domingo, 3 de novembro de 2013

Sobre cobaias de laboratório e humanos, e o "caldo" da segunda guerra

Foto do julgamento dos médicos
no tribunal em Nuremberg,
pós-guerra
Eu resolvi trazer esse comentário (abaixo) pra cá porque poderia desviar o foco do post sobre o julgamento de médicos nazistas em Nuremberg, aqui o link:
O julgamento dos médicos em Nuremberg

A quem quiser ler mais sobre experimentos médicos na segunda guerra, clique na tag (marcador) abaixo:
Experimentos médicos/Cobaias humanas na segunda guerra

Não há condição de deixar passar batido o que houve, primeiro porque é algo sério (tratado com descaso e sensacionalismo pela mídia), e também (principalmente) porque não gostei da abordagem (agressiva e fanática) de uma pessoa comentando sobre esse assunto, e me impressiona como eles embasam um discurso cheio de lacunas - moralista ao extremo - pra criticar os testes de laboratório ignorando a finalidade disso, refiro-me ao caso da remoção dos cachorros (beagles) do laboratório do tal Instituto Royal em São Paulo.

Segue abaixo a cópia do comentário que estava no link acima "O julgamento dos médicos em Nuremberg". Irei remover o comentário do outro post pois já está colocado em um post separado, pra evitar que o outro post sobre o julgamento se perca, caso haja discussão sobre essa questão (estou me precavendo porque as reações que tenho visto são agressivas e emocionais ao extremo, e muitas sem fundamento algum, abaixo eu explico melhor o porquê deu achar isso, e há dois vídeos que espero que as pessoas assistam e reflitam sobre o ocorrido).
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Comentário: esse texto apareceu quando citaram o nome dessa Herta Oberheuser num grupo e não há praticamente referência no verbete dela da Wikipedia em inglês (ao contrário do verbete em alemão) de bibliografia etc, sendo que se enquadra na questão dos médicos e o nazismo, ela fez experimentos no campo de Ravensbrück.

Mas o texto toca inevitavelmente num ponto que foi assunto nas últimas semanas no país que é a questão de cobaias de laboratório e o porquê do uso de animais em experimentos, refiro-me à invasão de um laboratório e a captura de cães da "raça" beagle. Parece que não "tem nada a ver" o assunto, mas tem tudo a ver. Não sei se deveria comentar isto aqui ou em um post à parte. Se for o caso, colocarei em separado o texto com o comentário/observação em outro post posteriormente, pois o intuito ao fazer o comentário não é abafar o tema do post, embora pela reação totalmente emocional que eu observei neste caso, a gente fica com receio de comentar isso neste post e começarem a discutir somente o caso dos cachorros em laboratório.

Um dos motivos do uso de animais em laboratório é justamente este citado no texto, para não usar humanos como cobaias de laboratório, principalmente depois das atrocidades conhecidas na segunda guerra (Holocausto e também o uso de cobaias humanas na China pelo regime japonês) e na guerra fria (houve uso de cobaias humanas de forma não-oficial, clandestina, pelos EUA). Eu coloquei a matéria no blog sobre estes testes na guerra fria mas não estou achando no momento, por isso coloquei o link com o assunto do que saiu na imprensa pra mostrar que foi noticiado (não estou "chutando").

As cenas da captura de animais foi uma das coisas mais bizarras que já vi em muito tempo. Ninguém que afirma que achou as cenas bizarras é a favor de tortural animal ou algo do gênero (pois um dos recursos apelativos usados por quem faz um ativismo maluco e xiita é ficar imputando aos outros que quem é contra atos tresloucados como este só "pode ser a favor" de tortura etc), e caso o laboratório tenha culpa (de maus tratos) que seja apurado, processado e condenado, coisa que agora ficou difícil de apurar pois desmontaram o local e as provas. "Justiceirismo" sempre costuma dar em besteira, é um dos comportamentos que mais vi no Orkut e que simplesmente arruinou aquela rede, e pelo visto segue no Facebook (pior que no Orkut).

Não ter ideia do porquê do uso de animais como cobaias, como fez o grupo que invadiu e tirou os cachorros, beira a algum tipo de fundamentalismo 'estilo talibã' (acho a postura parecida, desculpem-me se por acaso ofender algum ativista sério), anti-científico e totalmente imprudente. Tiraram animais que poderiam estar infectados por experimentos e que morreriam por infecção, doença etc em pouco tempo fora do laboratório ou poderiam passar alguma doença no contato exterior (ao laboratório), além de que ninguém sabe aonde foram parar os cachorros. Pior foi a sucessão dos fatos, saíram bizarrices ainda mais grotescas como colocar um animal pego no laboratório à venda por mais de 2 mil reais, visivelmente não recebendo alimentação adequada e consequentemente podendo morrer:
Beagle vendido por R$ 2.700 na internet era do Instituto Royal, diz anúncio
Beagle que estava à venda na internet é recuperado pelo Instituto Royal

Isso é comportamento de quem gosta de animal? Pôr um cachorro a venda ou deixá-los largados?

Eu li num dos links acima (o link está dentro do outro link do Zero Hora) que foram recolhidos 178 animais do Instituto em questão, e não se sabe onde foi parar a maioria deles, se estão vivos, mortos etc. Tudo fruto de uma histeria coletiva porque acharam que uma determinada "raça" de cachorro é "fofa". Muita gente só se "comove" com a aparência do animal (e já vi muito comentário grotesco falando de testes em humanos, coisa digna de um Mengele), enquanto não se observa a mesma "histeria" com testes em ratos, cobras e animais menos "apresentáveis" visualmente. Parece que pelo fato de uma cobra não ser um "animal fofinho", desperta menos "compaixão" no pessoal com tendência a uma certa histeria coletiva.

Passaram esse vídeo (e acabei vendo outro que também irei colocar o link abaixo) sobre o caso e acho pertinente como espero que assistam (assistam pra depois criticar ou não), são dois, vou colocar os dois vídeos abertos e os links caso alguém queira ver direto no Youtube:



O resgate dos beagles (link do vídeo acima)



Experimentos e beagles: FAQs (link do segundo vídeo, complemento)

Quem citou o o nome do neurocientista Miguel Nicolelis foi o dono do (Canal do Pirulla) dos vídeos acima, por isso achei pertinente mostrar o experimento do cientista brasileiro (muito bem lembrado por ele nos vídeos) que pode fazer com que pessoas paralíticas voltem a andar. Não é pela menção ao vídeo mas já tinha admiração pelo prof. Nicolelis (já vi matérias sobre ele antes), figura sensacional e motivo de orgulho pra qualquer brasileiro.

Pra quem não sabe ou conhece, o Nicolelis faz experimentos em macacos, e se for levar à risca o que esse tipo de 'ativismo xiita' tentou passar pra "opinião pública" com o caso dos cachorros, vai ter gente, por dedução lógica, querendo enquadrar/rotular o Nicolelis como um "sádico que maltrata animais" pois ele faz experimentos em macacos. O que é absurdo e não precisaria nem ser comentado (por ser algo aparentemente óbvio demais) se não houvesse tanta gente propensa a agir de forma extremada e puramente emocional (e irracional):
Nicolelis diz que exoesqueleto será testado no Brasil até novembro
As imagens do joelho robótico: link
Nicolelis divulga simulação do chute de paraplégico na abertura da Copa do Mundo de 2014
"É como pôr um homem na Lua", diz Nicolelis sobre Walk Again link2
Brasileiro faz macacos sentirem textura em objetos virtuais
Em livro, Nicolelis explica plano de fazer garoto tetraplégico chutar bola
Nicolelis reproduz “ilusão da mão de borracha” em macacos; projetos com a AACD são aprovados na Conep

Achei bizarras as cenas do que houve. A gente se pergunta se esse pessoal assistiu a pelo menos alguma aula de biologia no colégio pra que haja um surto histérico coletivo dessa proporção e de ignorância científica também. E não é um problema qualquer como tem sido tratado pela mídia, é algo bem sério pois já houve surto de histeria irracional movido por "crendices" na campanha de vacinação contra a gripe suína e que pode MATAR pessoas (eu, você ou qualquer um podemos ser vítimas da estupidez alheia, são casos que algum orgão sanitário precisa fazer uma chamada se´ria), um tipo de irracionalidade histérica que acomete principalmente gente com pouca capacidade de reflexão e suscetível a sugestões emocionais extremadas e que muitas vezes vão "na onda" da maioria sem refletir sobre o que estão fazendo ou endossando.

Esse tipo de ativismo mais lembra algum tipo de fundamentalismo religioso talibã. Não quero com isso afirmar que não exista gente séria que faça ativismo sobre esta causa, mas não gostei do que vi nesse episódio, além do fato de que ninguém sabe qual destino os animais tiveram (178 animais no total), com um deles sendo vendido em sites de mercadoria e ninguém responde/assume responsabilidades por nada que fizeram ou referente ao destino dos cães.

A ação de "resgaste", se é que houve (eu pelo menos não considero), não deveria se resumir ao "teatro" da histeria no local, como também e principalmente em ações nos dias seguintes como saber quem cuidaria dos cachorros etc, ou acham que são "bichinhos de pelúcia" que não precisam comer? Algo que fatalmente passou batido e que muita gente pode ter antevisto que algo desse tipo iria ocorrer. Foi uma das primeiras coisas que me vieram à mente quando vi as cenas, "e agora, para onde vão levar os cachorros? quem vai cuidar deles?".

Como diz o dito popular: "de boas intenções o inferno tá ...". Mais raciocínio/reflexão (razão) e menos histeria (apelo emocional), todo extremismo inconsequente acaba se tocando. Esse comportamento de "justiceiro", "síndrome de Batman", é algo próximo da barbárie.

O julgamento dos médicos em Nuremberg

Os réus neste caso são acusados ​​de assassinatos, torturas e outras atrocidades cometidas em nome da ciência médica. As vítimas desses crimes são estimadas na ordem das centenas de milhares. Só um punhado ainda está vivo, alguns dos sobreviventes vão aparecer neste tribunal. Mas a maioria dessas vítimas miseráveis ​​foram abatidos em definitivo ou morreram no decorrer das torturas a que foram submetidos.

Para a maioria eles são mortos sem nome. Para seus assassinos, essas pessoas miseráveis ​​não eram considerados indivíduos. Eles vieram em lotes por atacado e foram tratados de forma pior que animais.*
Dessa forma o julgamento dos médicos começou. Este foi o início da declaração de abertura para a acusação, entregue pelo General de Brigada Telford Taylor em 9 de dezembro de 1946, que apresentou ao mundo as experiências terríveis e desnecessárias que foram realizadas por médicos nazistas. No julgamento estavam 22 homens e uma mulher acusados de participação nesses experimentos. A maioria eram médicos, apenas três não eram. Alguns haviam sido médicos eminentes, poucos eram produtos de sua geração. Como essas pessoas poderiam se voltar contra a humanidade?

Embora muitas vezes conhecido como o "Julgamento dos Médicos" e de "Caso Médico", o julgamento foi oficialmente designado de Estados Unidos da América vs. Karl Brandt. Realizado no Palácio da Justiça em Nuremberg, na Alemanha, o julgamento começou em 9 de Dezembro de 1946. Quatro juízes norte-americanos presidiram a sessão - Walter Beals, Johnson Crawford, Harold Sebring, e Victor Swearingen. O julgamento descreveu e documentou alguns dos experimentos médicos mais terríveis e dolorosos, incluindo os de tifo, água do mar, testes de alta altitude, o transplante de ossos, frio extremo, esterilização, balas envenenadas e a coleta de esqueletos.

Depois de ouvir 85 testemunhas e examinar 1.471 documentos que foram apresentados, o julgamento foi pronunciado em 19 de agosto de 1947, com a condenação seguindo no dia seguinte. Dos 23 acusados, sete foram condenados à morte por enforcamento (realizada na prisão de Landsberg), nove foram condenados à prisão e sete foram inocentados.

Réu
Hermann Becker-Freyseng
Wilhelm Beiglböck
Kurt Blome
Viktor Brack
Karl Brandt
Rudolf Brandt
Fritz Fischer
Karl Gebhardt
Karl Genzken
Siegfried Handloser
Waldemar Hoven
Joachim Mrugowsky
Herta Oberheuser
Adolf Pokorny
Helmut Poppendick
Hans Wolfgang Romberg
Gerhard Rose
Paul Rostock
Siegfried Ruff
Konrad Schäfer
Oskar Schröder
Wolfram Sievers
Georg August Weltz
Sentença
Prisão - 20 anos
Prisão - 15 anos
Inocentado
Morte - enforcamento
Morte - enforcamento
Morte - enforcamento
Prisão perpétua
Morte - enforcamento
Prisão perpétua
Prisão perpétua
Morte - enforcamento
Morte - enforcamento
Prisão - 20 anos
Inocentado
Prisão - 10 anos
Inocentado
Prisão perpétua
Inocentado
Inocentado
Inocentado
Prisão perpétua
Morte - enforcamento
Inocentado
Resultado final
Prisão - 10 anos
Prisão - 10 anos
Absolvido
Executado em 2 de junho, 1948
Executado em 2 de junho, 1948
Executado em 2 de junho, 1948
Prisão - 15 anos
Executado em 2 de junho, 1948
Prisão - 20 anos
Prisão - 20 anos
Executado em 2 de junho, 1948
Executado em 2 de junho, 1948
Solta em abril de 1952
Absolvido
Solto em 31 de janeiro, 1951
Absolvido
Prisão - 15 anos
Absolvido
-
Absolvido
Prisão - 15 anos
Executado em 2 de junho, 1948
-

* Declaração de abertura do julgamento pelo General de Brigada Telford Taylor como citado em George J. Annas e Michael A. Grodin, The Nazi Doctors and the Nuremberg Code [Os médicos nazistas e o Código de Nuremberg] (New York: Oxford University Press, 1992), página 67.

Todas as fotografias são cortesia do Museu Memorial do Holocausto dos EUA (Fotos de arquivo)

Fotografia da coleção de Hedy Epstein, cortesia dos Arquivos de foto do USHMM.
Descrição da foto: Médicos nazistas como réus no julgamento dos médicos (Caso #1 dos Processos Subsequentes de Nuremberg) estão sentados no local dos prisioneiros numa sessão do julgamento. (09 de dezembro de 1946 a 20 de agosto de 1947)


Bibliografia:

- Annas, George J. and Michael A. Grodin. The Nazi Doctors and the Nuremberg Code: Human Rights in Human Experimentation. New York: Oxford University Press, 1992.

- Gutman, Israel (ed.). Encyclopedia of the Holocaust. 4 Vols. New York: Simon and Schuster, 1995.

Fonte: Site about.com (20th Century History)
Título original: The Doctors' Trial
http://history1900s.about.com/library/holocaust/aa052998.htm
Tradução: Roberto Lucena

Observação: o comentário que estava aqui sobre cobaias de laboratório foi removido para este post
Sobre cobaias de laboratório e humanos, e o caldo da segunda guerra

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Martelo dos Deuses: a Sociedade Thule e o nascimento do Nazismo, de David Luhrssen (livro)

Martelo dos Deuses, de David Luhrssen: a Sociedade Thule e o nascimento do nazismo (Hammer of the Gods. The Thule Society and the Birth of Nazism) (Potomac Books) avalia um elemento pouco analisado do nazismo e faz isso com precisão histórica e revelação perspicaz. A Sociedade Thule era um grupo de ocultismo de Munique com aspirações políticas. Liderada por Rudolf von Sebottendorff, a Sociedade defendia uma variante da Teosofia, com a superioridade racial dos arianos como ideologia central. Para difundir suas ideias esotéricas para as massas, a Thule estabeleceu um partido de trabalhadores alemães antissemitas, eventualmente transformado por Hitler no Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, conhecido como Partido Nazista. Alguns membros da Sociedade Thule, finalmente, receberam cargos importantes no Terceiro Reich.

É dada uma definição clara ao atoleiro moral em relação à máquina de matar que foi o regime nazista em Martelo dos Deuses (Hammer of the Gods). Este livro retrata a fundação invisível para as políticas cruéis e predestinadas, e fala de questões de como o Terceiro Reich foi capaz de convencer e controlar toda a população alemã.

Este é um livro assustador. É educativo, de fato, mas também repleto de exposição delineada e precisa dos mistérios que influenciaram e conduziram os assuntos de uma nação seguidas de forma pedagogicamente insana sob a regra de não apenas um tirano, mas um possesso e capacitado por forças que nenhum de nós quer reconhecer ou enfrentar. Os relatos factuais, documentadas exaustivamente em anotações, lê-se tão bem como um romance consagrado.

Mas não é ficção, apesar que muitos gostariam que tivesse sido, quando traços da Sociedade Thule são trazidos à evidências manifestas dentro de exemplos contemporâneos. "O nazismo tornou-se inevitável na cultura popular", escreve Luhrssen, abordando tudo, desde a obscura ficção de brochura dos filmes mais populares de Hollywood nas últimas décadas como "Os caçadores da Arca Perdida" (Raiders of the Lost Ark). E ele acrescenta: "a Thule continua a ser um elemento da obsessão mundial com o nazismo."

Luhrssen fornece uma atualizada, mesmo corrigida, história do nazismo, e para aqueles de nós que refletem sobre o destino da humanidade, é um documento da uma realidade final horripilante em relação à condição humana. Não estamos seguros em formas que permanecem desprotegidas, não detectadas e que podem ser verificado (e que ainda assim continuam).

Martelo dos Deuses (Hammer of the Gods) é leitura obrigatória para os historiadores e para cada indivíduo que deseja ser plenamente informado sobre um momento desconcertante na história do mundo. Mas também está na lista de leitura para aqueles que sabem que a verdade sobre o nosso futuro não é como pode parecer, e que entendem exatamente o que aconteceu dentro do Terceiro Reich induz maior compreensão de como a nossa própria existência é governada por forças invisíveis em um contínuo e escurecido movimento. O que é edificante é a pesquisa e a revelação do autor. O que não é aquilo que é descoberto e explicado com a mente de um estudioso e o coração de um poeta.

David Luhrssen falará sobre Martelo dos Deuses (Hammer of the Gods) às 19:00 em 11 de maio, em Boswell Book Co. Glen Jeansonne, autor de uma nova biografia sobre Herbert Hoover, que também está no programa.

David Luhrssen é editor do A&E do Shepherd Express e co-autor de "Elvis Presley, rebelde relutante" (Elvis Presley, Reluctant Rebel) e "Tempos de mudança: a vida de Barack Obama" (Changing Times: The Life of Barack Obama).

Texto de Martin Jack Rosenblum

Fonte: Express Milwaukee.com (EUA)
http://expressmilwaukee.com/article-permalink-18607.html
Tradução: Roberto Lucena

Observação 1: este livro "Martelo dos Deuses" (tradução livre) foi elogiado pelo historiador britânico Nicholas Goodrick-Clarke (de Oxford), que é uma das referências (ou 'A Referência') quando o assunto é "misticismo nazista", tratando o assunto de forma acadêmica e não como o assunto costuma ser tratado em edições sensacionalistas (porque esse tipo assunto "místico" vende), de crendice ou de superstição para preencher vazios de "cabeças" que se impressionam facilmente tentando buscar explicações "sobrenaturais" pra processos humanos/históricos ou que vivem surfando no "pensamento mágico" delirante. Inclusive o texto que eu iria traduzir com uma sinopse do livro continha os elogios do Nicholas Goodrick-Clarke ao livro junto com de outros historiadores mas achei melhor traduzir o texto acima. Há uma resenha de um livro do Goodrick-Clarke no blog colocado pela mesma razão deste post. Quem quiser conferir, o livro foi lançado em Portugal: Raízes Ocultistas do Nazismo - cultos secretos arianos e sua influência na ideologia nazi

Aproveitando a deixa acima pra fazer um comentário que não tem nada a ver com o post (pra não abrir outro post), ao contrário do que "reza" a crença comum (e que eu mesmo já cheguei a levar a sério): as diferenças de escrita entre o tal "português do Brasil" pro "português de Portugal" beiram a insignificância. Até pedi uma vez ao Roberto Muehlenkamp (que escreve com o português de Portugal) pra eu fazer uma revisão no texto pra "corrigir" alguns termos que não são usados no Brasil (a maioria foram de nomes de localidades/pessoas que não costumam ser traduzidos ao pé da letra como em Portugal, mas coisa pouca), mas foi aí que vi a irrelevância da coisa (da tal "diferença") e passei a prestar atenção nesse mito que difundem dos "dois idiomas", que de fato possui diferença grande na forma de falar (na fonética), pronúncia, mas não na escrita. A pronúncia do português do Brasil está mais próximo do som do galego da Galiza/Galícia (Espanha) que é a "mãe" do próprio idioma português que da pronúncia do português de Portugal, descobri isso por acaso por curiosidade em saber como falam os galegos. Curiosamente a forma de falar de Portugal se distanciou da Galiza e do Brasil, é curiosamente mais fácil, eu como brasileiro, entender um galego falando (e às vezes até um espanhol com pronúncia boa) do que um português com sotaque carregado, mas mesmo assim não há dois "idiomas" como a extrema-direita em Portugal dissemina por pirraça e idiotice.

Observação 2: voltando ao post, eu não publicaria textos de divulgação de livros com conteúdo capenga e duvidoso (não-científicos) sobre esses assuntos, se por acaso sair foi engano nunca por intenção, e há vários "livros" que se enquadrariam fácil neste termo de livro não-científico/histórico (aqueles que falam sobre a "fuga de Hitler" do Bunker dele pra viver na Patagônia, francamente...), pois os considero no mesmo patamar dos livros "revis" (literatura de quinta e ficção/fantasia, muitas distorções, fontes ausentes etc). Uma das razões pra eu publicar dois links com livros acadêmicos sobre o tema "ocultismo nazi no Terceiro Reich" é porque vez ou outra aparecia algum "iluminado" na comunidade de segunda guerra citando o assunto, e ao invés de prestar atenção ao que o pessoal mais lúcido comentava sugerindo leitura crítica disso etc, esse pessoal se apegava de forma emocional, com unhas e dentes, a leituras cheias de fábulas, crendices e coisas desse tipo e ficavam irritados com os comentários tentando equiparar livros de fantasia com livros de História, o que não é aceitável, como se o local fosse destinado a ficar discutindo baboseira de ficção/fantasia.

É um direito de cada um, só que... tanto a comunidade como o blog aborda os assuntos de forma científica, então assuntos "mágicos" (de superstição) são tratados aqui como devem ser tratados a luz da ciência, como superstição e crendice, nada além disso, não adianta ninguém chorar ou espernear, é assim e pronto. Irrita muito ver gente tentando equiparar livros sérios acadêmicos (como os mencionados) com livros de ficção/fantasia, auto-ajuda e de fábulas/crendices (de ocultismo e essas baboseiras, que até podem ser bons roteiros pra filme, eu até gosto, mas são só isso, ficção/fantasia). Se essa minha opinião (que não é só minha) por acaso irritar a quem for crédulo, paciência, os comentários tentando impôr, a mim e a mais gente, crendices e superstições também irritam tão ou muito mais do que a irritação eventual que eu possa provocar e só estou fazendo o comentário por achar que discussão sobre equiparar coisas que não são equiparáveis (livros de História com livros de conteúdo duvidoso) já passou da conta, até porque eu não tento impôr minhas crenças mas já vi muita gente tentando impôr suas "crenças/superstições".

Observação 3: considero esse assunto "misticismo nazi" ou "ocultismo nazi", um assunto marginal na questão do nazismo/fascismo, considero outras questões mais relevantes nos temas nazismo e fascismo, mas era difícil falar isso com a quantidade de crédulos que circulavam no Orkut falando dessas baboseiras como "verdade absoluta" e que ficavam com raiva quando a gente contestava os comentários toscos que eles colocavam. Embora a questão do "misticismo" tenha existido (tanto que os livros citados acima tratam disso), a maior parte dos nazistas da época eram cristãos ou se denominavam cristãos (religião majoritária na Alemanha, com todas as suas denominações/divisões), assunto já tratado em outros posts e que pode ser mais discutido adiante caso alguém se interesse, embora essas crenças racistas esotéricas culturalmente se misturavam às crenças religiosas da época.

Sei que muito religioso não gosta quando se toca no assunto, mas uma forma de não se chocar com isso é admitindo o que se passou na época em relação a essas igrejas e não querer negar o que se passou, não tratar a coisa como "questão de fé" e sim de assunto histórico.

Só finalizando, digo que o assunto do "misticismo" é marginal pois não é um elemento central desses sistemas, pode ser central na estética e em grupos mais radicais (principalmente os liderados por Himmler que era chegado nessas baboseiras), mas não é algo central na economia e política. Só que como o cinema fantasia muito em torno desse tema (Hellboy, Caçadores da Arca Perdida, Indiana Jones e a Última Cruzada) e a superstição é uma praga universal, então acho necessário o post com os livros desses historiadores pois são o que há de mais acurado no assunto no mundo, fora alguma outra publicação em alemão que eu já vi mas não lembro agora do nome (que não é um idioma tão acessível à maioria, ao contrário do inglês e espanhol). Há livros em português do Nicholas Goodrick-Clarke.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Relato do Sr. Aleksander Henryk Laks, sobrevivente do Holocausto (vídeo)

Foi sugerido a mim dar uma olhada na página do Sr. Laks, então acabei resolvendo colocar o vídeo com seu relato pra assistirem. Segue abaixo o vídeo com o Sr. Alexander Henryk Laks dando uma palestra com o relato do que ele presenciou na segunda guerra e obviamente no Holocausto. Ele é oriundo da Polônia e presenciou a invasão nazi àquele país e toda a sequência de confinamento em guetos, campos de extermínio/concentração etc. O vídeo é longo, tem 2 horas e 37 minutos mas vale a pena assistir.

A quem quiser pular logo para seu relato pois há um intervalo no começo do vídeo demorado, o relato começa mais ou menos a partir dos 14 minutos e 50 segundos.

E pra não me alongar, só um adendo, pois muita gente vem abordar a gente de forma não muito "sútil" com pregação/ataque religioso etc ignorando a convicção de cada um do blog. Eu considero pessoalmente que esse adendo nem deveria ser relevante ou ocorrer, mas em virtude da frequência da ocorrência de atritos religiosos no país de uns tempos pra cá, não é demais fazê-lo: a palestra do vídeo foi dada a um grupo evangélico/protestante, inclusive a gravação consta na conta do grupo no youtube. O importante é o conteúdo do relato dele e não questões religiosas. Não sou evangélico/protestante e nem judeu, tampouco religioso (pra tristeza dos "revis", que adoram rotular todo mundo que eles odeiam de "judeu", "protestante", "sionista" etc).

domingo, 27 de outubro de 2013

Rússia: Uma investigação traz a luz vários filmes soviéticos do "Holocausto de balas"

Durante a invasão nazi, os prisioneiros judeus eram executados primeiro
Rússia: Uma investigação traz a luz vários filmes soviéticos do "Holocausto de balas"

Uma cena repetida nos avanços nazis:
os fuzilamentos em massa de prisioneiros
Moscou - Quase uma dúzia de filmes soviéticos exibidos apenas poucas vezes e perdidos durante muitos anos, assim como roteiros para filmes que nunca chegaram a ser rodados, sobre a perseguição de judeus durante a II Guerra Mundial foram recuperadas depois de mais de meio século. Esses registros são reconhecidos no livro "O fantasma do Holocausto: o cine soviético e a catástrofe judaica", um volume publicado esta semana pela Rutgers University Press. "Esses filmes foram praticamente apagados da história", explicou a autora do livro, Olga Gershenson, professora de Estudos Judaicos e do Oriente Próximo da Universidade de Massachusetts Amherst, numa entrevista com a RIA Novosti. "Ao pensar em filmes sobre o Holocausto, virá à cabeça da gente imediatamente "A lista de Schindler" ou "A vida é bela", mas na realidade, quase metade das vítimas do Holocausto, cerca de três milhões de pessoas, foram assassinadas nos territórios da União Soviética, e isto não é parte de forma alguma do imaginário público. Simplesmente está fora de nossa visão, a gente não pensa no que aconteceu na URSS", acrescentou a investigadora.

A trágica história dos milhões de pessoas que morreram nos campos de concentração e extermínio da Alemanha e Polônia está bem documentada em filmes e livros, mas Gershenson nos conta que o que ocorria nos territórios soviéticos se denomina às vezes por "Holocausto de balas", já que os judeus eram simplesmente executados no ato.

Um dos primeiros filmes soviéticos a tratar do tema da perseguição nazi dos judeus foi “O professor Mamlock” em 1938. Escrito por Friedrich Wolf, médico e escritor judeu da Alemanha que chegou à Rússia depois dos nazis terem alcançado o poder, conta a crua história de um doutor judeu alemão capturado pelos soldados nazis e que marcha até sua morte. Foi exibido durante um breve tempo nos cines soviéticos, mas proibiram em finais dos anos 40, segundo contou Gershenson.

Durante várias viagens à Rússia, onde nasceu, Gershenson buscou nos imensos arquivos estatais de história russa e nos registros dos diferentes comitês encarregados de aprovar ou rechaçar os projetos cinematográficos, com o objetivo de encontrar filmes e roteiros. Alguns contavam com versões novas, já que foram emitidas ordens para alterá-los para eliminar personagens judeus.

Todos esses anos, comenta, a maioria dos cineastas ainda vivos que têm entre 80 e 90 anos havia resignado a que seus filmes nunca chegassem ao público e se sentiram "exultantes de gozo" quando souberam do projeto.

É importante quitar esta conta, afirma, já que "forma parte dos formadores não só da identidade judia contemporânea, como também de sua história durante o século XX", conclui a investigadora em entrevista realizada pelo RIA Novosti.

Fonte: site Memoria Verdad y Justicia - Télam (Agência Nacional de Notícias, Argentina)
http://memoria.telam.com.ar/noticia/rusia--rescatan-films-sobre-el--holocausto-con-balas-_n2726
Tradução: Roberto Lucena

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Os Estados Unidos do ódio

‘El País Semanal’ e Canal + adentram na senda mais ‘conspiranóica’, racista e integrista dos EUA

Assim é o dia a dia do Ku-Klux-Klan, dos extremistas cristãos que se preparam para uma guerra santa racial e dos grupos neonazis que querem limpar o país de homossexuais e judeus

FOTOGALERIA Os EUA ultradireitista, em imagens
Jon Sistiaga 9 OCT 2013 - 00:00 CET

O líder das Nações Arianas. / Canal+ / Hernán Zin

“Você está me dizendo que também os treina para uma possível invasão de zumbis?”, pergunto com cara de estupor a Mike Lackomar, porta-voz e um dos líderes da Milícia de Michigan. “Sem dúvida, tanto faz ser um zumbi ou um reptiliano”, responde com severidade. “Há que procurá-lo corpo a corpo e lhe meter balas no peito e outra na cabeça, como no Vietnã”. E cai em gargalhadas. Mas não ri porque está reconhecendo, com toda seriedade, que suas crianças se preparam nos bosques de Michigan para deter hordas de mortos-vivos, senão pela suposta graça que acaba de fazer. Qual a graça? Eu tampouco sei, então Lackomar esclarece: “Como no Vietnã – sorri -, onde tinha que se ganhar os corações e mentes da população. Exatamente, dois tiros no coração e um na cabeça! Se um zumbi sangra quer dizer que ele pode matar”. Estamos em um parque natural a uns cem quilômetros ao sul de Detroit. É sábado. Ao nosso redor há ciclistas, gente fazendo footing, aprendizes de ornitólogos com seus prismáticos e famílias inteiras se preparando para passar um dia de campo. Uns 20 milicianos vestidos com traje de camuflagem e armados até os dentes começam, por seu lado, uma incursão no suposto território inimigo. Bubba, o alias de Tom, um engenheiro agrônomo que hoje às vezes passa por chefe do grupo, dá-lhes as últimas instruções: se escutam um drone, ou seja, o motor de um avião espião não tripulado, devem se esconder entre as árvores. Estamos no estacionamento do parque, junto a vários corredores que estiram seus músculos se preparando para sair para fazer esporte, mas Bubba acaba sua conversa de motivação mirando-lhes com expressão dura e lhes fala: “Se alguém é capturado ou ferido, que não espere resgate”.

O líder das Nações Arianas, uma organização
que se considera cristã e racista. / HERNÁN ZIN
A Milícia de Michigan é um dos mais de 1.300 grupos patrióticos monitorizados nos Estados Unidos por diferentes associações de direitos civis. Alguns desses grupos são considerados muito perigosos e imprevisíveis pela retórica irracional, emocional e até conspiranóica com que agem. Por isso são conhecidos como Grupos de Ódio. A crise econômica, o aumento do paro e a reeleição de Obama, um presidente negro, de sobrenome estrangeiro e pai muçulmano, fez eles crescerem em número.

“As milícias mais perigosas são aquelas que professam um ódio extremo contra o governo dos Estados Unidos, que se dedicam constantemente a fazer acopio de armas, que possuem enormes arsenais e que secretamente planejam possíveis ações contra o governo federal. Dito isto, a maior parte das milícias são cidadãos normais, que gostam de milícias e que são partidários de porte de armas e das liberdades da segunda emenda”, disse Jack Kay, antigo reitor da Universidade de Michigan e que levou anos estudando o fenômeno das milícias. Desde sua cátedra de Teoria da Comunicação, analisou as estratégias de captação e propaganda de dezenas de grupos radicais e está convencido de que muitos indivíduos violentos encontram aqui o lugar onde socializar todas as suas ocultas pulsões de ódio. Este Estados Unidos racista, integrista, supremacista e cheio de ódio é o ecossistema perfeito para a aparição dos lobos solitários.

Lackomar, o porta-voz dos milicianos de Michigan, parece um tipo muito normal. Casado, com dois filhos e com um bom emprego como caminhoneiro. Quando ele mostrou o porta-malas de sua perua, deixou-me boquiaberto: “Sempre levo meu rifle de combate, um Kalashnikov, uma arma muito boa… e leva 10 carregadores de 30 balas cada um… 300 disparos… Bem, isto é o que levo habitualmente no carro para coisas de emergência, mas sempre que saio de casa, ainda que seja para compra, levo minha pistola e algum carregador a mais, assim tenho sempre 60 balas sempre acima”. As leis de Michigan proíbem levar armas es­condidas sob o paletó ou a calça, é assim que Michael e muitos de seus colegas levam suas pistolas na cintura, à vista de todo mundo, como no Velho Oeste. Lackomar insiste em me dizer que não são ultradireitistas, senão libertários. Que não são racistas, que inclusive têm uma esposa de origem filipina, ainda que me confirme que não há nenhum membro negro, judeu, hispânico ou homossexual. Mas sobretudo, insiste que está farto de que o governo lhes considere um bando de pirados. Eles se consideram constitucionalistas, patriotas, defensores mortais dessa segunda emenda que lhes garante o direito de levar armas e formar milícias. Uma emenda da Constituição que tem 200 anos, do tempo da guerra contra os britânicos e os índios nativos.

DEFCON 4. As teorias da conspiração que manejam estas milícias são de todo tipo: desde aquela de que a Agência Federal de Saúde (FEMA) está preparando campos de concentração nas Montanhas Rocosas até a aquele em que a Casa Branca quer impôr a lei marcial em todo país. Aquela em que Obama vai apreender suas armas até aquela da Agenda 21 da ONU sobre a sustentabilidade do planeta, que pretende roubar os recursos naturais dos Estados Unidos. A Milícia de Michigan nos confirma que rebaixou seu nível de alerta a Defcon 3, nível amarelo, ameaça média, ainda que faça pouco tempo estavam em Defcon 4, estado de alerta quase de pré-guerra. Mas contra quê ou contra quem? Quem é o inimigo?... Segundo Lackomar, todas as milícias deveriam treinar em cinco áreas diferentes, cinco cenários nos quais todos seus homens deveriam estar atentos nesse momento: “Na luta contra o crime, fazendo patrulhas pela vizinhança, algo para o qual estamos muito capacitados; em resposta ante desastres naturais como os recentes tornados de Oklahoma ou as inundações provocadas pelo Katrina; sobre o terrorismo, como o de Boston; ante qualquer tipo de invasão, quer seja de Cuba, Coreia do Norte ou de zumbis, e em lutar contra a tirania de um governo que extrapole suas funções”.

Há mais de 1.300 grupos patrióticos monitorados nos Estados Unidos por diferentes associações civis

As milícias acreditam de verdade que os Estados Unidos estão a bordo de uma espécie de distopia, una sociedade indesejável em si mesma, um pesadelo em vida. Estão convencidos de que vem uma nova ordem mundial que os escravizará, por isso insistem tanto em treinar contra isso que Alexis de Toqueville chamou de “tirania da maioria”. Por isso vivem numa cultura de autodefesa e cultivam uma retórica partisan. Por isso se vem a si mesmos como a resistência, a força de choque. Os que defenderiam os Estados Unidos contra tudo aquilo que lhes ataque. “Algo não funciona nos Estados Unidos, neste país não podemos dizer a palavra ‘patriota’ porque seremos considerados terroristas, onde não podemos dizer ‘constitucionalistas’ porque somos tachados de terroristas”, queixa-se o coronel Robert Cross, o líder da Ohio Minutemen, outra conhecida milícia. Da janela de sua casa, em pleno campo, pode-se ver a vasilha fumegante da central nuclear de David-Besse, junto ao lago Erie. Cross insiste que não é um radical, senão alguém muito preocupado pelo desvio liberal do governo de Washington, mas Cross é um claro exemplo de pensamento cativo e vitimista. Como muitos milicianos, acredita que foi eleito para uma missão muito sacrificada e muito pouco reconhecida: defender os demais, ou seja, sua gente, de tropas federais, de capacetes azuis da ONU, dos mercenários da Blackwater ou dos sicários dos cartéis mexicanos. Todos esses supostos inimigos estão na página da web do supostamente pacífico Cross, que na internet explica como atuar se a gente se ver envolto em um tiroteio: “primeiramente, leve uma arma; o segundo, leve um amigo com armas, e em terceiro lugar, traga todos seus amigos com armas…”.

DETROIT, CIDADE EM RUÍNAS. Faz já alguns anos que não chega nenhum viajante à Estação Central de Detroit, em Michigan. Há décadas foi concebida como o edifício ferroviário mais alto do mundo, mas um dia os trens deixaram de sair. A cidade do motor; que chegou a ser a quarta urbe dos Estados Unidos, entrou em crise e começou a perder população. Seus edifícios se esvaziaram, seus bairros foram abandonados, suas ruas apodrecem e acabou se declarando quebrada ante a impossibilidade de pagar suas dívidas. Esta cidade converteu-se no epicentro dessa teologia do ódio que é defendida por muitos grupos extremistas. Uma cidade falida, quebrada, que perdeu 25% de sua população em 30 anos. Detroit passou de dois milhões de habitantes a apenas 700.000, tem uma taxa de desemprego insuportável de mais de 20% e é a segunda cidade mais violenta dos Estados Unidos (a primeira está também em Michigan, a 100 quilômetros). É uma urbe abandonada a sua própria sorte pela prefeitura, que cortou a luz, a água, coberta de lixo ou de patrulhas policiais em muitos bairros porque, simplesmente, apenas vive gente e já não tem capacidade de cobrança. Uma cidade que é um enorme bodega do fracasso. A primeira, como propõe algum intelectual, acrópole estadunidense. Neste entorno, como não vão surgir apóstolos do ódio que galvanizam todo o ressentimento e a frustração daqueles que sentem suas vidas desperdiçadas?

Estamos preparados para a luta contra o crime e ante qualquer invasão, sejam de cubanos ou zumbis”

“Os crimes de ódio aqui em Michigan aumentaram. Quando a economia falha, há uma tendência de determinada gente a simpatizar com esses grupos de ódio porque necessitam a alguém a quem jogar a culpa. E esse bode expiatório são os judeus, ou as minorias ou os imigrantes”. Heidi Budaj é a diretora da Liga Antidifamação, uma organização que tem mais de cem anos denunciado condutas xenófobas e racistas. Na atualidade monitoram mais de mil grupos dos chamados grupos de ódio, rastreando constantemente suas webs, seus chats, suas mensagens ou os discursos de seus líderes. Um deles, o Movimento Nacional-Socialista (MNS), a maior organização neonazi dos Estados Unidos, tem sua base em Detroit. Pergunto a Heidi, judia de origem húngara que perdeu parte de sua família nos campos de concentração da Alemanha nazista, que lhe diria ao líder do MNS, Jeff Schoep: “A mim me fascina que alguém dedique toda sua vida a difundir o ódio. Eu lhe perguntaria o que o fez lhe converter à sua máquina de odiar minorias étnicas, judeus, afro-americanos, gente que é diferente dele”. Schoep nos recebe na recepção do meu próprio hotel porque seu partido, confessa, não tem sede. Traslado a pergunta de Heidi ao dirigente neonazi, que, sem perder seu meio sorriso, contesta: “Não se trata de ódio, trata-se de amor. Podes nos considerar um grupo de amor, de amor a nossa gente. Queremos tanto esta nação que queremos nos separar de toda essa gente.”

“A suástica apavora…”. Schoep tem cara de bom garoto e uma esmerada presença. Fala pausado e escolhendo suas palavras. Seu discurso é afável, medido, até contido. Jeff está convencido que a raça branca nos Estados Unidos está se convertendo em uma minoria. Seu sobrenome é de origem alemã. Disse-nos sem lhe perguntar, que é orgulhoso de sua suposta ascendência ariana. Não quer dizer quantos membros são, mas em seus próprios vídeos se estima que as manifestações apenas chegue a meia centena. Segundo as estimativas de Jack Kay, o ex-reitor da Universidade de Michigan, “por cada membro real de um grupo radical há uma centena de simpatizantes”.

Jeff escreveu na página da web do MSN (NSM) o ideário de seu partido. Ponto três: “Demandamos territórios e colônias para alimentar nossa gente e enviar o excesso da população”. Um discurso que cheira ao famoso “espaço vital” dos nazis que desencadeou a II Guerra Mundial, ainda que pessoalmente suaviza e dizem que são só ideias soltas. Para posar para fotos, Jeff se coloca diante da bandeira de seu partido. Por que a suástica? Primeiro conta uma longa perorata sobre o significado esotérico das runas e das cruzes gamadas, mas no final reconhece: “A suástica sugere a nossos inimigos que não há conversa. Quando nossos inimigos veem este símbolo, encolhem-se. Se nos desafiam já sabem o que significa: justiça rápida e sem piedade.”

A Milícia de Michigan durante um treinamento. / HERNÁN ZIN

KKK, O IMPÉRIO INVISÍVEL. Muitos desses grupos compartilham ideologias, fins e inclusive até os símbolos. A suástica, por exemplo, e a saudação nazi do braço ao alto são utilizadas com frequência por muitos dos capítulos ou irmandades da Ku-Klux-Klan. A sede dos Cavaleiros Tradicionalistas da KKK fica em um pequeno povoado de Missouri, a uns cem quilômetros ao sul de San Luis. Os escritórios desta confraria autodenominada de "Império Invisível" é um pequeno despacho dentro do domicílio de seu líder máximo, Frank Ancona, grande mago imperial. Aqui nos recebe, entre gatos, cachorros e até um porco que sua esposa nos impede de fotografar por pudor. “Entre todos los capítulos del Klan seremos uns 7.000 membros”, disse Ancona. “Por segurança, não guardamos nenhum arquivo com os nomes de nossa gente. Cada um dos líderes locais sabe quem são. E cada dragão conhece a seus líderes locais”.

Frank Ancona, filho de um klansman e pai de futuros membros desta confraria racista, fala sobre si mesmo como um ativista pelos direitos civis dos brancos. Sua organização é a mais antiga e infame de todos os movimentos supremacistas dos Estados Unidos e em sua longa história tem centenas de assassinatos rituais de afro-americanos. “Eram outros tempos”, sentencia Ancona, que assegura que agora já não são violentos: “Somos uma organização cristã, branca e patriótica que se ocupa dos interesses da raça branca nos EUA. A gente diz que quando você fala que supremacismo branco significa ódio, mas o que nós acreditamos quando falamos de supremacismo é que a raça branca é superior as outras”.

Quase todas as ordens da KKK têm uma receita social para implementar suas teorias racistas. Obviamente, nesses tempos não podem defender nem ideias violentas nem soluções finais, mas continua insistindo no que eles chamam de separatismo branco. Rachel Pendergraft, líder dos Cruzados da KKK no Arkansas e apresentadora na internet de um informativo racista chamado Orgulho Branco, mostra-se categórica: “Estamos seguros de que há um genocídio programado contra a raça branco a nível mundial, e que somos o bode expiatório para tudo o que está funcionando mal em nosso planeta”. Por isso insiste, a única solução é o separatismo. O segregacionismo. A separação das raças. Evitar a mistura. A contaminação. Rachel vive em uma zona, as montanhas Harrison, que do ponto de vista racial é quimicamente pura. Só há brancos. Na sede da KKK se reúnem aos domingos os racistas locais para ir à missa, socializar entre eles e fazer um churrasco. É como um clube de campo que emana ódio. Aqui se defende o apartheid,os guetos para outras "raças", ou uma nova política de bantustões para prender negros judeus ou hispânicos.

A suástica sugere a nossos inimigos que não há conversa. Eles sabem o que significa. justiça sem piedade”

“É difícil encontrar uma organização supremacista branca cujos membros não tenham cometido algum delito ou passado pela prisão. Nas Nações Arianas, os 95% dos membros estiveram na prisão”. Paul Mullet nos encontra na caravana na qual vive e que lhe serve de quartel general da qual provavelmente seja a mais violenta, integrista e radical de todas as organizações extremistas. As Nações Arianas tiveram um passado turbulento, o próprio Mullet se define como um cara violento. Carrega um uniforme que recorda bastante a dos camisas pardas do partido nazi de Hitler e nos pede que falemos baixo porque sua filha de quatro meses está dormindo. Desde que seu ordenador escreveu o manual do cruzado de Deus, o decálogo do bom racista e toda essa besteirada que "arianos", como o próprio Mullet, são uma raça de deus. Os descendentes, assegura, das doze tribos de Israel. Adão e Eva, insiste, tiveram só um filho, Abel, o primeiro da linhagem dos brancos como ele. Eva, contudo, teve uma conjunção carnal com o diabo, com a serpente bíblica, e assim saiu Caim, o irmão mau do qual descendem os judeus, negros e o resto das raças. Paul disse que está tudo documentado. A guarida de ódio, a sede das Nações Arianas, essa organização ultracristã e extrema, é a habitação de Mullet.

“Claro que sou racista. Eu como branco sou superior as outras raças. Por supuesto”. Mullet não tem papas na língua. Não é um racista politicamente correto. O guru de tantos supremacistas é um homem cheio de ódio. Alguém cuja capacidade de amar foi desativada. Um paranoico que acredita ser eleito por seu deus para depurar o mundo. Tipos como ele são os que incendeiam de ira os lobos solitários que acabam pondo em prática todos esses sujetos que vomitam na internet. Graças à Red, Mullet se converteu na referência de uma ideologia alimentada pelo rancor. Antes de irmos a sua casa, perguntei-lhe se sente bem vivendo no ódio. E ele me respondeu: “Sim. Sinto-me bem. É o que sou. Um tipo que odeia.”

O documentário ‘La América del odio’ (Os EUA do ódio) é transmitido no Canal + nesta miércoles, 9 de outubro.

Fonte: El País (Espanha)
http://elpais.com/elpais/2013/10/03/eps/1380801578_189151.html
Título original: La América* del odio
Tradução: Roberto Lucena

Observação sobre grafia de Estados Unidos e "América": 1. pode parecer "bobagem" mas eu só uso o termo exato. "América" é nome de continente e não de país, apesar de faer parte do nome de um país. Usam esta expressão "América" de forma errada e generalizante em alguns países da Europa, principalmente Inglaterra, para se referir aos Estados Unidos. Como também os próprios EUA a usam. A Espanha tem uma certa mania (igual a de alguns países da América do Sul) de repetir esses modismos ou termos impositivos, ou porque acham bonito/diferente imitar britânicos ou norte-americanos (sem levar em conta a carga simbólica do termo) e abrem margem pra crítica. Como só escrevo o nome do país, eu troquei o título original da matéria que estava com "América" para "Estados Unidos". A quem por ventura achar que isso é anti-americanismo (pois tem gente que idolatra tudo e se dói com isso ao tentar politizar ao extremo o idioma, por achar "anormal" que as coisas sejam escritas da forma correta), não é, é apenas a forma correta de se escrever o nome desse país em português. Quem quiser chorar e espernear, à vontade, o termo correto há de prevalecer sobre o incorreto.

2. Muita gente também de forma grotesca usa a sigla EEUU pra se referir a Estados Unidos quando isso é uma grafia do espanhol (que dobra as letras da sigla de um nome quando este está no plural), não existe isso no português (a sigla usada em português pra Estados Unidos é EUA, que também existe no espanhol).

3. O termo estadunidense também é correto, como "ianque" e "norte-americano" (embora este seja referente à América do Norte, por generalização também se usa com mais frequência em relação aos EUA do que pra se referir ao Canadá ou México). Já vi "figuras" no Orkut (e quando fui pegar o link do dicionário pra colocar aqui achei uma pérola num site com o mesmo tipo de bobagem) querer questionar o termo quando em qualquer dicionário são citados todos esses termos. Eu aprendi no colégio. Ao pessoal do "contra tudo", por favor, parem de querer estuprar o idioma por ignorância e por fanatismo político, é ridículo isso.

Os comentários acima não são sobre erros ortográficos que são os mais comuns e frequentes (nos textos pode-se encontra vários), mas me refiro a erros de conceito mesmo e de interpretação, por cretinice, idolatria e/ou ignorância voluntária. Não seria necessário fazer essas observações se o ambiente político do país não estivesse tão polarizado e bitolado.

sábado, 19 de outubro de 2013

"Meu avô nazi, Amon Goeth, teria me matado"

Adotada na infância, mulher descobre ser neta de comandante nazista
Jennifer Teege | AFP

Jennifer Teege foi adotada e sabia pouco
sobre história da família biológica
A alemã-nigeriana Jennifer Teege descobriu já adulta ser neta de Amon Goeth, o célebre comandante nazista do campo de concentração de Plaszow, em Hamburgo, no norte da Alemanha.

Goeth tornou-se mundialmente conhecido ao ser retratado no filme A Lista de Schindler, o grande vencedor do Oscar de 1994, que conta a estória, baseada em fatos reais, de como um industrial alemão salvou mais de 1 mil judeus da morte ao empregá-los em sua fábrica durante a Segunda Guerra Mundial.

Teege é fruto de um breve relacionamento entre sua mãe, filha de Goeth, e um estudante nigeriano. Ela, que acaba de publicar o livro Amon, My Grandfather Would Have Shot Me ("Amon, meu avô, teria atirado em mim", em tradução livre), contou, em entrevista ao serviço Mundial da BBC, como a descoberta de suas raízes mudou sua vida.

Leia o relato.

"Há cinco anos, eu estava em um biblioteca em Hamburgo, no norte da Alemanha, e vi um livro envolvido em um pano vermelho que imediatamente chamou minha atenção.

O título, traduzido para o inglês, era I Have to Love My Father, Right? (Eu tenho que amar meu pai, certo?, em tradução livre). Estampava na capa a foto pequena de uma mulher que me parecia familiar.

Então comecei a folheá-lo. Havia muitas fotos e à medida que virava as páginas, percebi que havia algo errado.

No final, a autora resumia alguns detalhes sobre a mulher da capa e sua família e percebi que se encaixavam perfeitamente com o que eu sabia sobre a minha família biológica.

E entendi que se tratava de um livro sobre a história da minha família.

A mulher na foto era minha mãe e seu pai era Amon Goeth, comandante do campo de concentração de Plaszow, perto de Cracóvia.

Adoção

Minha mãe não tinha me contado nada. Ela me deu à adoção pouco depois que nasci, então não cresci com ela.

Poucas semanas depois do meu nascimento, fui entregue a um orfanato e, às vezes, recebia visitas da minha mãe. Aos sete anos, fui adotada por uma família e, depois disso, não tive mais contato com minha mãe, com exceção de uma vez.

Eu já tinha mais de 20 anos, e ela provavelmente não me contou nada para me proteger – provavelmente ela achou que seria melhor se não soubesse nada sobre meu passado real, sobre a verdade, sobre minha família, sobre meu avô.

E fiquei totalmente chocada quando descobri a história, era como se alguém tivesse puxado meu tapete.

Eu levei o livro para casa e o li da primeira à última página. Havia detalhes sobre a minha mãe, sobre minha avó e meu avô, Amon Goeth.
Libertação

Goeth no campo de concentração de Plaszow.
Ele foi condenado à morte por crimes de guerra.
Com o tempo, comecei a sentir o impacto daquela história sobre mim. Por ter sido adotada, eu sempre soube muito pouco sobre meu passado. E ter me confrontado com ele foi algo muito sério.
Amon Goeth | Museu do Holocaust

Eu tinha assistido ao filme A Lista de Schindler, em que Ralph Fiennes (ator inglês) faz o papel do meu avô. Mas nunca poderia imaginar que eu e Goeth éramos ligados geneticamente e isso foi muito angustiante.

Senti-me parte de sua história, mas ao mesmo tempo distante – o que não aconteceu com minha mãe, porque ela cresceu com a minha avó e deve ter sido muito difícil para ela deixar o passado para trás.

Eu tento não deixar o passado para trás, mas quero colocá-lo no lugar ao qual ele pertence. Isso não significa que eu vou ignorá-lo, mas não quero deixar que ele domine a minha vida.

Eu não sou um reflexo dessa parte da família, mas ainda estou muito conectada a ela. E espero achar uma forma de integrá-la à minha vida.

É uma história única, muito atípica e de significado profundo. Aborda a questão universal de como lidar com o peso do passado no presente e deveria mostrar como este passado pode ser libertador".

Fonte: BBC Brasil
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/10/131003_avo_nazista_escritoria.shtml

Ver mais:
My Nazi grandfather, Amon Goeth, would have shot me (BBC)

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Candidata francesa que comparou ministra a macaco é suspensa

PARIS - Uma candidata às eleições municipais que comparou a ministra da Justiça da França a um macaco em sua página no Facebook foi suspensa nesta sexta-feira pelo seu partido de extrema-direita Frente Nacional, após dizer a um canal de TV francês que preferia ver a ministra em uma árvore do que no governo. O incidente foi um golpe para os esforços da legenda anti-imigração, que tenta se distanciar das acusações de racismo.

Anne-Sophie Leclere, candidata na cidade de Rethel, postou uma montagem de fotos na rede social representando a ministra da Justiça, Christiane Taubira, ao lado de uma foto de um bebê chimpanzé. Questionada em uma reportagem da emissora France 2, Anne-Sophie respondeu:

- Eu prefiro vê-la em uma árvore do que no governo - disse. - Francamente, ela é um selvagem, aparece na TV com um sorriso de demônio. Não é racismo.

Florian Philippot, vice- presidente do partido, disse que a candidata sofreria uma advertência disciplinar interna e chamou sua escolha como candidata de um "erro".

A Frente Nacional expulsou vários membros por racismo ou por mostrar simpatia à ideologia neonazista desde que Marine Le Pen assumiu a liderança do partido em 2011 no lugar de seu pai, Jean-Marie Le Pen, que foi condenado por menosprezar o Holocausto.

O movimento liderado por Marine Le Pen tem ganhado terreno em pesquisas de opinião antes das eleições municipais do próximo. Ela projetou-se como uma defensora do secularismo e dos direitos das mulheres e ameaçou processar jornalistas que chamam a Frente Nacional de extrema-direita por difamação.

Fonte: EFE
http://br.noticias.yahoo.com/candidata-francesa-comparou-ministra-macaco-%C3%A9-suspensa-150224257.html

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Enfermeiras de dia, nazis e assassinas à noite (livro de Wendy Lower)

'As harpias de Hitler' mostra os crimes das mulheres alemãs. Enfermeiras de dia, nazis e assassinas à noite
Javier Zurro. 07/10/2013 (06:00)

Enfermeiras da Cruz Vermelha reunidas em
Berlim para fazer juramento (As harpias de Hitler)
Apesar dos julgamentos realizados depois da Segunda Guerra Mundial contra os criminosos que ajudaram a executar o genocídio contra os judeus, muitos deles conseguiram escapar e evitar sua condenação. Não só aqueles que fugiram para outros países e adotaram novas identidades para fugir da justiça. Também todos os que tiveram um papel secundário no mesmo, ou tendo participado ativamente ninguém foi capaz de identificar ou dar nomes. Especialmente relevante é o caso das mulheres nazis, já que poucas delas foram julgadas, o que faz dar pouca importância ao papel fundamental que exerceram na execução de um grande número de crimes.

Treze milhões de mulheres militaram ativamente no partido nazi, e mais de meio milhão compareceram em países como Ucrânia, Polônia ou Bielorrússia excedendo as funções para as quais foram enviadas, mas elas tomaram partido nas matanças contra judeus? Isso é o que afirma Wendy Lower em "As harpias de Hitler" (Editado por Memoria Crítica), título original em inglês: Hitler's Furies: German Women in the Nazi Killing Fields. Graças a um árduo trabalho de documentação e busca de dados e testemunhos, Lower conseguiu dar um pouco de luz acerca deste tema.

Ainda que os julgamentos de mulheres nazistas não fossem especialmente numerosos, As harpias de Hitler relembra que muitos dos sobreviventes do Holocausto identificaram as pessoas que os acossaram, violaram e os torturaram como senhoras alemães que nunca puderam encontrar por desconhecer seus nomes. Além disso, os estudos realizados posteriormente advertiu que o genocídio não teria sido possível sem uma ampla colaboração da sociedade. Quem foram essas mulheres que sujaram suas mãos com sangue dos prisioneiros?

Cozinheiras, enfermeiras, secretárias e esposas

Membros da Liga de Jovens Alemãs
disparando como parte de seu treinamento (1936)
A crença mais ampla é que as únicas que cometeram crimes foram as guardas dos campos de concentração, enquanto que o resto teve um papel secundário na história do nazismo. Contudo, a realidade é bem outra. Quando os alemães avançaram para o leste, meio milhão de mulheres lhes acompanharam e alcançaram um poder sem precedentes que lhes deu liberdade para fazer com os prisioneiros o que bem quiserem. Maestras, enfermeiras, secretárias e esposas, essas eram as funções que originalmente teriam que realizar todas aquelas que compareciam junto ao exército. Finalmente, muitas delas decidiram, voluntariamente, colaborar diretamente com a SS.

As harpias de Hitler incide constantemente num dado fundamental: nenhuma das mulheres descritas tinha a obrigação de matar. Negar-se a assassinar judeus não teria lhes acarretado nenhum castigo. E mais, o regime não formava as mulheres para se converter em assassinas, senão em cúmplices. Portanto, as que finalmente decidiram realizar tais crimes os cometeram ou por satisfação pessoal ou para obter um benefício daquelas ações.

De fato, as primeiras matanças cometidas pelos nazis foram protagonizadas pelas enfermeiras dos hospitais, que exterminaram milhares de crianças por desnutrição, ou inclusive com injeções letais, ainda que a maioria delas nunca tenha pago por seus delitos.

Este é o caso de Pauline Kneissler, cuja tarefa consistia em portar uma lista de pacientes que posteriormente deveriam ser mortos. Em um só ano (1940) a equipe na qual Kneissler trabalhava em Grafeneck assassinou 9.389 pessoas. Ela foi testemunha direta de como lhes gaseavam e prestou sua ajuda na hora de administrar injeção letal a muitos pacientes durante cinco anos. Pauline foi uma das mulheres que, posteriormente, se mudou para o leste para continuar sua onda de crimes.

Entretanto, não foram as enfermeiras as que cometeram os assassinatos mais sádicos, senão as secretárias e esposas dos membros do partido nazi. Entre as primeiras se destaca o nome de Johanna Altvater, que ocupava seu posto em Minden, Vestfália, antes de ser transferida para a Ucrânia. Ali, em 1942, Altvater começou sua queda aos infernos, chegando inclusive a assassinar um garoto judeu de dois anos golpeando sua cabeça contra um muro para jogá-lo sem vida aos pés de seu pai. Este posteriormente chegou a declarar que nunca havia visto tal sadismo em uma mulher, uma imagem que nunca pode apagar de sua mente.

Comício do Partido Nazi em Berlim (Agosto de 1935)
Crimes ante seres indefesos, mulheres e inclusive crianças. A mulher nazi tampouco teve piedade, como não a tinham seus companheiros masculinos. Aprenderam bem a lição de que havia que fazer e não duvidaram disso um só momento. Assim também fez Erna Kürbs Petri, filha e esposa de granjeiro que junto com seu marido Horst (membro da SS) era encarregada de dirigir uma finca agrícola. Um dia, Erna Petri vislumbrou algo próximo da estação de Saschkow. Quando seu vagão se aproximou se deu conta de que eram várias crianças judias escondidas que haviam conseguido fugir.

Petri pediu que eles eles se aproximassem e os levou para sua casa. Lá ela lhes deu de comer e os tranquilizou. Mas tudo isto só foi parte de seu sinistro plano. Ao ver que seu marido não regressava para casa, ela decidiu terminar o trabalho que ele havia começado. Levou as crianças até uma fossa onde já se havia assassinado antes e os colocou em fila, de costa. Pegou a pistola que seu pai lhe havia presenteado e um a um os matou a sangue frio. Nem sequer os gritos desconsolados dos que viram como caia o primeiro abrandaram o coração de Erna.

Estes são só três dos muitos casos que Wendy Lower apresenta em As harpias de Hitler. Relatos que encolhem o coração e mostram até onde é capaz de chegar o ser humano. Como a própria autora disse ao finalizar seu livro, nunca saberemos tudo sobre o nazismo e o Holocausto, isto é só uma história a mais em um quebra-cabeças com infinitas peças de crueldade.

Fonte: El Confidencial (Espanha)
http://www.elconfidencial.com/cultura/2013-10-07/enfermeras-de-dia-nazis-y-asesinas-de-noche_37151/
Tradução: Roberto Lucena

Ver a outra resenha do livro:
O exército de mulheres de Hitler (livro)

Mais resenhas:
Nazism’s Feminine Side, Brutal and Murderous (New York Times)
The Nazi women who were every bit as evil as the men: From the mother who shot Jewish children in cold blood to the nurses who gave lethal injections in death camps (Mail Online)

sábado, 12 de outubro de 2013

[Pausa Musical] - Paul McCartney - álbum "New" [2013]

Como essa "pausa musical" é um "off topic", meio que pra fazer um contraponto ao tema do blog (que é bem pesado), nunca havia mencionado lançamento de disco do Paul no blog, por isso não deixaria essa chance passar de novo. Em todo caso, tentarei não me alongar (embora duvide que isso ocorra) pois a melhor crítica de música é a própria pessoa ouvir a música e tirar suas conclusões, embora cada um possa emitir o que pensa. O lançamento do disco é dia 14/15 de outubro próximo (próxima semana), quem quiser escutar tudo descole o disco, ou escute no youtube, mp3 etc (já vazou por sinal), mas deixarei vídeo de três músicas do novo álbum, que se chama New (sem trocadilho), três músicas que ele vem tocando ao vivo pois são as melhores do disco, junto de outras duas ou três.

O disco não é brilhante em relação a vários que ele já fez, refiro-me obviamente ao álbum inteiro e não a músicas separadas pois a música "New" tem um clima nostálgico, e eu diria que é bem decepcionante as outras faixas do disco que não vazaram no começo, mas mesmo assim o material é acima da média do que sai ano após ano como "grande coisa" pela decadente indústria fonográfica e seu amontoado de enlatados de baixa qualidade musical que são exibidos à exaustão na TV e internet. Essa enxurrada de enlatados se deve a algumas coisas, mas creio que a principal seja que a indústria fonográfica considera que é melhor lançar porcaria barata e apelativa (pelo retorno fácil pro que aplicam de dinheiro nesse tipo de "atração", só que a cada ano o número de discos vendidos diminui como "resposta" a essa postura dela, e ao contrário do que alegam não é só por "culpa" da internet a queda de venda de discos mas principalmente pela baixa qualidade dos "artistas") do que encontrar e lançar novos talentos.

O que escrevi acima é a opinião de um "fã" (na verdade prefiro usar o termo admirador), que não segue modismos pois os ditos "modinhas" (a turma do "modismo") acham tudo "lindo" "maravilhoso" e "ai" de você se der um pio divergindo deles. Não irei comentar o termo "modinha" neste post mas obviamente não foi um "elogio".

Mas deixando esses 'queixumes' de lado (embora seja necessário fazê-los), seguem três músicas nos vídeos, New (que dá nome ao álbum) com um vídeo com imagens das turnês de 2012-2013, Save Us (que lembra música de 007 ou de filme de ação) e Everybody Out There (que lembra o som de músicas antigas dele, mas nada excepcional em relação a outras músicas dele). Eu acho que há dois discos dele mais recentes que são melhores que esse álbum, Chaos and Creation in the Backyard (link1 e link2) e Memory Almost Full (link1 link2).

Um dos motivos pra eu não apreciar o som dele atual em relação a outros discos se deve a formação da banda em estúdio, essa banda atual dele (que vem desde o princípio da década passada) não é boa de estúdio, e acredito que ele produz melhor quando compõe com outro músico.

Será lançado um videoclipe em breve coma a música Queenie Eye que eu gostei embora não seja uma música "comercial". Eu destacaria desse disco também as músicas Looking at her, I can bet, Early days, Turned out e On my way to work.

New (com imagens das turnês de 2012-2013)


Save Us [ao vivo no iHeart Radio Festival, Las Vegas, 21 de setembro de 2013]


Everybody Out There [ao vivo no iHeart Radio Festival, Las Vegas, 21 de setembro de 2013]

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Morre em Roma o ex-comandante nazista Erich Priebke

Itália/nazismo - Artigo publicado em 11 de Outubro de 2013 - Atualizado em 11 de Outubro de 2013
Morre em Roma o ex-comandante nazista Erich Priebke. RFI

O ex-comandante nazista da SS Erich Priebke
Foto: Reprodução
Morreu hoje em Roma Erich Priebke, um dos últimos criminosos de guerra nazistas ainda vivos. Ex-comandante da SS, a polícia nazista, Priebke havia completado 100 anos no final de julho e vivia em prisão domiciliar.

O comandante nazista Erich Priebke havia sido condenado em 1998 na Itália à prisão perpétua pela sua participação no massacre das Fossas Ardeatinas, ocorrido em março de 1944, durante a Segunda Guerra Mundial. Priebke vivia há anos em prisão domiciliar em Roma, no apartamento de seu advogado.

Segundo a imprensa, Priebke deixou uma entrevista transcrita e um vídeo como "testamento humano e político."

O massacre custou a vida a 335 pessoas. Pelo menos 75 judeus foram mortos pelos policiais da SS com uma bala na nuca, em represália à morte de 33 soldados alemães.

Priebke foi o responsável pelo massacre, mas depois da guerra, conseguiu fugir para a Argentina.

Ele viveu tranquilamente na Patagônia durante 40 anos, até ser desmascarado pela justiça italiana depois da publicação do livro El pintor de la Suiza Argentina, do diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, Esteban Buch.

Nele, Buch denuncia os nazistas exilados que viviam em Bariloche, entre eles, Priebke, acobertado pela ditadura argentina. O ex-criminoso nazista foi extraditado para a Itália em 1995.

Em 1999, em razão de seu estado de saúde, ele obteve o direito de cumprir sua pena em casa, como autoriza a lei italiana.

Em 2004, o grupo o grupo de extrema-direita "Uomo e Libertá" (Homem e Liberdade) chegou a pedir um indulto presidencial para Priebke, gerando diversos protestos e manifestações de associações de defesa dos direitos humanos.

Fonte: RFI
http://www.portugues.rfi.fr/europa/20131011-morre-em-roma-o-ex-comandante-nazista-erich-priebke

terça-feira, 8 de outubro de 2013

O exército de mulheres de Hitler (livro)

Um livro documenta a participação ativa e frequentemente entusiasta das alemãs no maquinário assassino do regime nazi
07.10.13 - 00:57 - ANTONIO PANIAGUA | MADRID.
Erna Petri matou seis garotos judias com entre 6 e 12 anos com disparos na nuca na Polônia
A maioria das nazis levaram uma vida
normal uma vez acabada a guerra. /E. C.
Durante o Terceiro Reich as mulheres não se limitaram a servir como conforto para os soldados alemães. Seu papel no maquinário de destruição de Hitler não é muito menos anedótico. Algumas delas empunharam pistolas para aniquilar judeus. A fronteira entre o lar e a frente de batalha era mais que difusa. Consentiram com o genocídio e foram parte ativa do extermínio.

A historiadora estadunidense Wendy Lower revela, sem pôr panos quentes nas atrocidades, a complexidade de grande parte da população feminina nos crimes dos nazis e sua cooperação na hora de enviar às câmaras de gás jovens "racialmente degenerados". No livro 'Arpías de Hitler' (Harpias de Hitler, tradução livre do título em espanhol, título em inglês: Hitler's Furies: German Women in the Nazi Killing Fields (Crítica), a pesquisadora do Holocausto sublinha que as primeiras matanças massivas foram protagonizadas pelas enfermeiras nos hospitais assassinando crianças por inanição (fome), com drogas ou injeções letais.

Durante a guerra, as alemãs romperam o cerco que as confinava a sustentar lares sem pai, granjas e negócios familiares. Pouco a pouco sua presença foi mais além dos trabalhos administrativos e trabalhos agrícolas. À medida que a engrenagem do terror ia se estendendo, foram dados as mulheres trabalhos de vigilância nos campos de concentração. Nos territórios do Leste do Terceiro Reich, onde foram deportados um número sem-fim de judeus para ser gaseados e onde ocorreram os crimes mais execráveis, as alemãs encontraram novas ocupações. "Para as jovens ambiciosas, as possibilidades de ascensão social se multiplicavam com a emergência do novo império nazi", afirma Lower.

Parteiras infanticidas

Obviamente que não se pode fazer generalizações. Contudo, a historiadora maneja um argumento irrebatível: um terço da população feminina, ou seja, treze milhões de mulheres, militaram na organização do Partido Nazi. Por acréscimo, em fins da guerra, uma décima parte do pessoal dos campos de concentração era formado por mulheres. Ao menos 35.000 delas foram instruídas para ser guardas de campos da morte, sobretudo em Ravensbrück, de onde foram destinadas a outros como Stutthof, Auschwitz-Birkenau e Majdanek.

Hitler havia proclamado que o lugar da mulher se encontrava no lar e também no movimento. Arguia que uma mãe de cinco filhos sãos e bem educados fazia mais pelo regime que uma advogada. Não é estranho que nessa época o ofício de parteira gozou de um prestígio e auge até então desconhecidos.

Não menos importante era a profissão de enfermeira, curiosamente a ocupação mais letal com diferencia. Os barbitúricos, a morfina e a agulha hipodérmica foram postas a serviço da eugenia, par a desgraça de crianças com malformações e adolescentes com taras. O programa de 'eutanásia' do Reich empregou as parteiras e o pessoal sanitário feminino. "Com o tempo, essas profissionais chegariam a matar mais de duzentas mil pessoas na Alemanha, Áustria e nos territórios fronteiriços com a Polônia ocupada e anexada ao Reich, assim como na Tchecoslováquia", aponta Lower.

Em que pese a sua implicação no sistema, a maioria das mulheres que participaram do Holocausto seguiram tranquilamente com suas vidas uma vez acabada a guerra. Uma das poucas que desfrutou do cumprimento de seu caso foi Erna Petri. Esta mulher, casada com um alto oficial da SS, liquidou seis garotos judeus entre seis e doze anos com disparos na nuca na Polônia e foi condenada a prisão perpétua. Nem reabilitada e nem indultada, ela saiu da prisão em 1992 por motivos de saúde.

Depois da guerra, a atitude que adotaram as mulheres foi o silêncio, fruto da dor e do medo. Contudo, as cúmplices do nazismo não podiam invocar ignorância dos acontecimentos. A proporção de mulheres que chegaram a trabalhas em escritórios da Gestapo em Viena e Berlim chegou a 40% em fins da guerra. Poucas mulheres sentaram no banco dos réus. Há exceções como a doutora Herta Oberheuser, que mesmo condenada a 22 anos por seus cruéis experimentos médicos, cumpriu só sete anos e se reincorporou à medicina como pediatra.

Fonte: El Correo
http://www.elcorreo.com/alava/v/20131007/cultura/ejercito-mujeres-hitler-20131007.html
Tradução: Roberto Lucena

Ver a outra resenha do livro:
Enfermeiras de dia, nazis e assassinas à noite (livro de Wendy Lower)

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Hannah Arendt: um hino à liberdade (filme)

Hannah Arendt, de Margarethe von Trotta, estreou na quinta-feira – o filme retrata uma das filósofas mais importantes do século XX, defensora da liberdade de pensamento e que cunhou o conceito da banalidade do mal, a propósito de Adolf Eichmann, oficial nazi julgado e executado em Israel.

A cena poderia passar-se em qualquer redação do mundo. Neste caso, aconteceu na da célebre revista New Yorker. O diretor, William Shawn, sabe que está perante um momento histórico, o julgamento de Adolf Eichmann, oficial nazi célebre por ser um dos rostos da ‘solução final’ desenhada por Hitler, o do extermínio dos judeus. E tem à sua frente, caída do céu, uma proposta para a cobertura desse julgamento – que, se não foi o ‘do século’, na época, andou lá perto – por parte de Hannah Arendt, filósofa judia alemã exilada nos EUA e ela própria com uma passagem por um campo de concentração enquanto fugia do holocausto nazi.

A chefe de redação, cética, pergunta-lhe: “É mais uma filósofa europeia? Sabes que eles não têm limites para escrever e não são conhecidos por cumprirem prazos”. Shawn defende Arendt e segue com a aposta: “É um privilégio”.

O diálogo terá acontecido assim naquela redacção, em 1961, ano do julgamento de Eichmann em Jerusalém, onde estava detido depois de ser raptado pelos serviços secretos israelitas na Argentina. E foi reproduzido no mais recente filme de Margarethe von Trotta, estreado o ano passado na Europa e que só agora (na próxima quinta-feira) chega às salas portuguesas. A produção leva o nome da filósofa, uma das pensadoras mais marcantes do século XX pela originalidade e independência, interpretada pela actriz e cantora lírica Barbara Sukowa, outra referência do cinema alemão contemporâneo, como von Trotta.

Mas, ao contrário do que seria de esperar dos ditames da indústria cinematográfica, Margarethe von Trotta não se perde a fazer um filme biográfico e encerrar em duas horas estandardizadas uma vida tão complexa. O filme centra-se nos anos entre a ida de Arendt a Israel para a cobertura do tal julgamento e a polémica que se seguiu à publicação do seu artigo na New Yorker. É que a ‘filósofa europeia’ não só cumpriu os prazos de entrega, desfazendo o medo dos responsáveis da redação da revista, como partiu a loiça. Ao contrário do que seria de esperar, Hannah Arendt não descreve um monstro, nem sequer alguém mentalmente perturbado no julgamento. Ela tem pela frente um homem de uma banalidade desconcertante.

Se os actos praticados por Eichmann não encaixam na figura, então como foi possível este homem, que alega em sua defesa limitar-se a cumprir ordens, ser capaz de chefiar a temida Unidade IV D 4/4 e IV B 4 do exército nazi e ser pessoalmente responsável pela organização geral da deportação dos judeus da Alemanha e dos países europeus deportados? Longe de o desculpar, Hannah Arendt quer compreender. E é daí que lhe surge o conceito da banalidade do mal, um dos mais conhecidos do seu pensamento. Nesta altura, Arendt já tinha escrito duas obras de referência para a compreensão da gênese dos regimes autoritários que floresceram na Europa no tempo da Segunda Guerra: As Origens do Totalitarismo (1951), em que denuncia a origem do nazismo e do stalinismo, e A Condição Humana (1958), na qual descreve a sua teoria política.

Qualquer um pode ser Eichmann?

A partir daí, entramos no clímax do filme. A dimensão humana de Arendt, que von Trotta retrata, dizem os entendidos, fielmente, é posta à prova logo após a publicação do artigo. A comunidade judia reprova-lhe a classificação de um criminoso de guerra nazi como um homem banal, mas não lhe perdoa de todo a denúncia que faz, no mesmo artigo, da inépcia dos líderes judeus da época, que viram a catástrofe a acontecer quase impavidamente.

A coragem custou-lhe até amizades de uma vida. Mais uma vez, interessava-lhe não perdoar, mas compreender sem crucificar previamente: “A banalidade do mal foi, no fundo, uma resposta à questão: ‘como foi possível acontecer?”, diz Sofia Roque, que está a trabalhar Numa tese de doutoramento sobre Arendt, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Se hoje aceitamos com alguma facilidade que qualquer pessoa, em qualquer época, pode ser um Eichmann ou um Hitler em potência, nos anos 60 isso não era assim. Quando Arendt formula a ideia, os acontecimentos ainda eram analisados muito a quente. No fundo, a ideia é coerente com o mais profundo dos pensamentos da filósofa: “A compreensão é o modo da política, sem ela não nos podemos situar no mundo”, acrescenta Sofia Roque, citando a autora. Arendt nem sequer parece à vontade, no filme, com o facto de se estar a fazer do nazi uma figura exemplar. Para ela, se uma pessoa abdicar, devido a determinadas circunstâncias históricas, de fazer o que a torna verdadeiramente humana – pensar – pode transformar-se num monstro.

Sofia, que viu o filme na única apresentação que teve em Portugal, a 25 de Maio no São Jorge (Lisboa), no âmbito da Judaica – 1.ª Mostra de Cinema e Cultura, recorda ainda o humanismo da personagem construída por von Trotta, que nem se esqueceu de pequenas conversas da filósofa com os muitos amigos que cultivou ou até o modo como Arendt se deitava no sofá, a fumar – era uma fumadora inveterada –, de olhos fechados, a organizar pensamentos.

Mas recorda-se do modo como Barbara Sukowa incarna a coragem da filósofa perante as críticas. Arendt chegou a receber um bilhete de um vizinho do próprio prédio onde morava em Nova Iorque, anônimo, que a chamava de ‘puta nazi’. Um dos seus amigos mais próximas, Hans Jonas, também exilado em Nova Iorque, diz-lhe que ela se tornou uma “intelectual arrogante alemã”. Mais tarde, seria convidada pelo departamento da universidade onde lecionava a não dar mais aulas. Resistiu sempre: “Ela procurou uma objetividade, distanciou-se da sua condição de judia e de um modo absolutamente corajoso tenta encontrar uma verdade num comportamento e enfrenta a comunidade judaica e os leitores da New Yorker”.

Pelo filme passam também duas histórias de amor. A relação de Arendt com o seu segundo marido, Heinrich Blücher, um filósofo autodidata alemão, que fugiu com ela da França ocupada para os EUA através de Espanha e de Portugal, é apresentada nos pequenos gestos. Blücher nunca deixa de estar do seu lado.

Paixão impossível

Mas há uma outra, dada em flashbacks, quando a jovem Arendt, ainda estudante de filosofia na Alemanha, frequenta as aulas de Martin Heidegger, um dos maiores filósofos do século XX.

O fascínio da jovem Arendt transforma-se numa paixão ardente pelo professor, vários anos mais velho. Mas a história não ficaria completa sem polêmica – Heidegger aderiu ao partido nazi em 1933 e estaria implicado no afastamento de acadêmicos judeus da sua universidade, como se passou, de resto, em todas as áreas do conhecimento por toda a Alemanha e a Áustria.

Os dois separaram-se, Arendt conheceria Blücher já no exílio, e passaria pelo campo de concentração de Gurs, em França, perto dos Pirineus, antes do ‘salto’ definitivo para os EUA. Mas a memória ficou. Hannah reataria a amizade entre ambos em 1950 e seria até responsável pela readmissão de Heidegger no meio universitário. O filme aborda a questão de leve, sem revelar a justificação do filósofo a Hannah, que lhe pede uma explicação. Mistérios insondáveis da alma humana? A explicação é quase impossível, mas Sofia Roque não vê aí mais do que algo privado, que a filósofa nunca chegaria a partilhar por completo: “Heidegger não era um cidadão comum, ele tinha os instrumentos suficientes para saber o que se estava a passar. Será que Hannah Arendt o perdoou? Não nos diz respeito”.

E qual será o lugar do pensamento de Hannah Arendt na atualidade? São poucos hoje os que reclamam o modo como a filósofa pensa a tolerância, a humanidade, e sobretudo a ação política. “Ela não define os objetivos da acção política, nunca se assumiu em nenhum ‘ismo’ ou disse se era de esquerda ou de direita”, esclarece Sofia Roque. Antes defende “a ideia de um sistema de pequenos conselhos, de órgãos cuja dimensão permitisse a participação direta” dos cidadãos nas decisões, um pouco como o espaço público da polis na democracia ateniense da Antiguidade. Para Arendt, a política é antes de tudo um espaço de liberdade entre plurais que podem discutir, a partir do momento em que são cidadãos livres, “o sistema social, de justiça e de igualdade”.

Se estivesse hoje entre nós, Hannah Arendt ficaria por certo agradada com os movimentos que saíram à rua um pouco por todo o mundo, a reclamar mais liberdade ou melhores condições sociais, fosse contra ditaduras – como no mundo árabe, num processo que ainda não acabou –, fosse contra políticas de austeridade, na Europa e nos EUA.

A filósofa de figura frágil e afável poderia ser uma indignada do século XXI? Arendt analisou as revoluções, da americana à francesa, passando pela dos sovietes. Hoje, talvez estaria preocupada em “ligar estes fenômenos aos movimentos occupy”, aposta Sofia Roque.

ricardo.nabais@sol.pt

6 de Outubro, 2013. por Ricardo Nabais

Fonte: Sol (Portugal)
http://sol.sapo.pt/inicio/Cultura/Interior.aspx?content_id=87275

Observação: pessoalmente eu não compartilho da ideia dela sobre "banalidade do mal" e Eichmann, acho que ela se centra demais na aparência dele (o que ela vê dele, muito mais a aparência) ignorando que o executor vai mais além de uma mera aparência "inofensiva"/burocrática (porém letal) que ela tem dele. Mas então por quê o post e a observação? Porque vez ou outra surgem comentários de posts antigos, por exemplo em resenhas como a do link sobre o livro do Finkelstein (link) criticando texto A ou B (e não sou contra a crítica) sendo que nem sempre eu concordo com alguns textos que coloco mas que acho importante que sejam lidos justamente pra reflexão/discussão. Por sinal este texto do link anterior sobre o Finkelstein foi colocado há vários anos porque fazia parte de três textos sobre o Holocausto que saiu no IG (incluindo uma entrevista com o Raul Hilberg), resolvi colocar todos. Eu mesmo coloquei mais de um texto sobre o Finkelstein no blog (http://holocausto-doc.blogspot.com.br/search?q=finkelstein) com opinião de gente que politicamente estaria bem próximo dele e o critica. Já que ele foi citado na observação, eu não acho que ele seja antissemita como vários críticos dele acusam (geralmente gente radical de direita), embora não concorde com a postura política dele ou mais precisamente com a forma dele expôr os problemas que divulga.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Sinagoga do Porto partilha informação sobre refugiados do Holocausto

foto Catarina Vieira / Global Imagens
Sinagoga do Porto partilha informação
sobre refugiados do Holocausto
Estiveram guardados na Sinagoga do Porto, durante 70 anos, milhares de documentos que incluem fichas individuais de centenas de refugiados que chegaram ao Porto em 1940, fugindo do terror nazi. O Museu do Holocausto dos Estados Unidos da América terá agora acesso a essa informação, por força de um memorando assinado este mês entre a vice-presidente da Comunidade Judaica do Porto, Isabel Ferreira Lopes, e o diretor de coleções daquele Museu, Michael Grunberger.

No memorando, a que o JN teve acesso, e que vem na sequência de um protocolo anterior, estabelece-se que a Sinagoga do Porto fornecerá ao Museu do Holocausto toda a documentação que possui relativa ao período da Segunda Guerra Mundial, cabendo ao museu realizar duas cópias do material em questão, para investigação e divulgação.

O Museu do Holocausto, com sede em Washington, foi criado para mostrar a história da perseguição e extermínio de seis milhões de judeus e de outras vítimas da tirania nazi, entre 1933 e 1945

Entre os documentos cedidos agora pela Sinagoga do Porto ao museu, salientam-se as fichas individuais de 416 refugiados judeus que beneficiaram do amparo que lhes foi concedido no período em questão pelos membros da comunidade judaica do Porto, presidida então pelo capitão Barros Basto.

Isabel Ferreira Lopes declarou ao JN que, "tão importante como guardar, preservar e estudar toda a documentação sobre esse período trágico, é tentar saber como é que os refugiados que estiveram nesta sinagoga em 1940 reconstruíram depois as suas vidas."

Sinagoga comemorou 75 anos

A Sinagoga do Porto celebrou este ano o seu 75.º aniversário. A cerimônia foi marcada pela presença do embaixador de Israel em Portugal e de altos dignitários judeus vindos expressamente de Londres, Israel, Argentina e EUA.

Publicado em 2013-10-01
Óscar Queirós

Fonte: Jornal de Notícias (Portugal)
http://www.jn.pt/PaginaInicial/Cultura/Interior.aspx?content_id=3452751

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Morre historiador israelense do Holocausto, Israel Gutman

Quinta-feira, 3 de outubro de 2013 | 12:09 a.m.

Israel Gutman, who que sobreviveu as atrocidades nazi na segunda guerra e dedicou sua vida à pesquisa do Holocausto, faleceu em Jerusalém. Ele tinha 90 anos.

Gutman nasceu em Varsóvia em 1923 e lutou no levante do Gueto de Varsóvia em 1943, onde ele foi ferido.

Seus pais e irmãos morreram no gueto enquanto Gutman ficou como prisioneiro em três campos de concentração, incluindo Auschwitz.

Depois da guerra ele se transferiu para Israel onde mais tarde serviu como historiador chefe no Museu Memorial do Holocausto Yad Vashem.

Yad Vashem lamentou seu falecimento descrevendo Gutman na terça-feira como um "historiador pioneiro." Ele faleceu na segunda-feira.

Ele deixa duas filhas e três netos.

O funeral ocorre na quarta-feira em Jerusalém.

Fonte: The Associated Press/Las Vegas Sun
http://www.lasvegassun.com/news/2013/oct/03/ml-israel-obit-gutman/
Tradução: Roberto Lucena

Ver mais no blog A Vida no Front:
Israel Gutman, historiador do Holocausto, morreu aos 90 anos

Tag de Israel Gutman no blog (com os posts).

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