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Uma correção tão necessária, não só para concepções populares do fascismo, mas também para um registro acadêmico que há muito tem deturpado o fascismo como política de "terceira via" entre o capitalismo e o comunismo, "O Aprendiz de feiticeiro" ("The Apprentice’s Sorcerer"), de Ishay Landa, argumenta convincentemente que o fascismo tem a sua origem na tradição liberal ocidental, embora de uma forma mais de acordo com a observação concisa de Upton Sinclair: "O fascismo é capitalismo, mais assassinato." Landa começa por identificar como uma precondição histórica para o fascismo "a tensão inerente entre a dimensão política da ordem liberal e sua natureza econômica "(21). Ou seja, a burguesia europeia do século XVIII exigiu governos representativos, a fim de libertar os mercados do protecionismo feudal, mas eles foram seguidos mais tarde pelas classes mais baixas, que, por sua vez, exigiram acesso à franquia para si, a fim de proteger seus próprios interesses, colocando o liberalismo econômico original contra o emergente liberalismo político. Quando John Locke defendeu a democracia como para escorar capitalismo, Vilfredo Pareto, cujas obras inspiraram Benito Mussolini, atacou a democracia "inteiramente nas premissas do liberalismo econômico", tais como "a sua restrição da 'livre circulação de capitais', e sua invasão da propriedade privada via tributação progressiva"(53). Cepas similares de pensamento eram correntes entre os pensadores alemães do período entreguerras, principalmente Oswald Spengler, e o estado de espírito (animus) de Adolf Hitler contra a democracia alemã foi baseado na crença de que "a República [de Weimar] significou uma interferência política ilegal e pernicioso na economia "(78).
Para melhor movimentar o debate para além da visão dominante da "terceira via" sobre o fascismo, Landa realiza um levantamento exaustivo do que ele chama de "liberais antiliberais" - como Arthur Moeller van den Bruck, Thomas Carlyle, George Sorel e outros - examinando como tais críticos ostensivos do capitalismo de fato procuraram reforçar a ordem liberal. Por exemplo, Landa profundamente argumenta que a crítica de Carlyle sobre o laissez-faire se baseia precisamente na observação de que "esse sistema conduz, apesar de si, à democracia e o governo das massas, destruindo o elitismo", como mais tarde liminares fascistas contra o laissez-faire foram empregadas "não fora do entusiasmo revolucionário, mas para evitar a revolução; não para desafiar o capitalismo, mas para aprumar seu navio; não para criar a sociedade sem classes, mas para consolidar as divisões de classe"(156, 157). O tema do declínio da civilização ocidental, expressa tantas vezes pelos primeiros pensadores do século XX, ergue-se regularmente a partir de desespero com a participação das massas na política, e Landa encontra em Sorel "não tanto um inimigo do capitalismo, como ... um inimigo do capitalismo fraco, dada a procura de compromissos com o socialismo parlamentar, que foi uma espécie de economia mista, decadente "(197).
Nos dois últimos capítulos do livro, Landa confronta quatro "mitos" sobre o fascismo. Em relação ao primeiro, de que o fascismo constitui uma tirania da maioria, Landa ilustra como supostas forças liberais defensoras da democracia, de Alexis de Tocqueville a Benedetto Croce, preocuparam-se principalmente com a supremacia das classes proprietárias, enquanto outros pensadores como Ludwig von Mises propôs que uma ditadura pode ser necessária para defender o liberalismo. Em relação ao segundo mito, contra a noção de que o fascismo promovia coletivismo enquanto o liberalismo promovia o individualismo, o autor observa "que tanto o fascismo quanto o liberalismo foram, de fato, permeados de ambivalências insolúveis em sua abordagem com o individualismo" (251-2); De fato, embora o fascismo regularmente empregava a retórica do coletivismo (colocando no topo a nação, raça ou sociedade), ele era também um individualismo também fetichizado na forma do "grande homem" e da democracia desmantelada em nome do individualismo. A origem da "Grande Mentira" cuida do seguinte escrutínio, e Landa o localiza dentro de uma longa tradição liberal de escritos esotéricos que visam apoiar as elites enquanto escondia a verdade das massas "vulgares" e "ingênuas". Finalmente, quanto às alegações de que o fascismo constituiu um ataque nacionalista sobre o cosmopolitismo liberal, Landa encontra fascistas exibindo um pouco da mesma ambivalência sobre a ideia de nação como eles fizeram com o individualismo (afinal, é através das nações que as massas têm os seus direitos) , embora para a Alemanha a nação forneceu "a plataforma necessária, da qual lança uma campanha de expansão capitalista" (319).
As novas abordagens de Landa exigem não apenas uma nova conceituação da tradição liberal, mas também - uma vez que este apresenta uma genealogia do fascismo não utilizado pela maioria dos estudiosos de violência em massa da Europa - uma revisitação a análises anteriores sobre a inter-relação entre fascismo e genocídio. Por exemplo, Aristotle Kallis, em "Genocídio e Fascismo: O condutor exterminador na Europa fascista (2009)" [Genocide and Fascism: The Eliminationist Drive in Fascist Europe], prontamente emprega a noção de "terceira via" para explicar como regimes fascistas desenvolveram visões utópicas de regeneração nacional que procuravam apagar o passado imediato e resgatar o Estado-nação, mas a tese de Landa fornece uma imagem muito mais rica desse desenvolvimento, pois agora o passado para ser expurgado é reconhecido como avanço democrático do interesse do povo, enquanto o estado para renascer é uma ordem hierárquica e contentamento entre as diversas classes quanto ao seu lugar nesta ordem. Além disso, a gama de vítimas, que inclui não apenas judeus, mas comunistas e socialistas, bem como os "não-produtores" (as pessoas fisicamente e mentalmente inaptas), faz muito mais sentido, se o fascismo é entendido como um capitalismo militante em vez de um conceito intelectual genérico ou anti-ideologia.
No entanto, alguns trabalhos recentes no campo de estudos sobre genocídio complementam a tese de Landa. Christopher Powell, em "Barbaric Civilization: A Critical Sociology of Genocide" (2011) [Civilização barbárica: Uma sociologia crítica do Genocídio], argumenta que o próprio discurso da civilização, na verdade, aumenta a capacidade de uma sociedade - e possibilita o monopólio do Estado - para a violência, especialmente porque o habitus "civilizador" permite uma fácil "idealização do outro" daquelas populações ou indivíduos que não compartilham essas 'performances' de comportamento civilizado. É claro que um dos marcadores da civilização tem sido a economia de livre mercado, e a ausência de um sistema deste tipo entre muitos povos do mundo, serviu bem para justificar a exploração colonial europeia dos chamados grupos "bárbaros"; muito antes dos líderes europeus do século XIX se preocuparem com as 'coisas' dos marxistas, o Inglês na América do Norte condenou as tendências "comunistas" dos nativos, cuja falta de qualquer conceito de "propriedade privada" lhes marcou como selvagens. Mesmo hoje em dia, entre os herdeiros da tradição liberal ocidental, o capitalismo é equiparado com a civilização - as forças de ocupação norte-americanas no Iraque começaram a privatizar grandes setores do governo a partir do momento em que seus pés tocaram o chão de Bagdá, apresentando-a ao mundo como uma "modernização" da sociedade iraquiana.
Em seu epílogo, Landa ilustra brevemente como as elites empresariais e governamentais no Reino Unido e nos Estados Unidos, na verdade, simpatizavam com o fascismo, com Winston Churchill até mesmo soltando elogios ocasionais a Hitler: "O verdadeiro Sonderweg, ao que parece, não é um alemão, ou um italiano, ou um espanhol, ou uma forma austríaca, mas o caminho do Ocidente"(248). Tal expansão de nossa perspectiva é muito atrasada. Em um trabalho recente, "Origins of Political Extremism: Mass Violence in the Twentieth Century and Beyond (2011)" [As origens do extremismo político: violência em massa no século XX and além], o cientista político Manus I. Midlarsky coloca o nacional-socialismo alemão, o imperialismo japonês e islamismo radical sob o microscópio, mas deixa intocadas atrocidades tais como a brutal ocupação britânica da Índia (o modelo que Hitler aspirava), a colonização belga do Congo, ou a guerra genocida dos Estados Unidos contra os nativos norte-americanos; mas, em seguida, nenhuma delas, apesar do número de mortes rivalizar com o Holocausto, encaixam-se em sua definição de extremismo, pois, em vez de serem vistos como fora do centro político de suas respectivas sociedades, descontínuos com a história anterior, os autores destas atrocidades encarnavam de fato os ideais de suas respectivas sociedades - especialmente a primazia do sistema capitalista.
Portanto, a tese de Landa nos permite começar a construir um quadro conceitual muito maior das atrocidades em massa e suas origens, revelando que a tradição liberal não reside apenas na parte inferior do extremismo fascista na Europa, em todas as suas armadilhas terríveis, mas também no Destino Manifesto dos Estados Unidos e muito mais. Neste quadro, os ideais e ações de fascistas não são tão únicos, não tão estranhos, mas muito familiar.
Onde Landa ocasionalmente perde o fio do seu argumento é nos lugares onde ele traz a sua análise para casar com as décadas pós-fascistas (se é que podemos falar de tal). Depois de notar como a retórica fascista no individualismo santificou o sacrifício do indivíduo para o bem maior - "o indivíduo" virá sempre em primeiro lugar, quando confrontado com a sociedade de massa; mas a "sociedade" virá em primeiro lugar, quando confrontada com as demandas de massas de indivíduos"(255) - ele salta para a administração de Margaret Thatcher, ilustrando a mesma dinâmica de sua retórica, como sua negação dos sem-teto como um grupo contra ela, ou como o coletivismo em convocar o bem maior da sociedade durante a guerra pelas Ilhas Malvinas. Da mesma forma, ao explicar as origens liberais do "Grande Mentira" fascista, Landa desvia na sobreposição de teatro e política, especialmente como manifestado na carreira de Arnold Schwarzenegger, que brevemente contrasta tais filmes anti-establishment dele como "The Running Man" (O Sobrevivente) e "Total Recall" (O Vingador do Futuro), com seu pró-establishment como governador da Califórnia.
Claro, este é um subtexto crítico deste livro que, se o fascismo não se origina de um impulso antiliberal e irracional confinado num tempo e lugar, mas sim das próprias contradições inerentes à tradição liberal, a tradição pela qual nossas vidas continuam a ser governadas, então o fascismo pode emergir mais uma vez, talvez com uma mudança de marca sob alguma "cara nova" - ou talvez nunca tenha ido embora totalmente. Nos Estados Unidos, inúmeros políticos têm suas carreiras financiadas pelos capitalistas, trabalham abertamente a fim de limitar o poder de voto dos pobres e não-brancos - uma solução clássica para a crise do liberalismo. Na escala global, o Fundo Monetário Internacional (FMI) exige que as nações do Sul do globo fiquem satisfeitas com sua sorte (a classe de contentamento de idade), como privatizam componentes de suas comunidades e as priva de seus recursos. Podemos dizer que essas medidas evidenciam elementos de um impulso fascista dentro de nossos sistemas políticos e econômicas? Sim, podemos, pois o trabalho magistral de Landa responde a reclamação de George Orwell ao preencher a palavra "fascista" com significado e poder mais uma vez, e que ela pode ser utilizada não como um insulto genérico, mas como uma boa descrição daqueles que destruiriam a democracia para o bem do lucro.
31 de outubro de 2012
Autor: Ishay Landa
The Apprentice’s Sorcerer: Liberal Tradition and Fascism
Haymarket Books, Chicago, 2012. 362pp.
ISBN 9781608462025
Sobre Ishay Landa: israelense, Professor titular de História da Universidade Aberta de Israel
Sobre Guy Lancaster: Dr. Guy Lancaster é editor da Enciclopédia Online de História e Cultura do Arkansas e autor de "Racial Cleansing in Arkansas, 1883–1924: Politics, Land, Labor, and Criminality" (Lexington Books, 2014) [Limpeza étnica/racial no Arkansas, 1883-1924: Política, terra, trabalho e criminalidade"].
Fonte: Marx and Philosophy Review of Books
http://marxandphilosophy.org.uk/reviewofbooks/reviews/2012/629
Título original: The Apprentice’s Sorcerer: Liberal Tradition and Fascism; Reviewed by Guy Lancaster
Tradução: Roberto Lucena