quinta-feira, 30 de julho de 2015

Futebol e Fascismo: os mundiais de Mussolini e Hitler

Seus olhares se cruzavam no plasma em câmara lenta, num plano eterno digno de um Western de Sergio Leone. Casillas frente a Buffon. Sós ante o perigo, com um muro de silêncio entre eles inquebrantável ao gritaria das arquibancadas. Nas casas, o respeitável se benzia e pensava, "outra vez nas quartas não, por deus. Outra vez não" e segurava a respiração a cada lançamento.

Árbitros fazendo a saudação fascista no Mundial de 1934
Aquelas paradas de Santo, de De Rossi e Di Natale, e aquele último penal de Cesc, acabaram por desmontar um velho mito: o da maldição das quartas, que nos condenava, verão após verão, ao frango da derrota e à depressão nacional. Desde então, e até pouco tempo, só vitória.

O velho tópico de que a história são ciclos, o mesmo que se atrevem a dizer os entendidos em economia, cumpre-se neste caso. Igual a maldição que se rompia num Espanha-Itália, este havia tido uma partida similar, só que em 1934 e em circunstâncias políticas muito diferentes.

Dizem que Benito Mussolini só havia assistido a uma partida de futebol em toda sua vida, mas isto não lhe impediu de se aperceber das possibilidades políticas e propagandísticas que o jogo da bola podia lhe proporcionar. O fascismo, desde suas origens, exaltava dentro de seus valores supremos a juventude (o hino fascista italiano, Giovenezza, era todo um exemplo disto), a ação, a força e a mesma violência. Não é de estranhar, portanto, que todos os regimes fascistas potenciaram a prática desportiva como forma de educar os jovens com visando um cumprimento melhor dos deveres para com a pátria, e como fórmula para forjar o caráter e a disciplina que, supunha-se, devia ter um "bom" fascista.

Logo o esporte, que começava a se converter num entretenimento de massas, obteve para os fascistas uma nova dimensão: igual ao cinema e outros espetáculos da moda, podia ser usado como suporte propagandístico. O doutrinamento era fundamental num regime totalitário e eles sabiam perfeitamente como chegar ao povo. Bem conhecido é o caso das Olimpíadas de Berlim, em 1936, que Hitler desenhou como a apoteose da "modernidade" hitlerista, ainda que um afro-americano, Jesse Owens, acabasse por lhe roubar o protagonismo ao se alçar pela primeira vez na história com quatro medalhas de ouro no atletismo. Mais desconhecido para o público é o uso que o fascismo italiano e o nazismo tentaram fazer do futebol: durante este artigo tentaremos recolher vários exemplos do ocorrido em torno dos encontros dos mundiais de 1934 e 1938.

A batalha futebolística do "fáscio"

Mussolini se empenhou em celebrar na Itália o segundo mundial da história, depois de não conseguir para seu país o que fora celebrado no Uruguai em 1930 e que acabaria com a vitória da própria anfitriã. Para ele, não duvidou em pressionar a Suécia, a outra candidata a albergar a competição, que acabou por ceder às pressões do gabinete do Duce: uma vez conseguida a celebração do acontecimento em terras transalpinas, só restava assegurar o sucesso da azzurra. Mussolini se dirigia a Giorgio Vaccaro, presidente da Federação Italiana de Futebol e membro do Comitê Olímpico Italiano, da seguinte maneira:

—Não sei como fará, mas a Itália deve ganhar este campeonato.

—Faremos todo o possível...

—Não me compreendeu bem, general... a Itália deve ganhar este Mundial. É uma ordem.


A vitória italiana de 1934 começaria a ser gestada desde o mesmo mundial de 1930. Depois da vitória uruguaia, diversos emissários italianos convenceriam ao argentino Luis Monti para que se filiasse pela Juventus de Turim, depois de lhe oferecer 5.000 dólares mensais de soldo, uma casa e um carro. Toda uma fortuna que o argentino não pode rechaçar. A intenção da filiação era de poder nacionalizá-lo alguns anos depois, como fariam com outros futebolistas antes do mundial. Com Monti, somariam-se seus compatriotas Atilio Demaría, Enrique Guaita e Raimundo Orsi, assim como o brasileiro Guarisi, que reforçariam a seleção azzurra. Ante as críticas recebidas por "filiar" estrangeiros, nacionalizados convenientemente pelo governo fascista, o selecionador, Vittorio Pozzo, sentenciou: "Se podem morrer pela Itália, podem jogar pela Itália".

O treinador italiano Vittorio Pozzo observa uma partida. Foto: FIFA.com
Pela primeira vez a competição se desenvolveria com um formato de eliminatórias em partida única, com prorrogação de 30 minutos e repetição do encontro em caso de continuar o empate depois da prorrogação. No mundial da Itália se reuniram 16 equipes, depois de uma fase prévia de classificação desenvolvida em diferentes regiões. Inglaterra, como já ocorrera durante o mundial do Uruguai, negou-se a participar por não ter concedido a organização do campeonato.

A Itália chegou com cartazes anunciando o campeonato, no que se representavam jovens atletas saudando com o braço alto. As partidas se iniciavam ao grito de "Itália, Duce", depois do qual, e depois de fazer a saudação fascista desde o centro do campo, os azzurri saíam disparados pela vitória. Desde o palco, Mussolini, acompanhado por hierarcas do regime e cercado por milhares de camisas negras, a milícia do partido fascista, seguia com interesse as evoluções do combinado nacional. Não podiam falar. O que para eles constituía uma pressão atroz, convertia-se em medo para seus adversários. A grande vitória fascista estava em marcha.

Na partida de estreia das quartas de final as seleções da Espanha e Itália se enfrentavam no estádio Giuseppe Berta de Florença, ante uns 43.000 espectadores desejosos de ver uma vitória italiana no encontro que acabaria por se parecer mais a uma batalha que a uma partida de futebol. Até sete espanhóis caíram lesionados numa eliminatória na qual consigna dos italianos, que levaram o jogo além dos limites do regulamento, respondia ao lema fascista: "Vencer ou morrer".

A Espanha, superior em técnica e classe à Azzurra, chegava à investida liderada pelo melhor porteiro da história até o momento, Ricardo Zamora, "o Divino" e pelo goleador Lángara, no ataque. A esquadra espanhola acabava de vencer o Brasil com um resultado de três gols a um. Durante esta partida, Zamora se converteria no primeiro goleiro a pegar uma penalidade máxima na história dos mundiais, depois de pegar um pênalti da estrela carioca, Leônidas.

Foto da seleção espanhola em 1934 com Zamora segurando a bola
"Foi um encontro espetacular, dramático e jogado com uma intensidade muitas poucas vezes vista", assim resumiria Jules Rimet, o francês inventor do negócio dos mundiais, uma partida que passaria para a história do cálcio como "A batalha de Florença".

Passou à frente do placar a Espanha com um tento de Regueiro, no minuto 31, mas ao filo do descanso os italianos conseguiram empatar com uma jogada digna do pior pátio de recreio: Ferrari arremataria ao fundo das redes um chute, não muito perigoso, enquanto Schiavio agarrava Zamora para que não pudesse bloquear o esférico. O colegiado Louis Baert, de origem belga, não quis ver a clara violação do regulamento.

A segunda parte começaria com todo um massacre nas fileiras espanholas, provocado pela violência inusitada da esquadra italiana: Zamora, Ciriaco, Lafuente, Iraragorri, Gorostiza e Lángara acabariam o encontro, depois da pertinente prorrogação, com diferentes lesões que lhes impediria de jogar a partida de desempate do dia seguinte. A pior parte ocorreria com a estrela espanhola, Ricardo Zamora, que sairia da cidade italiana com duas costelas rotas depois de uma trombada com um jogador italiano, que nem sequer fora marcada como falta pelo árbitro belga.

Imagem do gol italiano
Durante a partida de desempate os italianos seguiram a mesma estratégia: a violência como forma de parar o jogo espanhol. Desta vez foram Bosh, Chacho, Regueiro e Quincoces os lesionados ante a passividade arbitral. A injustiça chegou a seu ponto máximo quando o árbitro, desta vez o suíço René Mercet, anulou gols legais de Regueiro e Quincoces, por inexistentes fueras de jogo, enquanto validava em definitivo o tento do mítico Giuseppe Meazza, o mesmo que hoje dá nome ao estádio do Milan, apesar de que o italiano Demaría estava obstaculizando a Nogués, porteiro que substituía o lesionado Zamora.

A atuação arbitral foi tão comentada que Mercet, quando regressou a seu país, foi expulso por toda a vida da arbitragem, tanto pela FIFA como pela federação de seu país.

Em semifinais a arbitragem voltou a ser igualmente "discutida". Os italianos conseguiram com a vitória frente ao "Wunderteam" austríaco. O time maravilha, como era conhecida a excelente seleção liderada por Matthias Sindelar, nada pode fazer frente ao gol impedido que o juiz deu como válido.

A equipe austríaca, que havia extasiado meia Europa com seu jogo, voltava a seu país sem saber que Hitler se cruzaria em breve por seu caminho, rompendo a trajetória desportiva daquela legendária seleção. Mas isso contaremos mais adiante.

Em dez de junho de 1934 se celebrava em Roma a grande final do campeonato, enfrentando-se as seleções da Itália e Checoslováquia, outra seleção das que, em teoria, tinham certa superioridade sobre os transalpinos. Para a final se designou o mesmo árbitro que havia apitado as semifinais frente a Áustria, o sueco Ivan Eklind.

A seleção checoslovaca se apresentava no campeonato com uma esquadra cheia de talento, com futebolistas de grande estatura em suas fileiras como Nejedly, Planicka, "o Zamora do Leste" ou Svoboda. A Itália de Vittorio Pozzo, o inventor do sistema do catenaccio, dispôs de um sistema de jogo com posição piramidal, um 5-3-2 que os italianos denominaram "O Método".

Logo os checos mostrarem sua vontade de não ser simples convidados para a festa latina, o que fez com que se instalasse o nervosismo no palco quando, ao chegar o descanso, o marcador mostrava um empate zerado. Diz a lenda que, quando Pozzo arengava com seus pupilos no vestiário, apresentou-se um enviado do Duce com a seguinte mensagem: "Senhor Pozzo, você é o único responsável do sucesso, mas que Deus o ajude se chega a fracassar". Como contestação, 'Il vecchio maestro' se dirigiu aos jogadores com estas palavras: "Não me importa como, mas hoje devem ganhar ou destruir o adversário. Se perdemos, todos ficaremos muito mal".

No minuto 70 os checos abriram o marcador graças a um grande tento de Vladimir Puc. Três minutos depois, Svoboda acertaria a bola no travessão que pode mudar o curso da história mas Pozzo, velho zorro, fez algumas mudanças táticas que modificariam o destino do encontro. A nove minutos do final, Orsi, com um forte chute, empatou. Durante a prorrogação, Shiavio, com passe de Guaita, bateria o goleiro checoslovaco, Planicka, dando o triunfo à Itália.

A grande vitória fascista fora alcançada. Mussolini organizaria uma cerimônia para comemorar a gesta no dia seguinte, ao que os jogadores acudiram com o uniforme da partida. O Duce já tinha a vitória que aguardava com ânsia desde 1930, a vitória que permitiria exaltar, ainda mais, ante o mundo, e ante os próprios italianos sobretudo, o caráter heroico e guerreiro da "raça latina".

Depois a gesta, as benesses que o fascismo havia prometido aos jogadores se converterem, em alguns casos, em fel. Luis Monti relataria, muitos anos depois, como tudo mudou depois do mundial. Especialmente relevante foi o caso de Guaita, um dos estrangeiros filiados e nacionalizados pelo governo de Mussolini que, depois dos mimos e do sucesso, acabou sendo exilado.

Enrique Guaita jogava no Roma, mas o time favorito do fascismo era outro. A cidade de Roma se divide, ainda hoje, entre os seguidores do Roma, majoritariamente de esquerdas e do Lázio, de direitas, pelo que era lógico que a equipe escolhida pelos fascistas para encarnar seus valores fosse este último.

Vê-se que alguma mente privilegiada do fascismo, lê-se a ironia, teve uma grande ideia para desativar o Roma e que a Lazio tivesse mais fácil o caminho no campeonato. O plano era simples: mandar boa parte da equipe romana para o front, concretamente para a Abissínia, uma louca aventura imperialista com a qual o Duce pretendia reverdecer os louros do Império Romano mas que, ao contrário do que eles supunham, não estava resultando num caminho de rosas. A reação de Guiata, que queria conservar sua vida acima de tudo, foi a de fugir para a França junto com outros companheiros. Posteriormente, continuou sua carreira futebolística em seu país de origem, a Argentina.

O homem de papel que desafiou o Führer

Em 1938, o mundial seria celebrado na França, graças ao empurrão do mesmíssimo Jules Rimet. A situação política evidenciava um caminho inevitável para uma nova conflagração mundial, que em boa parte parte estava ocorrendo na Espanha seu mais imediato precedente. Por esse motivo, a seleção espanhola não pode participar do campeonato, que se viu salpicado em cada partida pelas rivalidades políticas.

Outro país que dispunha, igual com a Espanha, de um grande seleção e que não pode participar do mundial por questões políticas foi a Áustria, que havia renunciado participar estando classificada. A história do "Wunderteam" correria tragicamente paralela a de sua pequena nação.

Em 12 de março de 1938, a Alemanha de Hitler anexaria a Áustria, convertendo-a pela força em mais uma província alemã. Aquela mostra imperialista, que passaria para a história com o nome de "Anschluss", significava também a desaparição da equipe austríaca, igualmente que já havia ocorrido com todos os símbolos da independência desse país.

Matthias Sindelar durante um lance de jogo
A anexação supôs o princípio do fim da maior estrela da história do futebol austríaco, Matthias Sindelar, conhecido como "O homem de papel", pela delicadeza de seus movimentos no terreno de jogo. Sindelar gozava de uma grande fama, dentro e fora de seu país, e era o líder, tanto de sua seleção como do Áustria de Viena. Mas os nazis cruzaram seu caminho.

Restavam apenas uns poucos meses para a celebração do Mundial de 1938, quando o governo alemão pensou que, uma vez que a Áustria formava já parte da Alemanha, os melhores jogadores desse país poderiam reforçar a esquadra teutônica. O "Wunderteam", que só havia perdido quatro das últimas 50 partidas jogadas, tinha suas horas contadas. Até oito jogadores da equipe passariam a defender a camisa alemã, mas antes disso os nazis idealizaram uma parte de despedida que, por sua vez, devia se converter na grande festa da raça ariana. Evidentemente, contava com a vitória alemã.

Contudo, os de Sindelar, que em princípio jogaram aterrorizados pelo medo, decidiram não perder o único que lhes restava: o orgulho. "O homem de papel" começou a fazer das suas. Os austríacos acabariam ridicularizando com seu jogo os alemães e a partida acabariam num dois a zero para o "Wunderteam".

O momento máximo do encontro chegaria depois de um dos gols da partida, marcado pelo próprio Mathias Sindelar. Depois do tento, correria para celebrá-lo frente ao palco das autoridades, repleto de mandachuvas do partido nazi e presidido pelo próprio Führer, realizando uma dança/malabarismo que, naqueles tempos, à parte de ser algo totalmente inusual, foi tomado como uma tremenda falta de respeito e todo um desafio ao poder nazi. O atacante ficaria sentenciado por toda a vida.

Depois da partida, Sindelar se negaria a formar parte da seleção nazi no Mundial da França, para isto aludiria falsas lesões e, inclusive, chegaria a anunciar sua retirada do esporte. Desde então se converteria num indesejável para o nazismo, que não lhe permitiria nem jogar o futebol em seu país nem, muito menos, cruzar as fronteiras para competir fora.

Em 22 de janeiro de 1939 os bombeiros de Viena encontrariam seu corpo em sua casa, junto com o de sua parceira. Haviam aberto o condutor de gás para liquidar suas vidas. Ninguém sabe o que se passou ao certo, pois o caso acabou oculto. Muitos apontam a Gestapo, outros a depressão que lhe causou em não poder voltar a jogar futebol. o caso é que o totalitarismo encerrou a carreira a um dos melhores futebolistas de sua época.

Vencer ou morrer em camisa negra

Mas apesar de reforçar a seleção com os melhores jogadores da Áustria, a equipe alemã, que tantas esperanças havia dado a Hitler, não pode suceder na glória futebolística à outra potência fascista, a Itália, que seguiria reinando até depois da Segunda Guerra Mundial.

O Mundial de 1938 poderia ter sido uma oportunidade de confraternização na Europa do pré-guerra, mas foi só uma mostra a mais do frio e temível ambiente que se vivia nos países europeus durante aquele tempo: todo mundo sabia que, mais cedo ou mais tarde, a guerra acabaria por ser, outra vez, uma terrível realidade.

Assim, Mussolini, disposto a voltar a utilizar o futebol para sua política propagandística, decidiu comandar sua seleção pessoalmente. Para isto, organizou um ato no Palazzo de Venezia, no que os jogadores acudiram com o uniforme fascista, e que culminou com a vitória com um discurso ante o multidão desde a sacada.

Durante a partida de oitavas de final, contra a Noruega, os italianos realizaram a saudação fascista, também conhecida como romano, antes de começar o encontro, desatando a ira do público francês e ganhando sua animosidade para o resto do campeonato. Mas a grande contenda política teve lugar poucos dias depois, no encontro de quartas de final entre os italianos e os anfitriões do torneio, os franceses.

Mussolini não havia deixado nada ao azar assim que, para o dia no qual tinham que enfrentar seus odiados adversários, os italianos apareceriam com uns uniformes negros, em homenagem aos "camisas negras", a força paramilitar do partido fascista. O desafio, ante 61.000 espectadores franceses, e algum ou outro exilado italiano, foi total. Enfrentavam-se duas formas de ver o mundo, a fascista italiana e a República democrática francesa, num clima asfixiante que não tardaria em explodir. Quando os italianos chegaram ao centro do campo realizaram a saudação fascista, obtendo como resposta uma sonora vaia que não cessaria durante toda a partida. Apesar da pressão do público, a Itália voltaria a conseguir a vitória com um resultado de três a um.

A seleção italiana, de negro, saúda de braço erguido
Depois de vencer os brasileiros em uma das semifinais, enfrentariam na grande final a Hungria, a qual venceriam por quatro a dois, com gols duplos de Piola e Colaussi, no estádio de Colombes de Paris. Os italianos voltariam a jogar a partida com as camisas negras, símbolo de guerra do fáscio. Antes da partida, Vittorio Pozzo recebeu um telegrama pessoal por parte do Duce que rezava assim: "Vincere o morir", vencer ou morrer.

Depois de duas vitórias consecutivas na Copa do Mundo da FIFA, a Itália de Pozzo entraria para a história do futebol como uma das melhores seleções nacionais de todos os tempos. A Segunda Guerra Mundial acabaria com o reinado desta equipe, e com os mundiais durante 12 anos privando a uma grande geração de futebolistas a seguir desfrutando o que mais amavam, o futebol, e iniciando uma nova etapa na história deste esporte que, também veria como outros regimes de diversas índoles tratariam de usar a bola para seus interesses políticos. E assim, até o dia de hoje...

A seleção italiana celebra o Mundial sobre o terreno do jogo. Foto: FIFA.com
Publicado por Cristóbal Villalobos

Fonte: Jotdown site (Espanha)
http://www.jotdown.es/2013/08/futbol-y-fascismo-los-mundiales-de-mussolini-y-hitler/
Título original: Fútbol y fascismo: los mundiales de Mussolini y Hitler
Tradução: Roberto Lucena

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Romênia proíbe símbolos fascistas e a negação do Holocausto

O presidente da Romênia promulgou uma lei que penaliza a negação do Holocausto e o fomento do Movimento Legionário fascista com sentenças de até três anos de prisão.

O presidente Klaus Iohannis assinou na terça-feira emendas a uma legislação já existente, aprovadas no mês passado pelo Parlamento.

A legislação também proíbe organizações e símbolos fascistas, racistas, xenofóbicos, e promover culpados de crimes contra a humanidade. As sentenças serão de até três anos de prisão.

A negação do Holocausto se refere a negar a participação da Romênia no extermínio de judeus e Romanis (ciganos) entre 1940 e 1944. Cerca de 280.000 judeus e 11.000 Romas, ou ciganos, foram assassinados durante o regime pró-fascista do ditador Marechal Ion Antonescu.

A Romênia tem poucos grupos radicais de direita como o Noua Dreapta, que poderia se ver afetado pela lei.

AP 22.07.2015 - 08:46h PST

Fonte: 20minutos (Espanha)
http://www.20minutos.com/noticia/b85789/rumania-prohibe-simbolos-fascistas-y-negar-el-holocausto/
Tradução: Roberto Lucena

Ver mais:
Rumania prohíbe símbolos fascistas y negar el Holocausto (Pulso, México)

terça-feira, 21 de julho de 2015

Novas fotos de Eduardo VIII a fazer saudação nazi surgem em público

Depois das imagens de Elizabeth II* com sete anos a fazer o que parece ser a saudação nazi, é a vez do seu tio Eduardo VIII, conhecido simpatizante de Hitler, surgirem em pública, mas para um leilão.

A polêmica em torno das imagens da família real britânica a fazer gestos nazis continua no Reino Unido. Desta vez, é o Telegraph que publica imagens do tio de Elizabeth II, Eduardo VIII, a fazer a saudação nazi numa visita à Alemanha em 1937.


A ‘simpatia’ de Eduardo VIII pelo regime alemão está longe de ser um segredo, mas a divulgação das imagens não vem numa boa altura, depois de o The Sun ter publicado imagens da rainha Elizabeth II em 1933, então com apenas sete anos, a fazer a saudação nazi nos jardins reais.

Nas fotos, que foram colocadas em leilão, o então Duque de Windsor surge a fazer rodeado de responsáveis nazis de uniforme, alguns com uma braçadeira com a cruz suástica, numa visita a uma mina alemã. A visita não era oficial, e tinha a objeção do Governo britânico.

Eduardo VIII chegou a conhecer, juntamente com a sua mulher, Adolf Hitler.


A altura em que as fotos surgem é apenas uma coincidência, garante a casa de leilões que irá proceder à sua venda. “É pura coincidência. Aconteceu ser na mesma altura que a outra história saiu”, diz um responsável da Morgan Evans.

Mas a história continua a fazer correr muita tinta no Reino Unido, com algumas histórias que já eram conhecidas a ressurgirem, em grande parte numa tentativa de explicar o que se sabia na época.


No blogue de política do jornal britânico Guardian, Michael White, diretor adjunto do jornal, lembra que em meados da década de 30 não era só a realeza e os políticos que achavam que valia a pena ser amigo de Adolf Hitler.

Entre outros casos que são recuperados, o Guardian lembra o caso da seleção de futebol inglesa em 1938, quando foi a Berlim jogar contra a sua homóloga germânica. A foto é conhecida, mas ajuda a ilustrar a época, com toda a seleção a fazer a saudação nazi no início do jogo.


Fonre: Observador (Portugal)
http://observador.pt/2015/07/21/novas-fotos-de-eduardo-viii-a-fazer-saudacao-nazi-surgem-em-publico/

*Observação sobre grafia: eu irei publicar mais outro post sobre isso então colocarei a explicação no outro. Mas onde há "Elizabeth II", no jornal/site (que é de Portugal) há a grafia da rainha da Inglaterra como "Isabel II". Mas como ninguém no Brasil a conhece mais por esse nome, eu alterei a grafia. Fica o aviso a quem for ler, e coloco no outro post o "porquê" disso, pois o certo seria escrever Isabel II mesmo, e o Brasil escrevia assim e "alterou". Fica estranho a grafia de Edward VIII ser mantida como Eduardo VIII e a de Elizabeth II sem alteração pra Isabel II como era antes. Neste aviso estou me dirigindo ao público brasileiro, mas como o blog alcança vários países (incluindo os de língua portuguesa, obviamente), caso alguém tenha curiosidade no assunto, fica o alerta.

Na Espanha também se grafa Isabel II, não deixam o nome grafado em inglês.

Mas pruma imprensa (como a do Brasil) que fala "tá calor" (perdi as contas de quantas vezes ouvi isso em TV, verbo de ligação "estar" pede adjetivo, no caso seria "quente", pois "calor" é substantivo), conjuga verbo com "mim", o "fazem anos" (em vez do "faz anos"), e agora deu pra usar a expressão "risco de morte" no lugar da tradicional "risco de vida" (apesar das duas estarem corretas, mas sempre se usou "risco de vida") por cretinice e modismo (essa eu lembro quando começou, foi modismo da Rede Globo, a 'onipotente'), tudo é possível. Tudo isso são regras básicas que se aprendem (teoricamente) em colégio, não há nada de "sofisticado" nessas expressões pra se justificar tanto erro.

domingo, 19 de julho de 2015

Documentário - Racismo: uma história [BBC] (Darwinismo social e eugenia)

O título do vídeo no Youtube está como "BBC] Racismo Científico Darwinismo Social e Eugenia [DUBLADO]", por isso fiz o acréscimo no título do post como um "subtítulo", mas os dois temas citados no título são tratados no documentário "Racismo: uma História" (nome original do documentário). Este está dublado em português. Pra quem quiser entender como o racismo, como ideologia e construção social, foi estruturado (já que muita gente não vai procurar um livro sério, ensaio etc sobre o assunto pra ler), vale a pena assistir o documentário. Isso se o Youtube não remover o vídeo pela turma do "copyright".

Observando a quantidade de comentários, por assim dizer, estúpidos, que abundam na internet (de forma geral) quando se toca no assunto preconceito e racismo, dá pra notar que o analfabetismo científico de boa parte da população é grande e isso é muito grave. Isso é proveniente, sobretudo, do mau ensino do assunto nas escolas do país, que nem exibir um documentário como esse costuma fazê-lo.

Serei obrigado a colocar links dos verbetes da Wikipedia em espanhol (e mesmo esses encontram problemas pois não há o rigor dos verbetes em inglês e grupos de extrema-direita "liberal" os alteram negando e distorcendo informações) porque, como ressaltei entre parênteses pra parte espanhola da Wikipedia, pessoas adulteraram verbetes da Wikipedia em português sobre alguns desses temas como o "Darwinismo social" pra negar e distorcer fatos porque afetam a "imagem" idealizada que eles usam pra defender doutrina política. Só como exemplo, consta que Herbert Spencer, darwinista social (um dos pais desse racismo ideológico) era "crítico" do Darwinismo social, isso é falso. Eu consigo reparar a distorção fácil, mas a maioria vai reparar quando lerem o verbete pela primeira vez? Obviamente, não.

O termo "liberal" citado aqui não tem a mesma conotação que o termo pode ter em outros países. Inclusive eu coloco "aspas" no termo pra destacar a crítica. O que se passa é que vários reacionários brasileiros, gente de extrema-direita (autoritários e sectários), que se diz "democrata" e "negar" o fascismo (dizem que são "contra", 'pero no mucho'), fazem campanhas de negação desses assuntos em cima de uma população/massa altamente sugestionável (mal instruída) que não tem o hábito de verificar ou ler fontes (que prestem). Não sabem distinguir um site/verbete manipulado de uma informação correta (com boas referências). Desculpando o prolongamento do texto de apresentação mas é importante destacar essas questões, ficará mais fácil compreender o vídeo.

Verbete de: Darwinismo social

No próprio verbete em espanhol sobre "Herbert Spencer" (darwinista social, um dos principais), algum liberal (como suspeitava, ao menos deixou o link) de algum desses "Mises Institute", adulterou o verbete colocando isso: "esta afirmación ha sido historiográficamente cuestionada.1". "Questionada" por um site que defende a figura do Spencer por afinidade ideológica com esse pensamento. Esses caras são uma piada (de mau gosto).

Verbetes de: Eugenia, Eugenesia, Eugenesia Nazi, Eugenesia liberal, Eugenesia en Estados Unidos, Movimento eugênico brasileiro, Higiene Racial (proveniente do "Higienismo social")

quarta-feira, 15 de julho de 2015

O fotógrafo do horror. A história de Francisco Boix e as fotos roubadas das SS em Mauthausen

O fotógrafo do horror. A história de Francisco Boix e as fotos roubadas das SS em Mauthausen
Benito Bermejo

Prólogo de Javier Cercas. RBA. Barcelona, 2015. 267 páginas.

RAFAEL NUÑEZ FLORENCIO | 22/05/2015 | Edição impressa


As relações entre memória e história deram lugar nos últimos tempos a inflamados debates em muitos países. Se a controvérsia toma centro da chamada "memória histórica" - um oximoro, segundo reputados historiadores - as posições se fazem mais irredutíveis. Na Espanha a polêmica se concentra na repressão da guerra civil e no pós-guerra, mas não tem sido só uma discussão teórica ou acadêmica como mostram as disposições políticas adotadas sob o governo Zapatero e os diversos movimentos cidadãos que reivindicam a exumação de fossas comuns. Nesse ambiente pode se entender o impacto - não isento de ressentimentos e desaprovações - de uma obra inclassificável como "O impostor" (El impostor)), de Javier Cercas, que só de uma perspectiva modesta pode qualificá-la como novela.

Os leitores que conhecem o livro de Cercas sabem que de certo modo o personagem principal é o próprio autor, que se planta um desafio que, envolto em formas literárias, nada tem a ver com a ficção e sim muito com a maneira de recuperar o passado, real e conflitivo, que ainda gravita sobre nosso presente e nosso futuro. Do ponto de vista narrativo o protagonista do livro de Cercas é Enric Marco, mas este não tinha importância alguma nesse contexto senão fora porque foi desmascarado como impostor por alguém que toma a iniciativa de encaixar as peças do passado buscando algo tão sensível mas tão desacreditado nesses "tempos líquidos" como a verdade. Esse alguém é um modesto historiador chamado Benito Bermejo (Salamanca, 1963) que, paradoxo do mundo que vivemos e das promoções publicitárias, adquire por ele uma inesperada relevância. Até tal ponto que se reedita agora - com prólogo de Cercas - um velho livro seu de 2002, que havia passado inadvertido em seu momento, sobre um dos espanhóis de Mauthausen, Francisco Boix (1920-1951).

Se bem é verdade que a editora aposta agora no livro de Bermejo e os meios lhe prestam a atenção que antes negaram, não é menos certo - u deve ficar claro num exame crítico - que o volume que nos ocupa é um trabalho excelente que mostra sem veladuras o horror do campo de concentração no qual foram parar (e, numa porcentagem elevadíssima, a morrer) a maioria dos espanhóis que haviam atravessado os Pirineus depois da guerra civil. Para dissecar este aterrador panorama o autor põe seu foco de atenção nas andanças de Boix, de maneira que o volume pode ser lido ao mesmo tempo como uma biografia da curta trajetória deste fotógrafo catalão, um testemunho das personalidades que sofreram os reclusos (não só os espanhóis) e uma denúncia detalhada da crueldade da maquinária nazi.

Ainda que a fotografia pareça ser mero completo documental, neste caso e por tudo o que foi dito não deve se deixar num segundo plano, pois constitui o material mesmo que está na origem e no núcleo do testemunho histórico. Além disso, frente a outras fontes documentais, a fotografia (sobretudo quando falamos de milhares de fotos, como aqui sucede) nos mostra uma realidade que dificilmente se presta a interpretações interessadas e muito menos a banalizações. O horror em estado puro que se mostra nestas páginas está desnudo, como os esqueletos viventes, os olhos aterrorizados, os corpos exânimes empilhados para a incineração. Ainda que pareça incrível, a totalidade dos testemunhos da vida (o conceito é aqui um sarcasmo) no campo procede dos próprios guardas nazistas. Os carrascos, longe de esconder as serviçais realizaram milhares de instantâneas dos prisioneiros, das atrocidades e das mortes. O que fez Boix, pondo em risco seu status de privilegiado em Mauthausen, foi subtrair parte dessas fotografias (cerca de 20.000, ainda que se conservam muito menos) para que servissem de acusação. De fato, em Foix declarou nos processos contra os criminosos nazis de Nuremberg e Dachau por esses testemunhos. Parte dessas manifestações aparecem no livro.

Quando chegou a derrota alemã, Boix passou de ladrão de fotografias alheias a repórter gráfico da libertação. Com as fotos salvas clandestinamente da destruição e as tomadas por ele mesmo, documenta-se este magnífico volume, exemplo palpável de como é possível conjugar harmonicamente a recuperação da memória com o rigor historiográfico.

Fonte: El Cultural (Espanha)
http://www.elcultural.com/revista/letras/El-fotografo-del-horror-La-historia-de-Francisco-Boix-y-las-fotos-robadas-a-las-SS-en-Mauthausen/36502
Título original: El fotógrafo del horror. La historia de Francisco Boix y las fotos robadas a las SS en Mauthausen
Tradução: Roberto Lucena

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Franz Stangl nas ratlines

O bispo entrou na sala onde eu esperava, deu-me ambas as mãos e disse: "você deve ser Franz Stangl. Estava lhe esperando".

- O que o bispo Hudal fez por você?

– Bem, primeiro me conseguiu em Roma um lugar onde ficar até que chegassem meus documentos. E me deu mais dinheiro; já quase não tinha. Depois, passadas duas semanas, chamou-me e entregou um passaporte novo: um passaporte da Cruz Vermelha.

- Era efetivamente um "Passaporte da Cruz Vermelha"?

- Sim. Era um folheto esbranquiçado e havia uma cruz vermelha na capa. Era o mesmo, já sabe, que os velhos passaportes Nansen - Stangl os havia visto quando estava na polícia, em Linz. Haviam invertido meu nome por erro; estava expedido no nome de Paul F. Stangl. Indiquei ao bispo. Disse: "Há um erro, isto está incorreto. Meu nome é Franz D. Paul Stangl". Mas me palmou no ombro e disse: "Melhor não remover o nome. Não se preocupe". Conseguiu-me um visto de entrada na Síria e um trabalho na fábrica têxtil em Damasco, e me entregou uma passagem para o barco. Assim eu parti para Síria. Passado um tempo, a família se uniu a mim e, três anos depois, em 1951, emigramos para o Brasil...".

Nota: é conhecido como "Linhas de ratos" (Ratlines) as vias de saída dos responsáveis e criminosos nazis nos primeiros meses do pós-guerra através da Europa Ocidental com destino a países como Argentina, EUA ou Canadá. Entre essas vias se encontra a Itália mediante a intermediação da Igreja Católica.

Trecho de: Gitta Sereny, Desde aquella oscuridad. Conversaciones con el verdugo: Franz Stangl, comandante de Treblinka, Edhasa, 2009, pag. 439 a 440)

Fonte: extraído do blog El Viento en la Noche (Espanha)
https://universoconcentracionario.wordpress.com/2012/11/28/desde-aquella-oscuridad-franz-stangl-en-la-ruta-de-las-ratas/
Título original: DESDE AQUELLA OSCURIDAD: FRANZ STANGL EN LA “RUTA DE LAS RATAS”
Livro: Gitta Sereny: Desde aquella oscuridad (título em inglês: Into That Darkness: An Examination of Conscience)
Tradução: Roberto Lucena

domingo, 12 de julho de 2015

Recriando campos de concentração nazistas em 3D

Recriar virtualmente os espaços do horror para que a memória não se perca

A recém-criada Future Memory Foundation quer reconstituir virtualmente 100 espaços marcados pelo terror nazi, para que as gerações futuras não esqueçam o passado.

Filhos de sobreviventes do Holocausto na instalação virtual do Memorial Bergen-Belsen, em 2012 DR
O polonês Felix Flicker, sobrevivente do Holocausto, está sentado num sofá e conta-nos como foi. Descreve aquele dia, em 1944, em que o campo de concentração onde se encontrava, em Majdanek, na Polônia, foi libertado. “O que vivemos lá é indescritível. A memória desse tempo faz-me sentir que não quero voltar lá. Até na memória”.

Felix revive os acontecimentos ao detalhe – os cheiros, os cadáveres, as pilhas de sapatos e ossos, os crematórios. É um dos mais de 50 mil sobreviventes que o realizador Steven Spielberg ouviu e gravou nos últimos 20 anos, num projeto que olha para a memória como um patrimônio valioso a deixar as gerações vindouras. É do mesmo princípio que partem dois investigadores que querem agora dar um passo definitivo para levar esta ideia mais longe. E se para além de ouvirmos relatos desses espaços, presos nos testemunhos dos sobreviventes, pudéssemos ir até lá?

“Sei que a memória precisa de lugares”, diz ao El País o investigador e psicólogo Paul Verschure. É diretor do laboratório SPECS (Synthetic Perceptive, Emotive and Cognitive Systems) que se dedica, desde 2005, ao estudo da percepção e da emoção dos seres humanos - entre elas a memória- na Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona.

Paul Verschure e Habbo Knoch, historiador da Universidade de Colônia e antigo diretor da Fundação de Memoriais da Baixa Saxônia, fundaram recentemente a Future Memory Foundation, uma iniciativa para preservar, apresentar e projetar a história dos crimes do regime Nazi e do Holocausto através dos lugares europeus do terror.

“Estamos a enfrentar o fim da idade das testemunhas”, escrevem no site da Fundação. “No decorrer dos últimos 70 anos, testemunhas e sobreviventes foram fundamentais na reconstituição dos crimes do Holocausto. Passaram às gerações seguintes um passado de terror e foram cruciais na formação de uma memória coletiva. Mas agora essas testemunhas estão a desaparecer.”

Recolhas como as de Spielberg ou de outras fundações são importantes, reconhecem os investigadores, mas não suficientes. É preciso, defendem, relacionar espacialmente os campos de concentração que existiam por toda a Europa com fontes históricas (fotografias, mapas, planos de construção, documentos oficiais, artefatos) e com descrições pessoais (testemunhos e diários). E para isso há que reconstituir a estrutura especial do terror nazi através da realidade virtual.

O primeiro passo foi dado no Memorial Bergen-Belsen em 2012. Pela primeira vez, foi criado um modelo tridimensional de um antigo campo de concentração, que foi totalmente destruído após a sua libertação. Alguns sobreviventes conseguiram identificar nas imagens o local onde viveram. Filhos e netos dos sobreviventes entraram em pequenos contentores transformados em espaços da memória: lá dentro, os relatos ganharam forma. Através de uma apresentação interativa e imersiva, com recurso a um tablet, foi possível visitar fisicamente o campo e experienciar o espaço, os edifícios. Os detalhes, por exemplo, das vedações. “O espaço como portal para a informação”, defendem os investigadores, incentivando a reflexão e a memória para as futuras gerações.

Para já, a Future Memory Foundation procura financiamento para recriar virtualmete 100 espaços. Cada um terá um custo de aproximadamente 50 mil euros e levará três a quatro meses a estar concluído. A ideia mais ambiciosa é, no entanto, conseguir "criar" virtualmente os 45 mil locais já identificados como estando ao serviço do regime Nazi em toda a Europa, incluindo, para além dos campos de concentração, outros centros de tortura, guetos e quartéis da Gestapo.

Na corrida contra uma memória que se vai apagando, há muito que dificilmente será reconstituído. “De muitos locais temos muito pouca informação”, explicou Verschure ao El País. “Sobibor – um dos seis campos de extermínio que os nazis construíram na Polônia – foi totalmente destruído e só agora é que os arqueólogos polacos e britânicos conseguiram localizar o local onde estavam as câmaras de gás e os crematórios”.

Fonte: Público (Portugal)
http://www.publico.pt/tecnologia/noticia/recriar-virtualmente-os-espacos-do-horror-para-que-a-memoria-nao-se-perca-1701725

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Evolução humana e sua dispersão. O Homem veio do macaco? (aquela famosa "questão")

Vou deixar aqui três vídeos que devem (merecem) ser assistidos pra colocar abaixo as crendices racistas que são disseminadas no país pela dificuldade do brasileiro ler algo que preste sobre a questão sem ser sites enviesados que defendem essas idiotices sem base científica.

Na verdade o vídeo que trata mais da evolução humana e sua dispersão (surgimento das diferentes cor de pele, cabelo outros hominídeos etc) é o primeiro vídeo, mas o segundo vídeo responde à pergunta se o "homem é um macaco" (e também toca no mesmo assunto), pois muita gente recheada de ignorância ou crendices partem pra negação com comentários ridículos sobre (em vez de procurar saber do assunto) em boa parte pra tentar ridicularizar a teoria da evolução ("eu não descendo de macacos") ou o que for relacionada a mesma (evolucionismo, evolução etc). Há um terceiro vídeo de outro canal que também aborda a questão do "Nós, humanos, somo macacos?" que reforça o segundo vídeo. Vou colocar os três abaixo.

O segundo vídeo também comenta a questão do racismo no uso do termo "macaco", comentário pertinente pois, à parte a questão científica de "raças humanas" não existirem, o racismo (crença na existência de "raças" e hierarquia entre elas) persiste, pois muitos racistas (quem é adepto dessas crenças racistas é racista) querendo negar o peso do racismo no Brasil sempre fazem essa "confusão" retórica com a questão "se raça não existe como existe racismo?".

O primeiro vídeo é longo, 39 minutos e 13 segundos, mas vale a pena assistir até o fim, principalmente sobre quando começa a surgir as diferenças de cor de pele, cabelo etc (pela adaptação) e as "etnias", do canal EuCiência:
Evolução Aula 04 - Evolução Humana


O segundo vídeo, mais curto (21 minutos mais ou menos), é do canal do Pirula, vale a pena assistir até o fim:
Sim, somos todos macacos


O terceiro vídeo é do canal "Papo de Primata", tem 15 minutos e 53 segundos, também vale a pena assistir até o final:
Afinal, o homem descende do macaco?


Quando a gente publica isso vem sempre a pergunta infame e até tola (ou silêncio, silêncio também é uma forma de manifestação embora abra espaço pra qualquer interpretação do motivo do silêncio uma vez que se o blog é acessado e lido, é porque muita gente lê e não comenta): o que isso tem a ver com Holocausto, segunda guerra etc?

Tudo. A doutrina nazi, o racismo em vários países (ou quase todos) foi "fundamentado" em torno dessas interpretações equivocadas e ideológicas da ciência. Como a educação no Brasil é um "primor" na abordagem desses assuntos, não dá pra crer que as pessoas irão aprender esses assuntos de forma decente nas escolas, vide a quantidade de idiotice que se lê quando se toca no assunto racismo, nazismo e afins. Quem quer ler sobre nazismo e fascismo ignorando a questão racial/étnica, a origem disso etc, na verdade está fazendo uma leitura incompleta, precária do assunto inteiro. Por essa razão acho pertinente os vídeos e a abordagem deste assunto, pois está totalmente ligado à questão da eugenia também e/ou à ideologia do branqueamento (a eugenia à brasileira, post que não sai do topo de visitas do blog e isso é bom) que é outro assunto tabu nas escolas do Brasil (podem me corrigir se eu estiver errado mas eu não creio que comentem sobre isso nos colégios).

Aí o que ocorre? (Refiro-me aqui ao caso brasileiro mesmo, embora haja tabus sobre isso em vários países que tiveram programas de eugenia) As pessoas passam a vida inteira seguindo uma "mitologia" sobre o Brasil de "democracia racial, paraíso tropical etc" (mitologia essa lançada ainda no Varguismo pra forjar uma identidade nacional ou reforçar, a interpretação aí varia), "meu Brasil brasileiro" e quando se deparam com o assunto na internet, ficam em "choque", como se aquela identidade cultuada (ou que a pessoa acreditava que era a real sobre o país) fosse uma completa farsa e por aí vai. O que em parte é verdade pois o país até hoje lida MUITO MAL com essas questões. O brasileiro (generalizando) tem uma postura autoritária de silenciar os outros na marra quando as pessoas tentam (eu falei "tentam") abordar esses assuntos, com uma postura que por vezes beira à infantilidade e autoritarismo pueril.

Assistam os vídeos que não irão se arrepender. E obviamente que os vídeos não segue qualquer abordagem religiosa, ciência não é religião. Já deixei claro que não trato questões científicas por viés religioso (os vídeos seguem a mesma linha), quem achar que os vídeos ou assunto entram em conflito com suas crenças, não assista. Mas ciência é ciência, religião é religião.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Redes sociais deram voz a legião de imbecis, diz Umberto Eco

Escritor italiano Umberto Eco
Foto: Reuters
Segundo escritor, 'idiotas' têm o mesmo espaço de Prêmios Nobel

Crítico do papel das novas tecnologias no processo de disseminação de informação, o escritor e filólogo italiano Umberto Eco afirmou que as redes sociais dão o direito à palavra a uma "legião de imbecis" que antes falavam apenas "em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade".

A declaração foi dada na última quarta-feira (10), durante o evento em que ele recebeu o título de doutor honoris causa em comunicação e cultura na Universidade de Turim, norte da Itália.

"Normalmente, eles [os imbecis] eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel", disse o intelectual.

Segundo Eco, a TV já havia colocado o "idiota da aldeia" em um patamar no qual ele se sentia superior. "O drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade", acrescentou.

O escritor ainda aconselhou os jornais a filtrarem com uma "equipe de especialistas" as informações da web porque ninguém é capaz de saber se um site é "confiável ou não".

Fonte: Terra
http://noticias.terra.com.br/educacao/redes-sociais-deram-voz-a-legiao-de-imbecis-diz-umberto-eco,6fc187c948a383255d784b70cab16129m6t0RCRD.html

Observação: caso alguém queira comentar a opinião do Umberto Eco, fiquem à vontade, eu não vou emitir opinião pra não 'influenciar' os comentários caso alguém queira fazer (porque quando a gente emite alguma opinião as pessoas tendem a querer rebater o que foi dito ou dizer que concorda, ignorando o texto).

sábado, 27 de junho de 2015

Os incompatíveis. À luz do passado fascista de Mircea Eliade através de Mihail Sebastian

Mihail Sebastian // Mircea Eliade
A amizade entre o estudioso das religiões Mircea Eliade e o novelista Mihail Sebastian era tão prometedora como o mundo na qual ela nasceu: a esperança palpável de um futuro melhor para Romênia, de um esperado debut literário para ambos e o amor compartilhado de uma mulher excepcional. Contudo, o surgimento do nazismo obscureceu tudo e os arrastou a um desencontro inimaginável pouco anos antes. Agora, a publicação malograda de uma série de livros permite reconstruir a história dessa amizade desde todos seus pontos de vista - assinados, todos, por uma extraordinária peculiaridade romena: a compatibilidade de incompatibilidades.

Por Juan Forn

Como Heidegger, Mircea Eliade também tinha um esqueleto no armário. Como Heidegger, os pecados políticos de Eliade implicaram numa traição a um ser querido. No caso de Heidegger, sua amante, a jovem Hannah Arendt. No caso de Eliade, seu melhor amigo de juventude, o escritor Mihail Sebastian. Diferentemente de Heidegger, Eliade nunca voltou a ver sua vítima: Mihail Sebastian morreu um ano depois do término da Segunda Guerra. Mas tal como Heidegger foi (para muitos incompreensivelmente) perdoado por Arendt, Mihail Sebastian terminou condenado sem resolver a questão com Eliade na tumba, e quando seu cadáver estava há mais de quatro décadas enterrado, Eliade passou este mesmo tempo desfrutando sua glória acadêmica nos Estados Unidos.

Talvez seja imprescindível ser judeu e romeno para entender em sua justa proporção a trágica história de Eliade e Sebastian. Ou talvez o alcance em ler a formidável novela autobiográfica "El regreso del húligan" (O regresso do hooligan), de Norman Manea (e seu livro de contos "Felicidad obligatoria" e seus ensaios como "Payasos. El dictador y el artista"), para entender que uma história não termina até que alguém a conte, alguém para quem essa história contém cifrada sua identidade como escritor.

Vamos por partes. Norman Manea é judeu e romeno ("um judeu do Danúbio" como prefere dizer ele), nascido trinta anos mais tarde de Eliade e Sebastian na Bucovina, no confim do Império Austro-Húngaro, que depois da Primeira Guerra se converteu em território romeno. Ao contrário de seus vizinhos, a Romênia (o mais latino dos países mitteleuropeus, ou Europa Central) pelejou aquela guerra no grupo oposto ao Kaiser e, no reparto posterior à vitória, o Tratado de Versalhes a premiou com os territórios da Bucovina e da Bessarábia. Nunca foi tão grande e próspero o território romeno (Bucovina, por exemplo, hoje pertence à Ucrânia); nunca foi mais mentiroso o comportamento dos romenos: na encruzilhada, a que vai do ano '30 até a entrada na Segunda Guerra ao lado dos nazis, Norman Manea situa o começo da quebra moral de seu país, com a escalada nacionalista antissemita, que não só havia de arrasar com a amizade entre Eliade e Sebastian, como que, décadas depois, terminaria convertendo a Romênia de Ceaucescu no único regime totalitário do mundo que praticava o comunismo e o fascismo ao mesmo tempo.

Eliade e Sebastian se conheceram em meados dos anos '20 ao ingressar na Universidade de Bucareste. Os dois queriam ser escritores, os dois mostravam um talento igualmente promissor, os dois eram (como os também jovens Emil Cioran e Eugene Ionesco) discípulos do famoso professor de lógica e metafísica Nae Ionesco. Eliade era, como seu mestre, cristão ortodoxo. Sebastian, cujo verdadeiro nome era Iosef Hechter (já veremos porque adotou em seus documentos esse pseudônimo em 1935), havia nascido no mesmo povoado do seu mestre, Braila, mas era judeu. A amizade entre ambos os jovens se desenvolveu sob a tutela de Ionescu e de uma jovem chamada Nina Mares, que seria primeiro namorada platônica de Sebastian e depois se casaria com Eliade. Nina passava à máquina os primeiros textos de Eliade e Sebastian enquanto eles percorriam o país dando conferências como membros da Associação Cultural Criterion, pregando o advento de uma nova literatura romena (eram anos de fervente curiosidade intelectual naquele país: para entendê-lo cabalmente, pode-se mencionar o fato de que os editores franceses, italianos e alemães vendiam quase uma décima parte de sua produção a livrarias romenas).

Sebastian adquiriu logo renome como jornalista ao se graduar, Eliade preferiu ensinar na universidade (uma viagem pela Índia que fez em fins dos anos '20 definiu a orientação intelectual de sua carreira), mas os dois jovens seguiam apostando em segredo pelas novelas que estavam escrevendo e que o professor Ionescu havia prometido prefaciar. Assim chegamos ao ano de 1934. Sebastian termina sua novela e a entrega a Ionescu para que ele escreva o prólogo. Entretanto, chamuscado pelos novos ares que sopravam da Itália e Alemanha, Nae Ionescu começou a se distanciar do cosmopolitismo pan-europeu e a predicar as bondades do fascismo mussoliniano e do programa de depuração nacionalista que pregava Adolf Hitler direto das páginas de Mein Kampf. Ionescu não havia se juntado ao movimento ultranacionalista Guarda de Ferro (fato que produziria a falência da Criterion), mas o texto que escreve para a novela de Sebastian (uma saga sobre os judeus do Danúbio intitulada "Desde hace dos mil años") é de uma virulência estremecedora. Em todo o prólogo se refere a Sebastian não pelo pseudônimo escolhido mas por seu sobrenome judeu, sustenta que a identidade romena se baseia de forma "inalienável" no cristianismo ortodoxo e diz coisas tão incendiárias como: "Iosef Hechter, tu estás enfermo porque só podes sofrer. Iosef Hechter, não sentes como se apoderam de ti o frio e as trevas?"

Ainda que Sebastian comentara perturbado a Eliade quando lhe mostrou o prólogo: "É uma autêntica condenação à morte", não se atreveu a retirá-lo antes da publicação. O livro produziu o previsível escândalo. Acusado pela esquerda e pela direita (de "inimigo" pelos judeus e de "pária" pelos nacionalistas), Sebastian não só adotou em seus documentos seu pseudônimo literário senão que escreveu uma resposta a todos aqueles ataques, um livro tão breve como potente que intitulou: "Cómo me hice húligan" ["Como me tornaram um vândalo"] (nesse mesmo ano Eliade havia publicado finalmente sua novela, chamada "Los jóvenes bárbaros"- título em romeno Huliganii -; é sugestivo assinalar que, nos anos comunistas na Romênia, aquele termo se usaria para assinalar a todo o inimigo do regime). O certo é que Eliade foi um dos poucos integrantes da Criterion que saiu em defesa de Sebastian, mas lentamente ele também adotou o rumo ideológico de seu mentor Ionescu, para então alcunhar "o Sócrates legionário". Em 1936 Eliade escreveu: "Sem delongas, sim, Mussolini é um tirano. Mas me interessa uma só coisa: que ele transformou um Estado de terceira ordem em uma das potências do mundo" (este sugestivo olhar internacional não se limitava à Itália; também disse o seguinte sobre a Hungria e Bulgária em 1937: "Dos chefes políticos da Transilvânia heroica, castigados e humilhados durante séculos pelos húngaros, o povo mais imbecil que existe na História depois dos búlgaros, esperamos nós uma Romênia nacionalista, armada, vigorosa, implacável e vingadora").

Muito já discutiram os intelectuais romenos que ficaram e os que se exilaram se Eliade pertenceu ou não à Guarda de Ferro. O certo é que, quando em 1938 a cúpula legionária (incluindo Ionescu) foi presa, Eliade se trasladou de apuro a Londres, onde logo se somou à delegação diplomática do governo militar de Antonescu na Inglaterra, até que a entrada da Romênia na guerra do lado nazi o obrigou a se trasladar para a embaixada de seu país em Lisboa (em Portugal Eliade passou toda a guerra; ali escreveu fervorosos elogios ao tirano Salazar e aos "mártires" franquistas da Guerra Civil espanhola). Sebastian permaneceu na Romênia, sobreviveu por milagre às purgas antissemitas e, em determinado momento de 1942, quando Eliade voltou à Bucareste incógnito (levando uma mensagem de Salazar para Antonescu), tentou contatá-lo para lhe pedir ajuda, mas Eliade evitou vê-lo. Até então, Sebastian outorgava o benefício da dúvida a seu amigo, mas esse episódio decretou o fim da amizade.

Em agosto de 1944, caiu o regime pró-nazi de Antonescu, os russos entraram em Bucareste e a Romênia se juntou aos Aliados na arremetida final contra a Alemanha. Em dezembro de 1944, Sebastian se inteirou da morte de Nina Eliade e escreveu em seu diário: "Uma onda de recordações se levanta do passado. Seu quartinho na pensão: a máquina de escrever na qual copiou as novelas de Mircea e minha, seu inesperado amor, sua boda civil em segredo, nossos anos de amizade fraternal e depois os anos de confusão e desintegração até a ruptura, a inimizade e o esquecimento. Tudo está morto, desaparecido, perdido para sempre". Menos de três meses depois, reabilitado pelo novo governo com uma cátedra na recém fundada Universidade Livre e Democrática, Mihail Sebastian esperava o bonde para dar sua primeira aula quando um caminhão o atropelou e o matou na hora. Eliade escreve a respeito em seu Diário português: "Tenho me inteirado pela Rádio Romênia de que Mihail Sebastian morreu ontem. A notícia me transtorna. Em meus sonhos era uma das poucas pessoas que me haviam feito Bucareste ser suportável. Inclusive durante meu clímax legionário o senti perto de mim. Contava com essa amizade para voltar à vida e à cultura romenas. E agora se foi atropelado por um caminhão! Com ele se vai também minha juventude. A maioria da gente que quis está mais além. Sinto-me mais só que nunca. Adeus, Mihail".

Terminada a guerra, Eliade se trasladou para Paris, onde foi professor da Ecole des Hautes-Etudes. Nos anos '50 emigrou para os Estados Unidos, onde alcançou a celebridade mundial como estudioso das religiões e onde morreu, em Chicago, em 1986. Diferentemente de Cioran, que na velhice confessou com escárnio suas simpatias legionárias da juventude (em seus diários evoca várias conversas com Ionescu nas quais, corado, pergunta-se: "Como pode ser tão insensato?"), Eliade deixou escritos quatro tomos de memórias mas nunca fez a menor luz sobre seu passado legionário (o médico de cabeceira que assinou seu atestado de óbito era outro romeno exilado de nome Alexandru Ronett, fervoroso legionário que havia dado asilo em seu hogar norte-americano à sobrinha do sanguinário chefe da Guarda de Ferro, Corneliu Codreanu).

Pouco depois, Beno Sebastian, o irmão mais novo de Mihail, morreu em Paris em 1990, sua filha entregou para sua publicação o diário que escreveu Mihail entre 1935 e 1944, um texto que havia sido tirado clandestinamente da Romênia e que Beno se negou a dar a conhecer em vida. Eliade já havia morrido há dez anos quando o texto por fim foi publicado, em 1996, e desatou a polêmica. Sob a pressão da adversidade e do horror, Mihail Sebastian conserva nas páginas de seu Diário a graça da inteligência. O tom intimista, a mistura de afeto e horror com a qual retrata a evolução de suas amizades (em particular as de Eliade, Cioran e Nae Ionescu) e os infortúnios que lhe tocam viver é demolidora. Sebastian nunca acreditou que sobreviveria à guerra. Mas escrevia essas páginas não para a posteridade senão unicamente para si, para manter secretamente sua relação com a escritura (como judeu, era proibido de publicar e ser jornalista).

O texto mais explosivo que se escreveu sobre a relação de Eliade e Sebastian o fez Norman Manea. Exilado ele mesmo do regime de Ceaucescu, e antes sobrevivente do campo de concentração durante a Segunda Guerra, Manea sofreu na própria carne o antissemitismo romeno e essa bizarra combinação de stalinismo e fascismo que asfixiou durante décadas seu país. O texto no qual compara o Diário de Sebastian com as Memórias e o Diário português de Eliade foi publicado na prestigiosa revista The New Republic (com o título "Felix culpa") e lhe valeu ameaças de morte provenientes tanto da Romênia pós-comunista como dos grupos de exilados romenos nos Estados Unidos. Manea se converteu para os romenos no que Orhan Pamuk representa para os turcos. Isso não evitou que Manea duplicasse a aposta alguns anos depois com sua novela "El regreso del húligan", um tipo de summa autobiográfica que funciona por sua vez como novela picaresca, ensaio político e afresco histórico do século XX romeno, e que lhe valeu desde sua aparição a candidatura ao Nobel.

Celebrado por autores como Claudio Magris, Philip Roth, Milan Kundera, Saul Bellow, Imre Kertesz e Antonio Tabucchi, o formidável livro de Manea propõe um contraponto entre a primeira viagem a sua terra natal depois de exilado (comparável ao que Tzvetan Todorov fez à Bulgária no "El hombre desplazado", em português "O homem desenraizado") e a história de sua vida na Romênia desde o momento em que seus pais o engendraram em Bucovina, no mesmo ano em que Eliade publicou sua novela hooligan e Sebastian seu manifesto anti-hooligan (a referência não é gratuita: os pais de Manea o conceberam nos altos de uma livraria onde ambos os livros, recém publicados, são o centro de um prolongado e febril debate sobre o futuro entre os mais jovens membros do clã Manea e seus amigos, que ignoram que pouco depois seriam arreados em conjunto para campos de concentração da Transnístria).

Manea relata com o mesmo desembaraço a episódios completamente incompatíveis. Vale a pena mencionar dois deles, arrepiantes: num conta como a polícia secreta romena convenceu a seu melhor amigo para que o espiasse, em troca de uma cama de hospital para seu pai moribundo (o amigo confessa isso a Manea e entre ambos redigem os relatórios de delação, assim creem haver burlado à Segurança até que o amigo consegue escapar da Romênia, e Manea passa anos observando paranoico a cada um de seus amigos, perguntando-lhes quem será o novo delator); o outro episódio é o misterioso assassinato do catedrático Ioan Culianu, em pleno dia, nos banhos da Universidade de Chicago. Culianu havia sido um colaborador de Eliade (graças a este havia chegado ao Estados Unidos) que, depois da morte de seu mentor, estava escrevendo um livro sobre o passado político de Eliade. Quando o FBI investigou o caso, apresentou a Manea para que os ajudassem a determinar se o assassino foi enviado pelo ex-rei romeno no exílio, ou uma seita parapsicológica inimiga das investigações religiosas de Culianu, ou pela "máfia acadêmica" (sic) ou os legionários sobreviventes no exílio, ou o novo governo romeno pós-comunista, ou por um/ou mero amante despeitado/a.

A assombrosa naturalidade com que Manea vem e vai ao longo do tempo por situações e registros inconcebíveis tem sua explicação numa frase de Mihail Sebastian que o autor de "El regreso del húligan" cita e completa. "Não há nada mais sério, nada mais grave, nada mais certo e nada mais falso nesta cultura de panfletários sorridentes. Sobretudo, nada é incompatível. Há aí uma noção que lhe falta completamente a nossa vida pública em todos seus planos: o incompatível", escreveu Sebastian em seu Diário em 1943. Manea vê nesta frase uma explicação antecipada tanto do inverossímil sistema político da Romênia de Ceaucescu, assim como do culto a um estudioso das religiões como Eliade que praticou uma ditadura supostamente ateu-materialista: "Em nenhuma parte se dá tão estranha, incompreensível compatibilidade entre incompatibilidades, entre os que poderíamos chamar convencionalmente de bons e maus. As evasivas e desconcertantes certezas morais, e não só morais, de nosso país. Muitas vezes ofereceram surpresas terríveis mas, é justo dizê-lo, houve também alguma surpresa benéfica de vez em quando. Só assim pode se explicar que um país onde se cometeram tais atrocidades contra a população judaica, tenha se conseguido sobreviver boa parte dela".

Correndo o risco de que a Manea arrepie os cabelos, para a exígua lista de surpresas benéficas produzidas por essa característica romena, deve-se agregar ao pequeno milagre de diversidade tonal que é "El regreso del húligan" ("O regresso do hooligan"). E outra mais: que a tradução de três livros de Manea ao castelhano, como a do Diário de Sebastian, como as do Diário português e a novela "Los jóvenes bárbaros" de Eliade, tenham sido lançadas ao longo dos últimos cinco anos, pela mesma pessoa: o espanhol residente em Bucareste Joaquín Garrigós. Só a Romênia pode fazer com que se sucedam coisas assim.

"El regreso del húligan" ("O regresso do hooligan"), "Felicidad obligatoria" e "Payasos", de Norman Manea, foram publicados pela Tusquets (Editora). "Diario 1935-1944", de Mihail Sebastian, e "Los jóvenes bárbaros" de Mircea Eliade, foram publicados pela Destino. O "Diário português", de Eliade, foi publicado pela Kairós.

Fonte: Página 12 (Argentina)
http://www.pagina12.com.ar/diario/suplementos/libros/10-2661-2007-08-12.html
Título original: Los incompatibles
Tradução: Roberto Lucena
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Notas:

1. O termo "húligan" no texto se refere a "hooligan" (em português se mantém a grafia inglesa, pro espanhol eles "espanholizaram" a palavra). Caso alguém ache estranho a palavra, significa isso mesmo, que num sentido amplo, ou no aplicado ao texto, "hooligan" é referente a vandalismo ou gangue de rua. Provavelmente é uma referência à Guarda de Ferro romena que também recebia a alcunha de Legião de São Miguel Arcanjo, por isso o termo "legionários" aparece com certa frequência no texto.

2. Eu não fiz uma observação no texto anterior sobre o Eliade que era a de comentar a origem da difusão desse tipo de autor fascista no país. Pensei em colocar num post à parte (é uma possibilidade), mas se for o caso vai ficar nesse post ou no anterior mesmo.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

O fascista romeno "cultuado" no Brasil - Mircea Eliade e o cavalo de Troia no mundo acadêmico

Mircea Eliade e o cavalo de Troia no mundo acadêmico, por Wolfgang Karrer

A orientação fascista de Mircea Eliade (1907-1986) está bem documentada pelo menos desde a publicação de Cioran, Eliade, Ionesco: l’oubli du fascisme [Cioran, Eliade, Ionesco: o esquecimento do fascismo], um livro de Alexandra Laignel-Lavastine do ano de 2002. Foi traduzido pro italiano, e na Argentina foi resenhado em 6 de outubro do mesmo ano no Página 12. Também na Wikipedia atual concede lentamente esta orientação ideológica a Mircea Eliade, ainda que trate de diminui-la como se tratasse de um "pecadinho juvenil".

Nesse ensaio quero demonstrar (usando o livro de Laignel-Lavastine) que esta orientação sobreviveu à Segunda Guerra Mundial e que de certo modo Eliade se manteve fiel a suas convicções de ultradireita até sua morte. Vou apoiar esta tese com citações de Eliade, traduzidas pro espanhol por mim. Já é tempo de enfrentar suas ideias do eterno retorno, da ordem cósmica, do sacrifício e do xamanismo com mais crítica.

O terror na história de Mircea Eliade

Um breve resumo da vida de Mircea Eliade (1907-1986) até 1945 aclarará suas posições fascistas (Laignel-Lavastine 2002, 33-328). Como estudante en Bucareste, Eliade se destaca com um manifesto "O itinerário espiritual" (1927), no qual ele ataca "o mito do progresso sem fim" da ciência e da tecnologia e proclama valores novos para sua geração. Claramente se afilia com o movimento irracionalista de Chamberlein, Spengler, Papini etc. A circulação do manifesto o converte no líder estudantil de Bucareste, onde se encontram em 1927 jovens como Tristan Tzara, Victor Brauner, Constantin Brancusi e Emil Cioran. (A afiliação de Cioran ao nazismo forma outra parte do livro de Laignel-Lavastine). No mesmo ano se constitui uma organização militante de ultradireita na Romênia, a Guarda de Ferro. Imitava as quadras fascistas da Itália, introduzindo camisas verdes e a saudação romana (108-20). Militava contra os judeus como a origem da maçonaria, o freudismo, o marxismo e o ateísmo, e lutava por uma revolução espiritual nacionalista no país. Eliade se fez assistente acadêmico de Nae Ionescu, professor e ideólogo principal da direita em Bucareste (57-63).

O círculo intelectual de Eliade compartilhava muitas posições da Guarda de Ferro, ainda que inicialmente se absteve da atividade política. Começou com uma atividade jornalística febril: 250 artigos entre 1925 e 1928, e outros 250 mais entre 1932-33 (40), em todos propagando um nacionalismo autóctone. Com a conversão de seu professor Nae Ionesco em 1933 à Guarda de Ferro, o tono de Eliade também se faz mais militante, e mais fascista (85-120). Assim como Ionescu se converte num propagandista aberto do fascismo italiano e de sua variante cristã-antissemita na Romênia. Os artigos de Eliade o mostram claramente antissemita, pró-fascista e também militante no sentido da ação direta. Entre os líderes da Guarda de Ferro tem alguns amigos íntimos, com os quais mantém um contínuo contato. Quando a Guarda de Ferro começa a assassinar políticos e a formar oficialmente "esquadrões da morte" (echipele mortii), Eliade não se distancia, pelo contrário, segue publicando propaganda e participa da campanha eleitoral da Guarda de Ferro em 1937.

Ao mesmo tempo, Eliade ensina a história das religiões na Universidade de Bucareste. Nessas ensinanças, que vão formar a base de suas obras sobre ideias religiosas, publicadas a partir de 1949, o historiador de religiões põe suas aulas a serviço da "revolução espiritual" pela qual lutavam ele e seus amigos da Guarda de Ferro (165-234). Em 1936, por exemplo, recomenda o uso de um mito central e símbolos míticos de uma nova "ordem cósmica" para fortalecer a ideologia da Guarda (177). Propõe seguir o modelo de Mussolini e sacralizar a política (179), especialmente com ritos de sacrifício e de cultos aos fascistas mortos para "um renascimento espiritual" da Romênia (202-05). Busca analogias em textos históricos para propor um totalitarismo "cristão" (205-08). Numa pré-história romena encontra traços de um cristianismo arcaico para fundar uma nova Romênia, unida como "povo eleito" numa religião cósmica (209) e lamenta os ataques dos profetas israelitas contra a religião cósmica de Canaã (213). Também afirma em 1937:
"Romênia cometeu a loucura de mostrar ao Ocidente que uma vida civil perfeita só se pode conseguir com uma vida autenticamente cristã e que o destino mais sublime de um povo é fazer história a medias de valores supra-históricos." (211)
Ou seja, ele utiliza a mitologia religiosa e a pré-história para apoiar o movimento fascista e erigir um estado totalitário cristão na Romênia. "Religião cósmica", "espiritual" e "revolução" são as palavras-chaves para disfarçar tanto o fascismo antissemita e xenófobo. Tanto Eliade como seu professor Ionescu fazem o trabalho na Romênia de Julius Évola, com o qual se encontram amistosamente em 1938, que leva isto adiante na Itália.

A simpatia de Eliade por Hitler também deixa rastros em seus textos, em suas cartas e conversações, ainda que, sem dúvida, prefira um fascismo mais cristão:
"O povo romeno pode resignar-se à mais triste decomposição que sua história jamais conheceu, admitir que tenha sido abatido pela miséria e a sífilis, invadida pelos judeus, e destroçado pedaços por estrangeiros, desmoralizado, traído, vendido por alguns milhões de lei? "Porque eu não creio no Movimento Legionário", Dezembro 1937" (226)
Elogia outro movimento cristão-fascista com as palavras: "Inclusive é melhor que Hitler". (184) Defende, ainda que de maneira ambígua, a noite contra as sinagogas na Alemanha; compara-a favoravelmente com as barbaridades anticristãs na Rússia e na Espanha (224). Nos textos de 1937 a 1945 já não restam dúvidas: Eliade é pró-Mussolini e é pró-Hitler. Fascista no mais completo sentido, mas à moda "romena". E não é tão jovem, completa 30 anos em 1937 e 38 em 1945.

As repressões e o golpes de estado que seguem às eleições de 1937 levam os membros dirigentes da Guarda de Ferro e Eliade à prisão, onde os legionários cantam "Gott mit uns!", protestando com a canção da SS (196). Eliade escapa do fuzilamento de seus amigos, mas é proibido de ensinar. Pensa em emigrar, mas em 1940 um governo (que já não crê mais na vitória dos aliados) libera os legionários e oferece a Eliade um posto na embaixada romena em Londres, como agregado cultural através do novo ministro de propaganda de Bucareste (200-01).

Na Inglaterra, o Foreign Office (Ministério de Relações Exteriores) o mantém sob vigilância, caracterizando-lhe como a pessoa mais nazificada na embaixada. Eliade se sente com as mãos atadas, impedido de propagar sua causa romena. Quando o governo inglês rompe com o governo de Bucareste (agora abertamente pró-nazi) em 1941, o traslado de Eliado para Lisboa foi a única alternativa para sair da Inglaterra (275-282).

À diferença do sucedido em Londres, na embaixada de Lisboa, Eliade encontra oportunidades para desenvolver sua propaganda fascista para o governo de Antonescu (286-324). A homenagem que realiza ao ditador Salazar mostra claramente qual era a nova ordem cósmica ou a revolução espiritual que propagava entre 1937 e 1945. O livro sobre Salazar não foi realizado por encargo, ainda que se tratasse de uma contribuição voluntária de Eliade a "uma forma cristã de totalitarismo", algo que ele definia também com a "reintegração do homem nos ritos cósmicos" (297). Como a derrota do fascismo na Segunda Guerra se fazia cada vez mais e mais evidente, Mussolini e o governo pró-nazi de Anotnescu foram substituídos, e Eliade, depois de escrever sobre o grande "sacrifício" dos soldados de Stalingrado (320), do horror do pacto "anglo-bolchevique" (275) e da iminente invasão norte-americana com a "degradação da Europa" (322), perdeu seu posto na embaixada (como um dos três mais expostos na propaganda fascista). Antes de renunciar, não deixou de lamentar a queda de Mussolini (322); ou seja, até o último momento manteve sua propaganda antissemita.

Em meio à enorme crise de 1944, Eliade retoma seu trabalho sobre história das religiões, ou seja, volta aos manuscritos de suas conferências em Bucareste. Em Portugal começa a escrever Le Mythe de l’éternel retour, o livro com o qual deve seu regresso ao mundo acadêmico depois de 49. Também seu primeiro livro pós-guerra, Traité d’histoire des religions (1949), tem suas raízes na derrota fascista de 44 e em 45.

O cavalo de Troia entre acadêmicos

A vida de Mircea Eliade depois da guerra se divide em duas fases: a de Paris (1945 até 1957) e a de Chicago (1957-1986). As duas estão estreitamente vinculadas. Aterrorizado de que se revelasse seu passado, começa a apagar sistematicamente seu rancor. Como quase ninguém lia romeno em Paris ou Chicago, encontrava bastante terreno para suas pretensões. Inclusive lhe ocultava seu passado a seus amigos mais próximos (383-416). Até sua morte nos Estados Unidos, guardou silêncio sobre os velhos tempos, ainda que não deixasse de manter relações com Julius Évola e os legionários exilados em Chicago. (O assassinato de seu aluno brilhante, Ioan Culiano, tem implicações legionárias não esclarecidas, como demonstra Laignel-Lavastine (485-89). Nos anos oitenta Eliade trabalhava com a NOVA DIREITA na França (461-62).

Do outro lado, Eliade se rodeava de um círculo de amigos, alunos deles judeus, que o protegem, às vezes ignorando seu passado: Georges Dumezil, Paul Ricoeur, Gershom Scholem e Saul Bellow, entre outros. E há gente com influência e muito dinheiro que o ajudam na recuperação de seus postos acadêmicos. Consegue acesso ao grupo Eranos de Carl Gustav Jung, a quem havia mostrado certas simpatias com Hitler nos anos 30, e através dele obtém apoio da Fundação Bollingen. O dinheiro provinha da família multimilionária dos Mellon nos EUA, e Jung tinha certa influência na fundação. Em todo caso, a beca da Fundação Bollingen lhe abriu o caminho à cátedra em Chicago. Uma quarta estratégia para acobertar seu passado foi uma extensa publicação de memórias, diários e reminiscências, tão parciais como em certos casos desonestas. A única exceção foi o diário de Portugal, que não foi redigido por Eliade, e que mostra suas ideias antes da derrota do fascismo.

Também há um vínculo forte entre as duas fases de Paris e Chicago com o passado de Bucareste e Lisboa. Não somente os dois primeiros livros de 1949, senão muito do que escreveu Eliade depois desse ano retém as posições centrais do seu passado. Laignel-Lavastine mostra em detalhe como cinco temas preferidos de Eliade repetem posições do fascismo cristão de sua época anterior:

A religião como oculta hierofania (que esconde e revela)
O culto do herói no labirinto (como modelo arquetípico)
O sacrifício sagrado como purga (o Holocausto)
O terror para história (consolado pela repetição)
O eterno retorno do pré-histórico (420-33)

Esses temas, em parte, evidenciam a posição intelectual que sustenta Eliade, de seu desejo de escapar de sua própria história - algo parecido com o caso de Paul de Man -, mas também mantém os fundamentos do fascismo espiritual de 37 a 45. Por exemplo, Eliade retém a ideia de que os judeus (depois del 45 Eliade usa a palavra "hebreus") substituíram a velha ordem cíclica do cosmos por uma concepção linear do tempo. O que diz sub-repticiamente, é que isso significa o desenvolvimento do mito do progresso, do racionalismo, da iluminação, das ciências, da tecnologia, da maçonaria, do freudianismo, do marxismo e da época moderna (212, 234, 429-51). O núcleo fascista de sua filosofia de religiões ficou intacto. É "O mito da reintegração" (um livro de 1942), "A necessidade de crer" (299), e o rechaço das ciências.

Por que então Eliade busca as universidade, os centros de ciências, da maçonaria judia, do racionalismo? Porque não se contentou com o rol de um Xamã da New Age nos EUA? Desde 1944, planificava em seu diário penetrar na Europa como um "cavalo de Troia no campo científico" (324). Já não confiava numa legião paramilitar para estabelecer seu totalitarismo espiritual. Queria destruir a cidadela das universidades desde dentro. Ou seja, continuar sua propaganda totalitária sob a camuflagem de uma história das religiões, que propagava o retorno de uma "ontologia arcaica" para deter a dissolução da "ordem cósmica" da sociedade.

Considerando essas luzes do passado, lê-se de outro modo o projeto de 1945, O mito do eterno retorno (há tradução espanhola na rede), esse livro que fez famoso entre leitores que não conheciam suas convicções subjacentes. Não contamos com o espaço para uma análise extensa, mas uma menção a umas linhas do prólogo mostra que Eliade não aceitou a derrota de suas ideias fascistas:
"O mito do eterno retorno é uma original introdução à Filosofia da História, cujo objeto de estudo são os mitos e crenças das sociedades tradicionais, movidas pela nostalgia do regresso às origens e rebeldes contra o tempo concreto. As categorias em que se expressa essa negação da história são os arquétipos e a repetição, instrumentos necessários para rechaçar as sequências lineares e a ideia de progresso. Um rechaço no que subyace, contudo, uma valorização metafísica da existência humana, uma ontologia arcaica que a antropologia filosófica deve incluir em suas reflexões em pé de igualdade com as concepções da cultural ocidental".
Eliade pretende escrever um ensaio sobre a filosofia da história (7), contudo o que oferece é um ataque ao "historicismo" racional de Hegel e Marx. Busca trocar a história pelo mito. O mito do eterno retorno é o perfeito cavalo de Troia para reintroduzis as bases ideológicas da Guarda de Ferro: a sacralização da política.

Em vez de comentá-las, convido a ler as seguintes citações tendo em conta que o livro foi começado em 1945, quando era derrotado o fascismo que propagava Eliade antes de sua demissão:
"Viver de conformidade com os arquétipos equivalia a respeitar a "lei", a lei não era senão uma hierofania primordial, a revelação in illo tempore das normas da existência, feita por uma divindade ou um ser místico". (58).

"Devemos agregar que esta concepção tradicional de uma defesa contra a história, essa matéria de suportar os acontecimentos históricos, seguiu dominando o mundo até uma época muita próxima a nós (1945); e que ainda hoje segue consolando sociedades agrícolas (tradicionais) europeias que se mantém com obstinação numa posição anti-histórica e por esse fato que se encontram expostas aos ataques violentos de todas as ideologias revolucionárias". (89)

"E, num momento (1945) no qual a história podia aniquilar a espécie humana em sua totalidade - coisa que nem o Cosmos, nem o homem, nem a causalidade conseguiram fazer até agora - não seria estranho que nos fosse dado assistir a uma tentativa desesperada para proibir 'os acontecimentos da história' mediante a reintegração das sociedades humanas no horizonte (artificial, por ser imposto) dos arquétipos e de sua repetição. Em outros termos, não está vedado conceber uma época, não muito distante, na qual a humanidade, para assegurar a sobrevivência, veja-se obrigada a deixar de 'seguir' fazendo a 'história' no sentido em ... que se conforme com repetir os feitos arquétipos pré-escritos ... " (96)
É o fascismo do eterno retorno. É deplorável que Eliade tenha escapado de uma crítica mais rigorosa de seus textos depois de 45. Em vez de considerá-lo como fundador de uma "história de religiões objetiva", seria necessário valorizá-lo numa línea com outros fascistas, como Julius Évola na Itália (Revolta contra o mundo moderno/Rivolta contro il mondo moderno, 1934) ou Alfred Rosenberg (Der Mythos des 20. Jahrhunderts, 1930) na Alemanha. O neo-paganismo de Évola e de Rosenberg ilumina obliquamente muitos aspectos do "espiritualismo" de Eliade. Os três trataram de ressacralizar a política, mas concretamente sacralizaram uma ditadura fascista no sentido de Emilio Gentile.

Wolfgang Karrer
Berlim, Alemanha, EdM, dezembro de 2012

Notas:

1. Laignel, Alexandra. Cioran, Eliade, Ionesco. L’oubli du fascisme. PARIS. Presses Universitaires de France, 2002 (Perspectives critiques).

2. Emilio Gentile. El culto del litoral. La sacralización de la política en la Italia fascista. Trad. L. Padilla López. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2007.

Fonte: Site Escritores del Mundo (Argentina)
http://www.escritoresdelmundo.com/2013/01/mircea-eliade-y-el-caballo-de-troya-en.html
Título original: Mircea Eliade y el caballo de Troya en el mundo académico, por Wolfgang Karrer
Tradução: Roberto Lucena

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Conheça o drama das crianças arrancadas das famílias em experimento social na Dinamarca

Helene Thiesen tinha acabado de perder o pai
quando foi levada de sua família para ir à Dinamarca
Ellen Otzen Da BBC News

Em 1950, um grupo de crianças da etnia inuit (anteriormente chamadas de esquimós) foi retirado de suas famílias na Groenlândia e levado à Dinamarca para que fossem educados como "cidadãos dinamarqueses".

O programa "Witness", da BBC, conversou com uma das vítimas deste polêmico experimento social.

"Era um dia lindo de verão quando dois distintos senhores dinamarqueses apareceram na nossa casa", lembra Helene Thiesen. Era 1951, ela vivia com sua família em Nuuk, a capital da Groenlândia.

"Estavam com um intérprete e com a minha irmã mais velha. 'O que eles estão fazendo aqui?', pensei. Estávamos bastante curiosos. Pediram que a gente saísse de casa enquanto minha mãe conversava com eles".

"Perguntaram à minha mãe se ela estava disposta a me mandar para a Dinamarca. Aprenderia a falar dinamarquês e teria uma boa educação. Disseram que seria uma grande oportunidade para mim", prosseguiu.

Helene conta que a mãe negou o 'convite' duas vezes. Mas os dinamarqueses seguiram pressionando. "Diziam que era só por seis meses e que eu teria a oportunidade de um futuro promissor."

Helene Thiesen (abaixo, à esquerda), com seus pais e irmãos na Groenlândia
'Novo groenlandês'

A Dinamarca estava decidida a melhorar as condições de vida da sua colônia ártica. Muitos deles, porém, viviam da caça às focas, poucos falavam dinamarquês e a tuberculose estava disseminada pela região.

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