-filho-de-um-nazista
The Boy in the Striped Pajamas (by John Boyne)
http://www.forpd.ucf.edu/newsletter/FLN200611.html

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Pedras de tropeço

"Pedras de tropeço" para não esquecer vítimas do Holocausto

Vítimas do nazismo são lembradas numa calçada em Colônia

Em várias cidades alemãs continuam sendo colocadas as "pedras de tropeço", uma iniciativa do artista alemão Gunter Demnig. Ao todo, já há mais de 13,5 mil marcos em quatro países, lembrando as vítimas do Holocausto.

"Aqui morou" – um ser humano, um nome, uma data de nascimento. E o seu destino: a data da sua deportação, geralmente para um campo de concentração. Na placa de latão pregada numa pedra de concreto de 10x10cm não há espaço para mais. E mais não é necessário. Porque é precisamente esta a intenção do projeto de Gunter Demnig: "As pedras são colocadas diante dos últimos locais onde as vítimas do Holocausto residiram por vontade própria".

Quem passa por elas não tropeça literalmente, como o nome faz pensar, mas se depara "com a memória e o coração", diz o artista plástico Gunter Demnig, o iniciador das pedras de tropeço, as Stolpersteine.

Estampar o nome é reviver a memória

Gunter Demnig em sua oficina.

Em 1993, Demnig teve a idéia de homenagear as mil pessoas das etnias dos sintos e rom que haviam sido deportadas a partir de Colônia em apenas um dia. Com o tempo, o artista fixou placas em metal com a inscrição "1940: 1000 Rom e Sintos”, em vários pontos, marcando o caminho das casas das vítimas até o bairro de Deutz, em Colônia.

Uma senhora que passou por ele uma vez disse-lhe que naquela parte da cidade nunca haviam vivido sintos ou rom. Aí ficou claro para Demnig: tanto as pessoas dessas etnias como judeus, vítimas da perseguição nazista, haviam se integrado de tal forma na sociedade local que a vizinhança não se apercebera das suas origens.

Até Hitler subir ao poder na Alemanha, em 1933, a etnia de uns e as crenças de outros não haviam importado. E aí ficou claro para Demnig: Auschwitz e os outros campos de concentração eram o destino das vítimas. Mas o início desse fim estava ali, aos olhos de todos, às suas portas, nas suas casas.

“É no caminho diário de quem por aqui passa que se deve trazer à memória a tragédia que se viveu entre 1933 e 1945.” Porque as calçadas das ruas ninguém pode contornar. E lá estão elas, em tantas ruas, à frente de casas, ou lá onde antes havia casas, as pedrinhas de cor dourada, incorporadas no solo, marcam “aqui morou” alguém.

Curvar-se diante das vítimas

Demnig enfrenta ainda hoje alguns obstáculos para dar continuidade à colocação das suas pedras nas calçadas. A presidente da comunidade judaica de Munique, por exemplo, vê as esculturas como atração para neonazistas e motivo para abusos perante as vítimas. Para Demnig “são argumentos falsos e injustos” – já que, para ver a pedra e ler o que lá está escrito, “é preciso curvar-se perante cada nome”.

A idéia em que as “pedras de tropeço” se assentam é precisamente a de polir a memória ao se passar por cima delas: enquanto aquelas que estão em locais mais isolados oxidam, as que se encontram em ruas movimentadas brilham e o seu texto mantém-se legível.

Começar por algum lado…

Não é possível atribuir um número total exato à quantidade de vítimas do nazismo. A estimativa é de que tenha rondado os seis milhões. “Seis milhões de pedras você não vai conseguir colocar. Mas pode começar!”, foi o incentivo que Gunter Demnig recebeu de um padre no início do seu projeto. E Demnig pôs mãos à obra – literalmente.

As primeiras pedras foram colocadas em Berlim, ainda que ilegalmente. Só mais tarde viria a luz verde para avançar. Depois foi a vez de Colônia e, desde 2000, o projeto flui. As pedras de tropeço custam 95 euros e são financiadas por doações e apadrinhamentos, normalmente por escolas ou associações. Hoje, elas podem ser vistas em cerca de 300 localidades na Alemanha, 11 na Áustria, 13 na Hungria e, desde o final de novembro, na Holanda, o primeiro país a oeste da Alemanha a participar do projeto.

Marta Barroso

Fonte: Deutsche Welle(Alemanha, 12.12.2007)
http://www.dw-world.de/dw/article/0,2144,3001116,00.html

Acerca da captura de Adolf Eichmann

Texto postado em um tópico aberto por Michael Curtis na comunidade 'O Holocausto' no site Orkut(Google)em resposta a "revisionistas"(negadores do Holocausto)sobre o caso Eichmann(carrasco nazista pego na Argentina e condenado a pena de morte no Estado de Israel).

Texto:

"Não espero absolutamente que o Sr. Wilson leia isto. Ao contrário, imagino que ele vá choramingar e lamentar-se que é longo demais para ele. Os temas que ele repetidamente evoca sobre o caso Eichmann envolvem uma questão que diz respeito a côrtes e tratados internacionais. Assim, não é fácil ser ao mesmo tempo instrutivo e conciso. É uma questão que me interessa, e toca em dois temas diferentes. O primeiro é o método pelo qual Eichmann encontrou-se sob a jurisdição de uma corte israelense. O mesmo protesto foi levantado pelo advogado de Eichmann, Dr. Servatius. Vou usar o livro “A captura e julgamento de Adolf Eichmann”, por Moshe Pearlman, Simon and Schuster, 1963, páginas 109-117 assim:

A promotoria disse que o Estado usaria as mesmas normas de outros estados. Então eles citaram o vol. 109 de “English Reports...” Havia o “Ex Parte” caso de Scott, de 1829, que incluía apreensão ilegal e continha a sentença pelo Juiz Principal do País (Lord Chief Justice), Lord Tenterden. O caso era sobre Susanna Scott, que cometera perjúrio, e se evadira para Bruxelas onde ela foi seqüestrada e trazida de volta para a Inglaterra. Lord Tenterden julgou que “a corte não investigaria a maneira em que a captura fora efetuada”. Pois “a questão... é a seguinte: se, uma pessoa acusada de um crime encontra-se neste país, é o dever da corte providenciar que tal parte esteja ao dispor da justiça, ou se nós devemos considerar as circunstâncias em que tal parte foi conduzida à presença da corte. Eu julguei, e mantenho esta opinião, que nós não podemos investigar estas circunstancias”.

Outro caso de 1949 “refere-se a um soldado raso na R.A.S.C que recebera uma licença por misericórdia por dois meses”.Mas ele desertou e fugiu da Inglaterra para a Bélgica. Por dois anos fugiu das autoridades. Ele foi então avistado por oficiais britânicos em Antuérpia, que o levaram contra sua vontade a uma base militar na Alemanha, e dali para a Inglaterra para uma corte marcial. A corte julgou que “as circunstâncias em que o [acusado] possa ter sido preso na Bélgica são irrelevantes para este país. Se uma pessoa é presa no exterior e trazida à presença de um tribunal neste país, acusada de um crime que esta corte tem jurisdição para julgar, o tribunal não tem nenhum poder para investigar sobre... as circunstâncias através das quais ele pode ter sido trazido aqui, mas o tribunal tem jurisdição para julgá-lo pelo crime em questão, e, portanto, neste caso, a corte marcial tem jurisdição para lidar com o [acusado], e a [Suprema corte] não irá interferir”.

Foi citado também outro precedente britânico ocorrido na Palestina [sob mandato britânico] em 1942, seis anos antes da proclamação do Estado de Israel. O homem questionando a legitimidade de seu aprisionamento escapara para “Damasco, na Síria, e um sargento britânico o prendera e o trouxera, contra sua vontade, de volta para a Palestina para ser julgado. O tribunal decidiu: “quando um fugitivo é trazido [à presença da corte] por rapto ou outros meios irregulares, e não sob um tratado de extradição, ele não pode, Aida que um tratado de extradição exista entre os dois países, usar como defesa na sua acusação a maneira ilegal em que ele foi trazido à jurisdição do tribunal. Somente o governo em cujo território ele foi ilegalmente apreendido pode protestar a violação de seus [do governo] direitos”.

Então isto esclarece qual é a parte prejudicada: é o país cuja soberania foi violada e NÃO a pessoa seqüestrada. Argentina e Israel chegaram a um acordo amigável sobre este assunto e o problema foi considerado resolvido. Mas Berllinger poderia dizer que esta é [jurisprudência] de apenas um país. E qual seria [a jurisprudência] dos Estados Unidos [por exemplo]?

Foi citado um caso do American *Corpus Juris Secundum (volume 222,
Lei Criminal, Cláusula 144, página 236) onde o [procurador geral da república] decide:

“Custódia do acusado perante a corte, ou sua presença ali sob uma acusação legítima, é essencial para a jurisdição da corte sobre este. A maneira pela qual o acusado foi trazido perante a corte, no entanto, é normativamente imaterial no que diz respeito à jurisdição sobre o acusado”

Na cláusula 146, página 242, acrescenta:

“Em cumprimento à regra geral apresentada em Cláusula 144 (acima), no sentido de que a corte não levará em consideração a maneira em que o acusado foi trazido à sua presença, o fato de que o acusado tenha sido ilegalmente detido, ou que ele tenha por engodo, força, ou sem autoridade legal, ou por qualquer meio ilegal, sido trazido para a jurisdição territorial de uma corte estadual ou federal, não tem efeito sobre a jurisdição da corte. Mesmo no caso em que possa haver um conflito de jurisdição entre duas cortes, o acusado que estiver em julgamento diante de um tribunal, não pode se beneficiar do fato que sua presença tenha sido ilegalmente ou inapropriadamente obtida.”

Há uma lista de casos americanos similares:

1. 1906 Pettibone v. Nichols
2. 1950 Hatfield v. Sistema carcerário da prisão estadual de Southern Michigan
3. 1886 Ker v. Povo do Estado de Illinois

Um caso interessante é datado de 1897, em que o réu acusado de estupro no "Distrito Sul do Território Índio” fugiu e foi raptado, trazido de volta ao tribunal, julgado e condenado à morte. O estuprador apelou para a Suprema Corte dos Estados Unidos, que julgou que “um seqüestro pela força não é razão suficiente pela qual um réu não deva responder quando trazido à jurisdição da corte que teria o direito de julgá-lo por dito crime. A lei não permitirá que uma pessoa seja seqüestrada ou aliciada até uma jurisdição com o propósito de responder a uma mera disputa privada, mas em casos criminais os interesses do público se sobrepõem ao que é, ao fim das contas, mero privilégio contra prisão.

O último caso que eu apresentarei aqui antes de partir para o próximo ponto que Bellinger levanta, é um caso do seqüestro do financista Samual Insull que envolvia os EUA, a Grécia e a Turquia. O caso Eichmann, como é necessário lembrar, envolvia Israel e a Argentina. Samual Insull era procurado nos EUA por fraude e fugira do país para evadir voz de prisão. Ele foi finalmente retirado à força de um navio grego no Bósforo pela polícia turca e jogado em uma prisão turca. Mais tarde, foi entregue aos EUA por via de um agente representando o governo dos Estados Unidos. Obviamente, Insull protestou. O tribunal disse que “não estava privado de jurisdição, mesmo se o crime não era previsto em nenhum tratado de extradição entre a Grécia ou a Turquia e os EUA, e que a corte não tinha mandato para investigar sobre tais fatos alegados”.

”Se os direitos do réu foram violados, ou se a paz e a dignidade da República Helênica ou da Turquia feridos, este não é assunto para esta corte... Este é um assunto entre o réu e as partes que o seqüestraram, ou entre os poderes políticos dos governos da Turquia e da República Helênica e o dos EUA. ... Se a República Helênica ou a Turquia, através de um instrumento legal adequado, buscarem corrigir o torto feito às suas leis, e protestarem contra o rapto do réu de dentro de seu território, é razoável supor que os EUA entrarão em negociações com aqueles países para assegurar justiça a todas as partes envolvidas.”

Como foi dito acima, um acordo desta natureza foi obtido entre Israel e a Argentina.

Agora, para a questão de que Eichmann foi:

 “julgado” em Israel, um país que nem mesmo existia no tempo em que seus supostos crimes foram cometidos. Minha próxima fonte para este tema é “Processando Criminosos de Guerra Nazistas” por Alan S. Rosenbaum, Westview Press, Oxford, 1993, pp. 89-90.

“Para legalmente exercerem sua responsabilidade sob lei internacional, ‘as cortes de todas as nações deveriam ser vistas como tendo jurisdição sobre o crime’ de genocídio, crimes de guerra, ou crimes contra a humanidade. Este é chamado o ‘princípio de universalidade de jurisdição’. Este define que ‘alguns crimes são universalmente reconhecidos como tão odiosos que qualquer estado que capture o perpetrante tem o direito de julgar e punir o criminoso em nome de todas as nações do mundo’. ... Israel baseou sua jurisdição no “caráter universal dos crimes em questão e no seu caráter específico por pretender exterminar o povo judeu’. Israel deriva sua justificativa no “precedente da jurisdição universal sobre pirataria”, a analogia de pirataria aplicada aos Nazistas (não obstante as óbvias diferenças), e sua aplicação do princípio de ‘universalidade' em tribunais de crimes de guerra anteriores. O “vínculo muito particular e trágico entre os crimes nazistas e o estabelecimento do estado [de Israel]’, o fato de que Israel é o “Estado dos Judeus”, assim como “o estado soberano do povo judeu” são também considerações que permitiram a Israel [rebater] a previsível acusação de que ... Eichmann ... não ameaçava a segurança de Israel, ou que suas vítimas não eram israelenses.” Mesmo durante a guerra, judeus se esforçavam para chegar à Palestina e ao que se tornaria o estado de Israel. Este processo se completaria logo após a guerra."

Texto em inglês de: Michael Curtis
Tradução: Lise Sedrez
Texto postado originalmente em 29 de Junho de 2005, aqui:
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=295037&tid=15178380

Para mais infos sobre o caso Eichmann:
The Capture of Adolf Eichmann
By Doron Geller
http://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/Holocaust/eichcap.html

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Ela concedeu vistos brasileiros aos judeus

Ela era paranaense e foi morar com uma tia na Alemanha, após a sua separacão matrimonial. Por dominar o idioma alemão, o inglês e o francês, fácil lhe foi conseguir uma nomeacão para o consulado brasileiro em Hamburgo. Acabou sendo encarregada da secão de vistos. No ano de 1938, entrou em vigor no Brasil a célebre circular secreta 1.127, que restringia a entrada de judeus no país. É aí que se revela o coracão humanitário de Aracy. Ela resolveu ignorar a circular que proibia a concessão de vistos a judeus. Por sua conta e risco, à revelia das ordens do Itamaraty, continuou a preparar os processos devistos a judeus. Como despachava com o cônsul geral, ela colocava os vistos entre a papelada para as assinaturas.
Quantas vidas terá salvo das garras nazistas? Quantos descendentes de judeus andarão pelo nosso país, na atualidade, desconhecedores de que devem sua vida a essa extraordinária mulher? Cônsul adjunto na época, seu futuro segundo marido, João Guimarães Rosa, não era responsável pelos vistos. Mas sabia o que ela fazia e a apoiava.

Em Israel, no Museu do Holocausto, há uma placa em homenagem a essa excepcional brasileira. Fica no bosque que tem o nome de Jardim dos Justos entre as Nacões. O nome dela consta da relacão de 18 diplomatas que ajudaram a salvar judeus durante a Segunda Guerra.

Aracy de Carvalho Guimarães Rosa é a única mulher nesta lista. Uma mulher fascinante, corajosa, moderna, humanista, uma brasileira de valor, uma verdadeira cidadã do mundo, que lutou contra o que é de mais perverso, uma mulher que deveria ter seu nome entre os heróis dos nossos livros de História e até mesmo figurar como nome de rua ou de escola. Essa mulher, quando é lembrada, é citada apenas como esposa do grande escritor Guimarães Rosa.

- Texto, incompleto, inspirado no artigo "Uma certa Aracy, um certo João", de René Daniel Decol, publicado na Revista Gol, de bordo, de agosto 2007.

Fonte: Paulo Franke(blog),
http://paulofranke.blogspot.com/
reprodução do seguinte artigo
http://paulofranke.blogspot.com/2007/12/foto-do-casal-ela-era-paranaense-e-foi.html

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

A mentira da secretária de Hitler

A mentira da secretária de Hitler
Por Flávio Lobo

O relato de Traudl Junge dramatizado no filme “A Queda” merece a mesma reação que a propaganda de Goebbels

Às vésperas da rendição alemã na Segunda Guerra Mundial, escondido no bunker de Hitler, sobre o qual já despencam as cargas da artilharia soviética, o ministro nazista da propaganda, Joseph Goebbels, dita seu testamento político. “Quando o história retomar seu curso”, diz ele, mantendo o olhar vidrado e frio de assassino calculista, “nós ressurgiremos como os puros… os imaculados”. Vemos então o rosto suave e perplexo de Traudl Junge, a jovem secretária que, depois de ter datilografado o último discurso do Füher -feito só para ela, mas destinado à História-, segue em seu ofício e anota as palavras do marqueteiro do Holocausto.
Trata-se de um trecho do filme “A Queda”, sobre os últimos dias de Hitler. Parte da platéia, brasileira, responde à amarga ironia da cena com um “quase riso”, mas suficiente para ser ouvido.

Sangrentos minutos de projeção depois, o filme termina com Traudl pedalando uma bicicleta em direção à luz. O sol lhe acaricia o rosto bonito, cheio de uma jovial doçura, exposta ao longo de toda a história, enquanto ela conduz a si mesma e a um pequeno ex-militante e herói de guerra da Juventude Hitlerista rumo a um futuro livre de genocídios e da opressão totalitária -pelo menos na Alemanha.

Somos lembrados pelo texto que toma a tela que a guerra matou 50 milhões. Mas, como mostra a última imagem ficcional de “A Queda”, para Traudl e para nós, há vida depois de Stalingrado, Varsóvia, Dresden, Hiroshima… e de Auschwitz.

Por fim, como um apêndice explicativo, vemos a verdadeira Traudl Junge, já idosa, dizendo que não sabia das atrocidades nazistas, mas que, um dia, vários anos depois do fim da guerra, percebeu que poderia ter feito outro papel naquela história toda. “A ficha lhe caiu”, lembra Traudl, diante de um monumento em homenagem a uma jovem insurgente alemã morta pelos nazistas. Se, no mesmo período que ela datilografava para o Füher, compatriotas tão jovens quanto ela sabiam do horror nazista e arriscavam a própria vida combatendo-o, ela também poderia ter sabido, e feito algo.

Mostrada a autocrítica de Traudl, como uma lição de casa obrigatória, o filme termina. Mas um gosto amargo permanece. Não é apenas um efeito da violência vista na tela e da lembrança de outras maiores, às quais “A Queda” remete. É o sabor da impostura. E, desta vez, não se trata de uma obra de Goebbels.

Boa parte da crítica ao filme, dirigido por Oliver Hirschbiegel, inclusive por parte de Wim Wenders, diz respeito à “humanização” de Hitler. E a escalação de um ator como Bruno Ganz para o papel poderia despertar desconfianças nesse sentido. Mas, com sua afinidade com o tema da compaixão -algo demonstrado em “Asas do Desejo”, do próprio Wenders, por exemplo-, Ganz venceu o desafio de criar um personagem humanamente monstruoso.

Discordo de quem acha ser melhor não “conceder” humanidade alguma a Hitler, como a outros personagens que encarnam o Mal na História. Pois, ao tratá-los como seres de outra espécie, que nada têm a ver conosco, fica mais fácil lavarmos de nossas mãos e mentes a responsabilidade que nos cabe.

O Goebbels de Hirschbiegel segue essa linha: é uma caricatura. Não oferece ao “público normal” vias de identificação. É como um Darth Vader sob uma máscara negra que reflete para longe qualquer compaixão. Deste modo, deixamos de ver que temos, sim, algo em comum mesmo com o pior vilão.

“Nada que é humano me é alheio.” O autor da frase é Terêncio, mas o maior divulgador da idéia por ela expressa talvez seja Shakespeare. O Goebbels de “A Queda” em alguns momentos lembra, com sua perna defeituosa, um Ricardo III desprovido da poesia do Bardo. Mas, se há um personagem shakespeareano no filme, este é Hitler. Como acontece com Macbeth, Ganz nos permite descer ao subterrâneo com seu Hitler e reconhecê-lo -ao inferno- dolorosamente humano. Isso de forma alguma atenua o horror que Hitler evoca -na verdade o agrava ao nos aproximar dele.

O filme, no entanto, não aproveita a possibilidade oferecida pelo talento de Bruno Ganz. Na maior parte do tempo, a grande “loucura” encarna-se e concentra-se no Führer e em seu ministro da propaganda. Mas o que mais a história do Terceiro Reich deve fazer perceber e lembrar não é o fato de que há assassinos insanos capazes de crimes inomináveis. O maior horror do nazismo e de fenômenos semelhantes é que milhões de pessoas “normais” são capazes de compartilhar desse tipo de ódio e apoiar regimes genocidas, dezenas ou talvez centenas de milhares puxam o gatilho contra civis indefesos, e pelos menos várias centenas dispõem-se a operar câmaras de gás e fornos crematórios.

Em “A Queda”, ao ditar o seu testamento político à secretária, Hitler declara que enfrentou os judeus abertamente. Ele não diz que incinerou crianças, não fala em extermínio, apenas que “combateu” os judeus. Diante desse eufemismo, Traudl olha para o chefe com ar de desagrado e espanto. Chega a ser ridículo. O filme começa em 1942, quando a moça começou a trabalhar como secretária do ditador -mostra que ela quase desfaleceu de emoção ao ser escolhida para o cargo pelo próprio chefe supremo-, e que também foi o ano da “solução final”, quando o extermínio em massa foi decidido e posto em prática por Hitler e seu alto comando.

Traudl, portanto, foi secretária particular do Führer ao longo de praticamente todo o período do Holocausto. E, antes disso, como qualquer alemã habitante de uma cidade importante -a moça era de Munique-, ela viu, desde a primeira metade da década de 1930, a propaganda nazista, que comparava judeus a pragas e ratos (e todos sabem o que se faz com os ratos).

Vivia numa sociedade na qual o ódio ao judeu e a todos os que eram mostrados como inimigos do povo ariano - comunistas, homossexuais, ciganos, populações de países vizinhos - era constantemente pregada de forma explícita pelas ruas e nos meios de comunicação da época. Judeus foram sistematicamente perseguidos, espancados, humilhados, isolados e finalmente sumiram de vista.

A cúpula presente no bunker de Hitler também é tratada com condescendência. Como no caso do próprio ditador, nada contra personagens “humanos”, críveis, contraditórios. Mas não acho razoável que o alto comando nazista seja mostrado, como faz o filme, como um qualquer Estado-maior em situação de queda iminente.

Aqueles foram os mandantes da “guerra total”, que, sobretudo na Polônia e na União Soviética, teve no massacre sistemático de civis um objetivo claramente definido. E, apesar da divisão de funções entre a SS, incumbida de levar a cabo a “decisão final”, e o resto das Forças Armadas, os generais sabiam que lutavam pela vitória de um regime movido pelo ódio racista, promotor do Holocausto.

O mistério da “maldade” que pôs em movimento a máquina nazista não se circunscreve a poucos personagens insanos nem mesmo à sociedade alemã ou à Europa. A maior ameaça e a realidade mais terrível não é a possibilidade do surgimento de um outro Hitler, mas a subsistência de um ódio que vê pessoas e grupos como menos humanos que os outros -e que, e ao propagar essa visão, aponta um caminho que pode levar a políticas de extermínio, abertas ou veladas. Algo que vem à tona cotidiana e explicitamente, bem perto de nós: em comunidades racistas do Orkut, em propostas de construir muralhas em torno de favelas, por exemplo.

A verdadeira ironia na cena do testamento de Goebbels não reside no fato de o ideólogo nazista se dizer imaculado. Essa é uma atitude perfeitamente compatível com o louco fanático que vemos na tela. Irônica - mesmo que não propositadamente - é a expressão de ingênua pureza da secretária, representante, no filme, de legiões de “inocentes” úteis a serviço de líderes “desumanos”.

Talvez a maior parte do povo alemão ainda não consiga olhar para o passado nazista sem dourar a pílula da responsabilidade de seus antepassados com uma farta camada de engodo. E talvez isso seja compreensível. Mas, ao engolir também esse analgésico, cada um entorpece a sua consciência crítica e abre a guarda para um tipo de auto-indulgência que perpetua injustiças e ameaça liberdades.

Por isso, Traudl Junge que me desculpe, mas o seu relato autobiográfico dramatizado por Oliver Hirschbiegel em “A Queda” deve suscitar a mesma reação que merece a propaganda de Goebbels e de seus discípulos: é mentira!

Flávio Lobo

Imagens: a 1ª e 4ª imagens de cima pra baixo são cenas(caption)do filme "Der Untergang"(Título em português: "A Queda")
Fonte: UOL
http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/2602,1.shl

domingo, 9 de dezembro de 2007

Ter ou não ter pai - Traudl Junge

Traudl Junge falando no documentário rodado em 2001

No final de A Queda, podemos ver a verdadeira Traudl Junge numa breve declaração sobre o peso traumático das memórias do seu passado como secretária de Adolf Hitler. São imagens que pertencem ao filme Im Toten Winkel - Hitlers Sekretärin (2002), de André Heller e Othmar Schmiderer. Im Toten Winkel (à letra "O Ângulo Morto") é um impressionante testemunho de alguém que, desde o Outono de 1942 até à derrocada do regime nazi, partilhou o dia-a-dia de Hitler, permanecendo ao seu serviço inclusive no período final, no bunker de Berlim. Foi à própria Traudl Junge que Hitler ditou o seu testamento, a 28 de Abril de 1945, dois dias antes de se suicidar.

Recentemente apresentado em Lisboa, pelo Instituto Alemão, Im Toten Winkel é um exemplo extremo e fascinante desse modelo raro, difícil de definir, que é o "filme-entrevista". Se há um paralelo que faz sentido invocar, por razões simultaneamente temáticas e formais, é o filme de Hans-Jürgen Syberberg, Winifred Wagner (1975) trata-se também de uma entrevista a solo, neste caso centrada na figura de Winifred Wagner, mulher de Siegfried Wagner (filho de Richard Wagner), que fala do seu trabalho no Festival de Bayreuth, de 1930 até ao final da guerra, e consequentemente do seu envolvimento com Hitler e o nazismo.

Para além das muitas diferenças das duas personalidades (e dos dois filmes), por ambos perpassa uma mesma pulsão a de arrancar o passado ao silêncio, ao medo e ao insidioso labor da culpa. Mais do que isso: de o fazer através do poder catártico da palavra. O discurso de Traudl Junge corresponde a uma necessidade longamente acumulada, já que, na prática, estava a quebrar um silêncio de 56 anos (a rodagem é da Primavera de 2001, tendo ela falecido em Fevereiro de 2002).

Recusando qualquer "ilustração" de tipo televisivo, o filme concentra-se na sua entrevistada, desse modo sublinhando dois vectores fundamentais do discurso de Traudl Junge por um lado, a dificuldade imensa de aceitar o perdão para si própria; por outro lado, o não recalcamento da sedução que a figura do líder nazi sobre ela exerceu.

Aliás, ela vai mais longe e admite que, no momento (aos 22 anos) em que começou a trabalhar para Hitler, o Führer funcionou como o pai que sempre desejou ter. Repare-se não é uma "psicanálise" sumária, porventura cómoda. Ao definir Hitler como figura paterna, Traudl Junge não evoca uma relação fechada ("pai/filha"), mas sim o facto de ele ter sido essa referência dominadora capaz de gerar um fortíssimo efeito colectivo.

Claro que seria gratuito e demagógico tentar reduzir o horror nazi a um mero fenómeno de fixação psíquica na figura "paternal" que ocupou o seu centro. Em todo o caso, testemunhos como o de Traudl Junge podem ajudar a superar a visão que tende a excluir do espaço humano as manifestações do Mal mais difícil é reconhecer a proximidade, para não dizer a intimidade, dos gestos malignos. Nessa perspectiva, Im Toten Winkel é um complemento precioso às propostas de A Queda e à sua viagem ao coração de um sistema totalitário.

João Lopes
Fonte: Diário de Notícias(Portugal)
http://dn.sapo.pt/2005/04/21/artes/traudl_junge_ou_ter_pai.html
Mais informações:
Traudl Junge, "Until The Final Hour: Hitler's Last Secretary"
book essay by Ashley Kenike Tacub, March 15, 2006
http://www.history.ucsb.edu/faculty/marcuse/classes/133c/133cproj/06proj/TraudlJungeATacub063.htm

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Arquivo permite pesquisar sobre mais de 17 milhões de vítimas do Holocausto

Arquivo permite pesquisar sobre mais de 17 milhões de vítimas do Holocausto

O arquivo do serviço internacional de buscas da Cruz Vermelha com informações sobre pessoas desaparecidas durante o regime nazista será aberto à opinião pública. Segundo o ministério alemão das Relações Exteriores, todos os 11 países ligados ao arquivo permitiram sua abertura.

O arquivo, também conhecido como arquivo do Holocausto, contém informações sobre mais de 17,5 milhões de pessoas raptadas ou desaparecidas durante o regime nazista e só estava aberto a vítimas da perseguição nazista ou seus familiares. (rw)

Fonte: Deutsche Welle(Alemanha, 28.11.2007)
http://www.dw-world.de/dw/article/0,2144,2975909,00.html

Site de Bad Arolsen:
http://www.its-arolsen.org/en/press/index.html
Com a ficha de requisição e licença para pesquisa aberta para o público.
(Contribuição: Lise)

Leia mais:
Documents to shed new light on Holocaust
http://www.abc.net.au/news/stories/2007/08/27/2015752.htm
Opening of Nazi Archive Moving Forward
http://abcnews.go.com/International/wireStory?id=3169910
Survivors Outraged at Holocaust Museum over Bad Arolsen(By Edwin Black)
http://hnn.us/articles/38788.html
After 50 years, Holocaust archive going public(AP)
http://www.msnbc.msn.com/id/15791203/
A new window into Nazi death camps(Edwin Black)
http://www.ibmandtheholocaust.com/articles/sfgate/sfgateBadArolsen03_11_2007.htm
Secret Bad Arolsen Holocaust Archive—a trove of Revelations about Holocaust Insurance, Corporate Complicity and IBM involvement(Edwin Black)
http://www.ibmandtheholocaust.com/BadArolsenArticles.php

Fotos:









Alemanha terá acesso integral a acervo sobre o Holocausto

Alemanha terá acesso integral a acervo sobre o Holocausto

Cerca de 52 mil videodepoimentos de testemunhas do Holocausto estão disponíveis para a FUB

Estudantes, professores e pesquisadores da Universidade Livre de Berlim terão acesso aos arquivos da Fundação Shoah. É a primeira vez que a fundação permite o acesso à integra dos registros fora dos Estados Unidos.

A Fundação Shoah, da Universidade do Sul da Califórnia, criada pelo cineasta norte-americano Steven Spielberg, concedeu à Universidade Livre de Berlim (FUB), na Alemanha, acesso a todo seu acervo – a maior coletânea do mundo de videodepoimentos testemunhais sobre o Holocausto.

É a primeira vez que a fundação permite o acesso à integra dos registros fora dos Estados Unidos, embora já tenha disponibilizado antes parte das gravações para diversas instituições parceiras, como as mais de mil entrevistas em alemão que foram liberadas para exibição no Museu Judaico em Berlim, em 2004.

Universidade Livre de Berlim é a primeira a ter acesso à íntegra do acervo da Fundação Shoah, fora dos EUA. Ainda este mês, estudantes, professores e pesquisadores da FUB terão acesso online direto às informações estocadas no banco de dados da universidade. São cerca de 120 mil horas de entrevistas (o que corresponde a mais de 13 anos de gravações contínuas), distribuídas em quase 52 mil vídeos, que foram feitos em 56 países e em 32 línguas.

"A história compõe-se não apenas de números e fatos, mas também de trajetórias individuais e destinos – e exatamente isso documenta o arquivo," disse o presidente da FUB, Dieter Lenzen.

Douglas Greenberg, presidente e CEO da Fundação Shoah enfatizou que "um dos mais importantes objetivos do nosso instituto é este: proporcionar acesso ao arquivo a um público tão amplo quanto possível".

Conteúdo do acervo

A Fundação Shoah (termo em hebraico que designa o Holocausto) começou a ser idealizada na Polônia quando o cineasta Steven Spielberg filmava o premiado longa-metragem A Lista de Schindler – que conta a história de um alemão que empregava mão de obra 100% judaica em suas fábricas e assim livrou muitos dos campos de concentração. Spielberg foi inspirado pelos inúmeros sobreviventes do Holocausto, dispostos a dividirem suas histórias.

Entre 1994 e 1999, voluntários e funcionários da Shoah coletaram os depoimentos de sobreviventes e testemunhas do Holocausto. Os sobreviventes incluem judeus, testemunhas de Jeová, ciganos das etnias rom e sinti, prisioneiros políticos e homossexuais. Entre as testemunhas estão os que libertaram os prisioneiros dos campos de concentração e participantes dos processos de crimes de guerra iniciados após o fim da Segunda Guerra.

Nos depoimentos gravados pela Fundação Shoah, sobreviventes e testemunhas relatam o que viram e viveram. Os depoimentos foram catalogados e podem ser localizados através de uma lista tecnológica que associa palavras-chave com trechos dos vídeos. "O que os testemunhos podem ensinar aos jovens é que eles têm a responsabilidade de fazer do mundo um lugar mais tolerante," destaca Douglas Greenberg.

Os arquivos da fundação são acessíveis para propósitos educacionais e científicos, trazem relatos do que as pessoas viram e viveram. Como se separaram de suas famílias, quando viram seus parentes pela última vez, que sentimentos guardam e como crêem poder contribuir para um futuro melhor.

"Eu diria: Não ignore! Você tem que estar envolvido, porque senão a mesma coisa pode acontecer de novo. Não importa o quão maravilhoso seja o país. Você só precisa de umas poucas pessoas que comecem a espalhar rumores", é o conselho que deixa uma das entrevistadas, Mollie Stauber, em vídeo disponível no site da fundação.
(cv)

Fonte: Deutsche Welle(Alemanha, 07.12.2006)
http://www.dw-world.de/dw/article/0,2144,2263680,00.html

Bad Arolsen - Arquivos do Holocausto

Assinado protocolo para abertura do Arquivo do Holocausto

Arquivo reúne cerca de 50 milhões de documentos em 25 quilômetros de prateleiras

Mais de 60 anos após o final da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha e sete outros países assinam um protocolo para liberação do maior arquivo nazista do mundo, localizado em Bad Arolsen, no Estado alemão de Hessen.

A Alemanha e sete outros países assinaram, nesta quarta-feira (26/07) no Ministério das Relações Exteriores em Berlim, o protocolo para a abertura do Arquivo do Holocausto de Bad Arolsen.

Os signatários são membros do comitê administrativo do arquivo, fundado pela Cruz Vermelha britânica em 1943. Dele fazem parte Alemanha, França, Grécia, Reino Unido, Luxemburgo, Itália, Israel e Estados Unidos, além da Bélgica, dos Países Baixos e da Polônia, que devem assinar o protocolo até 1° de novembro, antes da abertura definitiva.

O Arquivo do Holocausto ou Arquivo de Bad Arolsen cuida dos destinos das vítimas civis desaparecidas e perseguidas pelo regime nazista. Até agora, ele só era acessível ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha e as informações nele contidas só podiam ser repassadas às vítimas ou a seus parentes mais próximos, para ajudá-los a localizá-las.

Lista de Schindler entre os documentos

Governo temia onda de processos.

A abertura do arquivo vai permitir a pesquisadores o acesso a documentos sobre 17,5 milhões de prisioneiros de campos de concentração, trabalhadores forçados e outras vítimas do regime nazista. Em 25 quilômetros de prateleiras, há mais de 50 milhões de documentos, entre eles a Lista de Schindler.

Documentadas rigorosamente pela SS, a polícia nazista, também encontram-se nas pastas informações sobre tortura, orientação sexual dos prisioneiros, incesto ou sobre colaborações com os nazistas.

O governo alemão hesitou muito em liberar tais informações, temendo processos por parte das vítimas ou de seus descendentes. Afinal, os documentos poderiam conter dados bastante sensíveis sobre as vítimas, inclusive informações de crimes praticados anteriormente.

Estados Unidos pressionaram abertura

Seis décadas após o final da Guerra, os Estados Unidos foram a força motriz para a abertura do arquivo. O embaixador norte-americano em Berlim, William Timken, avaliou a assinatura do protocolo como uma grande ajuda para os familiares. "Perguntas que não foram respondidas podem agora encontrar respostas", comentou.

"Esperou-se vários anos pela abertura do arquivo", afirma Shimon Stein, embaixador israelense na Alemanha. "Eu fico contente pela assinatura deste protocolo, que permitirá o aprofundamento das pesquisas sobre a trágica era nazista", afirmou Stein.

Os onze países membros do comitê administrativo do Arquivo de Bad Arolsen receberão, por ocasião da abertura, uma cópia digitalizada do conteúdo, colocando-os assim à disposição da pesquisa.
(ca)

Fonte: Deutsche Welle(Alemanha, 26.07.2006)
http://www.dw-world.de/dw/article/0,2144,2110791,00.html

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